MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA DE PRISÃO
Sumário

I - Considera-se adequada a medida concreta da pena de prisão efectiva de 1 ano e 7 meses, fixada em cúmulo jurídico, em razão da elevada ilicitude dos factos, da reincidência do agente e da violação da liberdade condicional, não se verificando qualquer excesso ou desproporcionalidade à luz dos artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal.
II - Recusa-se a aplicação do regime de suspensão da execução da pena de prisão, ao abrigo do artigo 50.º do Código Penal, por inexistência de um juízo de prognose favorável, em virtude do historial criminal do arguido, do incumprimento reiterado de medidas penais anteriores e da ausência de arrependimento efectivo.
III - Afasta-se a relevância jurídica das condições sociais do arguido, designadamente a situação de sem-abrigo e a intenção genérica de indemnizar, por não se sobreporem aos critérios normativos da responsabilidade penal individual, nem infirmarem os pressupostos da prevenção especial.

Texto Integral

Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

1 - RELATÓRIO
I - Nestes autos, que correram termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Sintra - JL Criminal - Juiz 1, em que é AA, com os restantes sinais dos autos, foi proferida sentença, que decidiu nos seguintes termos: (transcrição)
Pelo exposto decido:
A) Condenar o arguido AA pela prática entre ... a ... de ... de 2024 de um crime de dano do artigo 212º, nº 1 do CP na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
B) Condenar o arguido AA pela prática entre ... a ... de ... de 2024 de um crime de introdução em lugar vedado ao público do artigo 191º do CP, na pena de 2 (dois) meses e 15 (quinze) dias de prisão;
C) Em cúmulo jurídico das penas aplicadas em A) e B), nos termos do artigo 77º, nºs 1 e 2 do CP, condenar o arguido AA na pena única de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão.
D) Condenar o arguido nas custas do processo, com taxa de justiça que se fixa em 2 UC´s..”
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II- Não se conformando com esta decisão, dela interpôs recurso o Arguido, com as seguintes conclusões: (transcrição)
1. Ao ora Recorrente foi aplicada pelo Colendo Tribunal a quo uma pena de prisão de um ano e sete meses de prisão efetiva.
2. Ao arguido deveria ter sido aplicada uma pena inferior àquela em que foi condenado.
3. Tal pena é excessiva e desadequada.
4. O arguido colaborou com o tribunal, confessou os factos e referiu que estava disposto a indemnizar a lesada pelos prejuízos suportados, que se estimam em 1.000,00€ (mil euros) no arranjo da porta e das fechaduras;
5. O tribunal deveria ter considerado o circunstancialismo que levou a prática dos factos pelo arguido,
6. O arguido encontrava-se a dormir na rua e foi perante o seu desespero, sabendo que o imóvel se encontrava desabitado que o invadiu para ter um teto para dormir;
7. Assim, o arguido atuou num estado emocional de grande tensão que não conseguiu conter.
8. O arguido averba outras condenações no seu registo criminal mas por tipo de crimes diferentes dos ora praticados.
9. O arguido não deveria ter sido condenado em prisão efetiva mas sim numa pena não privativa da liberdade ou, a não entender-se assim, e que fosse numa pena de prisão a mesma deveria ter sido suspensa, uma vez que, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, que são, como se sabe, e é lembrado pelo AC S.T.J. de 18.10.2007 (processo n.º 2311/07-5), a tutela dos bens jurídicos e a reinserção social do condenado.
10. Atendendo ao facto de que em liberdade o arguido encontra-se a trabalhar bem como está a terminar o 12º ano e reside com o seu tio.
11. Assim sendo, tem todas as condições para em liberdade conseguir providenciar pelo seu sustento e pela manutenção de uma vida de acordo com o direito.
12. A manter-se a decisão de que ora se recorre, o Arguido verá aniquilados os seus firmes propósitos de ser um cidadão produtivo para a sociedade.
13. Ainda é possível fazer um juízo de prognose favorável no sentido de se concluir que é suficiente a simples censura dos factos e a ameaça do cumprimento efetivo da pena, para garantir as exigências de reprovação e de prevenção contra a criminalidade futura e a reinserção social do recorrente nos termos do disposto no art. 50.º do CP.
14. Assim, deve após a reapreciação da matéria de facto dada como provada, ser revogada a Douta decisão recorrida, sendo substituída por outra que seja especialmente atenuada, devendo, a manter-se a pena de prisão, ser a mesma suspensa na sua execução, ao abrigo do disposto no art.50.º do C.P.P., mesmo que sujeita a regime de prova.”
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III- O Ministério Público respondeu ao recurso defendendo a correcção da sentença e a necessidade de aplicação efectiva da sanção determinada, pugnando pela sua total improcedência.
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IV - Neste tribunal a Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer subscrevendo a posição assumida pelo MP na 1ª instância.
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V - No âmbito do disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido/recorrente não deduziu resposta ao parecer.
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VI - Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c) do citado código.
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2. OBJECTO DO RECURSO
I - De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Seguindo esta ordem lógica, no caso concreto e atentas as conclusões, as questões a apreciar, e no quadro da medida concreta da pena aplicada ao arguido, são:
a. Saber se a pena única aplicada ao arguido é excessiva e desproporcionada face à culpa e às exigências de prevenção;
b. Saber se a sentença recorrida deveria ter aplicado ao recorrente a suspensão da execução da pena de prisão (artigo 50.º do Código Penal), em face das suas condições pessoais e sociais.
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3. FUNDAMENTAÇÃO
I- Na sentença recorrida deram-se como provados e não provados os seguintes factos: (transcrição)
A) Factos Provados:

