ADMISSIBILIDADE
RECURSO DE REVISTA
REQUISITOS
EXTEMPORANEIDADE
DECISÃO SINGULAR
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
DESPEJO
REJEIÇÃO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Sumário


Não é admissível recurso de revista de um acórdão da Relação que, por extemporaneidade, não sindicada pelo primeiro grau, confirmou a decisão singular do relator, de não conhecimento do objecto do recurso de uma decisão de despejo.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

***

AA instaurou acção de despejo contra BB e CC.

O primeiro grau julgou a acção procedente e decretou o despejo.

O 2.º réu recorreu.

O recurso foi admitido.

Subiram os autos.

Na Relação, o relator proferiu decisão singular que rejeitou o recurso por extemporâneo, por não ter sido impugnada a matéria de facto e, por assim, não se aplicar o disposto no artigo 638.º, 7 CPC.

O recorrente reclamou para a conferência, a qual indeferiu a reclamação e manteve a decisão singular.

O recorrente interpôs recurso de revista, cuja minuta concluiu da seguinte forma:

1-O presente recurso de Revista tem por fundamento a violação ou errada aplicação da lei do processo e da Constituição da República Portuguesa.

2- Da sentença da 1ª instância o Recorrente interpôs recurso sobre a matéria de facto e sobre matéria de direito e, em conformidade, deu entrada do recurso no prazo legal de 30 (trinta) dias, acrescido de mais 10 (dez).

3- Discorda o Recorrente do entendimento do tribunal recorrido que o Apelante não tinha o desígnio de ver alterada a decisão de facto com base na prova gravada.

4- Donde, ter o Recorrente direito ao prazo legal 40 dias (30+10) para interpor o recurso.

5. Questão diferente é aquilatar se o Recorrente, mais propriamente o seu mandatário e signatário, no âmbito do seu saber, deu cumprimento ou não ao ónus imposto pelo art. 640º, nº 1, do C.P.C..

6- Admitindo que não o fez, no que não se concede, então o tribunal recorrido poderia rejeitar apreciar o recurso sobre tal matéria, mas tinha de apreciar o recurso quanto aos outros fundamentos, no caso, os que versam sobre as demais questões de facto e de direito.

É que, a insuficiência ou mediocridade da fundamentação probatória do Recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação -Ac. TRG, de 22-10-2020; Proc. 5397/18.3...-

No mesmo sentido vai o Acórdão do STJ, de 21-03-2019, Proc. 3683/16.6T8CBR.C1.S2, quando ali se afirma que: “Nesta conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no n.º 1, alíneas a), b) e c) do referido 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada,…”

7- Em suma, rejeita-se o recurso na parte infirmada, mas tem de se admitir o recurso, apreciá-lo e julgá-lo no demais, nomeadamente quanto à matéria de direito.

8- Tendo o recurso sido interposto sobre a matéria de facto, ainda que se possa colocar em causa a estrita e completa observância das formalidades/requisitos que para tal a lei enumera, certo é que o tribunal recorrido apenas tinha de apreciar o recurso sobre tal matéria e decidir pelo provimento ou não provimento do mesmo nesse segmento e, neste último caso, justificando com os fundamentos factuais e legais que entende aplicáveis para o fazer.

9- Mas teria de apreciar os demais fundamentos do recurso, nomeadamente os relativos aos de direito.

10- O que no caso concreto não fez, violando a lei.

11.Os acórdãos que supra estão identificados, da TRG e STJ, vão de encontro à argumentação nesta alegação defendida pelo Recorrente.

12-E estãoemcontradição, salvo o devido respeito poropinião contrária,com o invocado acórdãonadecisão posta aqui em crise.

13- Validar-se a tese sufragada no douto acórdão recorrido significa que os mandatários das partes ao recorrerem da matéria de facto devem ou têm de apresentar as alegações de recurso sempre no prazo de 30 dias.

14- Se o não fizerem, correm sempre o natural e elevado risco de verem o tribunal sindicante proferir decisão como a dos presentes autos e, assim, verem as hipóteses de êxito do mesmo nos demais segmentos de direito precludidas por uma decisão de alegada extemporaneidade de apresentação do recurso.

15- Salvo o devido respeito, o nº 7 do art. 638º, do C.P.C. passa assim a ser um normativo que encerra um elevado grau de risco, pois sujeito fica às mais variadas e até duvidosas interpretações sobre o cumprimento dos requisitos do art. 640º, e, assim, pondo em causa a apreciação e decisão dos demais fundamentos de direito que os recursos normalmente também suscitam apreciação e decisão.

16- O que, salvo melhor entendimento, não resulta da letra da lei, muito menos está ou esteve no seu espírito.

