RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Sumário

Sumário1:
I - A instituição bancária agindo enquanto intermediário financeiro que propõe a um cliente, sem conhecimento de matérias financeiras, a subscrição de uma obrigação subordinada transmitindo que aquelas obrigações venciam juros semestrais, postecipadamente com data de 8 de maio e 8 de novembro de cada ano, a debitar na conta à ordem supra identificada, que o reembolso do capital apenas seria autorizado no prazo de 10 anos, sendo amortizado ao par, de uma só vez, em 09.05.2016, que, com a subscrição, estaria a aplicar o seu dinheiro num produto financeiro com mais rentabilidade do que um depósito a prazo, conforme o teor da nota interna pelo mesmo emitida, viola o dever de informação a que está adstrito, de acordo com a orientação firmado no AUJ 8/2022;
II – De acordo ainda com a orientação fixada no citado AUJ, compete ao Autor provar o nexo de causalidade entre o facto ilícito, a violação do dever de informação, e a decisão de investir, isto é, que se tivesse recebido a informação completa não teria subscrito o produto financeiro em causa.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. A A., AA, instaurou processo comum de declaração contra a R., BANCO BIC PORTUGUÊS, SA., pedindo que esta seja condenada a restituir-lhe a quantia de €59.990,00, acrescida de juros de mora, desde a citação até integral e efetivo pagamento.

Como fundamento do seu pedido, a A. alegou, em suma, que é de humilde condição social e com pouca instrução escolar, ao passo que a R. é um banco comercial que anteriormente girava com a denominação BPN – Banco Português de Negócios, SA., sendo que a totalidade do capital social desta era detido pela BPN, SGPS, SA., a qual por sua vez era detida na integra pela SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA.

Referiu igualmente que até à sua nacionalização, a R. era também um intermediário financeiro em instrumentos financeiros e a A. era uma investidora não qualificada, com depósitos a prazo no Banco R., de quem era cliente há mais de quinze anos, na agência de ....

Mencionou também que em 11.04.2006 procedeu à subscrição de Obrigações pecuniárias subordinadas SLN 2006, tendo sido por esta assumido, sob a forma escritural e ao portador, com o valor nominal de €50,00 cada, no montante total de €50.000,00.

Alegou ainda que subscreveu tal produto financeiro convencida de que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, sem qualquer risco e que o mesmo podia ser resgatado em qualquer altura, não tendo sido minimamente informada da sua efetiva natureza pela R., nem dos respetivos riscos, assim como não lhe foi conferida nota informativa da operação financeira em causa.

Alegou que não conseguiu ainda reaver da R. a referida quantia, a qual lhe deve serve restituída, com juros moratórios contados desde o dia 09.05.2006, data em que se venceu a obrigação.

2. A R. apresentou contestação na qual alegou a prescrição do direito da A.

No mais, a R. impugnou a factualidade alegada pela A., referindo, em suma, que o investimento da A. era seguro, pois à data que o mesmo foi realizado não havia qualquer indicação de que a emissão das obrigações não pudesse vir a ser paga.

Referiu também que não violou qualquer dever de informação e que a A. subscreveu outros produtos diferentes de depósitos a prazo, sendo pessoa informada, consciente, cuidadosa e preocupada com o investimento do seu património.

Nestes termos, a R. concluiu pedindo a improcedência da ação.

3. Notificada para o efeito, a A. respondeu à exceção invocada pela R., concluindo pela sua improcedência.

As partes juntaram diversos documentos.

4. Foi dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual se relegou para final o conhecimento da alegada prescrição, foi identificado o objeto do litígio e foram enunciados os temas da prova.

Procedeu-se a julgamento, com sessão em 22.02 e 23.04.2024.

5. Em 07.06.2024 o Juízo Central Cível de Lisboa proferiu sentença que julgou improcedente a ação, absolvendo a R. do pedido.

6. Inconformada com tal decisão, dela recorreu a A.,

7. A R. contra-alegou, sustentando a manutenção do decidido em 1.ª instância e ampliando o objeto do recurso.

8. A A. não respondeu à ampliação do recurso.

9. O Tribunal da Relação conheceu do recurso e da ampliação e decidiu:

“Pelo exposto, julga-se procedente o recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida e condena-se a R. a pagar à A. a quantia de €50.000,00, acrescida de juros moratórios, à taxa supletiva dos juros civis, atualmente 4% ao ano, desde o dia 09.05.2006 até integral e efetivo pagamento.

As custas da ação e do recurso serão suportadas pela R./Recorrida.”

10. Não se conformando com o aresto, o Banco apresentou recurso de revista, no qual formula as seguintes conclusões (transcrição):

“1) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

2) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

3) A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível. A adequação da informação começa exactamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efectiva informação.

4) O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

5) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redacção aplicável ao caso).

6) Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.

7) Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.

8) Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam: a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento; b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado; c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo; d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.

9) São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!

10) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

11) O investimento em Obrigações, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

12) Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

13) Recordemos que qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento! Ou seja, é de uma ingenuidade atroz pensar-se que alguém toma a prestação de qualquer contrato como certa, e não apenas como mais ou menos segura!

14) Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

15) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

16) Se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento, sendo que o CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

17) A menção do artº 312 nº 1 al. e) do CdVM aos “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar” refere-se claramente ao negócio de intermediação, ao dito negócio de cobertura, sob pena de redundância da al. d) da mesma disposição – essa sim referente aos instrumentos financeiros envolvidos nos serviços de intermediação.

18) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Aliás como também o denota a necessidade de informação acerca da volatilidade do preço do instrumento financeiro, igualmente prescrita na alínea b) deste preceito e com a qual este risco de perda está umbilicalmente ligado. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do mecanismo do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

19) Ora, o investimento efectuado foi feito em Obrigações, não sujeitas a qualquer volatilidade, sendo o respectivo retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda d atotalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

20) Todo e qualquer investimento em todo e qualquer instrumento financeiro acarreta a possibilidade inerente de perda de total de capital… basta verificar-se, com neste caso, um incumprimento! Aliás, qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento.

21) O risco de incumprimento não constitui qualquer risco especial da operação!

22) A ser alguma coisa, o risco de incumprimento de uma obrigação de compra é um RISCO GERAL de qualquer obrigação!

23) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

24) É que a este respeito, impõem-se clarificar que, em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

25) E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

26) O Banco-R. forneceu à A. todas as informações adequadas e necessárias à compreensão do produto financeiro em causa.

27) O risco de insolvência da entidade emitente é sempre e invariavelmente inerente a qualquer instrumento financeiro e a qualquer contrato. Não existia, no caso, qualquer especial risco de incumprimento de que o Banco-R. devesse ter advertido a A.

28) Pelo que a douta decisão recorrida violou, por errónea interpretação, o disposto no artº 314º e 312º do CdVM.

29) No que toca à responsabilidade civil do Banco-R., o Tribunal a quo entendeu que a conduta daquele réu foi ilícita por se ter reconduzido à prestação de informação absolutamente inadequada.