O imóvel sito na ..., é composta por duas moradias e pertence à herança de BB, da qual é CC é uma das herdeiras.

Ambas as moradias encontravam-se desocupadas desde, pelo menos,... de 2024.

Em data não concretamente apurada, mas entre o mês de ... de 2024 e o dia ...-...-2024, o arguido deslocou-se à moradia principal, que se encontrava mais à frente, e de forma não concretamente apurada tentou abrir, através do uso da força física, a porta blindada que aí existia, não o tendo logrado fazer, mas tendo provocado estragos na mesma.

De seguida, o arguido, de forma não concretamente apurada, partiu as portadas de madeira da janela, logrando entrar no seu interior.

O arguido dirigiu-se ainda à outra moradia e, de forma não concretamente apurada, partiu e removeu duas fechaduras do portão e da porta do edifício das traseiras, substituindo as mesmas por outras, logrando assim entrar no imóvel e forçou igualmente a porta da marquise até partir a mesma.

Com a sua conduta, o arguido provocou um prejuízo monetário à ofendida de, pelo menos, mil euros.

O arguido agiu com a intenção concretizada de estragar as fechaduras e portas dos imóveis, bem sabendo que atuava sem autorização e em prejuízo do seu legitimo proprietário.

O arguido agiu com o propósito concretizado de entrar no espaço que constitui o imóvel da ofendida, espaço fisicamente limitado e vedado, sabendo que se estava a introduzir nesse espaço sem ter sido permitida a sua entrada, e aí permaneceu sem o consentimento ou autorização da proprietária, sabendo que era necessária.

