CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
CONTRATO-PROMESSA
CRÉDITO BANCÁRIO
CONDIÇÃO
PAGAMENTO
PREÇO
RESTITUIÇÃO DO SINAL
DEVER DE INFORMAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário


I. Visando a actividade da ré, no que toca ao relacionamento com os autores a angariação destes como compradores do imóvel, propriedade do seu cliente, estamos em face de um contrato de mediação imobiliária.
II. A violação dos deveres a que se referem as al.s c) e d), do n.º 1, do artigo 17.º, da Lei n.º 15/2013, de 8/2, destinam-se à protecção dos destinatários, tal como definidos no artigo 2.º, n.º 5, da citada Lei, e constituem “normas de proteção, disposições legais que impõem ou proíbem comportamentos com destino à proteção de interesses alheios ao agente” cuja “violação … quando causadora de danos , é suscetível de conduzir à responsabilização civil da empresa de mediação por via do disposto no art. 483, n.º 1, 2.ª possibilidade, do CC.
III. Não incumbia à ré, enquanto mediadora imobiliária, autorizar ou não que o negócio ficasse condicionado à concessão aos autores de crédito bancário pela totalidade do preço convencionado, nem que o contrato definitivo ficasse dependente dessa condição.
Estas cláusulas/condições teriam de ser negociadas e acordadas entre os promitentes compradores e os promitentes vendedores.
IV. A ré, na qualidade de mediadora imobiliária, não tinha nada que ver com a capacidade financeira dos autores em adquirirem o imóvel em causa, sendo esta uma obrigação que só sobre estes impende, nem em assegurar que os autores iriam obter crédito bancário e em que condições, que é apenas objecto das relações entre quem solicita o crédito e o banco que o concede.
Do que se tem de retirar a conclusão de que a ré não pode ser responsabilizada pela não obtenção pelos autores da totalidade do crédito concedido, como estes pretendiam.
V. Consequentemente, a causa da perda do sinal não foi o facto de não ter ficado a constar do “formulário” e do contrato promessa, que os autores pretendiam recorrer ao crédito bancário, mas por este lhes ter sido concedido por uma verba inferior à pretendida, já que pretendiam que o mesmo lhes fosse concedido pela totalidade do preço convencionado, matéria à qual a ré é manifestamente alheia e, por isso, não se vislumbra que a mesma tenha incumprido os deveres a que se alude no artigo 17.º, n.º 1, al.s c) e d), da citada Lei n.º 15/2013.
VI. Cabia aos autores, o ónus de alegação e prova da obrigação de indemnizar por parte da ré, por violação do deve de informar, dado que a presente acção assume a natureza de acção indemnizatória, cf. artigos 342.º, n.º 1, 485.º, 2 e 483.º, todos do Código Civil.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA, e seu marido, BB, ambos residentes na Praceta ..., em ..., intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra Remax Almada – Rapicasa, Sociedade de Mediação Imobiliária, Ld.ª, com sede na Avenida Dom Nuno Álvares Pereira – n.º 80-B, Cova da Piedade, em Almada, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhes a quantia global de € 60.000,00 (sessenta mil euros), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até pagamento.

Para fundamentarem tal pretensão alegaram que em 27.08.2019 visitaram um imóvel cuja venda a ré mediava, tendo manifestado intenção de o adquirir, mediante recurso ao crédito, na decorrência do que foi celebrado “contrato promessa de compra e venda”, em 25.10.2019, com pagamento do sinal de € 20.000,00 pelos autores. Sucedeu que os agentes imobiliários da ré prestaram informações incorretas sobre o valor do imóvel, o qual inflacionaram para o montante de € 235.000,00, pelo menos, sendo inferiores os valores das avaliações efetuadas pelos Bancos aos quais os autores solicitaram crédito para aquisição do imóvel.

Acrescentam os autores que, entretanto, tomaram conhecimento que o imóvel não tinha sistema de esgotos ou fossa séptica, o que os agentes imobiliários da ré omitiram e não averiguaram.

Após diligências, o BPI comunicou aos autores, em 19.05.2020, que apenas concedia crédito até ao montante de € 164.430,00, que o imóvel não tinha condições de habitabilidade, que não concedia crédito para terrenos rústicos e que o imóvel era composto de uma parte rústica e uma urbana.

Nessa sequência, os autores aperceberam-se que a concessão de crédito que mencionaram necessitar para adquirir o imóvel não constava expressa no contrato promessa e encetaram negociações com o vendedor, com vista à redução do preço ou devolução do sinal, às quais a ré obstou, alegando falsamente que desconhecia que os autores necessitavam de recorrer ao crédito e que existiam outros interessados na aquisição do imóvel, ante o que o vendedor declinou ambas as mencionadas soluções propostas pelos autores, tanto que já havia pago à ré a sua comissão e não dispunha, por isso, do valor do sinal, mas tendo-se a ré eximido de qualquer responsabilidade, assim tendo violado os seus deveres de informação, honestidade e esclarecimento e gerando com a sua conduta danos na esfera dos autores, pois estes limparam a expensas suas o imóvel em causa, assim o valorizando em € 40.000,00, bem como perderam o sinal entregue de € 20.000,00.

A ré contestou invocando a exceção de ilegitimidade dizendo que não é parte no contrato promessa invocado pelos autores, o qual foi celebrado entre estes e os vendedores, os quais, por sua vez, com a ré celebraram um contrato de mediação imobiliária, além de a ré não ter celebrado qualquer outro negócio jurídico com os autores, pelo que não pode ser condenada a devolver o sinal entregue e o montante da valorização do imóvel.

Impugnou ainda os fundamentos da ação dizendo que cumpriu os seus deveres legais de mediadora imobiliária, tendo sido antes os autores quem decidiu adquirir um imóvel sem para tanto se certificarem que teriam capacidade financeira, atuando estes em abuso de direito, pois foram os mesmos que, com a sua conduta incumpridora, deram causa aos factos que imputam à ré.

Foi dispensada a realização da audiência prévia e foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção de ilegitimidade da ré. No mais foram julgados tabelarmente verificados os pressupostos processuais.

Enunciaram-se o objeto do litígio e os temas da prova.

Realizou-se a audiência final tendo sido proferida sentença cujo trecho decisório é o seguinte:

“Julgo a acção parcialmente procedente, por provada em parte, e, em consequência:

a) Condeno a ré «Remax Almada – Rapicasa, Sociedade de Mediação Imobiliária, Ld.ª» a pagar aos autores AA e BB a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos, todos contados à taxa legal de 4%, calculados desde a citação da ré e até integral pagamento;

b) Absolvo a ré do restante pedido”.

Inconformada com o decidido, dela interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, a ré, Remax Almada, L.da, na sequência do que foi julgado procedente tal recurso, com a consequente revogação da decisão ali recorrida, absolvendo a ré do pedido, ficando as custas a cargo dos autores em ambas as instâncias.

Irresignados com tal decisão, os autores, AA e BB, interpuseram o presente recurso de revista, nos termos do disposto no artigo 671.º, n.º 1, do CPC, para o Supremo Tribunal de Justiça, visando a revogação do acórdão revidendo e a confirmação da decisão proferida na 1.ª instância.

Terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. O presente recurso de vem interposto pelos Autores nos autos da Ação de Processo Comum, com o nº 8147/21.3T8ALM, que corre ermos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Central Cível de ... - Juiz..., tendo por objecto o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou totalmente procedente a Apelação da Ré e, em consequência, revogou a decisão recorrida, absolvendo a ré do pedido quanto à condenação levada a efeito na decisão da 1.ª Instância;

2. Não assiste razão ao Tribunal a quo quando determinou a procedência da apelação da Ré “Remax Almada” e, consequentemente, absolveu a Ré da condenação ao pagamento aos autores AA e BB, da quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos, todos contados à taxa legal de 4%, calculados desde a citação da ré e até integral pagamento;

3. Com efeito, entendem os AA. que o douto Tribunal da Relação de Lisboa não procedeu à correta apreciação e interpretação do regime substantivo aplicável ao caso dos autos, pois existe no caso trazido à apreciação superior uma errada interpretação daquela que é a responsabilidade da Ré, porquanto o Tribunal a quo baseou a sua decisão na interpretação de que, por terem conseguido financiamento, apenas em moldes diferentes daqueles que seriam os pretendidos pelos AA., o facto de os AA. terem exigido á R. a configuração de uma condição para a celebração do negócio, com vista à sujeição do mesmo à aprovação de um crédito bancário que satisfizesse e as intençõesdos AA., tal seria irrelavante no caso em apreço;

4. Atenta a factualidade dada como provada e a prova carreada para os autos, resultou clara a violação do dever de informação e transparência por parte da Ré, porquanto, enquanto mediadora do negócio, tinha a obrigação legal de assegurar que todas as condições relevantes para a concretização do contrato de compra e venda estivessem claramente expressas no contrato-promessa.

5. Tal violação resulta ainda mais agravada, quando pelos AA. foi claramente requerida a inclusão da cláusula que constituiria uma condição à realização do negócio, sendo que a omissão da referida cláusula que condicionava a eficácia do contrato à aprovação do crédito bancário, sujeito a avaliação, nos moldes requeridos pelos AA., configura uma violação do dever de informação que a Ré deveria ter respeitado, conforme previsto no artigo 17º da Lei n.º 15/2013;

6. Essa omissão não apenas veio comprometer de forma irrevogável a transparência nas relações contratuais estabelecidas entre as partes, prejudicando os AA., que confiaram no conhecimento e atuação da consultora imobiliária aqui Ré;

7. Com a sua atuação, a Ré defraudou as legítimas expectativas dos AA., na medida em que resultou provado nos autos que os autores comunicaram claramente à imobiliária a sua intenção de que o contrato-promessa incluísse a condição de obtenção de crédito bancário, sujeito a avaliação;

8. Ao contrário do vertido da douta decisão de que se recorre, não existiu um aproveitamento dos AA. para benefício de maior prazo, outrossim, caso não tivessem confiado de que a Ré agiria de acordo com o por eles solicitado, não teriam os AA. procedido com o pagamento do sinal de 20.000,00 €;

9. Resultou igualmente provado que, para a condição referida pelos AA. e que estes pretendiam que constasse no CPCV, a autora explicou em reunião às consultoras imobiliárias da R, que tinha uma deficiência e que estaria a negociar a concessão de crédito bonificado, para pessoa com deficiência, pelo que tal circunstância era do total e integral conhecimento da Ré;

10. Resultou ainda provado que, no formulário preenchido pela consultora da Ré, CC, esta ignorou de forma deliberada a informação veiculada pela A. e no email enviado e supra transcrito, tendo sido ainda provado nos presentes autos que, de forma igualmente deliberada, a Ré ignorou os inúmeros pedidos dos AA. para que lhes fosse facultada, com antecedência, a minuta do CPCV (que apenas lhes foi exibido 30 minutos antes da reunião agendada para a sua assinatura, impossibilitando que os AA., de forma esclarecida e atempadamente, pudessem ter conhecimento concreto e inequívoco das condições e consequências nele existentes -tal atuação impediu, uma vez mais, a existência de transparência contratual, dever esse que é diretamente imputável à Ré no desenvolvimento da sua atividade;

11. Confiando na atuação da Ré, em total boa-fé negocial, os autores efetuaram o pagamento, nessa data, do sinal no valor de 20.000,00 €;

12. Para que o imóvel tivesse uma avaliação condigna (o que deveria estar previsto na cláusula do CPCV, referente à condição de aprovação do crédito), foram mesmo os AA. que proceder a limpezas do imóvel, uma vez que foi necessário recorrer a duas avaliações face ao estado do mesmo (com total conhecimento da Ré, já que a primeira avaliação decorreu com a presença da agente imobiliária DD, da «Remax Almada»);

13. As agentes imobiliárias ocultaram dos AA. as verdadeiras condições do imóvel, o que estes acabaram por ter conhecimento através de vizinhos, designadamente sobre a ausência de sistema de esgotos ou fossa séptica, o que iria condicionar, forçosamente, a boa avaliação do

imóvel para efeitos de concessão de crédito;

14. Os AA. foram confrontados com a informação prestada por uma advogada em representação da ré e um gestor de clientes, os quais mencionaram que o “montante acordado nunca ficou condicionado à obtenção de crédito bancário”, tendo comunicado naquele momento aos autores, i.e. a 18 de Junho de 2020, nas instalações da Remax Almada, como solução possível, a aquisição do imóvel com capitais próprios, por forma a não perderem o sinal já pago – estando conscientes naquele momento de que, com esta atuação e ausência da condição solicitada pelos AA., que o sinal seria por aqueles perdido, defraudando de forma inequívoca as legítimas expetativas dos AA., causando-lhes um prejuízo e a perda do negócio;

15. É inequívoca a existência de causalidade ente a omissão da Ré e a perda do sinal pelos AA., na medida em que é imprescindível estabelecer a relação de causa e efeito entre a omissão da cláusula de crédito bancário e a perda do sinal;

16. A questão central é que, ao não se ter incluído a condição de aprovação de crédito no contrato-promessa, os autores assumiram um risco que, caso a atuação da Ré fosse de acordo com os ditâmes impostos pela boa-fé contratual e pré-contratual, tal risco seria desnecessário;

17. Nos termos do artigo 17º da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, a Ré tem o dever de informar os seus clientes sobre as condições do negócio e de agir coma diligência de um bonus pater familias. A omissão da condição de aprovação de crédito bancário, sujeito a avaliação no contrato-promessa constitui uma violação grave deste dever, uma vez que essa condição é essencial para a realização do negócio;

18. Nos termos do artigo 227º do Código Civil, a boa-fé e a confiança legítima são princípios fundamentais nas relações contratuais, pelo que a não inclusão dessa condição no contrato, apesar das solicitações dos AA, gerou uma expectativa legítima de que o negócio iria concretizar-se com a aprovação de crédito bonificado, após sujeição a avaliação do imóvel, levando-os a proceder com o pagamento do sinal – o real conhecimento do estado do imóvel veio a acontecer depois, pese embora fossem elementos que já se encontravam, há muito, no conhecimento da Ré e que por esta foram ocultados aos AA;

19. A relação de causalidade entre a omissão da cláusula de crédito sujeito a avaliação e a perda do sinal deve ser analisada à luz do artigo 483º do Código Civil, que estabelece a responsabilidade civil por facto ilícito, pois a conduta omissiva da Ré, ao não incluir uma cláusula que salvaguardasse o direito dos autores à obtenção de crédito, naqueles termos e conforme solicitado por aqueles, comprometeu a segurança jurídica dos AA. e configura um ato ilícito que resultou num prejuízo patrimonial, traduzido na perda do sinal de 20.000,00 €;

