RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
DECISÃO SINGULAR
ACLARAÇÃO
DESPACHO SOBRE A ADMISSÃO DE RECURSO
OBSCURIDADE
AMBIGUIDADE
EMBARGOS DE TERCEIRO
RECURSO DE REVISTA
INADMISSIBILIDADE
DUPLA CONFORME
INDEFERIMENTO
Sumário


Sumário -art.663º, n.º 7 do C.P.C.

I - Só existe obscuridade quando o tribunal proferiu decisão cujo sentido exacto não pode alcançar-se e a ambiguidade só releva se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que não seja possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se diz ambíguo.
II - Se da pretendida “aclaração” do acórdão proferido nestes autos, apresentada pela embargante/reclamante, ressalta à evidência que aquela compreendeu bem os fundamentos da decisão, apenas não concordando com eles, não ocorre qualquer obscuridade ou ambiguidade que aqui importe corrigir ou sanar.

Texto Integral


Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça:


O processo principal a que estes autos estão apensos tem por base uns embargos de terceiro deduzidos por AA contra Decisões Perfeitas - Imobiliária Unipessoal, Lda., tendo aquela alegado, nomeadamente, que o seu companheiro é arrendatário do imóvel adquirido pela embargada e, por isso, goza a embargante do direito de preferência na aquisição de tal imóvel.

A adquirente/embargada apresentou contestação, tendo pugnado pelo indeferimento dos embargos.

Os autos prosseguiram os seus ulteriores termos, sendo que, em 21/5/2024, foi proferida decisão que julgou improcedentes os referidos embargos de terceiro.

Inconformada com tal decisão dela apelou a embargante para a Relação de Lisboa que, por acórdão datado de 24/10/024, manteve a sentença recorrida, julgando improcedentes os embargos de terceiro deduzidos pela recorrente, aqui reclamante.

Do referido aresto veio a embargante interpor recurso de revista para o STJ, apresentando as suas alegações e respectivas conclusões, terminando as mesmas pedindo a revogação de tal acórdão.

Por decisão da Ex.ma Juiz Desembargadora relatora, datada de 9/1/2025, não foi admitido o recurso de revista interposto pela embargante, face ao estatuído no art.671º nº3 do C.P.C. - pois o acórdão em questão confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a sentença da 1ª instância, verificando-se uma situação de “dupla conforme” - e, por outro lado, também não foram invocados quaisquer dos fundamentos relativos à interposição da revista excepcional, previstos no art.672º do C.P.C.

De tal despacho foi apresentada reclamação de não admissão de recurso para o STJ, nos termos do disposto no art.643º do C.P.C.

Por decisão singular proferida pelo relator em 17/3/2025, ao abrigo do disposto no art.643º nº4 do C.P.C., foi mantido o despacho reclamado (de não admissão da revista).

Notificada da referida decisão veio a embargante/reclamante apresentar requerimento no sentido de recair um acórdão sobre a matéria em causa (constante da aludida decisão), atento o disposto no art.652º nº3, aplicável ex vi do citado art.643º nº4, ambos do C.P.C., reiterando tudo aquilo que já tinha dito nas conclusões do requerimento de não admissão do recurso de revista.

Por acórdão proferido em 15/5/2025 foi julgada improcedente a presente reclamação de recurso apresentada pela embargante/reclamante, confirmando-se integralmente a decisão de não admissão do recurso de revista.

Veio agora a embargante/reclamante apresentar um novo requerimento nos autos, no qual solicita a “aclaração” do acórdão supra referido, alegando para o efeito o não conhecimento e apreciação das questões por si invocadas.

Notificada a embargada para, querendo, se pronunciar sobre tal requerimento apresentado pela embargante/reclamante, a mesma nada veio dizer aos autos.

Cumpre apreciar e decidir:

Apreciando, de imediato, a pretensão da embargante/reclamante – no que respeita à pretendida “aclaração” do acórdão proferido em 15/5/2025 – importa referir a tal propósito que o actual C.P.C. não prevê a figura ora invocada por aquela.

No entanto, a este respeito, sempre se dirá que a requerida aclaração tem por base uma alegada obscuridade ou ambiguidade do acórdão supra referido, proferido neste Tribunal Superior.

Ora, a obscuridade do aresto é a imperfeição deste, que se traduz na sua ininteligibilidade e a ambiguidade verifica-se quando à decisão, no passo considerado, podem razoavelmente atribuir-se dois ou mais sentidos diferentes, sendo certo que não é apenas a parte decisória que é susceptível de padecer destes vícios, que podem afectar, por igual, os fundamentos do julgado (cfr. Rodrigues Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. III, 1972, pág.249).