O arguido passou a habitar naquele local como se seu fosse, designadamente ali dormindo e confecionando as suas refeições, aproveitando-se ainda da energia eléctrica e da água que fornecia a habitação
10º
O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era prevista e punida por lei penal.
11º
O arguido foi condenado nos seguintes processos:
Por sentença transitada em julgado em 24.01.2017 proferida no proc. 1742/15.1PBSNT foi condenado pela prática em ........2015 de 3 crimes de roubo na pena de 4 anos de prisão suspensa pelo mesmo período que viria a ser revogada em 10.12.2019.
Por sentença transitada em julgado em 8.08.2019 proferida no proc. 1513/18.3PLSNT foi condenado pela prática em ........2018 de um crime de roubo na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
O arguido foi libertado condicionalmente desde 10 de Maio de 2022, pelo período de tempo que lhe faltava cumprir; ou seja; até 10 de Julho de 2024 e por decisão proferida pelo TEP no processo 226/16.5TXLSB-X, foi decidido revogar a liberdade condicional que lhe tinha sido concedida determinasse a execução das penas de prisão pelo tempo ainda não cumprido: 2 anos e 2 meses de prisão.
12º
O arguido encontra-se empregado auferindo um ordenado no valor mensal de € 800,00 e frequenta o 12º ano de escolaridade, residindo com um tio em casa do mesmo.
B) Factos não Provados:
Inexistem.”.
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II- Quanto à motivação da decisão de facto: (transcrição)
O arguido foi surpreendido pela autoridade policial na habitação de CC (cfr. auto por detenção de fls. 2 e ss), sendo na verdade esta uma das herdeiras de tais moradias conforme elucidou e já resultava do teor da caderneta predial de tais imóveis. O arguido daquele espaço estava a fazer a sua casa e para ali até tinha levado pertences pessoais como micro-ondas, etc. Servia-se dos equipamentos da casa e da luz e água que a abasteciam. O frigorífico estava com comida e a cama feita, como relatou CC visivelmente desconfortável com tal invasão das casas da sua família.
Daí que perante a evidência da invasão, o arguido não tinha como a negar, procurando justificar-se na falta de residência própria. No entanto restringiu a sua actuação à mudança de fechadura do portão da entrada da moradia. Tal foi, contudo, infirmado por CC que se deslocava pelo menos uma vez por mês àquelas casas para ver o correio, fazer limpezas e arejar o espaço e foi surpreendida desde logo com a alteração da fechadura do portão de acesso, contatando depois que também a da casa onde o arguido estava a habitar tinha sido mudada (o mesmo constando do auto de notícia). Para além disso a outra moradia tinha uma porta blindada que o arguido tentou abrir mas não conseguiu, forçando a mesma e amolgando-a. Como não logrou aceder a este espaço pela porta partiu a janela da habitação por onde terá também saído, acabando por ocupar a outra moradia por ter conseguido entrar na mesma com a remoção e substituição de fechaduras. CC encontrou as casas totalmente remexidas e estimou ter suportado pelo menos mil euros com as reparações e substituições necessárias (fechaduras, portas e janelas, sendo que a porta blindada não foi substituída).
No mais o tribunal analisou o CRC do arguido e o processo 1513/18.3PLSNT ao qual o TEP comunicou a revogação da liberdade condicional atribuída ao arguido, bem como a informação da DGRSP chegada aos autos em 24.01.2025.
A crer nas declarações do arguido o mesmo estará empregado e a estudar, residindo com um familiar.”.
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4. APRECIANDO
A decisão sobre a medida da pena e a respectiva suspensão da sua execução constitui uma das mais sensíveis tarefas do julgador em matéria penal, exigindo criteriosa ponderação entre a gravidade da infracção, a culpa do agente e as exigências de prevenção. Em sede de recurso, como é o caso dos autos, a sindicância da pena concretamente aplicada e a verificação da oportunidade de concessão da suspensão da execução da pena de prisão são matérias de alta relevância, onde se cruzam princípios estruturantes da justiça penal: a dignidade da pessoa humana, a legalidade penal e a proporcionalidade da intervenção sancionatória do Estado.
A fixação concreta da pena, enquanto acto judicial de valoração e escolha, está delimitada por uma moldura penal abstracta e é orientada por critérios normativos densamente regulados no Código Penal. O artigo 71.º, n.º 1, estabelece que:
A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.”
No caso concreto, o tribunal a quo aplicou ao arguido a pena única de 1 ano e 7 meses de prisão efectiva, em cúmulo jurídico de duas penas parcelares:
i. 1 ano e 6 meses de prisão pelo crime de dano (art. 212.º, n.º 1, CP);
ii. 2 meses e 15 dias pelo crime de introdução em lugar vedado ao público (art. 191.º CP).
Esta decisão encontra-se solidamente fundamentada nos termos do artigo 71.º do CP, tendo o tribunal ponderado as seguintes circunstâncias:
i. A elevada ilicitude dos factos: entrada forçada em imóveis alheios, destruição de portas e fechaduras, apropriação de utilidades (água e electricidade), ocupação do imóvel como residência.
ii. A intensidade do dolo e a actuação premeditada do agente.
iii. A conduta anterior do arguido: reincidência por crimes de roubo e violação da liberdade condicional anteriormente concedida.
iv. A ineficácia de medidas não privativas da liberdade anteriores.