Ora,

30) A informação prestada foi normalmente completa e exaustiva, em face das circunstâncias pessoais e históricas, apenas não tendo sido fornecida a nota informativa ou outra documentação técnica do produto por não ser então obrigatório.

31) É facto que não foi explicada à A. a característica da subordinação das Obrigações.

32) Todavia, citando Simão Sousa Mendes “a informação só é completa quando não omite dados informativos que, pela sua importância, devam ser tidos como essenciais por relevante no processo de tomada da decisão de investir”.

33) A decisão recorrida acaba por não esclarecer de forma expressa qual a essencialidade da informação omitida para a tomada de posição, principalmente no dito contexto histórico e social, em que ninguém, absolutamente ninguém punham em causa a estabilidade do sistema financeiro como um todo e do BPN em particular!

34) Da prova produzida resulta igualmente que as Obrigações SLN 2006 era efectivamente um produto com um nível de risco muito baixo, sendo que a mesma conclusão resulta imediatamente e uma mera análise empírica, por um lado, e jurídica por outro, do produto. De facto, a simples circunstância das relações societárias entre o Banco e sociedade emitente sempre obrigaria a uma apreciação de risco semelhante entre elas!

35) Assim, apesar do Banco-R. admitir que a informação não foi exaustiva, a verdade é que fica por determinar que a informação em falta fosse essencial à tomada de decisão de investir por parte da A. – prova que caberia à A.

36) Por fim, não podemos deixar de apontar que do elenco de factos provados não resulta um único facto que permita estabelecer uma qualquer ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida à A. e o acto de subscrição.

37) De facto, sempre seria essencial aferir se, em face de informação sobre o mesmo produto, prestada de forma legalmente exigível e tal qual o Tribunal entendeu que deveria ser prestada, a A. deixaria de subscrever o instrumento financeiro em causa.

38) O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito –uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação – e o dano!

39) Não basta afirmar-se genericamente, como a A. e o acórdão recorrido parecem fazer, que não foram informados do risco de insolvência, de incumprimento ou da característica da subordinação e que é essa a causa do seu dano!

40) Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

41) Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano e num terceiro é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

42) E nada disto foi feito!

43) De facto, não sabemos nem alcançamos o que é que a A. não sabia que, se porventura soubesse, teria determinado a sua recusa em efectuar o investimento!

44) Assim, ou a Autora alegava e provava que se tivesse sido cumprido o dever de informação, não teria realizado o investimento, ou então, tem que arcar com as normais consequências de um investimento que se tornou ruinoso

45) Em suma, manifestamente, não consta da matéria de facto dada como provada que a Autora, se lhe tivesse sido fornecida toda a informação sobre o produto, não teria realizado o investimento.

46) Não se poderá assim ter por verificado, no seguimento da jurisprudência agora uniformizada, o requisito do nexo de causalidade e, como tal, não poderá o banco Recorrente ser responsabilizado pelo dano que se produziu em virtude do incumprimento da SLN.”

11. A A. exerceu o contraditório, concluindo:

“A) Do recurso da matéria de direito:

i. Da responsabilidade civil do Banco Réu:

1) A aplicação do direito aos factos, efetuada no Douto Acórdão recorrido é intocável, não merecendo qualquer reparo, o qual corroboramos na íntegra.

2) Com efeito, o BPN, na sua relação com a Autora, intervinha como instituição de crédito e como intermediário financeiro, por conta da SLN, apesar de esta o não saber.

3) Como instituição de crédito, estava sujeito às regras de conduta que o RGICSF – em vigor na altura da subscrição das obrigações, nomeadamente os artigos (art.73º e 74º do RGICSF), e ainda o critério de diligência previsto no artigo 76.º, segundo o qual devia atuar nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição dos riscos e da segurança das aplicações, e tendo em conta o interesse dos investidores.

4) Por sua vez, enquanto intermediário financeiro (cf. arts. 289º, nº1, al. a) e 290º, nº1, al. c), do Código dos Valores Mobiliários) encontrava-se vinculado às normas que estabelecem regras próprias quanto aos deveres dos intermediários financeiros (cf. arts. 304º a 342.º, do CVM).

5) A obrigação de informação está inscrita no artigo 312º do CVM e o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.

6) Sendo certo que, o critério em função do qual se afere o cumprimento dos deveres que recaem sobre o intermediário financeiro há-de ser o seguinte: quanto menor o conhecimento e experiência do cliente em relação ao objeto do seu investimento maior será a sua necessidade de informação.

7) E é indiscutível, que a qualidade da informação deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, conforme ressalta do artigo 7º do CVM.

8) De acordo com a disciplina consagrada no artigo 304º do Código dos Valores Mobiliários os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado e nesse relacionamento devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

9) A responsabilidade do intermediário financeiro, no caso do Banco Réu decorre, desde logo, do disposto no artigo 314.º do CVM e apresenta-se, desde logo, como uma responsabilidade contratual, cujos pressupostos estão definidos pelo art.º 798º do CC, sendo a causa de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os bancos, e presume-se nos termos do artigo 799º do CC.

10) A factualidade do caso concreto, demonstra que o comportamento do Réu/recorrente esteve, inequivocamente, longe de preencher os critérios ético-normativos decorrentes das normas do CVM supra citadas.

11) Com efeito, o Banco Réu tem um dever de diligência ativa, no sentido de se inteirar, atenta a experiência e conhecimentos do cliente, da razoabilidade e adequação da aplicação financeira, tanto mais que, o Banco apresenta-se ao destinatário como tendo qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações e que induzem este investidor a confiar.

12) Assim sendo, no caso de o cliente não ser um investidor institucional ou experiente, como é o caso dos autos, carece objetivamente de particular proteção, nomeadamente, em termos de informação.

13) Essa informação deve cobrir os aspetos técnicos necessários, de forma clara e apreensível pelo cliente em causa, para produzir o efeito útil a que se destina.

14) Ora, do acervo dos factos dados como provados, resulta que, o funcionário do Banco Réu sabia que a Autora era uma investidora de perfil conservador, investindo o seu dinheiro apenas em depósitos à ordem ou a prazo, ou seja, era uma investidora que não possuía conhecimentos nem experiência no funcionamento do mercado de valores mobiliários.

15) Não obstante, não se inibiu de aconselhar a Autora, a investir e aplicar as suas poupanças em Obrigações SLN 2006, assegurando que a aplicação em causa, constituía um investimento sem risco, de capital garantido, pagamento de juros semestrais em percentagem superior ao que auferiria um depósito a prazo, e com possibilidade de resgate do capital, quando assim o entendesse, mediante aviso com antecedência ao Réu.

16) Daí que, e em face das referidas informações (insuficientes e desprovidas de verdade), tenha a Autora, dado autorização para aplicação de fundos seus no valor de 50.000,00€ (em obrigações SLN 2006), convicta de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente Banco.