Assim o acórdão será obscuro quando contenha algum passo cujo sentido seja inintelegível e será ambíguo quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes (cfr. Ac. S.T.J. de 28/3/95, B.M.J.445º, pág.388). Por isso, só existe obscuridade quando o tribunal proferiu decisão cujo sentido exacto não pode alcançar-se e a ambiguidade só releva se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que não seja possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se diz ambíguo.

Daí que, se da aclaração ressalta à evidência que a embargante/reclamante da mesma compreendeu bem os fundamentos da decisão, apenas não concordando com eles, não ocorrem aquela obscuridade e ambiguidade que aqui foram invocadas (cfr., nesse sentido, entre outros, o Ac. do S.T.J. de 28/3/2000, Sumários, 39º-22).

Ora, no caso em apreço, a decisão que se pretende ver aclarada - o acórdão do STJ de 15/5/2025 que julgou improcedente a reclamação de não admissão do recurso de revista - não contém, a nosso ver, nenhuma obscuridade e/ou ambiguidade que tenha de ser corrigida ou sanada.

Na verdade, não se antolha, efectivamente, naquela decisão, tanto nos seus fundamentos como na parte decisória, qualquer passagem ininteligível ou passível de lhe serem atribuídos diversos sentidos, sendo que o acórdão em causa analisou de forma perfeitamente clara e perceptível as questões que lhe foram colocadas, aí se explicitando devidamente quais as razões e fundamentos para que não fosse atendida a reclamação de não admissão do recurso de revista interposto pela embargante.

De resto, a simples leitura do requerimento em que se solicita a “aclaração” do acórdão evidencia claramente que a embargante apreendeu perfeitamente, quer o conteúdo decisório, quer os fundamentos da decisão aclaranda, conquanto dela venha a discordar.

Com efeito, resulta claro do aresto proferido nestes autos em 15/5/2025 que o indeferimento da reclamação de não admissão do recurso de revista deduzida pela embargante teve por base a seguinte fundamentação (a qual aqui reproduzimos novamente):

- (…) no caso em apreço, existe a chamada dupla conforme, a que alude o nº3 do citado art.671º do C.P.C., quanto à fundamentação jurídica devidamente explanada em tais decisões, nas quais se concluiu, a final, pelo não reconhecimento à embargante do direito de preferência que invocou na aquisição para si da moradia adquirida pela embargada (pois não ficaram demonstrados, nem foram dados como provados - cfr. art.342º nº1 do Cód. Civil - os factos constitutivos da pretensão formulada pela embargante, aqui reclamante).

Por outro lado, os casos em que o recurso é sempre admissível, a que se refere o nº2 do art.629º do C.P.C., não se aplicam, de todo, na situação aqui em análise, pois, como vimos, a embargante apenas fundamentou a interposição do seu recurso de revista na existência do alegado direito de preferência que a mesma detinha na aquisição do imóvel identificado nos presentes autos, o qual não resultou provado.

Além disso, constata-se que a embargante também não invocou nenhum dos requisitos a que aludem as alíneas a), b) e c) do nº1 do art.672º C.P.C., os quais permitiriam, com base em tais fundamentos, a (eventual) interposição do recurso de revista excepcional.

Assim sendo, forçoso é concluir que o acórdão do STJ, datado de 15/5/2025 - que julgou improcedente a reclamação de não admissão do recurso de revista interposto pela embargante - não importa qualquer “aclaração” que aquela erroneamente lhe imputa.


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Finalmente, atento o estipulado no nº 7 do art.663º do C.P.C. passamos a elaborar o seguinte sumário:

- Só existe obscuridade quando o tribunal proferiu decisão cujo sentido exacto não pode alcançar-se e a ambiguidade só releva se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que não seja possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se diz ambíguo.

- Se da pretendida “aclaração” do acórdão proferido nestes autos, apresentada pela embargante/reclamante, ressalta à evidência que aquela compreendeu bem os fundamentos da decisão, apenas não concordando com eles, não ocorre qualquer obscuridade ou ambiguidade que aqui importe corrigir ou sanar.

Decisão:

Pelo exposto, atentas razões e fundamentos acima explanados, acordam os Juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente a pretendida “aclaração” apresentada pela embargante AA, relativamente ao acórdão proferido nestes autos em 15/5/2025, mantendo-se integralmente a decisão de não admissão do recurso de revista.

Custas do incidente pela embargante/reclamante, fixando-se em 3 UC´s a taxa de justiça (sem prejuízo do apoio judiciário de que a mesma é beneficiária).

Notifique.


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Lx., 17/6/2025

Rui Machado e Moura (Relator)

António Barateiro Martins (1º Adjunto)

Arlindo Oliveira (2º Adjunto)