Face a este quadro, qualquer alegação de que a pena seria “excessiva ou desproporcionada” não resiste a uma análise técnico-jurídica criteriosa. A sentença respeita não só os limites legais como também os critérios interpretativos.
A pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral; no máximo, não deve exceder a medida da culpa. E, em concreto, deve situar-se no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade..
Nada, pois, aponta para uma violação do princípio da proporcionalidade. Antes se constata que a medida da pena foi prudente, moderada e ajustada, atendendo ao comportamento reiterado do arguido, ao momento da prática dos factos (em plena liberdade condicional) e à sua conduta posterior desprovida de arrependimento ou reparação activa.
Argumenta o recorrente que o tribunal recorrido não terá considerado devidamente as suas condições pessoais e sociais, nomeadamente: a confissão dos factos, a ausência de apoio familiar, a situação de sem-abrigo, a alegada ausência de furtos no interior da habitação, e a sua actual integração social e profissional.
Esta alegação deve ser analisada à luz do que o próprio artigo 71.º do Código Penal exige. Nos termos do seu n.º 2, alíneas a) a f), são atendíveis na determinação da pena:
“Todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.”
Ora, o tribunal explicitamente ponderou os factores atenuantes invocados — nomeadamente a colaboração processual e a situação de integração social —, como resulta da motivação da sentença. Contudo, estes elementos foram correctamente tidos como insuficientes para contrariar os gravíssimos elementos de desvalor da acção e da personalidade do agente, a saber:
i. A prática dos crimes durante o período de liberdade condicional, por si só factor de particular censura;
ii. O histórico de incumprimento de penas suspensas;
iii. A ausência de arrependimento activo, traduzido na não reparação dos danos (a vítima estimou o prejuízo em €1.000, sem qualquer restituição voluntária por parte do arguido);
iv. O grau de energia criminosa necessário à concretização dos factos: entrada forçada, destruição de estruturas físicas, alteração de fechaduras, apropriação de serviços públicos.
Acresce dizer que a simples confissão dos factos, por si só, não constitui fundamento bastante para atenuação especial ou suspensão da execução da pena, quando conjugada com conduta anterior de desrespeito reiterado pelo direito penal.
Nesta medida, a argumentação do arguido/recorrente assenta numa interpretação distorcida da função das circunstâncias atenuantes, pretendendo sobrepor elementos emocionais à lógica normativo-penal.
A invocação de contexto de vulnerabilidade social, embora compreensível do ponto de vista humano, não tem aptidão para neutralizar os pressupostos de responsabilidade penal. A circunstância de o arguido estar sem tecto não autoriza juridicamente a violação do domicílio alheio nem a apropriação do espaço como se próprio fosse. Esta lógica, a ser aceite, fragilizaria a própria estrutura do Estado de Direito e os fundamentos da protecção penal da propriedade privada.
O recorrente invoca ainda que, a manter-se a pena de prisão, deveria ter sido suspensa na sua execução, ao abrigo do artigo 50.º do CP. Contudo, essa pretensão revela total desconhecimento da ratio legis e das condições normativas estritas para a aplicação do instituto da suspensão.
Nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal:
O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
O elemento central é o chamado juízo de prognose favorável — ou seja, a fundada convicção de que o arguido não voltará a delinquir e de que a ameaça da prisão basta à sua ressocialização.
Ora, não se verifica nos autos qualquer base objectiva que legitime esse juízo de confiança no arguido. Pelo contrário:
i. O arguido já beneficiou de pena suspensa, e reincidiu;
ii. Foi concedida liberdade condicional, e voltou a cometer crimes durante esse período;
iii. Revela débil consciência crítica sobre o desvalor da sua conduta;
iv. Não tomou qualquer iniciativa de reparação da vítima, nem demonstrou efectivo arrependimento.
Estes factores foram correctamente analisados na sentença recorrida, que concluiu — com inteira justeza — pela inexistência de fundamento objectivo para aplicação da suspensão da pena.
Não pode ser suspensa a pena quando o agente demonstra total insensibilidade à censura penal, evidenciada por múltiplas reincidências e incumprimentos de medidas anteriores. A suspensão pressupõe um mínimo de confiança, que aqui está ausente.
Para além da conformidade formal da sentença com os artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal, importa sublinhar que a opção por pena de prisão efectiva realiza plenamente as finalidades das penas, particularmente na vertente da prevenção especial.
O artigo 40.º, n.º 1, do CP, consagra que a aplicação de penas tem como finalidade a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Já o n.º 2 do mesmo preceito reforça que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, consagrando o princípio da proporcionalidade interna da pena.
Neste caso, a medida de 1 ano e 7 meses de prisão encontra-se muito longe do tecto máximo das molduras abstractas dos crimes em causa. A escolha de pena privativa de liberdade — e não uma pena de multa — resulta, assim, de uma ponderação estritamente necessária à manutenção da confiança da comunidade no ordenamento jurídico.
A pena sem efeito prático de contenção revela-se contraproducente, pois a pena suspensa na sua execução deve ser reservada a agentes primários ou de baixo grau de perigosidade criminal.