20. Bem andou o douto Tribunal da 1ª instância quando reconheceu, corretamente, a responsabilidade da ré pela falta de diligência e pela omissão da cláusula de financiamento, considerando que essa conduta levou à perda do sinal. A decisão do Tribunal da Relação que ora se coloca em crise, ao afirmar que a omissão era irrelevante, ignora a essência da proteção que o direito civil português confere e a importância da boa-fé nas relações contratuais;

21. A Ré, diversamente do que lhe foi expressamente solicitado, decidiu omitir a manifestação de vontade dos autores, quer do formulário por si elaborado que lhe serviu de base à redacção do clausulado do “contrato promessa”, quer deste último instrumento, o qual não foi facultado aos autores para leitura e análise com a antecedência que se impunha, pois tiveram cerca de 30 minutos para o examinarem, sendo o mesmo composto por 5 (cinco) páginas, com fonte de reduzida dimensão, além de terem decorrido alterações em simultâneo com a sua assinatura, em resultado do que nada ficou a constar sobre a necessidade de recurso ao crédito e nem os autores se aperceberam de tal omissão na data da assinatura do dito instrumento;

22. A Ré incumpriu deveres de informação legalmente consagrados a seu cargo, mormente por não ter feito uso da maior exatidão e clareza quanto às condições de pagamento do preço do imóvel em causa, de modo a não induzir os autores em erro, nem lhes comunicou imediatamente factos que poderiam pôr em causa a concretização do negócio visado (designadamente as avaliações face ao verdadeiro estado do imóvel e que condicionariam a concessão do crédito bancário bonificado), como pôs efectivamente (art.º 17.º, n.º 1, alíneas c) e d), da Lei n.º 15/2013, de 8 deFevereiro);

23. De acordo com o artigo 483º do Código Civil Português, a responsabilidade extracontratual surge quando alguém, através de um ato ilícito, causa dano a outrém, obrigando-se a reparar o prejuízo nos termos da lei. No caso vertente, a Ré, enquanto mediadora entre os AA. e o vendedor, não apenas assumiu a obrigação de facilitar o negócio, mas também a responsabilidade de agir com diligência e informar adequadamente os seus clientes sobre as condições do contrato, tendo falhado e não cumprido com a sua obrigação de agir de acordo com os princípios da boa-fé e da transparência que regem as relações contratuais (artigo 227º do Código Civil) - assim a responsabilidade da Ré deve ser reconhecida, uma vez que a sua omissão gerou um prejuízo que poderia ter sido evitado - pelo deve manter-se a decisão proferida em 1.ª Instância e anulado o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

Atento tudo o que acima se deixa exarado e nos mais de Direito que V/Exas. mui doutamente suprirão, impõe-se pois, como expressamente aqui se requer, seja revogado o mui Douto Acórdão da Relação de Lisboa, dando-se provimento ao presente recurso de revista, seguindo- se os demais termos até final, maxime a confirmação da decisão proferida na 1.ª Instância, como é de inteira, total e premente

JUSTIÇA!

Contra-alegando, a ré, Remax Almada, Rapicasa, L.da, formulou as seguintes conclusões:

A) Os Autores, aqui Recorrentes, fundamentam o recurso apresentado na “violação de lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável, ex vi art. 674º do CPC”;

B) Salvo melhor opinião, andou bem o douto Tribunal da Relação de Lisboa, quando decidiu revogar a decisão do Tribunal de 1ª Instância, por entender que a Ré não violou os seus deveres enquanto mediadora imobiliária e, portanto, não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual;

C) A Ré, aqui Recorrida, prestou aos Autores, aqui Recorrentes, todas as informações necessárias para que pudessem formar a vontade válida de contratar;

D) Os Autores decidiram comprar o imóvel, tendo feito uma proposta onde mencionavam

que iriam recorrer a financiamento bancário, e que tal deveria constar no contrato promessa de compra e venda;

E) Não expressaram, nesse momento, e em nenhum outro durante o decurso do processo

que tal situação configurava uma condição essencial do negócio;

F) Tendo apenas utilizado esse argumento quando se aperceberam que não conseguiriam obter o financiamento nas condições que precisavam, depois de já terem assinado uma proposta de aceitação, um contrato de compra e venda e uma adenda;

G) Não restam dúvidas que os Autores incumpriram o contrato promessa de compra e venda, porque não lograram obter o valor necessário ao pagamento integral do preço;

H) E por esse motivo, perderam o valor entregue a título de sinal que querem agora reclamar da Ré;

I) A capacidade financeira para a aquisição de um imóvel, é da responsabilidade do comprador, neste caso dos Recorrentes, que deveriam ter-se assegurado dispor dos meios para o fazer, pois a Ré não tem como dever aferir essa situação;

J) A Ré agiu de acordo com a manifestação de vontade que os Autores foram demonstrando ao longo do processo, não violando qualquer lei ou direito daqueles;

K) Não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, nos termos do artigo 483º do Código Civil.

L) No caso em concreto, considerando que a menção a uma cláusula sobre o financiamento não é um direito dos Autores, sendo apenas uma prerrogativa que teria de ser aceite pelo vendedor, e que das manifestações de vontade dos Autores posteriores ao email prévio à formalização da proposta de compra, nunca resultou a essencialidade do crédito para a aquisição do imóvel, não se pode considerar que a Ré tenha praticado um facto ilícito, por omissão;

M) Isto porque, sem que os Autores tivessem nos vários momentos formais deste processo (proposta, contrato promessa de compra e venda e adendas), dado continuidade ao pedido que referiram no mail inicial, a Ré não estava “obrigada”, de acordo com os deveres que sobre si impendem, a colocar qualquer menção ao financiamento nos documentos assinados;

N) Não se verifica, assim, o primeiro pressuposto da responsabilidade extracontratual subjetiva, conforme configurada na decisão recorrida, o que inquina de imediato a verificação deste instituto;

O) Isto porque não decorre nem dos preceitos legais aplicáveis a este tipo de negócio, nem dos deveres da Ré no âmbito do exercício da atividade de mediação imobiliária, a obrigação de fazer constar cláusulas contratuais que não lhe forem solicitadas pelas partes e que dependem única e exclusivamente da negociação entre os intervenientes;

P) Considerando que para que exista responsabilidade extracontratual, a verificação de todos os pressupostos é cumulativa, não se verificando um deles, não pode a Ré ser condenada a indemnizar por um dano que não existiu, como aliás conclui o Tribunal da Relação no seu douto acórdão;

Q) Pelo facto de não ter existido violação, por parte da Ré, dos seus deveres decorrentes da lei da mediação imobiliária, e pelo facto de não se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, andou bem o Tribunal da Relação, quando decidiu revogar a decisão da 1ª Instância repondo a justiça e absolvendo a Ré do pedido.

RAZÃO PELA QUAL, ATENTO O ATRÁS EXPOSTO

Deverão Vossas Excelências negar provimento ao presente recurso de revista, mantendo a decisão do Tribunal da Relação, a qual expressa uma correta interpretação e aplicação da lei, fazendo-se, assim, a necessária JUSTIÇA!

Obtidos os vistos, cumpre decidir.

Face ao teor das alegações apresentadas pelos recorrentes, a questão a decidir é a de averiguar se os autores têm, a haver da ré a quantia que pagaram ao promitente vendedor, a título de sinal, no cumprimento do contrato promessa de compra e venda que com ele celebraram, com fundamento em a ré ter incumprido os deveres a que estava obrigada, no exercício da sua actividade de mediação imobiliária, no âmbito da actividade, que levou a cabo no negócio em causa nos autos.