17- Tal entendimento constitui uma grosseira violação do art. 202º da Constituição da República Portuguesa, que aqui se invoca para todos os legais efeitos.

18-Os pré-antepenúltimo e antepenúltimo parágrafos do douto acórdão posto aqui em crise constituem um erro e uma violação da lei, incluindo a constitucional, pelo que devem ser corrigidos.

19- O que se reclama seja operado por Venerando STJ, dando provimento ao presente recurso e determinar que o recurso apresentado no tribunal da Relação do Porto seja apreciado e decidido, seja no segmento da matéria de facto seja na demais matéria constante das alegações do mesmo.

20- O acórdão recorrido viola o art. 638º, nºs 1 e 7, e o art. 640º, nº 1, ambos do C.P.C..

21- E viola o disposto no art. 202º, da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o acórdão proferido, determinando-se, em consequência, que o tribunal recorrido aprecie todas as questões suscitadas nas alegações de recurso, e profira o consequente acórdão, assim se fazendo sã e inteira JUSTIÇA».

O Relator proferiu a seguinte decisão

«A questão que se suscita consiste saber se o recurso é de admitir.

No caso sujeito, o valor da acção é de €9.000,00. Não se aplica o artigo 643.º porque tecnicamente não estamos, na origem, diante de uma decisão subsumível nesta factispecie.

Aplica-se, sim, o artigo 652.º, que preceitua que, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão.

Assim foi: inconformado com a decisão do relator que, ao contrário do primeiro grau, julgou o recurso extemporâneo, o recorrente reclamou para a conferência.

Porém, sem sucesso.

Dispõe o artigo 652.º, 5, b) que, do acórdão da conferência pode a parte que se considere prejudicada recorrer nos termos gerais.

A hipótese em causa não pode ser enquadrada no artigo 671.º, 1 porque não se trata de uma decisão de mérito ou que ponha termo ao processo.

Por outro lado, também se não verifica qualquer das situações a que se referem as várias alíneas do nº 2 do artigo 671º, já que não estamos perante uma decisão interlocutória, de estrita natureza incidental e que verse unicamente sobre a relação processual, mas antes face a uma decisão pós-final.
Não se verifica ainda nenhuma das situações do n.º 2, do artigo 629.º que têm em vista situações em que o legislador considerou que devia haver lugar a recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência.

A alínea a) do número 3 deste mesmo artigo 629.º, só garante o recurso de decisões de 1.ª instância num grau de jurisdição.

Finalmente não há justificação para revista ampliada que, como revista, pressupõe o preenchimento dos requisitos de que a lei faz depender este tipo de recurso em geral, o que não ocorre.

Pelo exposto, não se admite o recurso».

DD notificado da decisão singular de não admissão do recurso reclamou para a conferência, nos seguintes termos:

«1- Conforme se deixou escrito nas alegações de recurso para o Venerando STJ o presente recurso de Revista tem por fundamento a violação ou errada aplicação da lei do processo e da Constituição da República Portuguesa.

2. A matéria em causa na acção é de despejo, ou seja, tem como causa de pedir e pedido a cessação do contrato de arrendamento e a condenação do réu a desocupar o locado, livre de pessoas e bens.

3. Da sentença proferida foi interposto recurso para o TRP.

4. Sobre o qual recaiu o acórdão que se põe em crise no âmbito do presente recurso de revista e nos termos e com os fundamentos que das alegações constam.

5. Para além do mais, no recurso para este STJ é suscitada a questão relacionada com denegação de justiça.

6. Relevando a lei processual sobre a substantiva, o que contraria os fundamentos do direito e da justiça.

7. E, obviamente, o texto constitucional.

8. O acórdão da Relação, com o devido respeito, faz uma apreciação subjectiva, malévola até, colocando sobre a pessoa do signatário uma intenção dolosa, quiçá pretensamente habilidosa, de beneficiar de 40 dias de prazo para apresentação do recurso, por pôr em crise a matéria de facto, quando na realidade, no seu entendimento, o mandatário e signatário verdadeiramente não pretendia recorrer da matéria de facto, posto que, diz-se até, não cumpriu as formalidades que a lei prevê para tal fundamento ou segmento do recurso.

9- Este entendimento, que o signatário respeita, mas não aceita, podia levar à não apreciação do recurso nesse segmento.

10- Mas já não quanto aos fundamentos de direito, ao outro segmento de direito invocado no recurso.

11- Entendimento que é sufragado nas alegações deste recurso de revista e que neste requerimento, como em anterior apresentado reitera, relembrando os acórdãos que nesse sentido foram invocados nas alegações e que aqui se dão por reproduzidos.

