ADMISSIBILIDADE
RECURSO DE REVISTA
RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL
AÇÃO EXECUTIVA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
VENDA JUDICIAL
REMIÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS
DECISÃO SINGULAR
REJEIÇÃO
RECLAMAÇÃO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR
Sumário


Dos acórdão da relação proferidos em processo executivo não cabe, em regra, recurso de revista, dado o disposto no artigo 854.º do CPC. Para que a revista seja admissível com base no artigo 629º, n.º 2, alínea d) do CPC, o recorrente tem de demonstrar a existência de contradição de decisões sobre a mesma questão normativa, o que no caso concreto não se verifica.

Texto Integral


Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça

1. Os executados, AA e BB, inconformados com o acórdão do TRL, de 21.01.2025, que confirmou a decisão da primeira instância (sem voto de vencido e sem fundamentação diferente), interpuseram recurso de revista normal, com base no artigo 671.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC e no artigo 629º, n.º 2, alínea d); bem como recurso de revista excecional, com base no artigo 672º, n.º 1, alíneas b) e c).

2. Nas suas alegações, os recorrentes formularam as seguintes conclusões:

«1. A decisão recorrida consubstancia uma interpretação e aplicação erradas da Lei e da Constituição.

- DA ADMISSIBILIDADE LIMINAR DO PRESENTE RECURSO - DA REVISTA NORMAL

2. O presente recurso deve ser admitido como revista normal, nos termos do disposto no artigo 671.°, n.º 1 do CPC, atenta a eficácia extintiva do acórdão recorrido, que põe fim ao incidente de arguição de nulidade suscitado pelos Recorrentes nos autos de Primeira Instância.

- DA REVISTA EXCECIONAL (contradição de julgados)

3. Caso este douto Tribunal considere não caber recurso de revista normal nos termos do artigo 671.°, n.º 1 do CPC - o que apenas se admite por mero dever de patrocínio -, o presente recurso de revista deve ser admitido, a título de revista excecional, nos termos do artigo 672.°, n.º 1, alínea c) do CPC; e, no caso de considerar a decisão recorrida como uma decisão interlocutória, nos termos do artigo 671.°, n.° 2, al. a) ) (ex vi do artigo 629.°, n.º 2, ai. d) ) e, subsidiariamente, do artigo 671.°, n.° 2, al. b) do CPC.

4. O acórdão recorrido encontra-se, salvo melhor opinião, em contradição com outros do Supremo Tribunal de Justiça e das Relações, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, não tendo sido fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça jurisprudência conforme ao acórdão recorrido - como é o caso do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 12/03/2024, no âmbito do processo n.º 23597/09.5T2SNT-B.L1.S1 (“acórdão fundamento” - acima junto como Doc. n.º 1),

5. Os referidos acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação, sem que entre um e outro tenham ocorrido alterações legislativas relacionadas com as questões fundamentais de direito apreciadas pelos mesmos.

6. Tanto o caso subjacente ao acórdão fundamento, como o caso “sub judice” reportam se a uma situação em que não foi dado conhecimento antecipado aos Executados Recorrentes dos termos exatos da venda, nomeadamente, do dia, hora e local da realização da compra e venda do bem penhorado, o que impediu, em ambos os casos, os Executados de informarem, de forma atempada, os titulares do direito de remição, para, querendo, o exercerem, que ficaram, deste modo, impedidos de o fazer.

7. No acórdão fundamento, e ao contrário do que foi decidido no caso dos presentes autos, o Supremo Tribunal de Justiça julgou o recurso procedente e, consequentemente, anulou o contrato de compra e venda do imóvel penhorado, e todos os termos subsequentes do processado que dele dependiam absolutamente.

8. Há identidade entre a questão que foi objeto de cada um dos acórdãos em oposição (factos essenciais semelhantes), identidade substancial da legislação subjacente em vigor, e o mesmo efeito prático-jurídico visado pelos aqui Recorrentes e pelos Recorrentes no acórdão fundamento: declaração de nulidade e de ineficácia da compra e venda do bem imóvel penhorado.

9. Da referida contradição entre acórdão fundamento e acórdão recorrido decorre, subsidiariamente, a admissibilidade de revista por via do disposto no artigo 672.°, n.º 1, alínea c) do CPC e, no caso de se entender ser a decisão recorrida uma decisão interlocutória, por via do disposto no artigo 671.°, n.º 2, ai. a) (ex vi do artigo 629.°, n.º 2, al. d)) e 629.°, n.º 2, al. b), todos do CPC.