São os seguintes os factos dados como provados:

1. No dia 27 de Agosto de 2019, após indicação, por parte de dois amigos dos autores, da existência de um anúncio, divulgado pela ré, de venda do imóvel sito em Vale de ..., na Rua ..., na ..., União das Freguesias de ..., os autores visitaram-no, desacompanhados de agente imobiliário.

2. No dia 27 de Agosto de 2019, os autores dirigiram-se à «Remax Almada», no Centro Comercial Almada Fórum, no sentido de formalizar o seu interesse na aquisição do imóvel mencionado em 1., o que fizeram junto da consultora imobiliária da ré CC.

3. A referida consultora imobiliária recusou que os autores celebrassem desde logo um “Contrato Promessa de Compra e Venda (CPCV)”, porque existia uma discrepância relativa à área do imóvel que constava da caderneta predial, mas tendo aquela recomendado que os autores manifestassem, por escrito, o seu interesse na aquisição do imóvel, pois assim teriam prioridade perante a existência de outros interessados.

4. No dia 27 de Agosto de 2019, por volta das 16h57, foi pelos autores apresentada uma oferta de aquisição do dito imóvel, através de e-mail remetido a CC e por esta recebido, cuja cópia consta de fls. 17 e se dá por reproduzido, com o seguinte teor:

“Cara CC, após a visita ao imóvel c a V. referência ID. .......36-.84, vimos por este meio apresentar a nossa proposta para a aquisição do mesmo, na medida em que adoramos a casa para nossa habitação:

- valor total proposto 200.000€,

- apesar de saber que o sr. proprietário rejeita para já, reserva do imóvel até obter conformidade de áreas nas cadernetas, caso seja necessário podemos fazê-la, no valor de 2.500€,

- CPCV em substituição à reserva, ou dentro do prazo de 10dias após reserva, se necessária, no valor de 20.000€ de sinal, com menção de recurso a crédito bancário sujeito a avaliação,

- escritura até ao prazo 90 dias com possibilidade de adenda de prorrogação, caso seja necessário.

Mais uma vez reforço o nosso total interesse na aquisição deste imóvel, e propomos este valor, que é negociável, pois toda a construção existente teria de ser alvo de reabilitação profunda.

Sinta-se à vontade para discutir connosco esta proposta e esperamos que nos apoie neste projecto.

(...)”

5. Em data não apurada, teve lugar uma visita ao imóvel, a qual foi conduzida pela consultora imobiliária ao serviço da ré, em ..., CC.

6. Em data não apurada de Outubro de 2019, os autores reuniram com as consultora imobiliárias ao serviço da ré, CC e DD, manifestando imediata disponibilidade para prosseguir com o processo de aquisição do dito imóvel.

7. Durante essa reunião, as duas consultoras imobiliárias CC e DD, questionaram os autores sobre qual o Banco com o qual tinham interesse em contrair o crédito bancário, bem como as respectivas profissões.

8. Na mesma ocasião, a autora explicou que tinha uma deficiência e que estaria a negociar a concessão de crédito bonificado, para pessoa com deficiência.

9. Tendo por base as informações acima veiculadas, em 18.10.2019, a autora subscreveu o formulário cuja cópia consta de fls. 16 e 16 verso e de fls. 78, 78 verso e 79 e se dá por reproduzido, cujas informações nele inclusas foram inseridas pela agente imobiliária CC, no qual não foi assinalado o campo designado de “Financiamento”, nem foi preenchido o campo designado de “Valor Financiamento”, por decisão dessa consultora imobiliária, que decidiu ignorar a informação veiculada no e-mail referido em 4..

10. Não obstante os autores terem reiteradamente solicitado junto da ré que lhes fosse facultada com antecedência uma minuta do “contrato promessa de compra e venda” que iriam subscrever, no propósito de o analisarem com cuidado, só tiveram acesso à mesma cerca de 30 minutos antes da reunião que estava agendada para o dia 25 de Outubro de 2019, pelas 13h00.

11. Enquanto decorria a assinatura do “contrato promessa de compra e venda” por ambas as partes, foram introduzidas duas alterações no documento, com troca de páginas, respeitantes ao artigo matricial e à forma de pagamento do sinal.

12. Assim, no dia 25 de Outubro de 2019, EE, no estado de divorciado, e os autores, casados um com o outro sob o regime da comunhão de adquiridos, subscreveram o acordo designado de “Contrato Promessa de Compra e Venda”, cuja cópia consta de fls. 17 verso a 19 verso se dá por reproduzida, no qual, entre o mais, o primeiro declarou prometer vender aos segundos, os quais declararam prometer comprar-lhe, em seu nome ou em nome de quem viessem a designar, o imóvel descrito em 1., pelo preço de € 217.500,00 (duzentos e dezassete mil e quinhentos euros), ficando ajustado que a escritura de compra e venda seria realizada no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da assinatura desse acordo, prorrogável por mais 60 (sessenta) dias, caso não se realizasse até essa data.

13. Os autores efectuaram, nessa data e a título de sinal, o pagamento da quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros).

14. Anteriormente, havia sido solicitado pelos autores que a agente imobiliária CC enviasse toda a documentação disponível ao gestor bancário, para que os autores pudessem prosseguir com o processo destinado à celebração do contrato de concessão de crédito bancário, o que foi efectivamente feito.

15. Após a assinatura do referido “CPCV”, os autores iniciaram o processo de obtenção de crédito bancário bonificado para pessoa com deficiência.

16. A primeira avaliação imobiliária decorreu na presença da agente imobiliária DD, da «Remax Almada».

17. Essa primeira avaliação do imóvel foi no valor de € 142.500,00 (cento e quarenta e dois mil e quinhentos euros), atribuído pela sociedade «B..., S.A.», na qual foi considerado, entre o mais, que as obras de saneamento estavam executadas e que o imóvel estaria em razoável / fraco estado de conservação, no limiar das condições mínimas de habitabilidade, conforme consta do documento de fls. 20 a 26, cujo teor se dá por reproduzido.

18. Face ao valor da avaliação, os autores solicitaram a chave do imóvel, para procederem à limpeza de vegetação e lixo acumulados, a qual foi facultada pelo vendedor à ré e por esta aos autores, tendo essa limpeza tido lugar no interior e exterior do terreno, mediante utilização de produtos de limpeza e ferramentas que adquiriram.

19. Após a referida limpeza do imóvel, foi solicitada pelos autores uma nova avaliação ao mesmo «Banco Santander Totta», a qual foi realizada pela sociedade «G..., Lda» e apresentou o valor de € 184.000,00 (cento e oitenta e quatro mil euros), no relatório ficando a constar o seguinte: infraestruturas de saneamento executadas; o nível de acabamentos é modesto; o imóvel encontra-se em estado de conservação razoável / fraco; o imóvel não tem condições mínimas de habitabilidade e “o terreno onde está inserido o imóvel, é onde reside a mais valia do prédio, dado que tem três frentes de rua, está isolado, tem licença de utilização para dois fogos, e estando inserido num perímetro urbano consolidado poderá, depois de tomadas as devidas diligências, ver o seu potencial acrescido”, conforme consta do documento de fls. 27 a 35 verso, cujo teor se dá por reproduzido.

20. A agente imobiliária CC sugeriu que os autores procurassem outra instituição bancária, pelo que os autores recorreram ao «Novo Banco», que efectuou uma “simulação de crédito à habitação”, mediante a qual os autores concluíram que as condições apresentadas eram mais desfavoráveis do que as apresentadas pelo «Banco Santander», optando por iniciar um novo processo de crédito bancário para o referido imóvel junto do «Banco BPI».