17) É que, e em rigor, não sabendo sequer a Autora em concreto o que era a SLN, acabou por seguir a sugestão do funcionário do Banco, subscrevendo uma aplicação em obrigações SLN, e aceitando como boa a informação do referido funcionário no sentido de que o risco era mínimo, tratando-se de produto idêntico a um depósito a prazo.

18) Portanto, a informação prestada no sentido de que era uma aplicação equivalente a um depósito a prazo quando em verdade não o era, assume tanto maior gravidade quanto se sabe que o funcionário em causa sabia que a Autora não faria aplicações que não tivessem capital garantido e que não pudessem ser resgatadas em qualquer altura – ou seja, é indubitável que a informação prestada foi determinante na vontade contratual da Autora.

19) Sendo certo que, esta referenciação ao Depósito a prazo não é, evidentemente, inocente, uma vez que se trata de um produto muito divulgado, de todos conhecido, e sobretudo, reconhecido pela sua segurança, sobre ele recaindo invariavelmente conforme o réu sabia e resultou provado, a preferência da Autora.

20) Pelo que, a saliência exagerada da comparação a um depósito aprazo (quanto ao risco de investimento), e a garantia do capital, ofuscou tudo o resto, não tendo a Autora a verdadeira perceção das consequências adversas que potencialmente estavam contidas na operação em causa.

21) O que permite imputar ao Banco Réu a violação dos deveres que sobre si impendiam, mormente deveres de informação.

22) Também não se pode olvidar, que no caso dos autos o funcionário do Banco Réu não explicou à Autora que se tratavam de “obrigações subordinadas” e a consequência dessa mesma subordinação, o que passava por lhe dizer que em caso de insolvência da sociedade SLN, a Autora só seria paga depois de satisfeitos os credores que não tivessem créditos subordinados, como resultava do disposto na al. c) do art.48º do CIRE (DL nº53/2004), de 18 de Março).

23) Ora, a informação prestada pelo funcionário do Banco de que os riscos eram os mesmos de um depósito a prazo, colide de forma vertiginosa, com o caráter subordinado de tais obrigações, pois coloca os investidores (neste caso a Autora), numa posição bem mais desvantajosa do que os simples depósitos a prazo, informação esse que lhe foi claramente e intencionalmente ocultada.

24) Efetivamente, as obrigações subordinadas podem, quanto ao facto de se tratar de um produto com prazo certo e render juros periódicos, serem comparadas a um depósito a prazo, mas já quanto à sua natureza intrínseca e consequente risco, já não o podem ser porque não são semelhantes.

25) Por outro lado, o facto de não ser previsível, à época, o colapso do sistema financeiro, não justifica o facto de o Banco Réu ter omitido à Autora o risco de insolvência da SLN, e a possibilidade de nunca mais vir a reaver o dinheiro investido, pois as obrigações do intermediário financeiro acima referidas e designadamente a obrigação de informação, já estão consagradas na lei desde data muito anterior ao início da mencionada crise.

26) Também, não se pode esquecer o prazo de 10 anos, prazo extremamente longo, pelo que, em tão dilatado período de tempo, nunca ninguém poderia afirmar que no final o capital estava garantido, e por isso mesmo, a insolvência sempre seria de se admitir e considerar (mais uma vez o banco réu prestou informação falsa).

27) No caso dos autos, o Banco Réu não provou ter fornecido cópia da Nota Informativa à Autora, e muito menos provou ter-lhe dado as explicações que dela constam (ónus que lhe incumbia).

28) O facto de não ter provado que entregou à Autora qualquer Nota Informativa sobre o emitente das Obrigações, integra a violação dos deveres consignados nos artigos 312º-C e 312º-F, ambos do Código dos Valores Mobiliários, especialmente no que tange a falta de documentação da informação.

29) Resulta claramente da matéria de facto provada, que a comunicação contratual efetuada não foi completa nem é integralmente verídica, estando igualmente patenteado que foram subtraídos elementos informativos que não permitiram que a cliente compreendesse os riscos essenciais envolvidos na operação financeira realizada.

30) No caso dos autos, o banco réu, na qualidade de intermediário financeiro em que aqui operou, não podia deixar de pautar o seu comportamento contratual em nome do relacionamento de confiança existente entre si e a Autora pelo princípio da boa-fé (cfr. art. 762º nº2 do C. Civil).

31) Parece evidente, face ao acervo factual apurado, que o apelante incumpriu em toda a linha o dever de informação que sobre si recaia, omitindo informação relevante e prestando informação incorreta, determinando a Autora à subscrição de um produto que não conhecia, não tendo sido esclarecido quanto às suas características, antes lhe tendo sido descrito enganadoramente como um produto com capital garantido, como equivalente a um depósito a prazo, mas com uma remuneração mais vantajosa, pelo que a Autora atuou convicta de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, com risco exclusivamente do Banco.

32) Em suma, e sem margem para quaisquer dúvidas, porque a factualidade assente fala por si, é inquestionável que in casu o intermediário financeiro/Banco violou o dever de informação, não elucidando convenientemente [antes prestando informação incorreta, para não dizer enganadora e ardilosa] a Autora sobre as características do produto financeiro que lhe era proposto/sugerido.

33) Estamos, aqui no domínio da responsabilidade contratual feita em nome do relacionamento anterior de clientela existente entre a Autora e o Banco Réu e nessa perspetiva o banco réu tem de assumir contratualmente o reembolso do capital investido (cfr. art. 798 e segs. do C. Civil).

34) Efetivamente, tendo o Banco Réu avançado para a venda do produto financeiro aqui em causa sem observar os deveres de informação junto da Autora, torna-se responsável pelos prejuízos que lhe causou, nos termos do art. 314 nº1 do CVM, sendo certo também que não se mostra ilidida a presunção a que alude o nº2 do citado art. 314 que impendia sobre o banco Réu.

35) Dizer-se que a aplicação financeira era um produto sem risco e com capital garantido, quando, na verdade, não tem, não pode ser visto como artifício ou sugestão admissível, tanto mais que a obrigação de informação é essencial e resulta da lei (arts. 253.º, n.º 2, e 485.º, n.º 2, do CC).

36) A Autora só aceitou negociar com o Banco Réu, porque lhe foi comunicado que tinham uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido e com rentabilidade assegurada.

37) Em bom rigor, a Autora atuou convicta de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente banco.

38) Ora, por força do art. 800º do C.C. (ou, para quem considere que em causa não está responsabilidade contratual, mas sim extracontratual, por força do art. 500º do C.C.), o Banco Réu responde pelos atos dos seus funcionários.

39) A situação dos autos pode ser igualmente enquadrada na modalidade de responsabilidade pré-contratual ou culpa in contrahendo (art. 227.º do CC), porque nos preliminares do contrato o Banco informou a Autora que estava garantido o retorno do capital.