12- Ou seja, é entendimento do recorrente que o TRP ao proferir o acórdão posto em crise violou a lei e também decidiu em sentido contrário a outros acórdãos que pelas várias relações já foram prolatados.

13- Entende o Recorrente que o, aliás, douto despacho do TRP sobre o qual já se tomou posição e agora reafirma, está enquadrado no previsto no nº 3 do art. 671º do CPC.

14- Só que, com total respeito por opinião contrária, este referido normativo contém a excepção das previsões do imediato art. 672º, do CPC.

15- Que inelutavelmente poderão vir a ser directa e fundadamente invocadas em recurso que para o efeito seja interposto, no caso de se vir a mostrar necessário.

16- De resto, no intróito do presente recurso é requerida a intervenção do pleno das secções do STJ, em ordem a assegurar a uniformidade da jurisprudência.

17- Perante esta breve alegação e toda a fundamentação constante nas alegações do presente recurso, é entendimento do Recorrente/Reclamante que a alusão que se faz na douta decisão singular que antecede não deve ser aplicada no caso dos presentes autos.

18- Pese embora a hipótese aqui em causa para a admissão do recurso não possa ser enquadrada no art. 671º, nº 1, do CPC, nem no seu imediato nº 2,

19, Cremos que é passível de enquadramento na primeira parte do nº 3, daquele artigo, como se invocou nas alegações de recurso apresentado e aqui e agora se reitera.

20- E também se enquadra nas situações previstas no nº 3 do art. 629º, do CPC, salvo o devido respeito por opinião contrária.

21- É que, nos presentes autos o que está em causa no recurso apresentado para este Supremo Tribunal de Justiça não é a apreciação dos fundamentos e previsão do nº 3 do art. 629º do CPC.

22- O que está em causa é a admissão do recurso em sede processual, que não substantiva.

23- Pelo que não estamos perante a violação daquele previsto “único grau de jurisdição”.

24- O único grau de jurisdição está a ser consumido com o recurso interposto para este STJ.

25- A alegada falta de justificação para revista ampliada não se encontra justificada na douta decisão singular de que se reclama.

26- o que se reputa necessário para sobre ela o Apelante/Reclamante se poder pronunciar.

27- Face a tudo o exposto, deve o recurso ser admitido, apreciado e decidido, o que se Requer a Vossas Excelências se dignem decidir, em homenagem à justiça».

São três os pontos sobre que incide a reclamação:

i) O caso sujeito é passível de enquadramento na primeira parte do nº 3 do artigo 671.º?;

ii) E também se enquadra nas situações previstas no nº 3 do artigo 629.º?

iii) A decisão singular não está adequadamente fundamentada no que respeita à rejeição da revista ampliada?
Vejamos se assiste razão ao reclamante.

A primeira parte do artigo 671.º explicita a prevalência do artigo 629.º, 2 que prevê casos sem limite do recurso de revista.

Ora queda patente a inviabilidade de se convocar qualquer uma das hipóteses previstas nas alíneas a), b) e c) desse mesmo número 2 para o caso sujeito, sendo ainda certo que a alínea d) está reservada para decisões finais, o que não ocorre quando a decisão é de rejeição do recurso.

No que tange ao número 3 do artigo 629.º a letra da lei não permite recurso de revista («até à Relação»).

Finalmente, o recurso de revista ampliada deve ser dirigido ao Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e ser devidamente fundamentado, com alusão, nas conclusões, ao estado da opinio iuris de que resulte a conveniência de se assegurar a uniformização de jurisprudência sobre o objecto da impugnação (artigo 686.º, 1 e 2 CPC).

Sobre ser insuficiente no caso o preenchimento destes requisitos, compreensivelmente exigido para se evitar a banalização desta espécie recursiva, que implica a mobilização dos juízes de todas as secções cíveis, acontece que a revista ampliada não deixa de ser um recurso de revista que não dispensa os requisitos normais de legitimidade, interesse, valor e sucumbência.

As razões em que se funda a reclamação não são pois procedentes.

***

Pelo exposto, indefere-se a reclamação e, consequentemente confirma-se a decisão do relator.

Considerando que o reclamante beneficia de apoio judiciário, tendo em conta o que se prescreve nos artigos 10º, nº 1, 13º, nºs 1 a 3, e 16º, nº 1, alínea a), da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, e 6º e 8º da Lei nº 47/2007, de 28 de Agosto, inexiste fundamento para que seja condenado no pagamento de custas.

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17.6.2025

Luís Correia de Mendonça (Relator)

.Anabela Luna Carvalho

Cristina Coelho