- DA REVISTA EXCECIONAL (interesses de particular relevância social)

10. Caso este douto Tribunal considere não caber recurso de revista nos termos acima elencados - o que apenas se admite por mero dever de patrocínio - o presente recurso de revista continua a dever ser admitido, a título de revista excecional, nos termos do artigo 672.°, n.º 1, alínea b) do CPC, uma vez que, estão em causa interesses de particular relevância social.

11. O imóvel que foi objeto do negócio de compra e venda, cuja anulação se pretende, corresponde à casa de habitação principal dos Recorrentes.

12. No referido imóvel, reside todo o agregado familiar dos Recorrentes (5 pessoas), composto pelos mesmos e ainda pelas duas filhas CC, solteira, maior de 26 anos de idade, DD, solteira, maior de 24 anos de idade, e EE, viúva, de 96 anos de idade, mãe da Recorrente.

13. O Recorrente AA tem 65 anos de idade e é doente oncológico, com diagnóstico de adenocarcinoma do pulmão em estádio IV, sendo que a disseminação do cancro originou-lhe, entretanto, um outro tumor, no cérebro, o qual lhe tem provocado uma doença intracraniana grave.

14. Tendo em conta o estado grave de saúde do Recorrente, este encontra-se sujeito a um tratamento sistémico e a dosagens elevadas de medicamentos, que lhe tem valido numerosos efeitos secundários incapacitantes, sendo que a situação oncológica não se encontra estabilizada, pois o Recorrente tem-se confrontado com a perda progressiva da função mental, apresentando frequentes crises focais (consciência comprometida), espasmos, entre outras crises agudas, que o levam recorrentemente às urgências.

15. O estado de saúde precário do Recorrente, que não dispõe de outra habitação, não é compatível com a saída da casa em questão.

16. Estão, aqui, em causa razões imperiosas de saúde, idade, familiares, económicas e sociais dos Executados, nomeadamente a nível de realojamento do agregado familiar, impondo-se priorizar, neste caso excecional, o princípio da dignidade da pessoa humana.

17. Os direitos em confronto têm uma natureza diferente: por um lado, o direito à propriedade da sociedade Lobajal - Atividades Imobiliárias, Lda. e, por outro, o direito à vida e a morrer com dignidade do Recorrente marido, que deve prevalecer.

18. Não está, aqui, em causa apenas o mero interesse subjetivo dos Recorrentes, mas questões que são fulcrais para a vida em sociedade.

19. As filhas (descendentes) do Recorrente têm a pretensão de exercer o seu direito legal de remição, de forma a permitir a continuidade do seu pai na casa e, assim, evitar a respetiva desestabilização física e emocional possivelmente fatal decorrente de um eventual despejo.

20. O indeferimento das nulidades arguidas pelos Recorrentes, com fundamento na extemporaneidade da arguição tem a suscetibilidade de gerar sentimentos coletivos de inquietação, angústia, insegurança, intranquilidade, alarme, injustiça e indignação, uma vez que, por não ter sido comunicado aos Recorrentes Executados o dia, hora e local da realização da compra e venda do bem penhorado, ficou precludido o direito de remição.

21. A possibilidade de exercício do direito de remição - que foi totalmente esvaziado pela omissão cometida pela senhora Agente de Execução - assume. nas circunstâncias do caso concreto, uma questão de vida ou morte para o Recorrente doente, que não tem condições (entre outras, de saúde e económicas) para deixar a sua residência.

22. Está-se perante um impacto invulgar (e potencialmente desastroso) na situação de vida dos Recorrentes com efeitos capazes de se alastrar à comunidade onde os mesmos se encontram integrados, visto que, a manutenção do negócio de compra e venda nas circunstâncias descritas põe em causa valores socioculturais e, até mesmo, a credibilidade do Direito e da Justiça.

23. Há, portanto, um interesse comunitário na resolução da presente questão, que transcende a dimensão “inter partes”, e uma particular relevância social dos interesses em causa, devendo a presente revista ser admitida, subsidiariamente, por via do disposto no artigo 672.°, n.º 1, alínea b) do CPC.