40) A apresentação do produto como produto seguro, quando bem sabia que não o era, como do próprio do banco constitui violação do dever de informação.

41) Afirmar que o produto é seguro, como sendo do próprio banco é o mesmo que afirmar que é o próprio banco que reembolsará o cliente do capital investido.

42) Por força do art. 314º nº 2 do C.V.M. - redação original, presume-se a culpa do intermediário financeiro.

43) Porque o dano sofrido pela Autora, decorreu da prestação de informação falsa, parca e diminuta, que consubstancia uma forma de violação do dever de prestar informações por ação, presume-se a culpa do Banco Réu, nos termos previstos no nº 2, do artigo 304º-A do Código dos Valores Mobiliários.

44) Assim, a omissão de tal informação foi a causa da segurança da Autora em subscrever as Obrigações SLN 2006, e que agora sofra um dano por não lhe ser reembolsado o dinheiro que investiu e que teve origem nas suas poupanças.

45) Tanto assim é que, resultou provado que caso a Autora tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo Banco BPN não o autorizaria (cfr. facto provado nº10).

46) Verifica-se, por isso, o nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei, nomeadamente os deveres de informação a que o banco Réu está obrigado, e os danos que a Autora reclama (cfr. art. 563.º do CC).

47) No mais, entende-se ainda que, atualmente tende a prevalecer um entendimento amplo de presunção de culpa, quer daquela prevista no art.799º, nº1 do CC, que abrange também a de ilicitude e a da causalidade fundamentante, quer daquela prevista no art.304º-A, nº2, do CVM, que inclui a de ilicitude, a da causalidade fundamentante e a da causalidade preenchedora.

48) Sendo certo que, no caso em apreço, o Banco Réu não logrou ilidir a presunção de causalidade entre a violação dos deveres de informação e os danossofridos pela Autora, poiscomo resultou provado, que se aAutora soubesse o que efetivamente estava em causa, nomeadamente que se tratava de um produto de risco, e que o capital não era garantido pelo BPN, não autorizaria.

49) Tem, pois, o Banco Réu a obrigação de indemnizar a Autora pelo valor do capital investido, acrescido de juros à taxa legal, nos exatos termos do Acórdão aqui posto em crise.

ii) Dos pareceres

50) Os pareceres juntos representam, apenas, a opinião dos jurisconsultos que os subscrevem, sobre a solução de determinado problema e têm a autoridade que o seu autor lhes confere, isto é, são meros documentos particulares para efeitos probatórios.

51) Com efeito, os pareceres de natureza jurídica relevam ao nível do estudo e do enquadramento das questões de natureza jurídica suscitadas pelas partes mas nada têm a ver com a fixação da matéria de facto e com a prova.

52) Por isso, os pareceres, não constituem prova documental com força probatória plena.

53) No nosso modesto entendimento, e com o subido respeito pelos referidos pareceres, é dispensada qualquer análise mais aprofundada dos mesmos, porquanto, o primeiro, da autoria de António Pinto Monteiro, chega a referir “que não há qualquer dever geral por parte do banqueiro de prestar informações”, negando de forma insofismável a violação dos deveres de informação por parte do BPN, e o segundo, da autoria de António Menezes Cordeiro, nem sequer se reporta à responsabilidade do intermediário financeiro.

54) Por outro lado, não podemos subscrever a afirmação constante do douto parecer junto aos autos, da responsabilidade do Sr. Prof. Pinto Monteiro, quando afirma que o conceito da obrigação ser “conhecida da generalidade do público” “ou, pelo menos, facilmente apreensível”.

55) Tal asserção assenta, cremos, reitera-se o que com maior respeito se afirma, num equívoco quanto à natureza e extensão dos conhecimentos de grande parte da população portuguesa, sobretudo quando estão em causa pessoas, de perfil conservador, ou seja, sem conhecimentos técnicos, como é o caso da Autora.

56) Sendo certo que, o produto subscrito pela Autora não era de complexidade mínima, muito menos facilmente apreensível mediante a apresentação de informações simples, tais como as que foram prestadas.

57) Também, merece censura da nossa parte, a conclusão sustentada no aludido parecer, de que dizer que o “capital era garantido”, não seria sinónimo de “reembolso garantido”, pois parte-se de um princípio que nos oferece algumas reservas, isto porque, um cidadão comum, não tem necessariamente de perceber estas subtilezas jurídicas.

58) As vicissitudes do mundo financeiro podem proporcionar tantas nuances que obrigam necessariamente a um especial cuidado por parte de quem se oferece para prestar um conselho profissional, no quadro de uma relação estabelecida entre um banco e o seu cliente, relativamente a um investimento que, no caso em apreço, ascendeu a 50.000,00€.

59) São esse tipo de preocupações que justificam que o legislador rodeie a atividade bancária e de intermediação financeira de um conjunto de deveres (acessórios) de cuidado, proteção, informação e diligência, que visam essencialmente a especial tutela do “investidor-consumidor”.

60) Acresce que, o parecer de António Menezes Cordeiro, nem sequer se reporta à responsabilidade do intermediário financeiro, mas antes à responsabilidade bancária.

61) Ambos os pareceres, são emitidos à margem das especificidades do caso em apreço, tendo sido emitidos para serem juntos a todos os processos respeitantes à responsabilidade do Banco Réu e não ao de reembolso dos credores obrigacionistas da SLN.

62) Aliás, parte do teor de tais pareceres contrariam o que vem sendo jurisprudência quase pacífica do STJ e aceite na generalidade da doutrina, mormente o teor do Ac. do STJ de 10/04/2018, proferido no proc. 753/16.4TBLIS.S1, versando sobre caso com semelhanças óbvias com o presente e que confirmou o acórdão TRL que revogou a sentença da 1ª secção cível da Instância Central da Comarca de Lisboa, de 10 de Dezembro de 2016, várias vezes citada pelo Prof. Pinto Monteiro no parecer, sempre com menção de concordância. 63) Pelo que, os pareceres técnicos, não constituindo prova documental com força probatória plena, não permitem, por si só, alterar a decisão de facto do tribunal recorrido, nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do CPC.

64) O douto Acórdão recorrido não merece, assim, qualquer censura, pelo que deve o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se aquele, na íntegra.

12. O recurso foi admitido no Tribunal recorrido: Admito o recurso interposto pela R., BANCO BIC PORTUGUÊS, SA., o qual é de revista, sobe nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – artigos 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 637.º, n.ºs 1 e 2, 638.º, n.º 1, 671.º, n.º 1, 675.º, n.º 1, e 676, n.º 1, a contrario, todos do CPCivil. Notifique e remeta os autos ao Venerando Supremo Tribunal de Justiça.”

Colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir

II. Fundamentação

De Facto

13. Factos provados:

1. A Autora é reformada e vive dos rendimentos da sua pensão;

2. O Réu é uma instituição bancária que sucedeu à nacionalização do “BPN – Banco Português de Negócios”;

3. A Autora era titular de uma conta bancária junto do então BPN, na agência de ..., com o n.º .........01, há mais de 15 anos;

4. Até à sua nacionalização, em novembro de 2008, a totalidade do capital social do Réu era detida pela sociedade “BPN, SGPS”, a qual, por sua vez, era detida, na íntegra, pela sociedade então denominada “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”;

5. O Réu, até à sua nacionalização, para além de ser uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro em instrumentos financeiros, estando, como tal, registado na Comissão de Mercado de Valores Imobiliários;

6. Em 11 de abril de 2006, a Autora, por proposta de um funcionário do Réu, procedeu à subscrição de obrigações pecuniárias subordinadas SLN 2006, sob a forma escritural e ao portador, com o valor nominal de € 50 cada, perfazendo o montante total de € 50.000,00 – cf. doc. 1 com a p.i.;

7. Na data da subscrição, o Réu, na pessoa dos seus funcionários, transmitiu à Autora que aquelas obrigações venciam juros semestrais, postecipadamente com data de 8 de maio e 8 de novembro de cada ano, a debitar na conta à ordem supra identificada;

8. Transmitiu ainda que o reembolso do capital apenas seria autorizado no prazo de 10 anos, sendo amortizado ao par, de uma só vez, em 09.05.2016;

9. O Réu, na pessoa dos seus funcionários, transmitiu também que, com a subscrição, estaria a aplicar o seu dinheiro num produto financeiro com mais rentabilidade do que um depósito a prazo, conforme o teor da nota interna pelo mesmo emitida;

10. A Autora subscreveu o título ora em causa por lhe ter sido garantido que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características;

11. Toda a sua vida, a Autora foi pessoa com espírito de trabalho e de poupança, o que lhe permitiu amealhar algum dinheiro, que usou para subscrição das obrigações;

12. A Autora procedeu àquela subscrição sem que lhe tenha sido entregue a nota informativa cuja cópia consta do doc. 2 com a p.i.;

13. A Autora tem vivido com receio de ter perdido grande parte das suas poupanças;

14. A Autora só se conformou com a subscrição de uma obrigação SLN 2006 na expectativa de o Banco recomprar tal obrigação na data acordada, pelo valor da compra, pagando juros por esse valor e pelo período correspondente, à taxa pré-estabelecida;

15. No mês seguinte à realização da subscrição, a Autora recebeu por correio, não só o aviso de débito correspondente à subscrição efetuada, mas também os avisos de crédito a cada seis meses relativos aos juros;

16. A Autora recebeu também, desde então, os vários extratos periódicos dos quais constavam essas obrigações como integrando a sua carteira de títulos, de forma separada dos simples depósitos a prazo;

17. O produto foi sempre apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da responsabilidade da entidade emitente – SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. – que, como empresa que detinha o banco, era entidade cuja solvabilidade não levantava qualquer tipo de dúvida;

18. A Autora subscreveu outros produtos diferentes do depósito a prazo, como os seguintes: Obrigações Perpétuas SLN 2008, em 31.03.2008; Unidades de Participação no Fundo de Investimento Mobiliário BPN Tesouraria (Ref. CMVM PTYBPHLM..06) em 30.12.2005; Unidades de Participação do Fundo de Investimento Imobiliário em Obrigações BPN Optimização (Ref. CMVM PTYBPCLM..01) em 01.02.2006; Unidades de Participação do Fundo de Investimento Mobiliário em Obrigações BPN Conservador (Ref. CMVM PTYBPBLM..02) em 22.08.2005 – cf. docs. 2 e 3 com a contestação;

19. A Autora foi informada que a única forma de obter liquidez, no caso de subscrição de obrigações e se pretendida antes da data do respetivo reembolso, era vender as mesmas endossando-as a um terceiro, o que, à data, era possível, comum e rápido, uma vez que os títulos tinham elevada procura, atenta a sua elevada rentabilidade;

20. A Autora recebeu juros remuneratórios até, pelo menos, abril de 2015;

21. A “SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”, hoje denominada “Galilei, SGPS, S.A.”, apresentou, no Tribunal da Comarca de Lisboa, um Processo Especial de Revitalização, o qual corre seus termos pela ... Secção de Comércio - J..., com o número 22922/15.4T8LSB, tendo sido logo proferido o despacho e sido proferida sentença que, declarando encerrado o processo negocial, sem aprovação do Plano de Recuperação, determinou o encerramento do Processo de Revitalização;

22. A SLN não pagou as Obrigações na data do seu vencimento, em 24.10.2014;

23. A “Galilei, SGPS, S.A.” foi, entretanto, declarada insolvente por sentença, de 29/06/2016, proferida pelo Tribunal da Comarca de Lisboa, ... Secção de Comércio-J..., no âmbito do processo número 23449/15.0T8LSB.

14. Factos não provados:

a) A única informação veiculada à Autora foi a de que estaria a aplicar financeiramente o seu dinheiro num depósito a prazo com mais rentabilidade (art. 16º da p.i.);

b) A Autora sempre dispensou investimento de risco, o que sempre também fez questão de frisar junto dos seus interlocutores no Réu (art. 20º da p.i.);

c) O Réu prestou à Autora toda a informação sobre os elementos que constavam da nota informativa do produto (art. 70º da contestação).

De Direito

15. Atento o disposto nos artigos 663.º, n.º 2, 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal.

As questões suscitadas são as seguintes:

1. Foi violado o dever de informação;

2. Há nexo de causalidade entre a falta de informação/informação errónea e o dano

16. Entrando na análise da 1º questão – saber se houve violação do dever de informação.

Para justificar a posição adoptada o tribunal recorrido disse:

Com a presente ação a A. peticiona a condenação da R. no pagamento da quantia de €50.000,00, correspondente a Obrigações subordinadas SNL 2006, subscritas em 11.04.2006, acrescida de juros moratórios, por alegada violação do dever de informação por parte da R., enquanto intermediária financeira.

Apreciemos.

1. A R. é uma instituição bancária, conforme facto provado 2.

Nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31.12, na sua redação primitiva, aplicável ao caso, no que aqui releva, «[a]s instituições de crédito devem assegurar aos clientes, em todas as atividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica», sendo que «[n]as relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados».

Segundo o disposto no artigo 1.º, n.º 1, alínea b), do Código dos Valores Imobiliários, CVM2, «as obrigações» constituem um dos «valores mobiliários» e, pois, constituem um produto ou instrumento financeiro.

Conforme artigo 348.º, n.º 1, do Código das Sociedade Comerciais, CSC3, as «obrigações» são « valores mobiliários que, numa mesma emissão, conferem direitos de crédito iguais».

As obrigações correspondem a um empréstimo contraído em massa por parte da respetiva entidade emitente.

Ou seja, deter uma obrigação significa ser credor da entidade emitente daquela, sendo que, em regra, tal empréstimo tem um prazo de duração, a denominada maturidade, e o investidor tem direito a receber periodicamente um rendimento, também designado por cupão.

