TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
MEDIDA DA PENA
Sumário

I – Em rigor, o arguido não impugna a matéria de facto. O que faz é interpretar a mesma de outra forma, discordando com a interpretação dela a que chegou o Tribunal a quo em alguns casos e, noutros, discordando apenas das consequências dela retiradas.
II - O princípio da presunção de inocência encerra uma ponderação cuja necessidade resulta da aceitação e do reconhecimento de que a verdade processual afasta-se, em muitos casos, da verdade histórica, por esta ser, em muitas situações, inatingível ou, pelo menos, não demonstrável.
III - O princípio in dubio pro reo, constitui um princípio probatório, segundo o qual a dúvida em relação à prova da matéria de facto, tem de ser sempre valorada favoravelmente ao arguido, traduzindo o correspectivo do princípio da culpa em direito penal, a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta como suporte axiológico-normativo da pena.
IV – A pena de prisão suspensa, sujeita ou não a certas condições ou obrigações, é a reação penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social e que não só antevê, como propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, que é um dos vetores dos fins das penas (função de prevenção especial de reinserção ou positiva).
V - Importa considerar ainda a proteção dos bens jurídicos violados, a proteção da própria sociedade em relação ao agente do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente este último, se possa esperar que o mesmo não venha a adotar novas condutas desviantes (função de prevenção especial defensiva ou negativa).
VI - Na proteção dos bens jurídicos, será ainda de destacar que a reação penal a aplicar deve, tanto quanto possível, neutralizar o efeito do delito, passando este a surgir, inequivocamente, como um exemplo negativo para a comunidade e contribuindo, ao mesmo tempo, para fortalecer a consciência jurídica da mesma (função de prevenção geral).
Da ponderação destes elementos, decorre que, por vezes, sobrepondo-se à função ressocializadora,

Texto Integral

Acordam os juízes da 3ª Sec. Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório
Pelo Juízo Local Criminal de Lisboa – J10 – foi proferida Sentença que decidiu do seguinte modo:
(…)
a) Condeno o arguido AA, como co-autor material, pelo cometimento de um crime de Tráfico de Menor Gravidade, previsto e punível pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às Tabelas I-B e I-C, em que se convola a imputação que lhe era realizada na acusação da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão efectiva;
(…)
Inconformado, o arguido AA interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
(…)
45. O tribunal a quo fundamentou a sua decisão na apreciação de prova que realizou com base nas regras da experiência comum e na livre convicção do juiz, segundo o disposto no artigo 127.º do Código do Processo Penal.
46. Relativamente aos factos 1 a 15 da acusação pública, o tribunal recorrido valorou as declarações prestadas pelas testemunhas BB e CC, em conjugação com o teor do auto de notícia, autos de apreensão e fotografias, bem como recorreu às regras da experiência comum.
47. Das declarações da testemunha BB, agente da PSP, apenas se conclui que as mesmas procuraram reproduzir o conteúdo do auto sem nunca ter conseguido concretizar quais os movimentos e gestos que o aqui recorrente terá alegadamente feito que pudessem levar a patrulha encarregue pela operação de vigilância a suspeitar daquele.
48. Através da audição da gravação da inquirição da testemunha BB – a partir de 00h00m20s – é possível verificar a falta de concretização dos conceitos abstratos de “gestos”, “comportamentos” que se faz referência nos auto de noticia e que a testemunha voltou a referir nas suas declarações.
49. Ocorre ainda para a confusão de ideias ou pelo menos para a sua falta de concretização que segundo a testemunha o recorrente era uma pessoa conhecida naquele bairro, vista várias vezes a frequente aquele local, não obstante a sua residência localizar-se fora daquela urbanização.
50. Conclui-se, portanto, que as declarações da testemunha BB não acrescentam mais nada do que a informação constante da prova documental que per si e no que diz respeito ao recorrente nada diz.
51. Por outro lado, é na testemunha CC que se afere com notoriedade o erro na apreciação da prova, bem como na ausência de um raciocínio lógico entre os factos considerados como provados pelo tribunal recorrido, a prova produzida e o fundamento da sentença recorrida.
52. Se é verdade que a testemunha BB não consegui descrever com exatidão os alegados movimentos do recorrente – que considerou suspeitos – apenas conseguindo confirmar a sua presença, é ainda mais verídico que o confronto com desta testemunha com as declarações da testemunha CC deixam ainda mais duvidas não sobre a presença do arguido naquela urbanização mas sim sobre a ilicitude da sua conduta.
53. Considerou como provados os factos n.º 4 e 5 em que é genericamente referido que o arguido AA, aqui recorrente, foi abordado pela testemunha, pedindo-lhe que fosse fornecida uma determina quantidade de estupefaciente. O tribunal a quo deu como provado, no seguimento do afirmado na acusação pública, que o ora recorrente reencaminho a testemunha CC para junto do arguido DD.
54. Através das declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, a testemunha foi perentória, não obstante os esforços da Digníssima Magistrada do Ministério Público no momento da sua inquirição em assacar alguma informação para salvar a sua acusação contra o aqui recorrente, em afirmar que não foi ao encontro daquele para ser reencaminhado ou para adquirir produto estupefaciente, mas sim, tal como dito pela testemunha de forma natural, direta e espontânea, foi diretamente ao encontro do alegado vendedor, também arguido nos presentes autos.
55. Face à fragilidade da prova produzida e ausência de demonstração cabal da veracidade dos factos que são imputados ao arguido não poderia o tribunal recorrido, por um lado, considerar os factos supra mencionados como provados e, por outro, deveria aplicado o princípio in dúbio pro reo no seu raciocínio.
56. Em bom rigor, o que se verificou foi uma antecipação da condenação do início ao fim do julgamento. Determinam os mais elementares princípios e regas do direto penal e processual penal que se deve dar primazia à aplicação do princípio in dúbio pro reo.
57. “O julgador tem de saber destrinçar o essencial do acessório, e a prova dos factos essenciais é que deve sobrepor-se à prova dos acessórios ou instrumentais, e não o contrário” (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido a 6 de janeiro de 2010 no âmbito do processo n.º 60/09.9SAGRD.C1)
58. O que se conclui da sentença recorrida não é só a não aplicação do principio in dúbio pro reo. Mas tão só que esta não aplicação é uma consequência direta no erro na apreciação da prova e, consequentemente, a ausência de conclusão que a prova produzia não é de todo suficiente para imputar qualquer facto constante da acusação pública.
59. “O princípio in dubio pro reo pode ser reportado a um erro notório na apreciação da prova como descrito no artº 410º nº 2 al. c) do C.P.P.; Antes de se aplicar este princípio tem o Tribunal de eliminar, dentro da razoabilidade, toda a dúvida existente.”. (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido a 24 de novembro de 2021 no âmbito do processo n.º 72/19.4PULSB.L1-3)
60. Com o devido respeito, faltou ao tribunal a quo, alternativamente, a capacidade de fundamentar a decisão que proferiu com base na produzida. Todavia, não era possível fazer melhor considerando o que foi extraído da prova produzida em julgamento.
61. Aliás, não poderia demonstrar mais nada do que demonstraram: a inocência do arguido. Assim sendo, faltou coragem ao tribunal recorrido para assumir a dúvida quanto à imputação dos factos e, em consequência, a aplicação do princpio in dúbio pro reo.
62. Sem prejuízo do acima exposto, por dever de patrocínio o objeto do presente recurso de apelação deve ser estendido a outros elementos da sentença recorrida.
63. Sucede ainda que não poderia o tribunal recorrido olvidar que se trata de um jovem com 20 anos que, não obstante o registo criminal do mesmo, analisados o período em que os factos dos presentes autos e até mesmo dos restantes processos, a alegada prática de tais condutas estará concentrada numa determinada fase da vida do jovem.
64. O escopo do regime jurídico invocado é instituir um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção.
65. Trata-se de um poder-dever que recai sobre o julgador, não estando permitido ao tribunal verificar se estão reunidos os pressupostos de aplicação, em especial as sérias razões que aquele regime faz menção.
66. Entendeu o tribunal recorrido que, realizada a exigida reflexão sobre as razões sérias que permitirão formular um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do recorrente, não há indícios que assegurem o regresso do aqui recorrente ao caminho da idoneidade, integração profissional e social.
67. Discordamos totalmente face à realidade dos factos. O juízo de prognose que tem de ser feito – mediante a linha de pensamento jurisprudencial, doutrinal e legal – tem de ser feito de acordo com a conduta adotada do arguido antes e após os factos cometido.
68. Ora, conforme já referido nas motivações do presente recurso, após uma fase atribulada do recorrente, melhor entendida pela leitura integral do relatório social junto aos autos, que o conduziu à realidade criminal com as condenações já conhecidas deste processo, o recorrente procurou restabelecer-se social e profissionalmente.
69. Por fim, importa referir que, face às fragilidades da prova produzida e o erro da sua apreciação que se materializou na sentença recorrida, deve-se, nos termos do artigo 430.º do Código do Processo Penal ex vi 410.º, n.º 2, proceder à renovação da prova quanto à prova testemunhal.
70. Entende-se que se deve proceder à renovação da prova e não ao seu reenvio (cfr. artigo 426.º do Código do Processo Penal), privilegiando-se a primeira solução, considerando que estamos perante um dos vícios indicados nas alíneas do nº 2 do art. 410 do Código do Processo Penal.
Nestes termos, e nos demais em Direito que V. Exas, Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa doutamente suprirão, requer-se que:
a) Seja a sentença recorrida substituída por outra Acórdão que a revogue, absolvendo-se o aqui recorrente do ilício criminal que lhe é imputado ou, em alternativa, caso assim V. Exas, Venerandos Juízes Desembargadores do Douto Tribunal da Relação de Lisboa, seja aplicada uma pena mais favorável ao arguido.
b) Em alternativa, se V. Exas, Venerandos Juízes Desembargadores assim concluírem, devem os presentes autos serem sujeitos à renovação da prova, nos termos do artigo 430.º do Código do Processo Penal, sem prejuízo do disposto no artigo 426.º do mesmo diploma legal.
(…)
O Ministério Público na primeira instância respondeu ao recurso, não apresentando conclusões, mas pugnando pela improcedência do recurso.
***
O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
Uma vez remetido a este Tribunal, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a Conferência.
***
Objecto do recurso
Resulta do disposto conjugadamente nos arts. 402º, 403º e 412º nº 1 do Cód. Proc. Penal que o poder de cognição do Tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o Tribunal está ainda obrigado a decidir todas as questões que sejam de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem a decisão, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 daquele diploma, e dos vícios previstos no artº 410º nº 2 do mesmo Cód. Proc. Penal, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito, tal como se assentou no Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995 [DR, Iª Série - A de 28.12.1995] e no Acórdão para Uniformização de Jurisprudência nº 10/2005, de 20.10.2005 [DR, Iª Série - A de 07.12.2005].
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º, por remissão do artº 424º, nº 2, ambos do mesmo Cód. Proc. Penal, resulta ainda que o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem preferencial:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão (artº 379º do citado diploma legal);
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela chamada impugnação alargada, se deduzida [artº 412º], a que se segue o conhecimento dos vícios enumerados no artº 410º nº 2 sempre do mesmo diploma legal.
Finalmente, as questões relativas à matéria de direito.
O arguido, nas conclusões do recurso, fixa o objecto de apreciação requerida nas seguintes questões:
- erro na apreciação da prova quanto aos factos provados de 1 a 15;
- falta de ponderação do princípio in dubio pro reo;
- caso não procedam aquelas, terá sempre de fazer-se a correcta ponderação dos princípios sobre a determinação da pena, que não foi feita, bem como um juízo de prognose favorável sobre o arguido.
***
Fundamentação
O Tribunal recorrido fixou a matéria de facto do seguinte modo1:
(…)
II. 1.1. - Factos Provados:
1. No dia ........2023, entre as 16h32m e as 17h15m, os arguidos encontravam-se na ..., nas ..., em ....
2. Entre as 16h32m e as 16h45m o arguido AA encaminhou três pessoas para junto do arguido DD, que lhes entregou embalagens com estupefacientes e recebeu em troca quantias monetárias.