- DA ERRADA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA LEI E DA CONSTITUIÇÃO

24. O Tribunal de Primeira Instância e o Tribunal da Relação erraram ao indeferir o
pedido de declaração de nulidade da venda com base na alegada sanação das
nulidades invocadas pelos Recorrentes (cfr. despacho recorrido de 02/10/2024 e acórdão recorrido de 21/01/2025, ambos constantes dos autos).

25. A proponente sociedade Lobajal - Actividades Imobiliárias, Lda. não cumpriu o prazo legal de 15 dias, que lhe foi notificado pela senhora Agente de Execução,
para a realização do depósito do preço, nem para o pagamento dos impostos
devidos (Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis e Imposto de Selo) (cfr. art.° 824.°, n.º 2 do CPC e cfr. preâmbulo da decisão da Agente de Execução de 29/04/2024, constante dos autos).

26. Não tendo o proponente depositado o preço no respetivo prazo legal, a senhora Agente de Execução violou a Lei (cfr. art.º 825.°, n.º 1, ais. a), b) e c) do CPC) ao não ouvir os interessados na venda (designadamente, os ora Recorrentes) sobre a decisão a tomar, como ainda violou a Lei ao decidir, sem respaldo legal, pela prolação de uma nova decisão sobre a venda idêntica à anterior de 05/03/2024 (cfr. decisão da Agente de Execução de 29/04/2024, constante dos autos).

27. Esta solução protagonizada pela senhora Agente de Execução consubstanciou, por isso, uma nulidade nos termos do disposto no artigo 195.°, n.º 1 do CPC, porquanto influiu necessariamente na decisão e desfecho do processo de venda do bem imóvel penhorado.

28. A par do cometimento da nulidade acima descrita, a senhora Agente de Execução não notificou os Executados do dia, hora e local para a realização da compra e venda nem pessoalmente, nem na pessoa de qualquer mandatário (cfr. decisão da Agente de Execução de 29/04/2024, constante dos autos e cfr. autos).

29. Os Recorrentes tomaram conhecimento, pela primeira vez, da data e do local da compra e venda em 14/05/2024, ou seja, já depois de a mesma ter sido realizada (cfr. notificação de 14/05/2024, constante dos autos).

30. Nesta mesma ocasião, os Recorrentes foram, ainda, notificados de que a compra e venda teria sido concretizada por documento particular autenticado, e não por escritura notarial conforme tinha sido comunicado pela senhora Agente de Execução (cfr. decisão da Agente de Execução de 05/03/2024 e decisão da Agente de Execução de 29/04/2024, ambas constantes dos autos e cfr. contrato de compra e venda de 14/05/2024, constante dos autos).

31. Os Recorrentes, por desconhecerem a informação relativa ao dia, hora e local para a realização da compra e venda, não puderam informar atempadamente os titulares do direito de remição. para querendo, o exercerem.

32. A notificação da decisão sobre a venda aos ora Recorrentes que teve lugar nos presentes autos (cfr. decisão da Agente de Execução de 29/04/2024, constante dos autos) não permitiu, por si só, habilitá-los a efetuar uma comunicação eficiente aos seus familiares diretos e potencialmente interessados em remir no bem penhorado.

33. No caso da venda por negociação particular (como nos autos), o direito de remição apenas pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta (cfr. art.º 843.°, n.º 1, al. b) do CPC), pelo que o dia, hora e local da compra e venda são os elementos que determinam, por si só, a caducidade do direito de remição.

34. A concretização da compra e venda do bem imóvel penhorado em 14/05/2024 -notificada posteriormente aos Recorrentes - acabou por consubstanciar uma surpresa, pois, em momento algum, a senhora Agente de Execução tinha comunicado aos Recorrentes qualquer informação sobre o dia, hora e local para realização do negócio.

35. Ora, salvo o devido respeito, o Tribunal de Primeira Instância e o Tribunal da Relação erraram ao julgar que as nulidades acima invocadas estariam sanadas por força do decurso do prazo de reclamação das mesmas para o Juiz, tendo considerado, para o efeito, o prazo de 10 (dez) dias contado do conhecimento das mesmas.