21. Entretanto, os autores foram informados, por vizinho, que o imóvel não teria qualquer tipo de sistema de esgotos ou fossa séptica.

22. Situação essa que não tinha sido transmitida aos autores pelas mencionadas agentes imobiliárias.

23. Os autores solicitaram junto da consultora imobiliária CC a confirmação sobre a veracidade da informação mencionada em 21., quer por telefone, quer por mensagem electrónica via WhatsApp, no dia 27 de Novembro de 2019, tendo a mesma respondido “Estou a aguardar que o Sr EE me diga algo dos esgotos...ele não está muito bem de saúde e falei com a D. FF que me disse que ele ligaria logo que conseguisse...”.

24. No dia 25 de Fevereiro de 2020, foi ajustado um acordo adicional ao “CPCV” inicial, mencionado em 12., mediante prorrogação, por mais 60 (sessenta) dias, do prazo para celebração da escritura pública de compra e venda, nos termos constantes do documento de fls. 113 verso e 114, cujo teor se dá por reproduzido.

25. Posteriormente, no dia 23 de Março de 2020, a «Remax Almada» elaborou um documento designado de “Adenda N.º 02”, ao mesmo indicado “contrato promessa de compra e venda”, que foi apenas assinado pelo promitente vendedor e no qual o prazo para celebração da escritura pública de compra e venda seria prorrogado por mais 120 (cento e vinte) dias, nos termos constantes do documento de fls. 115 e 115 verso, cujo teor se dá por reproduzido.

26. Os autores diligenciaram junto do «Banco BPI» e conseguiram uma nova avaliação do imóvel, tendo esta avaliação sido efectuada no dia 29 de Abril de 2020, a qual atribuiu o valor de € 182.700,00 (cento e oitenta e dois mil e setecentos euros), no estado em que se encontrava, e no valor de € 305.800,00 (trezentos e cinco mil e oitocentos euros), após realização de obras de reabilitação, referindo-se, entre o mais, que a conservação interior do imóvel era “medíocre”, que não tinha condições de habitabilidade, por ter a “cozinha inoperacional” e que necessitava de obras de remodelação, nos termos constantes do documento de fls. 55 a 57 verso, cujo teor se dá por reproduzido.

27. Na decorrência dessa mesma avaliação, o gestor bancário do «BPI», que efectuou a avaliação do imóvel, explicou aos autores que, com base no valor da avaliação, o banco apenas concedia o crédito no valor de € 164.430,00 (cento e sessenta e quatro mil e quatrocentos e trinta euros), pois o imóvel não tinha condições de habitabilidade e o montante solicitado seria para as fracções da propriedade e para um pedaço rústico de terreno, sendo que, para este último, o banco não concede empréstimo.

28. Os autores tiveram acesso às informações mencionadas em 27., em data não apurada.

29. Após uma leitura minuciosa do “contrato promessa” mencionado em 12., os autores foram alertados de que, apesar de o terem solicitado por e-mail referido em 4., esse documento não apresentava qualquer referência acerca do crédito bancário necessário para a compra do imóvel e, perante isto, os autores solicitaram uma reunião com o vendedor, para esclarecer a situação.

30. Durante a referida reunião, que ocorreu em 21 de Maio de 2020 e com a presença das consultoras imobiliárias da ré, o autor explicou o contacto com os diversos bancos e a iniciativa dos autores na realização de uma limpeza ao imóvel, para a valorização do mesmo.

31. Os autores sugeriram que a compra poderia ser realizada por um valor mais baixo, de forma a corresponder à avaliação feita pelo «Banco BPI», ou, em alternativa, que lhes fosse restituído o sinal entregue, o que não foi aceite pelo promitente vendedor, que afirmou já ter pago a comissão à ré.

32. Posteriormente, os autores solicitaram uma reunião com responsável pela empresa Remax, o que aconteceu no dia 18 de Junho de 2020, nas instalações da Remax Almada.

33. Nessa reunião, estavam presentes uma advogada em representação dos autores, uma advogada em representação da ré e um gestor de clientes, os quais mencionaram que o “montante acordado nunca ficou condicionado à obtenção de crédito bancário”.

34. A agência imobiliária comunicou aos autores, como solução possível, a aquisição do imóvel com capitais próprios, por forma a não perderem o sinal já pago.

35. No dia 22 de Dezembro de 2020, perante os eventos descritos anteriormente, os autores tentaram estabelecer contacto com a ré, na tentativa de resolução do litígio, sem ser necessário recorrerem à via judicial, tendo-lhe os mesmos enviado a missiva cuja cópia consta de fls. 67 a 75 e se dá por reproduzida.

36. A «Remax Almada» respondeu à precedente missiva, declinando a sua responsabilidade pela inviabilização da celebração do contrato de compra e venda do imóvel descrito em 1., invocando que sempre conduziram todo o processo negocial cumprindo todas as regras que regulam a actividade de mediação imobiliária e respeitando a vontade das partes, conforme consta do documento de fls. 75 verso a 77 verso, cujo teor se dá por reproduzido.

37. A ré «Rapicasa – Sociedade de Mediação Imobiliária, Ld.ª» é uma sociedade por quotas que se dedica, entre o mais, à actividade de mediação imobiliária, sendo titular da Licença n.º 4824 – AMI, emitida pelo IMPIC.

38. Nessa conformidade, a ré assumiu, com o vendedor do imóvel em questão, o compromisso de encontrar um interessado na compra, promovendo e divulgando o imóvel na sua página na internet, como sendo uma “Moradia/Quinta para recuperar”, em venda pelo preço de € 220.000,00 (duzentos e vinte mil euros), nos termos constante do documento de fls. 103 verso a 104 verso, cujo teor se dá por reproduzido.

39. Os autores sempre manifestaram perante a ré que iriam recorrer ao crédito bancário para aquisição do imóvel mencionado em 1. e que este seria mais vantajoso, em virtude de alegado grau de deficiência da autora.

40. Os autores explicaram às consultoras da ré que eram empresários e que dispunham de capital próprio, incluindo para realização das obras de remodelação do imóvel.

41. O vendedor fez seu o valor entregue a título de sinal e princípio de pagamento por efeito do acordo referido em 12., por entender que os autores incumpriram o prazo acordado para a realização do contrato definitivo, sem qualquer motivo.

42. A cláusula 10.1. do “contrato promessa” referido em 12. dispõe o seguinte: “O imóvel objeto deste contrato é vendido exatamente no estado em que se encontra, livre de ónus ou encargos, desocupada de pessoas, com tudo o que o compõe e que dele faz parte integrante e a sua posse será transmitida simultaneamente com a outorga da escritura de compra e venda ou ato equivalente, mediante a boa cobrança do remanescente do preço.”

43. Adicionalmente, prevê a cláusula 10.2. do mesmo “contrato promessa”: “O imóvel é vendido no estado físico e jurídico em que se encontra, condição sine qua non da celebração deste Contrato e do Contrato Definitivo, o qual os Promitentes Compradores declaram conhecer e ser inteiramente adequado aos fins a que se destina ou, não o sendo, assumindo a responsabilidade de, por sua conta e risco, o repor nas condições adequadas, aceitando-o como está e sem reservas, não sendo oponível ao Promitente Vendedor, nem fundamento de recusa da outorga da escritura de Compra e Venda.”