3. Cerca das 16h55m acorreu ao local a testemunha CC, com o fito de se abastecer de canábis (resina) para o seu consumo pessoal.
4. A testemunha CC abordou o arguido AA e pediu-lhe o referido estupefaciente.
5. Seguidamente o arguido AA encaminhou a testemunha CC para junto do arguido DD.
6. Nessa sequência, o arguido DD entregou à testemunha CC uma embalagem que continha canábis (resina) com o peso líquido de 2,514g e recebeu em troca a quantia de €10.
7. Pelas 17h15m uma equipa da PSP interveio e avançou na direcção dos arguidos.
8. O arguido AA fugiu para o interior do hall de entrada do ..., do ..., no mesmo bairro.
9. Nesse espaço encontrava-se o arguido EE.
10. O arguido AA tinha consigo a quantia de €80.
11. O arguido EE tinha consigo o seguinte:
- 28 embalagens que continham cocaína (éster metílico de benzoilecgonina) com o peso líquido de 20,465g;
- A quantia de €25.
12. O arguido DD tinha consigo canábis (resina) com o peso líquido de 4,745g e a quantia de €120.
13. As sobreditas quantias monetárias foram entregues aos arguidos em troca de produtos estupefacientes.
14. Os arguidos agiram em conjugação de vontades e esforços e no desenvolvimento de um plano por todos previamente urdido, com o propósito concretizado de receber e ter consigo os referidos produtos estupefacientes, cujas características, naturezas e quantidades conheciam, com o fito de os entregar a terceiros, a troco do recebimento de quantias monetárias.
15. Os arguidos actuaram de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
- Provou-se ainda que:
Dos antecedentes criminais dos arguidos:
16. O arguido DD não tem antecedentes criminais.
17. O arguido EE não tem antecedentes criminais.
18. O arguido AA tem antecedentes criminais, tendo sido já condenado:
a) por sentença transitada em 07.04.2022, pela prática em ... de 2019 de dois crimes de roubo, na pena de 1 ano e 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, sujeita a regime de prova;
b) por sentença transitada em 25.02.2022, pela prática em ... de 2021 de dois crimes de roubo na via pública e de dois crimes de roubo qualificado, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, sujeita a regime de prova;
c) por sentença transitada em 16.12.2022, pela prática em ........2022 de um crime de roubo qualificado, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, sujeita a regime de prova;
- Das condições sócio-económicas e pessoais do arguido AA resultantes do relatório social junto aos autos:
19. O arguido AA vive com o pai numa dinâmica avaliada como afetuosa e economicamente estruturada, fruto da pensão de reforma do pai e da pensão de viuvez, sendo que os encargos com a habitação são suportados pela igreja evangélica, que é proprietária da casa.
20. O arguido vive em dependência económica do pai e não indica integrar nenhuma atividade estruturada do seu quotidiano, aludindo a apoiar o pai as tarefas domésticas.
21. No verão de 2022 desenvolveu atividades de cariz temporário, como empregado de limpeza, em ... participou no apoio a ..., atividade que se constituiu como episódica, e, mais recentemente, foi ....
22. Assim, no presente, como à data dos alegados factos, o arguido encontra-se em contexto de ócio e em convívio com pares na mesma condição.
23. Ao nível escolar, no ano letivo de 2021/2022 frequentou um curso de ..., com certificação ao nível do 9.º ano, registando anteriormente um percurso pautado pelo absentismo, retenções, suspensão e comportamentos disruptivos em contexto escolar.
24. O arguido AA menciona não ser detentor de hábitos aditivos.
25. Em relação ao seu crescimento, o arguido AA, natural de Lisboa, é o único filho de um casal detentor de valores normativos, cuja progenitora faleceu vítima de doença quando o arguido tinha onze anos de idade, assumindo este uma postura reservada face a esta situação traumática, após a qual se manteve com o pai.
26. Há referência a um irmão uterino mais velho.
27. Pese embora a dinâmica familiar seja descrita como afetuosa, com a entrada do arguido AA na adolescência, o progenitor revelou dificuldade em supervisionar o seu quotidiano, associado a pares com conduta desviante, denotando o pai uma postura permissiva, alegadamente decorrente de ter sido pai tardio.
28. O pai do arguido exercia funções administrativas e era sacerdote numa igreja, e a zona habitacional envolvente era composta por uma população diversificada e não se encontrava associada a problemáticas criminais relevantes.
29. Em termos de características pessoais, o arguido AA, de 20 anos, afigura-se como um jovem com uma postura reservada, desculpabilizante e acrítica do seu percurso criminal e cujo envolvimento atribuiu à sua imaturidade e ao convívio com pares que adotavam uma conduta pró-criminal, e de quem menciona ter-se afastado no presente, visando prevenir envolvimentos processuais futuros.
30. Em termos de impacto do presento processo, o arguido descreve temer o desfecho processual numa pena privativa da liberdade, dado que os alegados factos ocorreram durante a suspensão de uma pena de prisão.
31. Alude ao impacto negativo do seu envolvimento processual no bem-estar do progenitor.
(…)
II. 1.2. - Factos Não Provados:
Inexistem factos não provados.
(…)
O Tribunal recorrido fundamentou a decisão de facto do seguinte modo:
(…)
A apreciação da prova, ao nível do julgamento de facto, faz-se segundo as regras da experiência e a livre convicção do Juiz, nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal. No entanto, não se confunde esta, de modo algum, com apreciação arbitrária de prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova.
É, pois, dentro dos pressupostos valorativos da obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio, suposto pela ordem jurídica, que o julgador se deve colocar ao apreciar livremente a prova, reflectindo sobre os factos, utilizando a sua capacidade de raciocínio, a sua compreensão das coisas, o seu saber de experiência feito.
É a partir desses factores que se estabelece, realmente, uma tarefa (ainda que árdua) que se desempenha de acordo com o dever de prosseguir a verdade material.
Assim, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal, é nosso dever, para além da enumeração dos factos provados e não provados e a indicação das provas que serviram para formar a nossa convicção, fazer uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentaram a decisão sobre esta matéria, impondo-se ao tribunal, sob pena de incorrer em nulidade (cfr. alínea a) do artigo 379.º do Código de Processo Penal), o dever de explicar porque decidiu de um modo e não de outro.
Os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos que constituem o substrato racional que conduzem à formação da convicção do tribunal em determinado sentido e não noutro, devem ser revelados aos destinatários da decisão que são, não apenas os sujeitos processuais mas também a própria sociedade, o conjunto dos cidadãos.
O Tribunal tem de esclarecer porque é que valorou de determinada forma e não de outra os diversos meios de prova carreados para a audiência de julgamento.
Uma vez que só assim se permite aos sujeitos processuais e ao Tribunal Superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via de recurso, conforme impõe, inequivocamente, o artigo 410.º do Código de Processo Penal.
Deve, assim, a decisão sobre a matéria de facto assegurar pelo conteúdo um respeito efectivo pelo Princípio da Legalidade, pela independência e imparcialidade dos juízes.
Será à luz deste exacto sentido e alcance da Lei, que o Tribunal procedeu à apreciação das provas constantes dos autos e examinadas em audiência, afinal, as únicas que podem valer para a formação da convicção do tribunal, nos precisos termos do n.º 1 do artigo 355.º do Código de Processo Penal.
Relativamente aos factos dados como provados fundou o Tribunal a sua convicção nos seguintes meios de prova:
♣ Declarações prestadas pelo arguido EE;
♣ Prova Pericial:
Exame do LPC de fls. 119, Exame do LPC de fls. 117, Exame do LPC de fls. 121;
♣ Prova testemunhal:
Depoimento das testemunhas:  BB;  CC;
♣ Prova documental: nomeadamente: Dos autos principais:  Auto de notícia, fls. 2 a 8;  Auto de apreensão fls. 14 a 15,  Auto de apreensão fls. 21 a 22,  Auto de apreensão fls. 27 a 28,  Fotografia de fls. 32.  CRC dos arguidos juntos aos autos.  Relatórios Sociais dos arguidos elaborados pela DGRSP juntos aos autos;
♣ Recurso às regras de experiência comum.
Para alcançar a convicção plasmada na matéria de facto acima elencada, o Tribunal conjugou todos estes elementos em concreto, relativamente aos factos integrantes dos ilícitos objecto da acusação.
Vejamos, pois, de forma mais detalhada a convicção do Tribunal quanto à factualidade dada como provada:
Desde já se dirá que o arguido DD e AA não prestaram declarações em sede de audiência de discussão e julgamento, antes se remeteram ao silêncio.
O arguido EE prestou declarações em sede de audiência de discussão e julgamento tendo referido que estava na casa do FF pois era o aniversário da sua prima GG e estava dentro de casa na sala sentado no sofá e a porta de casa é arrombada pela polícia e ele foi logo algemado. Frisou que a cocaína foi encontrada na cozinha da casa, mas desconhece de quem a mesma seja, sendo que só quando chegou à esquadra é que viu a cocaína.
Mais referiu que estavam cerca de 7 a 8 pessoas dentro de casa e mais gente na rua.
Negou que estivesse no interior do hall do prédio.
Referiu que conhece os arguido AA e DD, mas no dia dos factos não os tinha visto, sendo que só os encontrou na esquadra já detidos.
Contudo, desde já se dirá que as declarações do arguido não se afiguraram minimamente credíveis uma vez que foram completamente abaladas pelos depoimentos concisos das testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamentos, que de forma clara, isenta e concisa, esclareceram o Tribunal a exacta forma como os factos ocorreram.
Senão vejamos:
No que concerne aos factos provados de 1. a 15., valorou o depoimento das testemunhas BB e CC, em conjugação com o teor do Auto de notícia, fls. 2 a 8, Auto de apreensão fls. 14 a 15, Auto de apreensão fls. 21 a 22, Auto de apreensão fls. 27 a 28, Fotografia de fls. 32, bem como mediante o recurso ás regras de experiência comum.
A testemunha BB, agente da PSP, referiu que no dia ........2020, entre as 16h30 e as 17h15, no ..., verificou a existência de uma banca de venda de estupefaciente junto ao ..., sendo que se apercebeu quem fazia a vigia e quem fazia a venda. Esclareceu que interceptaram o arguido DD a entregar o estupefaciente ao comprador e interceptaram o AA que era o vigia. Frisou que interceptaram também o EE dentro do Lote A, mas que não o viram durante a vigilância.
Afirmou de forma peremptória que nenhum dos arguidos residia naquele Bairro.
Frisou que naquele local não existia nenhuma festa de aniversário.
Mais adiantou que quando avançaram é com a certeza de quem querem interceptar.
Explicou que as pessoas que se dirigiam aquele local já sabiam onde era o local exacto da banca.
Frisou que o papel do vigia (arguido AA) era fazer a triagem para saber se a pessoa era polícia ou se era mesmo comprador/consumidor e se fosse comprador encaminhava para o arguido DD. Explicou que o arguido AA teve cerca de três pessoas que encaminhou para o arguido DD, sendo que mencionou todas elas, bem como as horas exactas no seu relatório de vigilância que está junto aos autos. Mais explicou que o arguido AA fazia gestos a indicar ás pessoas para entrarem para o lote onde se encontrava o DD com o haxixe para vender.
Referiu que o arguido EE tinha na sua posse cocaína e € 25,00 em dinheiro e que o arguido AA tinha na sua posse € 80,00 em dinheiro e o arguido DD tinha € 120,00 em dinheiro e uma embalagem de haxixe.
Mais adiantou que os arguidos iam para lá diariamente para venda, tanto mais que foram interceptados outras vezes.
Mencionou que os arguidos foram contratados para estarem ali a proceder à venda.
Explicou que quando entra no lote o DD está a entregar haxixe ao consumidor.