Como refere António Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, Valores Mobiliários, Instrumentos Financeiros e Mercados, volume II, edição de 2022, páginas 61 e 62, «as obrigações (bolds) são títulos representativos de um mútuo, emitidos em massa pela sociedade e conferindo, na mesma emissão, direitos de crédito iguais para o mesmo valor nominal – art. 348º, nº 1/CSC», sendo que «[a]s obrigações têm geralmente as seguintes características: valor nominal (correspondente ao valor de resgate); taxa de juros (coupon), e maturidade (duração do empréstimo)».

As obrigações podem ser escriturais ou tituladas «consoante sejam representados por registos em conta ou por documentos em papel», respetivamente, conforme artigo 46.º, n.º 1, do CVM.

As obrigações subordinadas correspondem àquelas que são «reembolsáveis somente após a satisfação integral dos (…) credores comuns» do emitente da Obrigação, conforme artigo 360.º, n.º 1, alínea e), do CSC, pelo que, em caso de insolvência do emitente, o crédito do obrigacionista é graduado depois dos créditos garantidos, privilegiados e comuns, conforme artigos 47.º, 48.º e 174.º a 177.º do Código das Insolvências e da Recuperação de Empresas, CIRE4.

2. Os intermediários financeiros são profissionais qualificados que intercedem na atividade de investimento em instrumentos financeiros, mediando os emitentes de tais instrumentos e os respetivos investidores, competindo-lhes igualmente a atividade de consultadoria para o investimento, conforme artigos 289.º a 294.º do CVM.

À data dos factos em causa, «[a]s instituições de créditos e as empresas de investimento que [estivessem] autorizadas a exercer actividades de intermediação financeira em Portugal», entre outras entidades, eram tidas como «intermediários financeiros em instrumentos financeiros», conforme artigo 293.º, n.º 1, alínea a), do CVM.

Os intermediários financeiros estão sujeitos a particulares deveres de informação: no exercício da sua atividade devem prestar uma informação de qualidade, devendo esta ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, sob pena de responderem civilmente pelos prejuízos que assim causem.

Com efeito, segundo o artigo 7.º, n.º 1 do CVM, no que ora releva, «[d]eve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores (…)».

De acordo com o artigo 304.º, n.ºs 1 e 2, do CVM, «[o]s intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado», sendo que «[n]as relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência».

Nos termos do artigo 312.º, n.º 1, alínea a), do CVM, «[o] intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a [r]iscos especiais envolvidos pelas operações a realizar».

Conforme artigo 314.º, n.ºs 1 e 2, do CVM, que correspondente ora ao respetivo artigo 304.º-A, decorrente do Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31.10, «[o]s intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública», sendo que «[a] culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação».

Como refere Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, edição de 2011, página 355, «[a] lei cuida, em termos pormenorizados, de estabelecer regras explícitas quanto aos deveres dos intermediários financeiros (…). Tal sucede em larga medida por influência da transposição de Directivas comunitárias».

«(…) [A] densificação legislativa de deveres de intermediação financeira comporta consequências notórias em termos de regime de responsabilidade civil, já que os deveres (…) referentes ao exercício de actividade são consideradas normas de proteção (…)».

Na matéria, António Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, Valores Mobiliários, Instrumentos Financeiros e Mercados, volume II, edição de 2022, página 235, refere que «[a] relação do intermediário financeiro para com o cliente subsume-se a um contrato de prestação de serviços de investimento, sujeito ao regime geral dos contratos e ao regime específico do CVM».

«Como princípio geral, os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado e deve atuar com boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (art. 304º, nºs 1 e 2)».

«As obrigações do intermediário financeiro estendem-se aos seus órgãos de administração, agentes vinculados e subcontratados e seus dirigentes e colaboradores».

«O regime especifico contempla uma fase pré contratual, para além das obrigações contratuais».

3. Em matéria de responsabilidade civil do intermediário financeiro, importa considerar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2022, de 06.12.2021, publicado no Diário da República, I Série, de 03.11.2022, o qual uniformou a jurisprudência nos seguintes termos:

«1 - No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2 - Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco"), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.

3 - O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4 - Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».

4. Em função daquele AUJ e no que ora releva, a responsabilidade civil do intermediário financeiro constitui uma responsabilidade contratual e funda-se numa atuação ilícita, culposa e danosa por parte do intermediário financeiro.

5. A ilicitude expressa a desconformidade da sua atuação quanto aos deveres funcionais a que está adstrito relativamente ao cliente.

No que aqui interessa, tal desconformidade pode decorrer designadamente do incumprimento do dever de conferir ao cliente uma informação completa, verdadeira, atual, clara e objetiva quanto ao produto financeiro em causa.

Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.06.2023, processo n.º 11188/17.1T8SNT.L1.S1, in www.dgsi.pt/jstj, «[o] Banco enquanto intermediário financeiro está vinculado por força da lei à proteção dos interesses legítimos dos clientes de produtos financeiros, devendo indagar sobre a sua situação financeira e experiência – o princípio know your costumer – no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como sobre a situação financeira e os objetivos de investimento do cliente (artigo 304.º, n.º 3, do CVM), observando os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência».

«A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte».

«O facto de o cliente ter sido induzido a investir pelo Banco, que toma a iniciativa de o contactar para lhe propor a subscrição de obrigações, dizendo-lhe que é um produto com capital garantido tal como um depósito a prazo, agrava o juízo de ilicitude, no sentido em que qualquer reticência ou vaguidade de informação já seria violadora do padrão de exigência informativa cometida ao intermediário financeiro».

«O não cumprimento dos deveres de informação, se bem que podendo ser sancionado ao abrigo do artigo 227.º do Código Civil (culpa na formação dos contratos), que consagra a chamada responsabilidade civil pré-contratual, tem sido sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual, impendendo sobre o intermediário financeiro ou banco, que age nessa veste, presunção de culpa nos termos do artigo 799º, nº 1, do Código Civil, sendo claro o n.º 2 do artigo 314 do CVM (…)».

No mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.04.2024, processo n.º 7249/17.5T8LSB.L1-A.S2, igualmente in www.dgsi.pt/jstj, refere que «[n]a intermediação financeira, para além dos deveres de informação decorrentes do princípio geral da boa fé, o legislador (CVM) consagrou deveres específicos de informação, atenta a natureza da atividade, que inclui “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada” (art. 312º), nomeadamente, as informações respeitantes aos instrumentos financeiros e aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar (art. 312.º/a/b) devendo-o fazer de forma completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (art. 7º) para que a informação possa ser compreendida pelo destinatário médio (…)».

«(…) Cabe, pois, ao intermediário financeiro, informar o cliente de tudo o que for necessário, conveniente ou útil para que este não incorra em logros, nem em perdas, deve adverti-lo dos riscos da operação, tanto dos seus riscos típicos, como dos riscos concretos, naquela circunstância e naquela conjuntura, e ainda da conveniência ou inconveniência da operação para si, para o seu negócio ou para a sua empresa (…)».