44. O imóvel mencionado em 1. foi vendido a terceiros em data e por preço não apurados.


*


Factos Não Provados:

45. Foi no dia 27 de Agosto de 2019 que as duas consultoras imobiliárias ao serviço da ré, CC e DD, conduziram os autores na visita ao imóvel referido em 1..

46. A consultora imobiliária CC recusou que os autores celebrassem um “Contrato Promessa Compra e Venda (CPCV)” no dia 27 de Agosto de 2019 por motivo de existirem outras pessoas interessadas na aquisição do imóvel descrito em 1. e aconselhou-os a formular uma oferta elevada, como “sinal”.

47. Foi no dia 27 de Agosto de 2019 que os autores preencheram um formulário fornecido pela ré.

48. Foi no dia 17 de Outubro de 2019 que ambas as consultoras imobiliárias CC e DD convocaram os autores para uma reunião e os mesmos com elas reuniram nesse dia.

49. As referidas consultoras imobiliárias, informaram os autores de que, de acordo com a sua experiência profissional e comparando com os imóveis localizados na mesma zona, o imóvel seria avaliado em, pelo menos, € 235.000,00 (duzentos e trinta e cinco mil euros) e, atendendo a este facto, não existiria necessidade de se preocuparem com a avaliação, uma vez que o montante seria suficiente para que lhes fosse concedido o crédito bancário.

50. No acto referido em 11., foi o advogado da «Remax Almada» quem introduziu alterações no documento.

51. No decorrer da primeira avaliação ao imóvel descrito em 1., feita pela avaliadora GG, a consultora imobiliária da ré DD disse-lhe que o valor estimado do imóvel seria aproximadamente € 240.000,00 (duzentos e quarenta mil euros), o que foi imediatamente rejeitado pela avaliadora, baseado na experiência da mesma e nas condições do próprio imóvel.

52. As consultoras imobiliárias da ré, perante a primeira avaliação do imóvel, manifestaram que o Banco não estaria interessado em conceder crédito aos autores, devido à incapacidade da autora.

53. A consultora imobiliária CC, perante a segunda avaliação efectuada, afirmou que o valor da nova avaliação ainda não correspondia ao valor real do imóvel, continuando a afirmar que considerava que o Banco não pretendia conceder o crédito bancário solicitado pelos autores.

54. A Remax não deu resposta ao pedido de informação sobre a inexistência de sistema de esgotos ou fossa séptica, pelo que os autores obtiveram mais informações junto da empresa municipal responsável pelo tratamento da água e rede de esgotos e fossas, o SMAS, pessoalmente e via WhatsApp, no dia 11 de Novembro de 2019.

55. Os autores não tiveram oportunidade de analisar os termos e condições do documento referido em 24., na medida em que o vendedor foi a única parte que o assinou, apesar de os autores terem solicitado uma cópia do mesmo.

56. A ré, através das suas consultoras imobiliárias, ocultou aos autores que o imóvel não tinha condições de habitabilidade, nem sistema de esgotos.

57. A ré omitiu aos autores que o imóvel tinha uma parte rústica e uma parte urbana, para a qual existem dois valores, os quais também omitiu.

58. Os autores tiveram acesso às informações mencionadas em 27. no dia 19 de Maio de 2020, numa reunião, onde estiveram presentes o gestor bancário do «BPI» e a consultora imobiliária CC, que foi questionada acerca do valor real dos imóveis rural e urbano.

59. Nessa reunião, a consultora imobiliária CC discordou da avaliação, alegando que os avaliadores não conseguiam ver o real potencial do imóvel e mencionou, mais uma vez, que desconhecia o valor exacto para ambas as fracções.

60. Após esta reunião, as consultoras imobiliárias da ré deixaram de contactar definitivamente os autores e não foram feitas outras diligências para resolver a situação.

61. Na reunião referida em 30., quer os vendedores, quer as consultoras imobiliárias, reconheceram que a limpeza realizada pelos autores contribuiu para aumentar o valor do imóvel.

62. Na reunião referida em 30. as referidas duas consultoras imobiliárias aconselharam o vendedor a não aceitar nenhuma das opções apresentadas pelos autores, bem como afirmaram que existiam vários interessados na aquisição da propriedade do imóvel e que os autores nunca tinham informado necessitarem de um crédito bancário para a aquisição do imóvel.

63. Na reunião mencionada em 33. os representantes da agência imobiliária mencionaram que, como o contrato tinha sido assinado, não haveria mais nada a fazer, tendo ainda salientado que os autores nunca tinham mencionado a necessidade de obterem um crédito bancário.

64. O imóvel referido em 1. não dispõe de uma rede de saneamento básico.

65. A ré ocultou a inexistência de uma rede de esgotos e de uma fossa séptica no imóvel.

66. Para a obtenção e aprovação do crédito bancário, os autores teriam que ser detentores de uma licença, facto que a ré lhes ocultou.

67. Os autores comunicaram à ré que poderiam optar por comprar o imóvel descrito em 1. em nome de uma sociedade.

68. Os autores leram, com a máxima atenção, o documento mencionado de 10. a 12., o que fizeram na presença das consultoras imobiliárias DD e CC.

69. Os autores afirmaram que, para a aquisição do imóvel referido em 1., o “dinheiro não seria problema”, indicando os autores que tinham meios, ainda que próprios, para a compra do imóvel sem recurso ao crédito.

70. Os autores abordaram o facto de pretenderem recorrer ao financiamento bancário apenas e só por ser mais vantajoso, nunca tendo comunicado à ré de forma inequívoca que apenas poderiam comprar o imóvel com recurso ao crédito bancário.

71. Foi em Outubro de 2020 que o imóvel foi vendido a terceiros, pelo valor de € 202.500,00 (duzentos e dois mil e quinhentos euros).

72. Com a limpeza levada a cabo pelos autores, o imóvel ficou valorizado em € 40.000,00 (quarenta mil euros).

Se os autores têm, a haver da ré a quantia que pagaram ao promitente vendedor, a título de sinal, no cumprimento do contrato promessa de compra e venda que com ele celebraram, com fundamento em a ré ter incumprido os deveres a que estava obrigada, no exercício da sua actividade de mediação imobiliária, no âmbito da actividade que levou a cabo no negócio em causa nos autos.

Quanto a tal, alegam os recorrentes que assim se deve considerar, com o fundamento em que a ré defraudou as suas expectativas na realização do negócio por lhe terem comunicado a intenção de que o contrato promessa incluísse a condição de obtenção de crédito bancário, sujeito a avaliação, o que não veio a acontecer, verificando-se, por isso, nexo de causalidade entre a omissão da ré e a perda do sinal, atento a que o negócio não se concretizou por não lhes ter sido concedido o crédito bancário que lhes permitiria pagar o preço convencionado, razão pela qual perderam o sinal entregue.

Por seu turno, a ré, pugna pela improcedência do recurso, com o fundamento em que os autores, apesar de terem manifestado a intenção de recurso ao crédito bancário e que tal deveria constar do contrato promessa, nunca referiram que tal situação configurava uma condição essencial do negócio, tendo incumprido o contrato porque não conseguiram obter, através ao recurso ao crédito bancário, o valor necessário ao pagamento integral do preço.

Sendo que a capacidade financeira para a aquisição do imóvel é da responsabilidade dos autores, na qualidade de compradores, pelo que nada tem que ver com os motivos que levaram à não realização do negócio.

Para além de que, mais alegam, não decorre dos seus deveres de mediadora imobiliária, a obrigação de fazer constar cláusulas nos contratos promessa que as partes não solicitarem e que dependem apenas da negociação entre os intervenientes.