Afirmou de forma peremptória que a cocaína que apreendeu ao arguido EE estava guardada numa bolsa que o arguido tinha à cintura, sendo que não tem dúvidas quanto a tal. Afirmou que nesta ocasião não existiu qualquer busca domiciliária.
Confrontada a testemunha com o auto de notícia de fls. 2 a 8, com os autos de apreensão de fls. 14 a 15, 21 a 22 e 27 a 28, que o próprio elaborou e subscreveu, o mesmo corroborou na íntegra o seu teor. Confrontado com as fotografas de fls. 32 confirmou ter sido tudo o que foi apreendido.
A testemunha CC, de forma isenta referiu eu foi comprar haxixe e quando ia para ir embora viu um agente a pegar o rapaz que lhe vendeu. Frisou que tinha sido a segunda vez que tinha lá ido comprar.
Mencionou que estava lá bastante gente para comprar, cerca de 15 minutos e pôs-se na fila.
Explicou que quando lá chegava aparecia um individuo, dava o dinheiro e ele dava o produto estupefaciente. Frisou que só interagiu com uma pessoa em termos de venda, sendo que não se recorda se houve outra pessoa a encaminha-lo para o vendedor.
Mais mencionou que comprou uma grama de haxixe por € 10,00.
Pois bem, da conjugação dos depoimentos das testemunhas BB e CC, com o teor do Auto de notícia, fls. 2 a 8, Auto de apreensão fls. 14 a 15, Auto de apreensão fls. 21 a 22, Auto de apreensão fls. 27 a 28, Fotografia de fls. 32, não questionados por qualquer outro elemento de prova, foram fundamentais para dar como provados os factos dados como provados de 1. a 15., pois na verdade não restou margem para quaisquer dúvidas de que os arguidos AA e DD nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas na acusação, procediam em conjunto à venda de estupefacientes a terceiras pessoas (o arguido AA numa posição de vigia e a encaminhar os compradores para o arguido DD como bem explicou o agente da PSP BB e o arguido DD a proceder à entrega do haxixe e a receber o dinheiro dos comprados que lhe foram encaminhados pelo arguido AA), sendo que quando foram abordados pelos agentes, ainda tentaram encetar fuga, contudo, acabaram por ser interceptados, tendo sido detidos, sendo que pelo menos o arguido DD tinha haxixe e dinheiro na sua posse e o arguido AA tinha apenas dinheiro na sua posse.
Ademais, a testemunha CC afirmou ter comprado produto estupefaciente (haxixe) pelo valor de € 10,00, sendo que quando tinha acabado de comprar aparece a polícia.
Já relativamente ao arguido EE, o mesmo não foi detectado aquando da vigilância efectuada pela PSP, contudo, aquando da intercepção, este arguido acaba por ser igualmente detido, sendo que o mesmo tinha na sua posse uma quantidade muito grande de cocaína, sendo que a forma como a mesma estava acondicionada, claramente evidencia que se destinava à venda a terceiras pessoas.
Na verdade, as testemunhas apresentaram depoimentos extremamente credíveis e consentâneos entre si, explicando em juízo a forma como os arguidos procediam à entrega do produto aos consumidores que o procuravam. Em momento algum as testemunhas entraram em contradição, pelo que o Tribunal depositou total credibilidade nos seus depoimentos.
Ademais, nenhuma prova foi feita que colocasse em crise os depoimentos destas testemunhas, pelo que o Tribunal depositou total credibilidade nos seus depoimentos.
Mais se saliente que o auto de notícia e relatório de vigilância retratam com estreito rigor a horas exactas em que o arguido AA encaminhou as três pessoas (consumidores/compradores) para o arguido DD, sendo que a testemunha BB igualmente confirmou tal facto de forma muito escorreita. Assim, o Tribunal socorreu-se do teor do auto de notícia e relatório de vigilância, corroborado pela testemunha BB, que o elaborou e subscreveu, para dar como provado o período temporal em que os consumidores foram encaminhados pelo arguido AA para o arguido DD para procederem à compra do haxixe, bem como a hora concreta em que a testemunha CC se deslocou ao local para proceder à sua compra de haxixe, e foi encaminhado pelo arguido AA até ao arguido DD para proceder à compra da quantidade de haxixe que conta do auto de apreensão.
Já quanto à quantidade de produto estupefaciente comprado pela testemunha CC valorou o Tribunal o auto de apreensão do produto estupefaciente que lhe foi apreendido, bem como o exame do LPC relativo a esse mesmo produto estupefaciente.
Relativamente ao que os arguidos tinham na sua posse aquando da intercepção dos mesmos por parte dos agentes da PSP mais valorou o Tribunal o Auto de apreensão fls. 14 a 15, o Auto de apreensão fls. 21 a 22, o Auto de apreensão fls. 27 a 28 e a fotografia de fls. 32.
Assim, e face a toda a prova supra elencada, dúvidas não restaram a este Tribunal que os arguidos se dedicavam à venda de haxixe a terceiras pessoas no dia, hora e local constante da acusação.
Saliente-se que os exames toxicológicos juntos a fls. 119, 117 e 121 assumiram preponderância na prova da natureza, quantidade e características das substâncias estupefacientes apreendidas.
Por outro lado, o Tribunal não ficou com margem para qualquer dúvida de que os arguidos eram conhecedores das características estupefacientes dos produtos que detinham e vendiam, bem como sabiam que lhes estava vedada a sua detenção, venda ou cedência.
Cumpre, por fim, salientar que os factos provados e relativos ao dolo porquanto insusceptíveis de prova directa, decorrem dos factos objectivos provados, o que, considerando as regras da experiência comum e através de presunções naturais, permite de forma segura inferir tais conclusões.
Por fim, saliente-se que face à prova segura supra referida, as declarações do arguido EE não se nos afiguraram minimamente credíveis. Note-se que a testemunha BB foi peremptório em referir que nos presentes autos não existiu nenhuma busca domiciliária, pelo que não se compreende a tese do arguido de que os agentes arrombaram a porta e de que apreenderam a cocaína na cozinha. A conclusão que o Tribunal pode retirar é que o arguido certamente deverá estar a confundir a situação da detenção com um outro processo que tenha a correr. Na verdade, a testemunha foi muito clara em referir que o arguido estava no hall do prédio e foi aí que o mesmo foi detido, sendo que o mesmo tinha a cocaína numa bolsa que trazia à cintura, pelo que dúvidas não restaram ao Tribunal que o arguido EE tinha a cocaína na sua posse, que a mesma era sua e a destina à venda a terceiras, atenta a forma como estava acondicionada, bem como a quantidade que o mesmo tinha consigo.
Em face do exposto, dúvidas não restam que as declarações do arguido EE caíram completamente por terra, sendo que o Tribunal não depositou qualquer credibilidade nas mesmas.
Em face do exposto, nada mais restava a este Tribunal senão dar os factos de 1) a 15) como provados.
Quanto à demonstração da ausência de antecedentes criminais dos arguidos DD e EE, evidenciada em 16. e 17, tomou-se em atenção os seus Certificados de Registo Criminal juntos aos autos.
Quanto à demonstração dos antecedentes criminais do arguido AA, evidenciada em 18., tomou-se em atenção os seus Certificados de Registo Criminal juntos aos autos.
Com relação às condições pessoais e à situação sócio-económica do arguido AA, provadas de 19. a 31., foi valorado o teor do relatório social elaborado pela DGRSP.
Já quanto às condições pessoais e à situação sócio-económica do arguido DD, provadas de 32. a 47., foi valorado o teor do relatório social elaborado pela DGRSP.
Relativamente às condições pessoais e à situação sócio-económica do arguido AA, provadas de 48. a 66., foi valorado o teor do relatório social elaborado pela DGRSP.
No que concerne à inexistência de factos não provados, fundou-se a mesma na circunstância de não constarem da acusação, nem terem sido alegados pelo arguido em audiência de discussão e julgamento, outros factos com relevância para a decisão que pudessem acrescer aos que se deram por demonstrados, pelo que nenhuma prova foi produzida além da já especificada.
(…)
Concretamente na escolha e determinação da pena, fundamentou:
(…)
Estipula o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, que «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção».
A culpa do agente é desde logo, em homenagem ao princípio constitucional inviolabilidade da dignidade da pessoa humana, um limite inultrapassável – cfr. artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal.
Dentro da moldura penal abstracta, a culpa do agente define, assim, o limite máximo da pena concreta a aplicar. Da mesma forma que em caso algum poderá haver pena sem culpa (toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta – cfr. artigo 13.º do Código Penal), nunca a medida concreta da pena poderá ultrapassar a medida da culpa do agente – nisto consiste o Princípio da Culpa (cfr. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, p. 73).
No entanto, a culpa do agente não é o único critério a ter em conta na determinação da medida concreta da pena – a culpa do agente é condição necessária mas não suficiente de aplicação da pena (cfr. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, op. e loc. cit.). De facto, há que ter em conta também, como refere o artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal, as exigências de prevenção. Sem embargo da importante função delimitadora da culpa, «as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade» (cfr. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, op. cit., p. 227; cfr. ainda o do n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal).
Ou seja: fundamentalmente «a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto» (idem).
Pode então falar-se em razões de prevenção geral positiva, ou de prevenção de integração (‘estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada’, segundo a expressiva formulação de JAKOBS), que delimitam a chamada “moldura de prevenção”, a qual tem como limiar mínimo da medida da pena o limite mínimo suportável pela comunidade (abaixo do qual a pena perde a sua eficácia ao nível da tutela dos bens jurídicos) e como limite máximo a medida óptima de tutela dos bens jurídicos.
Dentro desta “moldura de prevenção”, a medida concreta da pena será determinada, em último lugar, por razões de prevenção especial, ou de reinserção do agente na comunidade (cfr. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, op. cit., pp. 228 a 231).
Por fim, e nos termos do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
*
- Da aplicação do Regime Especial para Jovens em relação aos arguidos DD e EE:
O arguido EE tinha 20 anos à data da prática dos factos e o arguido DD tinha 18 anos à data da prática dos factos, pelo que cumpre aquilatar da aplicabilidade, in casu, do regime especial para jovens.
Como é sabido os objectivos subjacentes do regime especial para jovens imputáveis constantes do DL. nº 401/82, de 23SET consubstanciam relevantes interesses públicos de justiça e de política criminal.
Como se escreve no preâmbulo do citado Decreto-Lei. “Trata-se, em suma, de instituir um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim se facilitará aquela reinserção”.
O art. 4º, do citado DL nº 401/82, de 23SET, consagra, assim que, se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do delinquente.
Ou seja, será de aplicar o regime de atenuação especial dos jovens delinquentes, quando for de concluir por um juízo de prognose positiva sobre o efeito da atenuação especial da pena relativamente à reinserção social do arguido.
Ora, os arguidos encontram-se completamente inseridos a nível familiar e social estando, igualmente integrados a nível profissional.
Acresce que os arguidos não têm antecedentes criminais e tudo leva a crer que os factos em causa nos presentes autos foram um facto isolado na vida dos arguidos, não se nos afigurando que os mesmos voltem a prevaricar.
Pois bem, se o regime especial dos jovens delinquentes se fundamenta num direito mais reeducador do que sancionador, e que os interesses que estão subjacentes ao referido regime especial dos jovens delinquentes são públicos e de justiça e de política criminal, relacionados com as conhecidas características das fases de desenvolvimento dos jovens nessas idades, que integram períodos de intensa reorganização dialéctica, implicando frequente vulnerabilidade biológica, psíquica e social, vulnerabilidade esta que sublinha a importância, no interesse individual e comunitário, de se tentar proporcionar ao jovem, tanto quanto possível, uma moratória de ajustamento social, facilitando e promovendo condições de ressocialização responsabilizante, mas com o menor risco possível de estigmatização, então, de acordo com estes princípios de ressocialização, será de afastar a aplicação a um jovem de 18 ou 20 anos (à data da prática dos factos) de uma pena de prisão, mas ao invés, dar-lhe ainda uma oportunidade de reinserção social sem os riscos evitáveis de efeitos criminógenos de estigmatização e de marginalização ligados às medidas institucionais, designadamente às penas de prisão, em harmonia com os instrumentos e recomendações da ONU e do Conselho da Europa, e de acordo com os valores e princípios constitucionais e os dados mais significativos da criminologia relativa à delinquência juvenil, que inspira a filosofia do nosso sistema.