36. A interpretação normativa levada a cabo pelo Tribunal de Primeira Instância e pelo Tribunal da Relação do artigo 195.°, n.º 1, do artigo 149.°, n.º 1 e dos artigos 196.°, 197.° e 199.°, n.º 1 e do CPC mostra-se inconstitucional por violação do princípio da proibição da indefesa, pois, no caso, o prazo aplicado pelo Tribunal de Primeira Instância (10 dias), pela sua curta extensão, não permitiu aos Recorrentes a possibilidade de exercerem o direito de arguirem as referidas nulidades.

37. Os Recorrentes encontram-se a atravessar uma fase de transtorno psicológico profundo devido à doença grave que acometeu o Recorrente, que foi diagnosticado com um adenocarcinoma do pulmão em estádio IV e, ainda, com metástases no sistema nervoso central (i.e., no cérebro) (cfr. atestado médico e relatórios médicos juntos aos autos como Docs. 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 9 da reclamação de ato de 20/09/2024, constante dos autos).

38. A gestão do presente processo e as decisões finais que deveriam ser tomadas prontamente pelos Recorrentes (e que os mandatários não podem suprir) têm sido, muitas vezes, empurradas para segundo plano, na medida em que o Recorrente marido tem estado consumido a garantir a sua própria sobrevivência e a Recorrente mulher tem estado totalmente absorvida a prestar a assistência e o socorro ao Recorrente marido em face de constantes episódios de urgência decorrentes do aumento do seu edema cerebral.

39. Se os Recorrentes não reclamaram mais cedo das nulidades acima mencionadas, foi porque houve um justo impedimento, ou seja, no caso, uma sucessão contínua de eventos não imputáveis aos Recorrentes nem aos seus mandatários que obstou à prática do ato mais cedo.

40. A Justiça Material deve sobrepor-se à Justiça Formal, não podendo admitir-se que o mero decurso do tempo tenha o poder de inviabilizar a correção de atos e de omissões levados a cabo pela senhora Agente de Execução, obstaculizando o direito de remição por parte dos familiares dos Recorrentes com a inerente consequência de perda da casa de morada de família, quando foi o legislador quem quis assegurar a prioridade dos familiares do devedor na aquisição dos seus bens com vista à conservação do património na família.

41. Estando o valor da Justiça e o valor da Segurança em conflito, deverá ser a Segurança a ceder perante a Justiça que se lhe sobrepõe, uma vez que a Justiça é o princípio e o fim último do Direito.

Por isso,

42. Tanto o despacho que foi objeto do recurso de apelação, como o acórdão objeto do presente recurso de revista incorrem num vício de inconstitucionalidade normativa na medida em que, face à existência de outras interpretações normativas menos lesivas dos direitos dos Recorrentes e mais consentâneas com uma interpretação conforme à Constituição, optaram por aplicar a norma jurídica extraída da interpretação das disposições conjugadas dos artigos 195.°, n.º 1, 149.°, n.º 1, 196.°, 197.° e 199.°, n.º 1 do CPC no sentido de que as nulidades arguidas pelos Recorrentes por requerimento de 26/08/2024 estariam sanadas desde o termo do prazo de 10 dias sobre o respetivo conhecimento.

43. É inconstitucional esta norma resultante da interpretação das disposições conjugadas dos artigos 195.°, n.º 1, 149.°, n.º 1, 196.°, 197.° e 199.°, n.º 1 do CPC, que foi feita pelo despacho objeto do recurso de apelação e pelo acórdão objeto do presente recurso de revista, por violação, nomeadamente, do disposto no artigo 2.° (Princípio do Estado de Direito Democrático), 13.° (Princípio da Igualdade), 18.° (Princípio da Proporcionalidade) e 20.° (Princípio do Acesso ao Direito, aos Tribunais e ao Processo e, ainda, Princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva), todos da Constituição, e, ainda, do artigo 1.° (Direitos do Homem) e 6.°, n.º 1 (Direito a um Processo Equitativo) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na medida em que, por um lado, não se revelou suficiente para o exercício pelos Recorrentes do direito de arguição das nulidades, e, por outro, o indeferimento das nulidades invocadas impediu a, consequente, anulação da venda e viabilização do exercício do direito de remição por partes dos respetivos titulares.