Assim, não se vislumbra qualquer infracção ao princípio da legalidade nem qualquer desvio das finalidades da pena. O que se verifica é a consequente aplicação da pena proporcional ao facto praticado, após análise integrada da personalidade do agente e da factualidade provada.
Mais:
Entre os factores que impedem a aplicação da suspensão da execução da pena no caso concreto, destaca-se de forma particularmente relevante a reincidência criminal do arguido, e a prática dos factos durante o período de liberdade condicional.
Estes dois elementos não apenas militam contra a prognose favorável, como, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, CP, constituem obstáculo quase absoluto à concessão da suspensão da pena.
É que a suspensão da execução da pena pressupõe que o agente não tenha anteriormente beneficiado de tal medida com incumprimento. Quando a pena anteriormente suspensa foi revogada e o agente continuou a delinquir, a confiança necessária à sua concessão desaparece.
Veja-se:
O arguido foi condenado em 2017, com pena suspensa, que veio a ser revogada. Foi novamente condenado em 2019 e beneficiou de liberdade condicional em 2022. Os factos aqui julgados ocorreram durante o cumprimento dessa liberdade condicional, o que leva o próprio TEP a revogar a mesma, conforme consta do CRC junto aos autos.
Este comportamento reincidente e persistente é, por si só, apto a destruir qualquer fundamento para a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena, pois revela que o arguido não aproveita as oportunidades que o sistema penal lhe concede, comprometendo a eficácia preventiva e ressocializadora das medidas substitutivas.
Outro argumento é o de que o arguido se mostrou disposto a indemnizar a vítima, estimando os danos em mil euros. Todavia, importa sublinhar que:
i. A alegada intenção nunca se concretizou espontaneamente;
ii. Não houve iniciativa voluntária de pagamento ou sequer de proposta concreta de ressarcimento;
iii. A expressão da vontade de indemnizar ocorreu no momento de julgamento, e apenas como parte da estratégia de defesa.
A mera intenção de ressarcir, desacompanhada de acto voluntário e efectivo, é juridicamente irrelevante para efeitos de aplicação da suspensão da pena.
Na verdade é sabido que a indemnização da vítima apenas tem relevo atenuante se for voluntária, espontânea e ocorrida antes do julgamento. A indemnização forçada ou estratégica não basta para justificar suspensão da execução da pena.
Neste sentido, a referência à intenção do arguido não constitui circunstância bastante para inverter o juízo de prognose, nem para alterar a ponderação dos fins das penas, sendo legítimo e juridicamente exigível que essa reparação se concretize de forma voluntária e anterior à sentença.
Um traço evidente do recurso interposto pelo arguido é a insistência em argumentos de índole emocional ou subjectiva: a sua situação de sem-abrigo à data dos factos, o alegado desespero, a ausência de familiares, a intenção de reorganização pessoal, entre outros.
Embora compreensíveis do ponto de vista humano, estes elementos não podem assumir papel decisivo na ponderação judicial da pena em detrimento dos critérios objectivos de legalidade, culpa e prevenção. O direito penal não é um direito penal do sofrimento, mas sim um sistema jurídico normativo de protecção de bens jurídicos e de responsabilização individual pela violação de normas essenciais de convivência.
O próprio artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal determina que o julgador deve considerar todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente.
Mas a análise destas circunstâncias deve ocorrer com racionalidade, prudência e objectividade. Não se trata de julgar com base em narrativas sentimentais ou estados de vulnerabilidade não directamente relacionados com a responsabilidade penal.
Não pode o juiz penal abdicar da função de tutela da legalidade e da segurança jurídica, substituindo a avaliação jurídica por compaixão ou empatia subjectiva. Tal enviesaria o sistema, criando um modelo penal discricionário, fragmentado e incompatível com os princípios constitucionais do Estado de Direito.
À luz de tudo quanto se expôs, é evidente que a sentença sob recurso cumpre, com exactidão e equilíbrio, os critérios legais exigíveis.
A pena única de 1 ano e 7 meses de prisão:
i. Respeita a moldura penal aplicável;
ii. É proporcional à culpa e à gravidade dos factos;
iii. Tem como suporte uma adequada ponderação das exigências de prevenção;
iv. E, sobretudo, é a única compatível com o padrão de comportamento anterior e posterior do arguido.
Quanto à não aplicação do regime do artigo 50.º CP, ela não só é juridicamente adequada como necessária. A mera ameaça de prisão mostrou-se, por múltiplas vezes, ineficaz perante o arguido. O sistema jurídico não pode perpetuar ciclos de incumprimento com medidas simbólicas ou indulgentes que só enfraquecem a autoridade da norma penal.
Impõe-se, pois, a improcedência do recurso interposto pelo arguido.
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5. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores da 3.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso, e confirmar integralmente a sentença sob censura.
Custas a cargo do recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4UCs.
Notifique.

Tribunal da Relação de Lisboa,18-06-2025
Alfredo Costa
Cristina Isabel Henriques
Rosa Vasconcelos
Processado e revisto pelo relator (artº 94º, nº 2 do CPP)
Ortografia pré-acordo