Conforme se afirma no Acórdão da Relação do Porto, de 22 de Janeiro de 2005, «O legislador não consagrou o regime das disposições especiais para jovens, por consagrar, mas acolheu o ensinamento de outros ramos do saber que explicam que na adolescência e no início da idade adulta, os jovens adaptam-se ou não, melhor ou pior, em maior ou menor grau, às várias transformações que vivenciam. Neste ciclo de vida, não raramente, os jovens enveredam por condutas ilícitas, mas em regra a criminalidade é um fenómeno efémero e transitório. Importa por isso, e estas são as palavras do legislador, dado o carácter transitório da delinquência juvenil, evitar a estigmatização, o que só se consegue com o afastamento, na medida do possível, da aplicação da pena de prisão.
O regime especial para jovens tem, por outro lado, a vantagem de permitir uma transição gradualista e menos abrupta e dramática entre a inimputabilidade e a imputabilidade, entre o direito dos menores e o dos adultos, reconhecido como é que o estabelecimento de limiares peremptórios de imputabilidade constitui algo de controverso, chegando mesmo alguns autores a falar em arbitrariedade, o que julgamos excessivo».
Também, de acordo com a Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a propósito da aplicação do regime especial para jovens delinquentes, tem vindo a entender que, «tratando-se de um jovem delinquente, são redobradas as exigências legais de afeiçoamento da medida da pena à finalidade ressocializadora das penas em geral. Se, relativamente a adultos não jovens, a reintegração do agente apenas intervém para lhe individualizar a pena entre o limite mínimo da prevenção geral e o limite máximo da culpa, já quanto a jovens adultos essa finalidade da pena, sobrepondo-se então à da protecção dos bens jurídicos e de defesa social, poderá inclusivamente - bastando que “sérias razões” levem a crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado” - impor, independentemente da (menor) culpa, o recurso à atenuação especial da pena» - vide Ac. do STJ 29-01-2004, Proc. n.º 3767/03 - 5.ª Secção.
«A aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos - regime-regra de sancionamento penal aplicável a esta categoria etária - não constitui uma faculdade do juiz, mas antes um poderdever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos; a aplicação é, em tais circunstâncias, tanto obrigatória, como oficiosa. Na realização da intenção da lei, a ponderação favorável de prognose e as vantagens do regime penal dos jovens, particularmente a atenuação especial prevista no art. 4.º do DL 401/82, de 23-09, impõem-se sempre que não existam elementos seguros sobre a personalidade e as condições de vida do jovem que claramente as afastem. Esses elementos determinantes devem ser relativos à personalidade do agente do facto, às condições sociais e familiares, às perspectivas de formação escolar e profissional, que permitam a avaliação num quadro de facto global que não afaste o juízo de ponderação favorável e a prognose positiva sobre as vantagens para a reinserção social do jovem condenado. Não são os factos, enquanto tais, que permitem aquela avaliação, mas o juízo, favorável ou desfavorável, que o tribunal deve fazer perante as circunstâncias mais ligadas às condições de pessoais do jovem e à conformação da sua personalidade» - vide Ac. do STJ de 07-01-2004 Proc. n.º 3213/03 - 3.ª Secção.
«O regime especial do DL 401/82 de 23-09, mais do que conferir uma benesse ao jovem delinquente, por se entender merecedor de um tratamento penal especializado, procura promover a sua ressocialização, elegendo este como objectivo primordial da pena. A aplicação deste regime só deverá ser afastada quando os factos demonstrarem estarmos perante aquela especial exigência de defesa da sociedade e seja certo que o jovem delinquente não possui aquela natural capacidade de regeneração. Tendo em consideração que este "regime especial" instituiu um direito mais reeducador do que sancionador, a revelar que a reinserção social do jovem delinquente surge aí como finalidade primordial da pena, a atenuação especial desta, nos termos do art. 4.º daquele DL, só não deve ser aplicada quando houver razões sérias para crer que essa medida não vai facilitar a ressocialização do jovem» - vide Ac. do STJ de 04-02-2004 Proc. n.º 4038/03 - 3.ª Secção.
Ponderando, por um lado os valores que estão subjacentes aos interesses do jovem adulto em ser reintegrado socialmente o mais rapidamente possível na ordem social e os interesses da comunidade em geral na reinserção do jovem adulto, e por outro lado, os interesses da comunidade na reposição contrafáctica dos valores violados pelo comportamento do arguido e que este último interesse só deve ceder se da atenuação da pena aplicada a um jovem venham a resultar vantagens para a reinserção social do mesmo, não podemos deixar de concluir, que no caso, se justifica um juízo de prognose positiva favorável ao arguido, juízo esse que aponta no sentido de que da atenuação da pena, por aplicação do regime especial para jovens delinquentes, previsto no DL nº 401/82, resultam vantagens para a sua reinserção social, no sentido de conformar a sua personalidade à ordem social, evitando que uma reacção penal severa possa comprometer definitivamente a sua socialização, na fase latente da formação da sua personalidade.
Assim sendo, aplicando aos arguidos DD e EE o regime penal dos jovens adultos, aprovado pelo DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, por força do art. 4.º, do citado diploma legal, a pena de prisão prevista para o tráfico de menor gravidade, será especialmente atenuada nos termos dos arts. 72º e 73º, do CP.
Por força da atenuação especial, nos termos do art. 4º do DL 401/82, de 23 de Setembro e art. 73.º, do Código Penal, a moldura penal abstracta aplicável para o crime de tráfico de menor gravidade deverá fixar-se entre o mínimo legal de 1 (um) mês de prisão e o máximo de 3 anos e 4 meses.
*
- Da não aplicação do Regime Penal Especial para Jovens ao arguido AA:
Considerando a idade do arguido AA à data da prática dos factos (19 anos), no quadro da determinação abstracta da medida da pena de prisão, importa, desde logo, analisar se o mesmo pode beneficiar do regime penal especial para jovens, previsto no Decreto-lei n.º 401/82, de 23 de Setembro.
Dispõe o artigo 9.º do Código Penal que “aos maiores de 16 anos e menores de 21 anos são aplicáveis as normas fixadas em legislação especial”.
O artigo 1.º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 402/82, de 23 de Setembro dispõe, por sua vez, que é considerado jovem o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ainda ter completado 21 anos.
Em particular, dispõe o artigo 4.º do referido diploma legal que “se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.
Depreende-se do normativo transcrito que o mesmo não é de aplicação automática, tornando-se necessária a existência de razões sérias, válidas e fundamentadas, que permitam formular um prognóstico favorável acerca do carácter evolutivo e da capacidade de ressocialização do agente.
Por sua vez, o prognóstico favorável à ressocialização radica na valoração, em cada caso concreto, da globalidade da actuação e da situação do jovem, da sua personalidade, das suas condições pessoais e da sua conduta anterior e posterior ao crime, devendo considerar-se, ainda, a natureza e gravidade do crime.
Neste tipo de apreciação há que ter em consideração as circunstâncias do caso concreto, começando por assinalar-se as razões por que se determinou a conduta do arguido.
Ora, no caso, para além da elevada ilicitude dos factos e do dolo directo com o que o arguido agiu, o arguido regista já três condenações averbadas no seu certificado de registo criminal.
Por outro lado, não pode este Tribunal olvidar que o arguido pratica os factos nestes autos em pleno período da suspensão das penas de prisão que lhe foram aplicadas.
Assim, dúvidas não restam que o arguido AA tem persistido na sua conduta criminosa.
Por outro lado, saliente-se que o arguido nem sequer quis prestar declarações, não mostrou qualquer arrependimento da prática dos factos, sendo que os factos praticados pelo mesmo são graves e merecem censura.
Ora, todos estes factores que não permitem concluir que se esteja face a fortes razões, “sérias razões”, que levem a crer que da aplicação da moldura atenuada e mais benevolente resultante da atenuação possa resultar vantagem para a reinserção social do arguido AA.
Pelo contrário, dentro da moldura fornecida pelo legislador, o Tribunal saberá encontrar a medida que garanta tal reinserção social, confrontando o arguido HH com a extensão da moldura prevista para este tipo de crime e, por essa via, com a gravidade do seu comportamento e das consequências que dele advêm – em especial da persistência em tais comportamentos –, o essencial para um jovem da idade do arguido se convença que não existem “receitas especiais” para viver uma vida marginal, sem trabalho sério e honesto, predando as fragilidades e infelicidade alheias.
Só a moldura penal abstracta – e nenhuma outra que, atenuando-a enviasse uma mensagem ao arguido HH que afinal a opção por uma vida de crime seria rentável e compensadora – permite garantir a plena reinserção social do arguido AA.
Por essa via, a atenuação surge não só como desnecessária como até perniciosa a tal finalidade, razão pela qual não será atenuada a pena de prisão a fixar ao arguido AA.
Assim, o crime de tráfico de menor gravidade praticado pelo arguido AA é punível com pena de prisão de um a cinco anos.
*
Pois bem, na determinação da medida concreta da pena, há que considerar, as seguintes circunstâncias:
- As necessidades de prevenção geral requeridas pelo caso em apreço são muito elevadas, não se podendo ignorar o número crescente de pessoas que se dedicam a actividade desta natureza, bem como as suas consequências nefastas em termos de saúde pública.
Neste domínio, bem elucida Manuel Monteiro Guedes Valente (in “Consumo de Drogas, Reflexões Sobre o Quadro Legal”, 3.ª edição revista e aumentada, Almedina, pág. 19-20), a propósito das repercussões e estigmatização associadas ao consumo e tráfico de estupefacientes, que “O flagelo da droga atinge as famílias dos nossos dias como se de uma epidemia se tratasse, provocando desavenças, amarguras, desilusões, sofrimento psíquico e físico e, até mesmo, a morte dos cidadãos. A busca de momentos de felicidade efémera produz chagas no consumidor e nos seus entes mais próximos, cujas cicatrizes jamais encontram cura verdadeira.
(...).
Ninguém está livre de sentir a dor física e espiritual do flagelo e do fenómeno droga, que, infelizmente, corrompe e branqueia não só as almas, mas os corpos daqueles que se alimentam deste vil veneno. Contudo, não se limita a tão pouco. Branqueia, também, quer ideias, quer princípios, quer ideais, quer valores morais e éticos e corrompe aqueles que faziam deles seus estandartes de vida.”
- Em sede de culpa, as condutas dos arguidos justificam uma censura ético-jurídica elevada já que podiam e deviam ter agido de outro modo, tendo ambos os arguidos agido sempre com dolo na sua forma mais intensa – dolo directo.
- O grau de ilicitude dos factos, que se afigura já considerável, consubstanciado na quantidade de produto estupefaciente apreendida, bem como na qualidade de um dos produtos estupefacientes apreendidos (cocaína) se insere nas chamadas “drogas duras”, a qual tem efeitos nefastos na saúde e gera habituação física;
- Os arguidos DD e EE não têm antecedentes criminais;
- O arguido AA tem antessentes criminais, tendo já averbadas três condenações pela prática de crimes de roubo (7 crimes de roubo);
- O arguido AA pratica os factos nestes autos em pleno período das suspensões das três penas de prisão que lhe foram aplicadas nos processos n.º 808/19.3 SYLSB, 1918/20.0 PULSB e 1285/20.1 PLSNT;
- A inserção social e familiar dos arguidos resultantes dos relatórios sociais;
Pelo exposto, julgo proporcional e adequada a aplicação:
- ao arguido DD de uma pena de 8 (oito) meses de prisão, e
- ao arguido EE de uma pena de 1 (um) ano de prisão , e
- ao arguido AA de uma pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão pela prática do crime de tráfico de menor gravidade, pelo qual vinham acusados.