Na sentença proferida em 1.ª instância, foi a ré condenada a pagar aos autores a quantia equivalente ao sinal pago por estes ao promitente vendedor, com o fundamento em que os autores manifestaram perante a ré a pretensão de recorrer ao crédito bancário, sendo que esta não fez constar no “formulário” por si elaborado, que serviu de base à redacção do clausulado do contrato promessa, tal intenção por parte dos autores.

Tendo estes diligenciado junto de quatro bancos pela concessão de financiamento, mas em nenhum deles conseguiram obter crédito que lhes permitisse pagar o preço convencionado para a aquisição do imóvel, do que se retira a conclusão de que a ré devia saber que a não concessão do crédito bancário poderia inviabilizar a celebração do contrato de compra e venda, ou pelo menos esse risco, o que constitui violação do disposto no artigo 17.º, n.º 1, al.s c) e d), da Lei n.º 15/2023, de 8 de Fevereiro, ali se referindo, entre o mais e em conclusão, para justificar tal condenação, o seguinte:

“Não tendo sido concedido aos autores o financiamento indispensável à aquisição do imóvel e não tendo o pagamento do preço ficado condicionado à concessão de crédito bancário no “contrato promessa de compra e venda”, conforme havia pelos autores sido solicitado à ré e não obstante a confiança nela depositada enquanto profissional que é na actividade de mediação imobiliária, o que lhes concederia a possibilidade de reaverem o sinal passado, verifica-se que a conduta da ré motivou que os autores ficassem irremediavelmente privados de tal montante, perante a não concessão do crédito e inerente inviabilidade de cumprirem o contrato promessa mediante celebração da escritura de compra e venda prometida.

Esse resultado foi ocasionado pela conduta da ré, que decidiu omitir, no “contrato promessa”, a necessidade de concessão de crédito para pagamento do preço do imóvel prometido vender, não obstante a expressa manifestação de vontade dos autores que lhe foi dirigida e que nela terão que ter confiado, enquanto sociedade de mediação imobiliária que é, bem como não alertou posteriormente os autores, nem para tal omissão, nem para as consequências que dela poderiam advir, tendo a mesma descurado as suas obrigações de mediadora imobiliária e assim actuando de forma culposa, ainda que sob a feição de negligência, pois não cumpriu os descritos deveres legais que sobre si impendem no exercício da sua actividade profissional.”.

Diversamente, a Relação, revogou tal decisão, absolvendo a ré do pedido, com o fundamento em que apesar de os autores terem comunicado à ré que pretendiam que no contrato promessa se fizesse constar que pretendiam recorrer ao crédito bancário, o certo é que, da factualidade dada como provada, não resulta que os autores pretendessem condicionar o cumprimento da promessa à concessão do crédito.

Para além de que os autores conseguiram obter crédito, mas não nas condições que pretendiam e devendo ainda, para que a pretensão dos autores pudesse ter êxito, que no contrato promessa tivesse sido clausulada a “condição resolutiva da não obtenção do crédito no montante correspondente a 100% do preço acordado”, o que teria de ser discutido com o promitente vendedor e sendo difícil a obtenção de crédito na totalidade do preço convencionado.

Concluindo que não tendo os autores comunicado à ré que pretendiam que a celebração do contrato definitivo ficasse condicionada à obtenção de crédito bancário e tendo-lhes sido concedidas várias prorrogações do prazo para a celebração do contrato, a omissão relativa à obtenção de crédito bancário no contrato promessa é irrelevante, por não constituir a causa da perda do sinal entregue, até porque os autores conseguiram a concessão de crédito, mas não pela totalidade do preço acordado, não sendo de imputar à ré uma incorrecta avaliação da capacidade financeira do promitente comprador para a pretendida aquisição, do que resulta que a ré não violou as obrigações que para si dimanam do disposto supra citado artigo 17.º, n.º 1, al.s c) e d).

Em face da factualidade dada como provada nos autos, impõe-se concluir que os autores, em resultado da actividade desenvolvida pela ré, manifestaram a intenção de adquirir o imóvel por esta publicitado, em nome do respectivo proprietário, tendo os autores prometido adquirir tal imóvel, mediante a celebração do contrato promessa referido nos autos, nos termos nele expressamente referidos.

Daqui resultando que entre o promitente vendedor e a ré foi celebrado um contrato de mediação imobiliária e entre os autores e o promitente vendedor um contrato promessa de compra e venda, sendo que é na vertente da mediação imobiliária que os autores responsabilizam a ré pela perda do sinal.

De acordo com o disposto no artigo 2.º, n.º 1 da Lei n.º 15/2013, de 8/2, “A atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis”.

Consubstanciando-se (cf. seu n.º 2, al.s a) e b), também na:

“a) Prospeção e recolha de informações que visem encontrar os bens imóveis pretendidos pelos clientes;

b) Promoção dos bens imóveis sobre os quais os clientes pretendam realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação ou publicitação, ou da realização de leilões.”.

Actividade que tem de ser exercida mediante contrato, cf. seu artigo 3.º, n.º 1, in fine.

Devendo a empresa de mediação desenvolver “… a atividade pretendida pelo seu cliente no interesse de ambos, sabendo que só será remunerado se for bem sucedido na procura e se, na sequência disso, o cliente vier a celebrar o contrato desejado.” – cf. Higina Castelo, Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, 2.ª Edição atualizada, revista e aumentada, Almedina, 2020, pág. 38.

E como regra, estabelece tal contrato uma obrigação de meios, no sentido de que o mediador se obriga a diligenciar no sentido de encontrar interessado no contrato desejado pelo cliente, mas sem se obrigar a encontrar esse mesmo interessado (e muito menos à celebração do contrato visado, na qual não terá intervenção) – cf. autora e ob cit., pág. 43.

Sendo a actividade da mediadora imobiliária destinada à satisfação do interesse do cliente, que, por isso, não poderá nem ser neutra ou imparcial, tendo, ao invés, como escopo a satisfação de tal interesse, sem a realização do qual, não poderá obter a realização da sua actividade que, como é óbvio, não poderá ser contrária à vontade do seu cliente, sob pena de este não lhe dar cobertura.

Ora, visando a actividade da ré, no que toca ao relacionamento com os autores a angariação destes como compradores do imóvel, propriedade do seu cliente, é indubitável, face ao exposto, que estamos em face de um contrato de mediação imobiliária.

Estabelece a citada Lei, no seu artigo 17.º, n.º 1, quais os deveres por que a mediadora imobiliária se deve reger nas suas relações para com clientes e destinatários, ali constando o seguinte:

1 - A empresa de mediação é obrigada a:

a) Certificar-se, no momento da celebração do contrato de mediação, que os seus clientes têm capacidade e legitimidade para contratar nos negócios que irá promover;

b) Certificar-se da correspondência entre as características do imóvel objeto do contrato de mediação e as fornecidas pelos clientes;

c) Propor aos destinatários os negócios de que for encarregada, fazendo uso da maior exatidão e clareza quanto às características, preço e condições de pagamento do imóvel em causa, de modo a não os induzir em erro;

d) Comunicar imediatamente aos destinatários qualquer facto que possa pôr em causa a concretização do negócio visado.