«(…) O cumprimento dos deveres de informação que impendem sobre o intermediário financeiro é, porém, de geometria variável. Quer isto significar que a intensidade dos deveres de informação varia em função do tipo contratual em causa e do concreto perfil do cliente. Assim, o critério em função do qual se afere o cumprimento dos deveres que recaem sobre o intermediário financeiro há de ser o seguinte: quanto menor o conhecimento e experiência do cliente em relação ao objeto do seu investimento maior será a sua necessidade de informação (…).

6. A culpa representa um juízo de censurabilidade da conduta do agente: assenta no juízo de que este podia e devia ter procedido de forma diversa.

Ora, conforme referido artigo 314.º do CVM na redação aplicável, a culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

Tal presunção de culpa decorre igualmente do artigo 799.º do CCivil.

7. A responsabilidade civil do intermediário financeiro por falta de informação adequada relativamente ao cliente pressupõe igualmente que tal falta seja danosa, no sentido de normativamente adequada a causar um prejuízo na esfera do cliente: este «não [o] teria sofrido se não fosse a lesão», conforme artigo 563.º do CCivil, traduzindo in casu tal lesão na falta de uma informação adequada quanto à natureza das obrigações subordinadas em apreço.

Conforme ponto 4 do referido AUJ, «[p]ara estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».

8. Na situação vertente.

Com pertinência ao desfecho da causa, ficou provado que:

(i). O Banco Português de Negócios, BPN, ora Banco R./Recorrida, era/é uma instituição bancária e estava registada na CMVM como intermediária financeira em instrumentos financeiros, conforme factos provados 2, 4 e 5;

(ii). A A. era titular de uma conta bancária junto do BPN, agência de ..., há mais de 15 anos, conforme facto provado 3;

(iii) Em 11.04.2006, por proposta de um funcionário da R., a A. subscreveu Obrigações subordinadas SLN 2006, no valor de €50.000,00, sendo que na altura a R., na pessoa dos seus funcionários, transmitiu à A. que tais Obrigações venciam juros semestrais, com rentabilidade superior de um depósito a prazo, e que o reembolso do capital ocorreria em 09.05.2016 e estava garantido pelo próprio Banco, pois em causa estava um produto com características semelhantes a um depósito a prazo, conforme factos provados 6 a 10;

(iv) A A. subscreveu as referidas Obrigações sem que lhe tenha sido entregue qualquer nota informativa, só assim procedendo na expetativa de o Banco recomprar as Obrigações na data acordada, pelo valor da compra, pagando juros por esse valor e pelo período correspondente, à taxa pré-estabelecida, conforme factos provados 12 e 14;

(v) A A. foi informada que a única forma de obter liquidez, no caso de subscrição de Obrigações e se pretendida antes da data do respetivo reembolso, era vender as mesmas endossando-as a um terceiro, o que, à data, era possível, comum e rápido, uma vez que os títulos tinham elevada procura, atenta a sua elevada rentabilidade, conforme facto provado 19;

(vi) A A. recebeu juros remuneratórios até, pelo menos, abril de 2015, conforme facto provado 20;

(vii) A A. não recebeu o capital investido de €50.000,00 na data do vencimento das Obrigações, sendo que a SLN, entretanto, denominada Galileu, SPGS, SA, foi declarada insolvente em 24.10.2024, conforme facto provados 21 a 23.

Diversamente do entendimento sufragado na decisão recorrida, este Tribunal da Relação de Lisboa entende que a R. violou o dever de informação a que estava obrigada relativamente à A., prestando uma informação absolutamente inadequada quanto ao produto financeiro em causa, Obrigações SLN 2006: sem entregar qualquer nota informativa daquele produto financeiro, a R. propôs à A. a subscrição de Obrigações subordinadas, sem minimamente a informar do respetivo risco, garantindo, pelo contrário, o integral pagamento do capital, iludindo a A. de que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características.

É certo que se apurou que a R. recebeu extratos periódicos onde constava a sua carteira de títulos, conforme facto provado 16, e subscreveu outros produtos financeiros, quer antes, quer depois da subscrição da Obrigação SLN 2006, conforme facto provado 18.

Contudo, sem mais, tal factualidade revela-se inócua, não devendo olvidar-se que a A. é reformada e vive dos rendimentos da sua pensão e que toda a sua vida foi uma pessoa com espírito de trabalho e de poupança, conforme factos provados 1 e 11, tudo fazendo concluir tratar-se de uma pessoa com escassa literacia financeira.

A circunstância de na data da subscrição das Obrigações, abril de 2006, não se antever a crise nos mercados financeiros despoletada anos depois, não obstava, de modo algum, que a R. informasse a A. dos riscos inerentes à subscrição das obrigações subordinadas em causa.

Por outro lado, sendo exigível uma informação cabal quanto à natureza do produto financeiro em causa, informação que a R. podia e devia conferir à A., a conduta da R. tem de assacar-se como culposa, sendo que em situação como a presente sempre a culpa da R. se presumiria.

Mais, em razão dos factos provados 10 e 14 configura-se haver um nexo de causalidade entre a violação do dever de informação por parte da R. e a decisão de investir da A., o que significa que esta decisão não sucederia caso a A. tivesse sido informada do risco que corria com a subscrição de Obrigações SLN 2006, sendo que com tal decisão a A. viu-se desapossada da quantia de €50.000,00, o que constitui indubitavelmente uma perda patrimonial, um dano no respetivo património.

Estão, pois, verificados todos os pressupostos da responsabilidade contratual da R. na situação em causa.”

O recorrente contesta a posição do Tribunal recorrido.

Não tem razão.

Na verdade, este STJ tem já incontáveis arestos sobre a questão que vem colocada na presente revista, estando consolidada a orientação sobre o sentido do dever de informação do intermediário financeiro e sobre os pressupostos da responsabilidade civil.

A questão está resolvida no AUJ citado pelo tribunal recorrido, em ambos os níveis.

No caso concreto, perante os factos provados, não se afigura dubitativo que foi violado o dever de informação, pelo que se confirma a orientação do acórdão RECORRIDO, com a fundamentação aí indicada – e já transcrita – a que se adere.

17. Ainda que igualmente resolvido pelo Acórdão de Uniformização n.º 8/2022, de 06.12.2021, a questão do nexo de causalidade, por estar muito associada à matéria de facto provada, pode justificar uma reanálise à luz do caso concreto.