(…)
Especificamente quanto à suspensão da execução da pena aplicada, considerou o Tribunal recorrido:
(…)
Nos termos do disposto no artigo 50º do Código Penal:
“1 - O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - O Tribunal, se o julgar conveniente e adequado a realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de pisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 - Os deveres, regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5 - O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.”
A suspensão da execução da pena de prisão é um meio em si mesmo autónomo de reacção jurídico-criminal, configurada como pena de substituição, que se baseia em juízo de prognose favorável ao condenado, desde que não fiquem prejudicadas as finalidades de punição.
Com a afirmação dum desvalor ético-social aliada ao apelo estimulante da ameaça da pena, que, por assim dizer cautelarmente, aquele juízo não dispensa e não omite. - SÁ PEREIRA, VÍTOR DE e LAFAYETTE, ALEXANDRE, in “Código Penal - Anotado e Comentado, Legislação Conexa e Complementar”, ..., pág. 179. As modalidades de suspensão da execução da pena são as seguintes: simples (que se esgota no número 1 do artigo em apreço), subordinada ao cumprimento de deveres (artigo 51.º do Código Penal), a regras de conduta (artigo 52.º do mesmo diploma) e com regime de prova (artigo 53.º daquele diploma).
Assim, o primeiro pressuposto indispensável para a substituição da pena de prisão é a circunstância de ao arguido ter sido aplicada uma pena inferior a cinco anos de prisão, sendo então obrigatório equacionar essa substituição no cumprimento de um poder-dever ou poder vinculado. No sentido de que se trata de um poder dever, MAIA GONÇALVES, MANUEL LOPES: “(…) Trata-se de um poder- dever, ou seja de um poder vinculado do julgador que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os pressupostos. (…)". -in ob. citada supra, pág. 201 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.03.2004, disponível in www.dgsi.pt.
Para além do requisito de ordem formal referente ao tempo de prisão aplicado ao arguido, é necessário que se verifiquem os requisitos de ordem material (pressuposto material) indicados na segunda parte do n.º 1 daquele artigo 50.º e que fundamentam um juízo de prognose favorável, ou seja, a conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Essa fundamentação é obrigatória, nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 4 do Código Penal quando o Tribunal opte pela suspensão da execução da pena, não fazendo o artigo referência aos casos em que a mesma não é aplicada. A este respeito, têm entendido a jurisprudência e a doutrina que a decisão de suspensão, tal como decisão condenatória em pena de prisão efectiva, devem ser sempre especificamente fundamentadas pelo Tribunal no tocante às modalidades de execução da pena, pese embora o artigo mencionado apenas refira tal necessidade no caso da aplicação da suspensão: “(…) O Tribunal, perante a fixação de uma pena de prisão não superior a três anos, terá sempre que fundamentar especificamente a denegação da suspensão da execução dessa pena (art. 51°, n. °1 do CP) (…) ” - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14.12.2000 e de 24.10.2002, ambos disponíveis in www.dgsi.pt e PINTO DE ALBUQUERQUE, PAULO in ob. cit. supra, pág.195.
Assim, para a aplicação suspensão da execução da pena de prisão é necessário que a mesma não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade, sendo também necessário um convencimento do tribunal, face à personalidade do arguido, o comportamento global, a natureza do crime e a sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com ela, mas foi tão só um acidente de percurso, esporádico, cuja ameaça da pena como medida de reflexos sobre o comportamento futuro, evitará a repetição de comportamentos delituosos.
A suspensão da pena tem, pois, um sentido pedagógico e reeducativo, sentido norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da senda do crime.
Em suma, desde que as exigências de prevenção especial fiquem asseguradas, a pena de prisão só não deve ser suspensa na sua execução se a esta decisão se opuserem as exigências mínimas de prevenção geral - «o limite mínimo de prevenção geral constituído pela defesa irrenunciável do ordenamento jurídico» - Tribunal da Relação de Évora de 16.11.2004, disponível in www.dgsi.pt.
Atentas as considerações acabadas de tecer, cumpre passar à análise do caso concreto.
(…)
Arguido AA:
No caso em apreço existem necessidades de prevenção geral, atenta a necessidade de prevenir a ocorrência de factos semelhantes e de transmitir à comunidade um sentimento de segurança que previna o receio de violação da norma.
No entanto, existem elevadas necessidades de prevenção especial, pois o arguido, aos 21 anos de idade, conta já com 3 condenações averbadas no seu CRC, todas por crimes contra o património, tendo já praticado 7 crimes de roubo, alguns deles qualificados.
Por ouro lado, o arguido praticou os factos nestes autos em pleno período das suspensões das penas de prisão que lhe foram aplicadas nos três processos em que foi condenado: processos n.ºs 808/19.3 SYLSB, 1918/20.0 PULSB e 1285/20.1 PLSNT, onde havia sido condenado pela prática de crimes de 2 crimes de roubo, 2 crimes de roubo na via pública, 2 crimes de roubo qualificado, e 1 crime de roubo qualificado.
Isto demonstra claramente que o arguido se trata de um indivíduo com elevados factores de risco, que permitem concluir que são muito vulneráveis as suas condições para cumprimento de pena na comunidade.
Na verdade, o arguido não aproveita as oportunidades que lhe são dadas, tendo sido completamente indiferente às inúmeras condenações que sofreu.
Em face do exposto, crê-se que uma suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido não permite impedir que situações como a descrita possam ter réplicas, como aliás já sucedeu, o que se pretende evitar sob pena de se obter o efeito pernicioso com a suspensão, já que os sinais da personalidade do arguido e o seu contexto social não nos permitem concluir no sentido da probabilidade segura do seu afastamento futuro da prática de novos crimes (prevenção da reincidência).
Por todas estas razões, entende o· Tribunal não ser possível, em absoluto, fazer um juízo de prognose favorável ao arguido e considerar que as “exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico”, ficarão asseguradas no presente caso com a suspensão da execução da pena, nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal, pelo que não se suspende a pena aplicada.
Ou seja, não se vislumbra que concorram factos que permitam um juízo de prognose positivo sobre o comportamento futuro do arguido, mesmo que com regime de prova ou subordinado a inúmeras condições, concluindo-se assim que a suspensão da pena não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, desde logo, numa perspectiva de prevenção especial.
Com efeito, extrai-se com clareza de tudo quanto já ficou exposto que o arguido continuará a cometer crimes, sendo ostensivo o desrespeito que revela pelas normas que tutelam a vida em sociedade, bem como patente a indiferença que revela perante as sanções penais anteriores que lhe foram aplicadas, as quais não só não evitaram o cometimento de ulteriores crimes, como se não mostraram suficientes a assegurar a sua reinserção e a incutir-lhe a necessidade de repensar o seu comportamento perante os cânones que regem a vida em sociedade.
Assim sendo, suspender a pena de prisão ao arguido seria criar no mesmo um sentimento de impunidade, correndo-se o risco de reincidência, com a consequente criação de perigo para a saúde pública e contra o património e integridade física de terceiros.
Por outro lado, manter o arguido em liberdade causaria alarme social e criaria descrédito na comunidade na aplicação da justiça. Tudo ponderado, a pena de prisão aplicada ao arguido deverá ser cumprida de forma efectiva, sem possibilidade de qualquer suspensão ou substituição.
(…)
Vejamos, então, na perspectiva desta Relação se merece acolhimento a pretensão do arguido recorrente.
O recorrente vem dizer que pretende impugnar a matéria de facto, discordando daquela que foi fixada pelo Tribunal recorrido nos factos 1 a 15 da matéria provada.
Vejamos, em primeiro lugar.
A impugnação da decisão da matéria de facto pode processar-se por uma de duas vias: através da arguição de vício de texto previsto no art. 410º nº 2 do CPP, dispositivo que consagra um sistema de reexame da matéria de facto por via do que se tem designado de revista alargada, ou por via do recurso amplo ou recurso efectivo da matéria de facto, previsto no art. 412º, nºs 3, 4 e 6 do CPP (é esta última norma que o recorrente invoca na sua impugnação).
O sujeito processual que discorda da “decisão de facto” do acórdão pode, assim, optar pela invocação de um erro notório na apreciação da prova, que será o erro evidente e visível, patente no próprio texto da decisão recorrida (os vícios da sentença poderão ser sempre conhecidos oficiosamente e mesmo que o recurso se encontre limitado a matéria de direito, conforme acórdão uniformizador do STJ, de 19.10.95) ou de um erro não notório que a sentença, por si só, não demonstre.
No primeiro caso, a discordância traduz-se na invocação de um vício da sentença ou acórdão e este recurso é considerado como sendo ainda em matéria de direito; no segundo, o recorrente terá de socorrer-se de provas examinadas em audiência, que deverá então especificar.
Na verdade, impõe o art. 412º, nº3 do CPP que quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto por via do recurso amplo o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da tomada na sentença e/ou as que deviam ser renovadas. Esta especificação deve fazer-se por referência ao consignado na acta, indicando-se concretamente as passagens em que se funda a impugnação (art. 412º, nº4 do CPP). Na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações, bastará “a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente,” de acordo com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça em 08.03.2012 (AFJ nº 3/2012).
O incumprimento das formalidades impostas pelo art. 412º, nºs 3 e 4, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto por esta via ampla. Mais do que uma penalização decorrente do incumprimento de um ónus, trata-se de uma real impossibilidade de conhecimento decorrente da deficiente interposição do recurso.2
As exigências previstas legalmente e sobejamente tratadas pela jurisprudência são essenciais para que se cumpra a renovação da apreciação da prova num contexto de recurso em que os juízes não têm já a imediação. Porque a não têm, e porque ainda que a tivessem a repetição é sempre isso mesmo e a prova perde, pelo menos, parte da sua espontaneidade, os juízes de recurso contam com o cumprimento das exigências legais como factor circunstanciador dos limites da sua intervenção.
Ora, o que se verifica, não apenas lidas as conclusões de recurso, mas também a motivação do mesmo, é que o recorrente indica passagens de depoimentos, parte deles sem a sequência completa, sobretudo indirectamente, e apenas na parte que depois usa para dizer que não concorda com o decidido, sendo certo que, ainda que apresente argumentos nesse sentido, não conclui no sentido da desconformidade das conclusões a que chegou o Tribunal.
Em rigor, o arguido não impugna a matéria de facto.
O que faz é interpretar a mesma de outra forma, discordando com a interpretação dela a que chegou o Tribunal a quo em alguns casos e, noutros, discordando apenas das consequências dela retiradas.
Senão, vejamos:
O recorrente vem apontar à decisão recorrida porque, primeiro, se fundou em depoimentos inconsistentes e que se limitaram a verter generalidades [testemunha BB], em segundo lugar porque o depoimento desta testemunha, em confronto com o da testemunha CC resulta que nem sequer existe a certeza de o arguido ter estado no local onde a acusação o coloca e, em terceiro lugar, porque desses depoimentos, que foram erradamente apreciados pelo Tribunal, resulta evidente que este, ao não atender ao princípio da presunção de inocência, incorreu em nulidade da sentença.
Ora, sem que tenha cumprido as exigências do artº 412º do Cód. Proc. Penal, desde a não inclusão das passagens identificadas das declarações que invoca, circunstanciadas como deve ser feito, desde não explicar, com recurso a essas mesmas gravações, porque razão se impõe decisão contrária, temos de concluir que, sendo de rejeitar aquela impugnação, resta ao Tribunal de recurso conhecer dos vícios especiais, nulidades da sentença (artº 379º do Cód. Proc. Penal) e vícios decisórios nos termos do artº 410º do mesmo diploma.
Trata-se de, perscrutada a decisão, perceber se da sua simples leitura resulta alguma dessas invalidades, sendo todas de conhecimento oficioso também.
Avancemos, nessa conformidade.