2 - Está expressamente vedado à empresa de mediação:

a) Receber remuneração de clientes e destinatários no mesmo negócio;

b) Intervir como parte interessada em qualquer negócio que incida sobre imóvel compreendido no contrato de mediação de que seja parte;

c) Celebrar contratos de mediação imobiliária quando as circunstâncias do caso permitirem, razoavelmente, duvidar da licitude do negócio cuja promoção lhe for proposta;

d) Proceder à avaliação imobiliária dos imóveis objeto da mediação, bem como de todos os imóveis integrados nas carteiras das mediadoras imobiliárias com as quais mantenha qualquer relação de domínio ou de grupo ou daquelas que se apresentem no mercado sob a mesma marca comercial.

3 - A proibição contida na alínea b) do número anterior aplica-se igualmente no caso de o interessado no negócio ser sócio ou representante legal da empresa de mediação, ou ser cônjuge, ascendente ou descendente no 1.º grau de qualquer daqueles.

4 - O disposto nos números anteriores aplica-se apenas a contratos sujeitos à lei portuguesa.”

Está em causa a alegada violação dos deveres a que se referem as al.s c) e d), do n.º 1, deste artigo, que se destinam à protecção dos destinatários, tal como definidos no artigo 2.º, n.º 5, da citada Lei, e que constituem “normas de proteção, disposições legais que impõem ou proíbem comportamentos com destino à proteção de interesses alheios ao agente” cuja “violação … quando causadora de danos , é suscetível de conduzir à responsabilização civil da empresa de mediação por via do disposto no art. 483, n.º 1, 2.ª possibilidade, do CC – autora e ob. cit., pág. 113.

Como resulta do acima exposto, incumbe apreciar a conduta da ré, ao não fazer constar do “formulário” e do contrato promessa de compra e venda, contrariamente ao que lhe havia sido comunicado pelos autores, que estes pretendiam recorrer ao crédito bancário e se foi esta a causa de o negócio prometido/definitivo não se vir a realizar, com a consequente perda do sinal.

Sendo que na 1.ª instância, reitera-se, assim se considerou, com o fundamento em não se ter aposto tal cláusula/condição no contrato promessa e sem que a ré tenha advertido os autores de que a não concessão de crédito poderia colocar em risco a realização do negócio, entendendo a Relação que os autores nunca manifestaram a intenção de que pretendiam condicionar o cumprimento da promessa à concessão do crédito, que conseguiram, embora em condições diferentes das pretendidas, não podendo a ré ser responsabilizada pelas condições em que foi concedido o crédito, nem com as condições em que foi elaborado o contrato, que teriam de ser discutidas com o promitente vendedor.

Atenta a finalidade do contrato de mediação imobiliária, como acima referido, incumbia à ré, na qualidade de mediadora imobiliária, nos moldes pretendidos pelo seu cliente, arranjar um interessado na aquisição do imóvel, não sendo a mesma responsável nem pela celebração do contrato definitivo, nem pelas respectivas condições, uma vez que não tem/teve intervenção na sua celebração.

Efectivamente, a celebração do contrato definitivo e respectivos termos/condições é tarefa exclusiva do vendedor e do comprador, limitando-se a tarefa da mediadora em apresentar ao seu cliente o interessado, no caso, na aquisição do imóvel que o seu cliente pretendia vender.

Serve isto para dizer que não incumbia à ré, enquanto mediadora imobiliária, autorizar ou não que o negócio ficasse condicionado à concessão aos autores de crédito bancário pela totalidade do preço convencionado, nem que o contrato definitivo ficasse dependente dessa condição.

Estas cláusulas/condições teriam de ser negociadas e acordadas entre os promitentes compradores e os promitentes vendedores, sendo que nem sequer se mostra alegado que os autores, na qualidade de promitentes compradores, tinham a intenção de condicionar a efectivação do negócio à concessão de crédito, pois que apenas se provou que, como alegaram, tinham intenção de recorrer ao crédito, mas não mais do que isto e muito menos, que o condicionassem à concessão de crédito pela totalidade do preço acordado.

Como se refere no Acórdão em análise, a ré não tinha nada que ver com a capacidade financeira dos autores em adquirirem o imóvel em causa, sendo esta uma obrigação que só sobre estes impende, nem em assegurar que os autores iriam obter crédito bancário e em que condições, que é apenas objecto das relações entre quem solicita o crédito e o banco que o concede.

Do que se tem de retirar a conclusão de que a ré não pode ser responsabilizada pela não obtenção pelos autores da totalidade do crédito concedido, como estes pretendiam.

O que mais se reforça atento a que os autores obtiveram a concessão de crédito, se bem que não pela totalidade, como pretendiam – cf. itens 26.º e 27.º, dos factos provados.

Ou seja, a não realização do negócio prometido, não se ficou a dever ao facto de aos autores não ter sido concedido crédito bancário, mas por o terem obtido em quantia inferior à pretendida e que equivalia à totalidade do preço acordado.

Como os próprios autores referem nas suas alegações do presente recurso (fl.s 14 v.º, 3.º parágrafo) “Não obstante a prorrogação do prazo concedido para celebração do contrato de compra e venda prometido, o certo é que os autores não conseguiram celebrá-lo no prazo que a tanto se vincularam, precisamente por não lhes ter sido concedido o crédito bancário que lhes permitiria pagar o preço que ficou convencionado como contrapartida pela transmissão da propriedade do imóvel, em razão do que perderam o sinal entregue, no valor de € 20.000,00”.

Do que tudo resulta que os autores não adquiriram o imóvel, não porque não lhes tenha sido concedido crédito, mas porque não lhes foi concedido pela totalidade do preço convencionado, ao que a ré é alheia.

A que acresce, como acima já referido, não terem os autores alegado que pretendiam condicionar a realização do negócio definitivo à concessão de crédito, mas apenas se provando, na sequência do alegado, que pretendiam recorrer ao crédito bancário.

Consequentemente, a causa da perda do sinal não foi o facto de não ter ficado a constar do “formulário” e do contrato promessa, que os autores pretendiam recorrer ao crédito bancário, mas por este lhes ter sido concedido por uma verba inferior à pretendida, já que pretendiam que o mesmo lhes fosse concedido pela totalidade do preço convencionado, matéria à qual a ré é manifestamente alheia e, por isso, não se vislumbra que a mesma tenha incumprido os deveres a que se alude no artigo 17.º, n.º 1, al.s c) e d), da citada Lei n.º 15/2013, o que acarreta a improcedência da revista e consequente manutenção do Acórdão recorrido.

Sendo que cabia aos autores, o ónus de alegação e prova da obrigação de indemnizar por parte da ré, por violação do deve de informar, dado que a presente acção assume a natureza de acção indemnizatória, cf. artigos 342.º, n.º 1, 485.º, 2 e 483.º, todos do Código Civil.

Por último, apenas de referir que o facto de o contrato promessa ter sido assinado pouco tempo após a sua entrega e nas condições melhor descritas nos itens 10.º e 11.º, dos factos provados, não releva.

Efectivamente, os autores apuseram no mesmo as respectivas assinaturas, assumindo a concordância com os seus termos, passando o mesmo a ter o valor probatório referido no artigo 376.º, do Código Civil.

Concluindo, não se vislumbram razões para alterar o Acórdão recorrido, que, assim, se mantém.

Pelo que, improcede o recurso.

Nestes termos, se decide:

Julgar improcedente o presente recurso, negando-se a revista e, consequentemente, mantém-se o acórdão recorrido.

Custas pelos autores, tanto para os termos do presente recurso, como em ambas as instâncias.

Lisboa, 17 de Junho de 2025

Arlindo Oliveira (relatora)

Ferreira Lopes

Fátima Gomes