Diz o Acórdão de Uniformização n.º 8/2022, de 06.12.2021:

«No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano

E da sua fundamentação consta: «Quer isto dizer que incumbe ao cliente (investidor) a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, não as teria adquirido, pois cabe a quem invoca o direito à indemnização alegar e demonstrar o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, que também não se presume, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil. E isto é assim porque não encontramos no regime do CVM norma aplicável à violação do dever de informação de indemnizar que consagre uma solução distinta da consagrada no Código Civil em sede da respectiva matéria já indicada. No CVM apenas se estabelece uma presunção de culpa. E essa presunção de culpa não vem aí formulada em termos de se poder dela extrair uma ilação em termos de nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos

E mais adiante refere-se ainda: «O que o regime do CVM pode trazer de diverso é a diminuição da exigência do regime da prova do nexo de causalidade no sentido de se dever facilitar ao investidor a demonstração da sua ocorrência, por forma a não se inverter a lógica do sistema de responsabilidade civil, pois é de reconhecer que é difícil ao investidor demonstrar, sem sombra de dúvidas, que nunca realizaria o investimento efectuado se a informação em falta lhe tivesse sido prestada, mas tal facilitação não se traduzirá numa inversão do ónus da prova, nem da adesão à doutrina do “comportamento conforme à informação”, que tem sido propugnada por alguns autores e já subscrita por algumas decisões dos tribunais

Para o Tribunal recorrido foi determinante a prova realizada e que redundou nos factos factos provados 10 e 14.

Aí consta:

10. A Autora subscreveu o título ora em causa por lhe ter sido garantido que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características;

14. A Autora só se conformou com a subscrição de uma obrigação SLN 2006 na expectativa de o Banco recomprar tal obrigação na data acordada, pelo valor da compra, pagando juros por esse valor e pelo período correspondente, à taxa pré-estabelecida;

Poder-se-á considerar que no presente processo esse nexo de causalidade está adquirido processualmente pelos factos provados?

Estamos em crer que sim, pelas razões apontadas no acórdão recorrido e ainda porque o uso da palavra "só" no facto dado como provado sob o n.º 14 é suficiente para dar como provado que, sem a violação dos deveres pré-contratuais — logo, sem a convicção de que o capital era garantido e sem a expectativa de recompra —, a Autora não teria subscrito as obrigações SLN.

Daí que, face aos factos apurados e tendo em conta o teor do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2022 se tenha também por verificado o nexo de causalidade entre a omissão da informação relevante por parte do banco réu intermediário financeiro e o dano que resultou da privação do valor investido e não reembolsado.

18. Quanto ao montante do dano e da correspondente indemnização a arbitrar à autora, assentando a obrigação de indemnização na tutela do interesse contratual negativo ou de confiança, tendo a obrigação sido vendida como equivalente a um depósito a prazo, ele terá por referência (artigo 562.º do Código Civil) o valor necessário a colocar a autora na posição em que estaria se tivesse na realidade constituído o depósito a prazo do valor investido e cujo reembolso foi garantido pelo banco réu considerando os pagamentos dos juros acordados, valor que, nesses termos, se liquidará ao abrigo do artigo 609.º n.º 2 do Código de Processo Civil, e ao qual acrescem os juros, vencidos e vincendos até integral pagamento, à taxa de juros civis a partir da citação para a acção, uma vez que não se encontra demonstrado que o réu tenha sido interpelado para restituir o capital investido em momento anterior.

III. Decisão

Pelo exposto, concede-se, parcialmente, a revista., condenando-se:

- o banco réu a indemnizar a autora pelos danos patrimoniais por ela sofrido no valor que, em concreto, se vier a liquidar nos termos do artigo 609.º n.º 2 do Código de Processo Civil, correspondente ao do capital investido na aquisição das obrigações pecuniárias subordinadas SLN 2006, sob a forma escritural e ao portador, com o valor nominal de € 50 cada, perfazendo o montante total de € 50.000,00, mas deduzido o valor dos juros pagos pela entidade emitente na parte em que excedam os que teriam sido pagos como remuneração de um depósito a prazo de 50.000,00 euros em cada um dos semestres em que foram pagos juros pela entidade emitente, incidindo sobre o valor assim apurado os juros de mora à taxa de juros civis a partir da citação;

- os recorrente e recorrida nas custas do recurso na proporção do respectivo decaimento, a apurar a final.

Lisboa, 17 de Junho de 2025

Relatora: Fátima Gomes

1º adjunto: Nuno Pinto Oliveira

2º adjunto: Ferreira Lopes

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1. Da responsabilidade da relatora.

2. O Código dos Valores Mobiliários foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13.11, e, entretanto, objeto de diversas alterações. Na exposição teremos em consideração a redação vigente à data dos factos, designadamente a decorrente daquele diploma legal, bem como da Retificação n.º 23-F/99, de 31.12, Rectificação n.º 1-A/2000, de 10.01, Decreto-Lei n.º 61/2002, de 20.03, Decreto-Lei n.º 38/2003, de 08.03, Decreto-Lei n.º 61/2002, de 20.03, Rectificação n.º 5-C/2003, de 30.04, Decreto-Lei n.º 107/2003, de 04.06, Decreto-Lei n.º 183/2003, de 19.08, Decreto-Lei n.º 66/2004, de 24.03, e Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15.03, com a Retificação n.º 21/2006, de 30.01.

3. O Código das Sociedades Comerciais foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 13.11, e objeto de diversas alterações. Na exposição teremos em consideração a redação vigente à data dos factos, designadamente a decorrente daquele Decreto-Lei, assim como da Declaração de 29.11.1986, Decreto-Lei n.º 184/87, de 21.04, Decreto-Lei n.º 280/87, de 08.07, Declaração de 31.07.1987, Declaração de 31.08.1987, Decreto-Lei n.º 229-B/88, de 04.07, Decreto-Lei n.º 142-A/91, de 10.04, Decreto-Lei n.º 238/91, de 02.07, Rectificação n.º 236-A/91, de 31.10, Rectificação n.º 24/92, de 31.03, Decreto-Lei n.º 225/92, de 21.10, Decreto-Lei n.º 20/93, de 26.01, Decreto-Lei n.º 261/95, de 03.10, Decreto-Lei n.º 328/95, de 09.12, Decreto-Lei n.º 257/96, de 31.12, Rectificação n.º 5-A/97, de 28.02, Decreto-Lei n.º 343/98, de 06.11, Rectificação n.º 3-D/99, de 30.01, Decreto-Lei n.º 486/99, de 13.11, Decreto-Lei n.º 36/2000, de 14.03, Decreto-Lei n.º 237/2001, de 30.08, Decreto-Lei n.º 162/2002, de 11.07, Decreto-Lei n.º 107/2003, de 04.06, Decreto-Lei n.º 88/2004, de 20.04, Decreto-Lei n.º 19/2005, de 18.01, Decreto-Lei n.º 35/2005, de 17.02, Rectificação n.º 7/2005, de 18.02, Decreto-Lei n.º 111/2005, de 08.07, e Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15.03.

4. O Código das Insolvências e da Recuperação de Empresas foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, e objeto de várias alterações. Na exposição teremos em consideração a redação vigente à data dos factos, decorrente daquele diploma legal e do Decreto-Lei n.º 200/2004, de 18.08.