• Do invocado erro na apreciação da prova quanto aos factos provados de 1 a 15:
Diz o recorrente que, relativamente aos factos 1 a 15 da acusação pública, o Tribunal recorrido valorou as declarações prestadas pelas testemunhas BB e CC, em conjugação com o teor do auto de notícia, autos de apreensão e fotografias, bem como recorreu às regras da experiência comum, quando essa prova é manifestamente vazia de conteúdo e contraditória.
Ora, o arguido não prestou declarações, razão pela qual em nada se pode dizer que tenha prestado auxílio ao esclarecimento dos factos.
A respeito dessa prova, diz o Tribunal a quo que, recordando3:
(…)
No que concerne aos factos provados de 1. a 15., valorou o depoimento das testemunhas BB e CC, em conjugação com o teor do Auto de notícia, fls. 2 a 8, Auto de apreensão fls. 14 a 15, Auto de apreensão fls. 21 a 22, Auto de apreensão fls. 27 a 28, Fotografia de fls. 32, bem como mediante o recurso ás regras de experiência comum.
A testemunha BB, agente da PSP, referiu que no dia ........2020, entre as 16h30 e as 17h15, no ..., verificou a existência de uma banca de venda de estupefaciente junto ao lote B, sendo que se apercebeu quem fazia a vigia e quem fazia a venda. Esclareceu que interceptaram o arguido DD a entregar o estupefaciente ao comprador e interceptaram o AA que era o vigia. Frisou que interceptaram também o EE dentro do Lote A, mas que não o viram durante a vigilância.
Afirmou de forma peremptória que nenhum dos arguidos residia naquele Bairro.
Frisou que naquele local não existia nenhuma festa de aniversário.
Mais adiantou que quando avançaram é com a certeza de quem querem interceptar.
Explicou que as pessoas que se dirigiam aquele local já sabiam onde era o local exacto da banca Frisou que o papel do vigia (arguido AA) era fazer a triagem para saber se a pessoa era polícia ou se era mesmo comprador/consumidor e se fosse comprador encaminhava para o arguido DD.
Explicou que o arguido AA teve cerca de três pessoas que encaminhou para o arguido DD, sendo que mencionou todas elas, bem como as horas exactas no seu relatório de vigilância que está junto aos autos. Mais explicou que o arguido AA fazia gestos a indicar ás pessoas para entrarem para o lote onde se encontrava o DD com o haxixe para vender.
Referiu que o arguido EE tinha na sua posse cocaína e € 25,00 em dinheiro e que o arguido AA tinha na sua posse € 80,00 em dinheiro e o arguido DD tinha € 120,00 em dinheiro e uma embalagem de haxixe.
Mais adiantou que os arguidos iam para lá diariamente para venda, tanto mais que foram interceptados outras vezes.
Mencionou que os arguidos foram contratados para estarem ali a proceder à venda.
Explicou que quando entra no lote o DD está a entregar haxixe ao consumidor.
Afirmou de forma peremptória que a cocaína que apreendeu ao arguido EE estava guardada numa bolsa que o arguido tinha à cintura, sendo que não tem dúvidas quanto a tal. Afirmou que nesta ocasião não existiu qualquer busca domiciliária.
Confrontada a testemunha com o auto de notícia de fls. 2 a 8, com os autos de apreensão de fls. 14 a 15, 21 a 22 e 27 a 28, que o próprio elaborou e subscreveu, o mesmo corroborou na íntegra o seu teor. Confrontado com as fotografas de fls. 32 confirmou ter sido tudo o que foi apreendido.
A testemunha CC, de forma isenta referiu eu foi comprar haxixe e quando ia para ir embora viu um agente a pegar o rapaz que lhe vendeu. Frisou que tinha sido a segunda vez que tinha lá ido comprar.
Mencionou que estava lá bastante gente para comprar, cerca de 15 minutos e pôs-se na fila.
Explicou que quando lá chegava aparecia um individuo, dava o dinheiro e ele dava o produto estupefaciente. Frisou que só interagiu com uma pessoa em termos de venda, sendo que não se recorda se houve outra pessoa a encaminha-lo para o vendedor.
Mais mencionou que comprou uma grama de haxixe por € 10,00.
Pois bem, da conjugação dos depoimentos das testemunhas BB e CC, com o teor do Auto de notícia, fls. 2 a 8, Auto de apreensão fls. 14 a 15, Auto de apreensão fls. 21 a 22, Auto de apreensão fls. 27 a 28, Fotografia de fls. 32, não questionados por qualquer outro elemento de prova, foram fundamentais para dar como provados os factos dados como provados de 1. a 15., pois na verdade não restou margem para quaisquer dúvidas de que os arguidos AA e DD nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas na acusação, procediam em conjunto à venda de estupefacientes a terceiras pessoas (o arguido AA numa posição de vigia e a encaminhar os compradores para o arguido DD como bem explicou o agente da PSP BB e o arguido DD a proceder à entrega do haxixe e a receber o dinheiro dos comprados que lhe foram encaminhados pelo arguido AA), sendo que quando foram abordados pelos agentes, ainda tentaram encetar fuga, contudo, acabaram por ser interceptados, tendo sido detidos, sendo que pelo menos o arguido DD tinha haxixe e dinheiro na sua posse e o arguido AA tinha apenas dinheiro na sua posse.
Ademais, a testemunha CC afirmou ter comprado produto estupefaciente (haxixe) pelo valor de € 10,00, sendo que quando tinha acabado de comprar aparece a polícia.
Já relativamente ao arguido EE, o mesmo não foi detectado aquando da vigilância efectuada pela PSP, contudo, aquando da intercepção, este arguido acaba por ser igualmente detido, sendo que o mesmo tinha na sua posse uma quantidade muito grande de cocaína, sendo que a forma como a mesma estava acondicionada, claramente evidencia que se destinava à venda a terceiras pessoas.
Na verdade, as testemunhas apresentaram depoimentos extremamente credíveis e consentâneos entre si, explicando em juízo a forma como os arguidos procediam à entrega do produto aos consumidores que o procuravam. Em momento algum as testemunhas entraram em contradição, pelo que o Tribunal depositou total credibilidade nos seus depoimentos.
Ademais, nenhuma prova foi feita que colocasse em crise os depoimentos destas testemunhas, pelo que o Tribunal depositou total credibilidade nos seus depoimentos.
Mais se saliente que o auto de notícia e relatório de vigilância retratam com estreito rigor a horas exactas em que o arguido AA encaminhou as três pessoas (consumidores/compradores) para o arguido DD, sendo que a testemunha BB igualmente confirmou tal facto de forma muito escorreita. Assim, o Tribunal socorreu-se do teor do auto de notícia e relatório de vigilância, corroborado pela testemunha BB, que o elaborou e subscreveu, para dar como provado o período temporal em que os consumidores foram encaminhados pelo arguido AA para o arguido DD para procederem à compra do haxixe, bem como a hora concreta em que a testemunha CC se deslocou ao local para proceder à sua compra de haxixe, e foi encaminhado pelo arguido AA até ao arguido DD para proceder à compra da quantidade de haxixe que conta do auto de apreensão.
Já quanto à quantidade de produto estupefaciente comprado pela testemunha CC valorou o Tribunal o auto de apreensão do produto estupefaciente que lhe foi apreendido, bem como o exame do LPC relativo a esse mesmo produto estupefaciente.
Relativamente ao que os arguidos tinham na sua posse aquando da intercepção dos mesmos por parte dos agentes da PSP mais valorou o Tribunal o Auto de apreensão fls. 14 a 15, o Auto de apreensão fls. 21 a 22, o Auto de apreensão fls. 27 a 28 e a fotografia de fls. 32.
Assim, e face a toda a prova supra elencada, dúvidas não restaram a este Tribunal que os arguidos se dedicavam à venda de haxixe a terceiras pessoas no dia, hora e local constante da acusação.
Saliente-se que os exames toxicológicos juntos a fls. 119, 117 e 121 assumiram preponderância na prova da natureza, quantidade e características das substâncias estupefacientes apreendidas.
Por outro lado, o Tribunal não ficou com margem para qualquer dúvida de que os arguidos eram conhecedores das características estupefacientes dos produtos que detinham e vendiam, bem como sabiam que lhes estava vedada a sua detenção, venda ou cedência.
Cumpre, por fim, salientar que os factos provados e relativos ao dolo porquanto insusceptíveis de prova directa, decorrem dos factos objectivos provados, o que, considerando as regras da experiência comum e através de presunções naturais, permite de forma segura inferir tais conclusões.
Por fim, saliente-se que face à prova segura supra referida, as declarações do arguido EE não se nos afiguraram minimamente credíveis. Note-se que a testemunha BB foi peremptório em referir que nos presentes autos não existiu nenhuma busca domiciliária, pelo que não se compreende a tese do arguido de que os agentes arrombaram a porta e de que apreenderam a cocaína na cozinha. A conclusão que o Tribunal pode retirar é que o arguido certamente deverá estar a confundir a situação da detenção com um outro processo que tenha a correr. Na verdade, a testemunha foi muito clara em referir que o arguido estava no hall do prédio e foi aí que o mesmo foi detido, sendo que o mesmo tinha a cocaína numa bolsa que trazia à cintura, pelo que dúvidas não restaram ao Tribunal que o arguido EE tinha a cocaína na sua posse, que a mesma era sua e a destina à venda a terceiras, atenta a forma como estava acondicionada, bem como a quantidade que o mesmo tinha consigo.
Em face do exposto, dúvidas não restam que as declarações do arguido EE caíram completamente por terra, sendo que o Tribunal não depositou qualquer credibilidade nas mesmas.
Em face do exposto, nada mais restava a este Tribunal senão dar os factos de 1) a 15) como provados.
(…)
Ora, ao contrário do que invoca o recorrente no recurso, nem as declarações das testemunhas são vagas e sem conteúdo, nem estão em contradição entre si.
De facto, o Tribunal a quo toma as declarações, que circunstancializa de acordo com os documentos dos autos, a chamada prova pré adquirida, como os relatórios das vigilâncias, a que juntou os autos de apreensão, desde logo de droga.
Ora, os arguidos que nem ali vivem, como consta aliás das identificações dos mesmos, e foram vistos, desde logo pela testemunha OPC, no local, um deles a vender e o outro a dirigir para ele potenciais compradores.
Claro que, feita a pergunta sobre o que viu, necessariamente a resposta virá com a referência aos gestos que viu fazer, sinais, olhares, e percepções dessa natureza, desde logo porque dificilmente um polícia que faz uma vigilância se pode dirigir ao vigia de tráfico, dizer o que faz ali, e perguntar se ele está efectivamente de vigia.
Esta situação é vista e percepcionada através da avaliação que a nossa percepção faz sobre os movimentos que viu fazer, os gestos que viu fazer, os olhares, os cuidados, todos estes elementos de onde podemos concluir exactamente aquilo que vimos.
Foi o que fez a testemunha, cujo depoimento, de acordo com o que flui da decisão, nem sequer é contrariado por qualquer outra prova, pelo contrário, e ainda ao contrário do que diz o recorrente.
Não haverá grande novidade em pegar em depoimentos, somá-los aos autos existente e à perícia do LPC e concluir o que daqui resulta, e o que resulta da conjugação desta prova é exactamente o que o Tribunal a quo concluiu.
Por outro lado, ainda, temos as regras de normalidade e de experiência que nos dizem que, naquele específico contexto que é referido nas vigilâncias e no depoimento da testemunha OPC, dificilmente os arguidos estavam no local a vender pirolitos ou a fazer espectáculo de mímica, razão pela qual o que foi visto foi tráfico daquilo que foi apreendido, ou seja, droga.
Assim, e ao contrário do que alega o recorrente, nenhuma insuficiência existe e nenhuma incongruência é aparente na decisão.
Nem mesmo quando somado esse depoimento ao da referida testemunha CC que, aliás, nada diz de muito evidente para além daquilo que aceitou ter ali ido fazer, ou seja, comprar droga. E não pirolitos.
Depois, não precisava o Tribunal a quo , para concluiu como fez, que ninguém dissesse que foi encaminhado pelo arguido para o vendedor de droga. E isto porque, tal como a testemunha anteriormente referida descreveu os factos, era já evidente que o recorrente estava no local no papel de vigia. Sendo ainda certo que, na maioria das vezes, como mostra a experiência, o vigia nem faz mais nada do que vigiar. Mas este, ao contrário, foi visto pelo OPC a encaminhar os compradores, o que não deixa qualquer dúvida.
Pelo exposto, improcede nesta parte o recurso.
• Da alegada falta de ponderação do princípio in dubio pro reo:
O recorrente vem também dizer que, em face da fragilidade da prova que indicou, o Tribunal a quo devia ter optado por beneficiar o mesmo com a dúvida, absolvendo-o.
Vejamos.
Dispõe a Constituição da República Portuguesa, no nº 2 do artº 32º que «todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa», preceito que se identifica em geral, com as formulações do princípio da presunção de inocência constantes da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Declaração Universal dos Direitos do Homem (artº 11º), na Convenção Estropeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (artº 6º) e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (artº 14º).
Partilham os autores a ideia de que o seu fundamento reveste natureza política, decorrendo de uma concepção dos direitos humanos nascida com a revolução francesa. O princípio da presunção de inocência constitui, assim, uma decorrência dos direitos à liberdade e à dignidade, à luz dos quais a possibilidade de submeter a consequências penais alguém que não praticou qualquer tacto criminoso, traduz uma situação intolerável e um limite absoluto à prossecução dos fins estaduais de administração da justiça.
O princípio da presunção de inocência encerra uma ponderação cuja necessidade resulta da aceitação e do reconhecimento de que a verdade processual afasta-se, em muitos casos, da verdade histórica, por esta ser, em muitas situações, inatingível ou, pelo menos, não demonstrável.
Em processo penal, a justiça, perante a impossibilidade de uma certeza, encontra-se na alternativa de aceitar, com base em uma probabilidade ou possibilidade, o risco de absolver um culpado e o risco de condenar um inocente. A solução jurídica e moral só pode ser uma: deve aceitar-se o risco de absolvição do culpado e nunca o da condenação de um inocente 4 .
O princípio da presunção de inocência surge na sua formulação inicial a do princípio in dubio pro reo, para resolver este dilema. Entre o risco de condenar um inocente e o risco de absolver um culpado, o princípio da presunção de inocência impõe claramente a opção de, fazendo prevalecer o respeito pela dignidade humana sobre os interesses da perseguição penal, assumir o segundo risco e nunca o primeiro.
O princípio in dubio pro reo constitui «uma das garantias mais importantes da liberdade individual face à pretensão punitiva do Estado, cujo fundamento considera assentar, por um lado, numa concepção optimista do Homem, ligada ao pensamento de Rousseau e, por outro lado, no valor supremo que a liberdade e a honra assumem para o Homem, de tal forma que não poderão ser-lhe retirados enquanto persistir a dúvida quantia à justiça e ao bem-fundado desse acto» .
Assim,
O princípio in dubio pro reo, constitui um princípio probatório, segundo o qual a dúvida em relação à prova da matéria de facto, tem de ser sempre valorada favoravelmente ao arguido, traduzindo o correspectivo do princípio da culpa em direito penal, a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta como suporte axiológico-normativo da pena.
Como tal,
Ora, como vimos pelo acima expresso, o Tribunal a quo não teve qualquer dúvida na convicção que formou, dizendo mais do que uma vez que era evidente a prova para chegar à conclusão a que chegou.
E em face da explicação que deu para a conclusão a que chegou, que se retira ainda do processo de raciocínio lógico que deixa expresso, também não se vislumbra que dúvidas pudesse ter.
Como se diz no Ac. TRC de 01.10.20085:
Transcreve-se aqui parte do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.1.08, proc. 07P4198, em www.dgsi.pt], citando Cristina Líbano Monteiro, que explica cabalmente porque é que em casos como o dos autos não ocorre a violação do aludido princípio: “De todo o modo, não haverá, na aplicação da regra processual da «livre apreciação da prova» (art. 127.º do CPP), que lançar mão, limitando-a, do princípio «in dubio pro reo» exigido pela constitucional presunção de inocência do acusado, se a prova produzida [ainda que «indirecta»], depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não conduzir – como aqui não conduziu - «à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto». O “in dubio pro reo”, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (cfr. Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997).
Até porque «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade» (idem, p 17): «O juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar» (idem, p. 13). E, por isso, é que, «nos casos [como este] em que as regras da experiência, a razoabilidade («a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade») e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação (suscitando, a propósito, “uma firme certeza do julgador”, sem que concomitantemente “subsista no espírito do tribunal uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto”), não há lugar à intervenção da «contraface (de que a «face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva» que é o in dubio pro reo (cuja pertinência «partiria da dúvida, suporia a dúvida e se destinaria a permitir uma decisão judicial que visse ameaçada a sua concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (idem).
Como dissemos supra, a ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º). (…)”
Daqui decorrendo que apenas a dúvida persistente, que não consiga dilui-se na prova, pode fundamentar aquela aplicação.
Nenhuma incerteza dessa natureza é assumida ou sequer aparente na decisão recorrida.
Como resulta da fundamentação da sentença recorrida, a prova foi apreciada à luz do princípio da liberdade de convicção, não resultando da leitura da mesma qualquer nulidade ou vício de que provenha a sua invalidade, havendo, como tal, de manter a mesma.
Significando isso, por outro lado, a improcedência também deste fundamento do recurso.
• Finalmente, da invocada imperiosa necessidade de, reavaliando os pressupostos da determinação da pena, fazer-se um juízo de prognose favorável sobre o arguido o que, não tendo sido assegurado pela decisão recorrida, constitui também nulidade:
Muito embora se não tenham provado actos concretos de venda de estupefacientes a terceiros por parte do arguido, dúvidas não suscita a finalidade a que destinava a sua presença naquele local.
Ou seja, o arguido comparticipou na actividade de tráfico de estupefacientes.
Vem dizer agora em recurso que a pena não respeita o princípio da culpa e, além disso, que se impõe beneficiá-lo com pena não efectiva.
São conhecidas, reconhecidas e aceites genericamente sem discussão as implicações altamente, violentamente diríamos, nocivas dos produtos estupefacientes na saúde de quem os consome.
Analisando.
Na decorrência da aprovação da Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas de 1988, como o próprio Legislador de 1993 faz questão de afirmar, era importante estabelecer regras internas que combatessem a degradação do tecido social através do consumo de produtos estupefacientes, atacando a sua origem – a venda e transacção por qualquer forma.
Para isso, foram eleitas três vias principais de esforço – a) privar aqueles que transaccionam do objecto da sua própria actividade, o estupefaciente (controlando circuitos, reprimindo, investigando e agindo directamente sobre ele); b) depois, controlar os percursores, factores essenciais à produção, desdobragem e transformação das substâncias primárias; c) por último, conseguir que esta actividade pela prevenção, através dos meios de comunicação e cooperação transnacionais, seja exercida em conjunto, evitando assim que o estupefaciente possa transitar dos locais de produção para os de transformação e destes para os mundiais pontos de venda.
Estas linhas que inspiraram a Lei da Droga deixam-nos perceber que o escopo deste enorme esforço legislativo era atacar, minar e neutralizar a actividade de tráfico de estupefacientes, enquanto factos de degradação rápida do tecido e instituições sociais.
Estamos, como tal, perante um tipo de criminalidade grave, com consequências brutais para a sociedade e que gera lucros consideráveis a quem a ela se dedica que, como se percebe, comercializa a droga sem motivo que não seja a obtenção desse lucro, mas também sem sentido de cidadania, uma vez que este é um dos crimes com maior carga anti social previsto no nosso ordenamento jurídico.
Como se disse, o destino do produto apreendido, ainda que não ao arguido, era a venda a terceiros, não sendo difícil, contas feitas, perceber a quantidade de doses individuais que resultariam desta comercialização, bem como o número de potenciais adquirentes e respectivo lucro, para além daqueles que já tinham ido à banca aquando da abordagem pelo OPC.
E o facto de ter não ter prestado declarações não foi propriamente a melhor postura para ter frente aos factos imputados, mas constituem liberdade de estratégia de defesa. Daí, o que sobra é que o arguido, não tendo colaborado com o julgamento, também não demonstrou interiorização do desvalor da sua actuação, o que constitui, por outro lado, de facto, um obstáculo à percepção de qualquer futuro promissor em termos de ressocialização.
Tudo isto visto, vejamos a opção d Tribunal a quo.
A pena aplicada ao arguido foi de 1 (um) ano e 6 (seis) meses pelo crime do artº 25º e 21º do DL nº 15/93 de 22/1.
O Tribunal de primeira instância decidiu não aplicar o Regime decorrente do DL nº 401/82 de 26.09.
O legislador, por opção de política criminal, autonomizou o direito penal dos jovens imputáveis mas sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção .6
O tratamento mais favorável, ao nível das consequências jurídicas, da criminalidade própria do fim da adolescência e do início da idade adulta, em que a personalidade do jovem está ainda em formação, na fase de identificação sociocomunitária e de aquisição de competências pessoais e sociais, justifica-se, evidentemente, pela especial potencialidade de ressocialização nessa etapa estruturante da vida adulta. Subjaz-lhe “o entendimento de que o percurso de ressocialização do menor agente criminal poderá ser impulsionado por uma atenuação especial da pena [bem como pela aplicação de medidas de educação para o direito] que constitui, também, uma afirmação de confiança na sua capacidade para escolher uma opção correta de vida”.
“Mais do que conferir uma benesse ao jovem delinquente por se entender ser merecedor de um tratamento penal especializado, procura promover a sua ressocialização – razão por que instituiu um direito mais reeducador do que sancionador, a revelar que a reinserção social surge aqui, no direito penal dos jovens delinquentes, como primordial finalidade da pena” [4] Ac. STJ de 18/06/2014, proc. 578/12.6JABRG.G1, in www.dgsi.pt..
O regime penal dos jovens com idade compreendida entre 16 e 21 anos de idade projeta-se sobre a sua condenação em dois aspetos:
- (i) ao nível da medida das consequências penais do crime, implicando a atenuação especial da pena sempre que houver “sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”;
- (ii) ao nível da escolha da reação sancionatória convocando o direito reeducador, isto é, sempre que ao caso corresponda pena de prisão inferior a 2 anos, implica a imposição de medidas de correção, se assim o permitirem “a personalidade e as circunstâncias do facto”.
Sendo o regime regra para a escolha e a determinação da medida da reação sancionatória aos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos que cometem um crime, e que, por isso, o tribunal não pode deixar de ponderar em cada caso, contudo não pode interpretar-se e aplicar-se com o sentido de que “vai ao ponto de firmar essa visão maximalista, como que passando ao limbo do esquecimento os comportamentos desviantes dos jovens, deixando à margem de proteção importantes interesses jurídicos e, sobremodo, se persistentemente afetados”.
“O núcleo fundamental do direito de menores será, assim, a avaliação da vantagem da atenuação especial da pena para a reinserção social do arguido jovem. Mas a avaliação de tal possibilidade de reinserção social tem de ser equacionada perante as circunstâncias concretas do caso e do percurso de vida do arguido e não perante considerações vagas e abstratas desligadas da realidade” [5] Ac. STJ de 18/06/2014 citado; também Ac. de 15/03/2008, proc. 08P114, in www.dgsi.pt..
“Se, a partir da avaliação feita, for de formular um prognóstico favorável à ressocialização do condenado será, em princípio, de considerar positiva a aplicação do regime previsto no art. 4.º do DL 401/82, de 23-09, sendo pois de atenuar especialmente a pena; no caso contrário, isto é, se não for possível formular aquele juízo positivo, ou o juízo de prognose for desfavorável, obviamente que se terá de excluir a aplicação daquele regime”[6] Ac- STJ de 15/03/2008, proc. 08P114,citado. proc. 08P114, in www.dgsi.pt..
Regime penal especialmente concebido e vocacionado para tratar a “marginalidade criminosa juvenil”, que não afasta “a aplicação - como ultima ratio - da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a 2 anos” - cfr. Exposição de motivos do DL 401/82 de 23/09.
A atenuação especial da pena que consagra, só deverá ser afastada quando o tribunal se confrontar com a especial exigência de defesa da sociedade e os factos demonstrarem que o jovem delinquente não possui capacidade de regeneração.
Por outro lado não deve ignorar-se que o jovem adulto condenado em pena ou em medida privativa da liberdade a cumprir em estabelecimento prisional (e muitas vezes a poderá cumprir no regime de permanência na habitação – cfr. art.º 43º´do Cód. Penal), a execução deve ocorrer um unidade especialmente vocacionada para o efeito, e deve favorecer especialmente a reinserção social e fomentar o sentido de responsabilidade através do desenvolvimento de atividades e programas específicos nas áreas do ensino, orientação e formação profissional, aquisição de competências pessoais e sociais e prevenção e tratamento de comportamentos aditivos – art.ºs 4º n.º 1 e 9º n.º 2 al.ª c) do CEPMPL.
Na sua filosofia, a par da finalidade ressocializadora e reeducativa do sistema punitivo dos jovens com idade de 16 a 21 anos, que lhes confere direito a um tratamento diferenciado, com adequada individualização das consequências jurídicas do crime cometido, acentua-se também a luta eficaz contra a «criminalidade juvenil» ou, na expressão do legislador, a “prevenção da marginalidade criminosa juvenil”, geralmente conotada com o cometimento de crimes de pouca densidade valorativa, quando repetidos, em pequena escala, sem motivações elaboradas, regra geral orientados pelo imediatismo, pela irreflexão, irreverência e frequentemente cometidos em grupo de pares ou entre pares.
Ainda que os criminosos sejam jovens, quando cometem crimes com preparação e até sofisticação, repetidamente e quando cometem crimes dolosos que violam bens jurídicos fundamentais ou importantes, em que é elemento do tipo de ilícito ou do tipo culposo atuação especialmente perversa ou especialmente censurável, a finalidade e medida da correspondente consequência jurídico-penal, sobrepõe, a qualquer outra, a reafirmação da validade e da vigência da respetiva proteção, isto é, a eficaz proteção dos valores tutelados e do ordenamento jurídico.
(…)
É, pois, de conceder sempre que não se deparem e devam sobrepor-se ponderosas finalidades de prevenção geral ou também quando procedam sérias razões para crer que da atenuação especial das consequências jurídicas do crime não resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Como se alcança essa ponderação em cada caso concreto? Não seguramente através de cegas proposições de fé, em crenças, convicções ou ideários que ignoram as realidades da vivência comunitária e dos acontecimentos que aí diariamente ocorrem.
Decisiva é a casuística concreta, a apreciação conjunta do circunstancialismo factual da prática do crime e de tudo aquilo que o tribunal tenha podido apurar acerca das condições pessoais e personalidade do jovem. É essa ponderação da realidade concreta do crime e do seu jovem agente que deve guiar o juiz na decisão de aplicar, ou de afastar, a atenuação especial da moldura penal, decorrente da aplicação do regime penal dos jovens.
Por seu turno, o Tribunal a quo veio entender que não devia aplicar aquele regime especial porque:
(…)
Ora, no caso, para além da elevada ilicitude dos factos e do dolo directo com o que o arguido agiu, o arguido regista já três condenações averbadas no seu certificado de registo criminal.
Por outro lado, não pode este Tribunal olvidar que o arguido pratica os factos nestes autos em pleno período da suspensão das penas de prisão que lhe foram aplicadas.
Assim, dúvidas não restam que o arguido AA tem persistido na sua conduta criminosa.
Por outro lado, saliente-se que o arguido nem sequer quis prestar declarações, não mostrou qualquer arrependimento da prática dos factos, sendo que os factos praticados pelo mesmo são graves e merecem censura.
Ora, todos estes factores que não permitem concluir que se esteja face a fortes razões, “sérias razões”, que levem a crer que da aplicação da moldura atenuada e mais benevolente resultante da atenuação possa resultar vantagem para a reinserção social do arguido AA.
Pelo contrário, dentro da moldura fornecida pelo legislador, o Tribunal saberá encontrar a medida que garanta tal reinserção social, confrontando o arguido HH com a extensão da moldura prevista para este tipo de crime e, por essa via, com a gravidade do seu comportamento e das consequências que dele advêm – em especial da persistência em tais comportamentos –, o essencial para um jovem da idade do arguido se convença que não existem “receitas especiais” para viver uma vida marginal, sem trabalho sério e honesto, predando as fragilidades e infelicidade alheias.
Só a moldura penal abstracta – e nenhuma outra que, atenuando-a enviasse uma mensagem ao arguido HH que afinal a opção por uma vida de crime seria rentável e compensadora – permite garantir a plena reinserção social do arguido AA.
Por essa via, a atenuação surge não só como desnecessária como até perniciosa a tal finalidade, razão pela qual não será atenuada a pena de prisão a fixar ao arguido AA.
(…)
Como resulta do exposto, nada poderia ter sido dito de mais claro: o Tribunal entendeu que o arguido, nada tendo feito para merecer e convocar em seu benefício um especial tratamento que visa a sua melhor integração, pelo contrário, desmerece tal tratamento porque, sobretudo, desaproveitou todas as oportunidades e persiste numa postura de não interiorização dos valores tutelados pelas normas violadas. E, por isso, insiste na violação de normas de incidência criminal que são, como sabemos, as que visam proteger os direitos sociais e humanos mais fundamentais.
Nada a apontar ao decidido também quanto a esta matéria, sendo de improceder o recurso também quanto a este fundamento.
O mesmo se dizendo quanto à determinação concreta da pena e sua forma de cumprimento.
Senão, atente-se.
Conforme ensina Figueiredo Dias, a fixação da pena deverá obedecer ao critério geral consignado no artigo 71º e ao critério especial previsto no artigo 77º, nº1, ambos do Cód. Penal, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique 7, relevando, na avaliação da personalidade do agente.
Ponderando globalmente as circunstâncias atinentes ao crime em causa (cfr. artº 77º nº1, 2ª parte) como acima se deixou, conclui-se que a pena fixada na primeira instância é até benévola para o arguido, mesmo tendo-se operado a convolação da imputação para crime menos grave, atento a que este tem um mínimo de moldura de 1 (um) ano de prisão.
Ou seja, o Tribunal a quo fez praticamente coincidir a culpa com a prevenção, o que se nos afigura como uma decisão benévola tendo em conta este concreto arguido.
No entanto, não tendo havido recurso da medida da pena e aceitando-se que, embora não tendo aplicado o Regime Especial para Jovens Delinquentes, o Tribunal a quo tenha ponderado, ainda assim e nos termos das circunstâncias gerais, a idade do arguido, ainda é de considerar adequado o critério usado.
Posto isto,
Sendo a pena concreta aplicada fixada em medida inferior a 5 anos de prisão, importa apreciar e fundamentar especificamente quer a concessão, quer a denegação da suspensão da execução da pena de prisão (artº 50º, nº 1 CP).
É sabido que não são considerações de culpa que interferem nesta decisão, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em análise, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas.
A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não de qualquer «correção», «melhora» ou - ainda menos - «metanoia» das conceções daquele sobre a vida e o mundo. É, em suma, como esclarece Zift, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa.
Decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência 8.
Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização - a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime». Já determinámos que estão em causa "não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise 9.
Por outro lado, importa esclarecer que o que está em causa no instituto da suspensão da execução da pena não é qualquer juízo de “certeza”, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser conseguida. O tribunal deve correr risco "prudencial" (fundado e calculado) sobre a manutenção do agente em liberdade. Existindo, porém, razões sérias para pôr em causa a capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada 10.
A Jurisprudência tem vindo a acentuar que a suspensão da execução da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o Tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose social favorável ao condenado, que deverá assentar num risco de prudência entre a reinserção e a proteção dos bens jurídicos violados, refletindo-se sobre a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta ante et post crimen e sobre todo o circunstancialismo envolvente da infração.
Para o efeito, será de atender que a pena de prisão suspensa, sujeita ou não a certas condições ou obrigações, é a reação penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social e que não só antevê, como propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, que é um dos vetores dos fins das penas (função de prevenção especial de reinserção ou positiva).
Contudo, importa considerar ainda a proteção dos bens jurídicos violados, a proteção da própria sociedade em relação ao agente do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente este último, se possa esperar que o mesmo não venha a adotar novas condutas desviantes (função de prevenção especial defensiva ou negativa).
Na proteção dos bens jurídicos, será ainda de destacar que a reação penal a aplicar deve, tanto quanto possível, neutralizar o efeito do delito, passando este a surgir, inequivocamente, como um exemplo negativo para a comunidade e contribuindo, ao mesmo tempo, para fortalecer a consciência jurídica da mesma (função de prevenção geral).
Da ponderação destes elementos, decorre que, por vezes, sobrepondo-se à função ressocializadora, seja necessária a execução de uma pena de prisão para defesa do ordenamento jurídico, designadamente quando o comportamento desviante for revelador de uma atitude generalizada e consequente de não se tomar a sério o desvalor de certas condutas relevantemente ofensivas da vida comunitária, de acordo com os princípios constitucionais do Estado de Direito Democrático.
Concretizando, o crime praticado pelo arguido é objetivamente grave, suscita grande censura e repúdio, sendo elevadas as exigências de prevenção geral e especial, o arguido tem antecedentes criminais, não mostra integração e nem esforço para que a mesma aconteça na sua vida. Sem colaboração relativamente ao apuramento dos factos, mantém uma postura de total falta de empatia para com os direitos alheios, sendo que o seu papel se mostra essencial, face aos factos apurados, para o exercício de uma das actividades mais anti sociais que a lei pune. Nesta conformidade, sem qualquer sinal de reavaliação do desvalor das suas condutas, não se mostra nem viável e nem possível qualquer prognose favorável a seu respeito.
Assim, por não se mostrarem reunidos os pressupostos materiais exigidos pelo artº 50º do Cód. Penal para a aplicação de uma pena suspensa na execução, importa julgar improcedente também esta pretensão do arguido.
Pelo exposto, cumpre decidir pela improcedência do recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se intocada a decisão que foi objecto deste recurso.

Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso interposto por AA, mantendo-se a decisão do Tribunal a quo.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC’s, a que acrescem os demais encargos legais.
Notifique.
Comunique imediatamente à comarca e ao TEP com nota de que não transitou.
Após trânsito, com nota disso mesmo, devolva à comarca e comunique o trânsito ao TEP.

Lisboa, 18 de Junho de 2025
Hermengarda do Valle-Frias
Rui Miguel Teixeira
Carlos Alexandre

Texto processado e revisto.
Redacção sem adesão ao AO

_______________________________________________________
1. A transcrição é maioritariamente integral, mesmo relativamente a co arguidos não recorrentes, para que se perceba o sentido integral da decisão.
2. Acórdão Tribunal da Relação de Évora de 09.01.2018 [Rel. Desembargadora Ana Barata Brito] – www.dgsi.pt\tre..
3. Destaques nossos.
4. Ac. STJ de 25.05.2006 – www.dgsi.pt\stj..
5. Ac. Tribunal da Relação de Coimbra [Rel. Desembargador Simões Raposo] - www.dgsi.pt\trc
6. Veja-se preâmbulo, cit. no Ac. STJ 27.05.2020 [Rel. Conselheiro Nuno Gonçalves] – www.dgsi.pt\stj..
7. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Coimbra - 1993, p. 290 a 292.
8. . Figueiredo Dias, idem, p. 343 e 344.
9. . ibidem, p. 344
10. ibidem, p. 344 e 345