44. A interpretação normativa levada a cabo pelo Tribunal de Primeira Instância e pelo Tribunal da Relação mostra-se extremamente restritiva dos referidos direitos dos Recorrentes legalmente protegidos e constitucionalmente garantidos, pois impediu a procedência das nulidades arguidas pelos Recorrentes, bem como a consequente anulação da venda e viabilização do exercício do direito de remição por partes dos respetivos titulares.

45. Em face do contexto factual trazido aos autos, o Tribunal de Primeira Instância e o Tribunal da Relação deveriam ter considerado que a arguição das nulidades em 26/08/2024 (decorridos cerca de 2 meses sobre a notificação da compra e venda de 14/05/2024, uma vez descontadas as férias judiciais) tinha sido feita tempestivamente, uma vez que apenas este entendimento se mostra: apto a garantir o exercício do direito de arguição das nulidades por parte dos Executados e, em consequência, a garantir o exercício do direito de remição por parte dos seus familiares; indispensável ao exercício dos referidos direitos; e na justa medida em termos qualitativos e quantitativos relativamente à pretendida salvaguarda do direito dos Executados.

46. Tendo em conta que estão em causa os direitos de arguição de nulidades
diretamente relacionadas com a (in)viabilizacão do direito de remição na casa
de morada de família, tem plena aplicação a "ratio" de um prazo de arguição
maior.

47. Devendo inclusivamente considerar-se as nulidades em questão -nomeadamente, a falta de notificação aos Executados do dia, hora e local para a concretização da compra e venda - como uma nulidade insanável (insuscetível de reparação) podendo o respetivo conhecimento ter lugar a todo o tempo no presente processo.

48. O vício no ato processual em questão é tão grave que não é possível corrigi-lo, nem convalidá-lo.

49. Não bastava, pois, à senhora Agente de Execução comunicar aos Recorrentes a decisão sobre a venda, mas impunha-se, a fim de viabilizar o exercício do direito de remição, que lhes tivesse, igualmente, comunicado as circunstâncias de modo, tempo e lugar onde se iria concretizar a venda por negociação particular do bem penhorado, o que não ocorreu.

50. A mencionada falta traduziu-se na omissão de um ato suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, inquinando todo o processado ulterior, pois impediu os Recorrentes de informarem atempadamente os titulares do direito legal de remição, para querendo, o exercerem e, nesse sentido, de compor o litígio a seu favor.

51. Esta omissão da notificação aos Recorrentes do dia, hora e local para a realização do negócio de compra e venda do bem penhorado prejudicou, de forma desproporcional, os interesses dos titulares do direito de remição, violando, também ela, os princípios constitucionais relativos, nomeadamente, à tutela jurisdicional efetiva, ao processo equitativo, ao princípio da proporcionalidade e ao princípio do contraditório (cfr. art.º 2.°, 3.°, n.º 2, 20.°, n.º 1 e 4, 202.° e 18.°, n.º 2 da Constituição e cfr. art.° 3.°, n.° 3 do CPC)

52. O Tribunal Constitucional, por acórdão n.° 219/2020 de 20/04/2020, no processo n.º 542/2019 (relatora JOANA COSTA FERNANDES), disponível em:

https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20200219. htm

julgou inconstitucional a norma extraível dos artigos 886.°-A, n.º 1 e 4, 229.º, n.º 1 e 2 do anterior Código de Processo Civil (mas com correspondência no atual Código), e 252.°, n.º 3 do CPPT no sentido de que a notificação ao Recorrente do conteúdo da proposta de aquisição do bem penhorado sujeito a venda por negociação particular e, ainda, do momento em que essa venda vai ocorrer não era obrigatória, por violação dos artigos 20.°, n.º 1 e 4 e 18.°, n.º 2 da Constituição (cfr., no mesmo sentido, a declaração de voto do Juiz Conselheiro JOÃO CURA MARIANO no acórdão n.º 419/2016 do Tribunal Constitucional).

53. Enquanto atos processuais destinados a facultar às partes o conhecimento do estado do processo, colocando-as em condições de exercitarem os seus direitos de intervenção processual, as notificações assumem-se processualmente como uma garantia prática das regras do contraditório e da proibição da indefesa.

54. A senhora Agente de Execução devia, também ao abrigo do princípio do contraditório, ter dado conhecimento aos Recorrentes, enquanto partes e interessados diretos na venda do bem penhorado, dos termos exatos da venda, nomeadamente, do dia, hora e local da celebração da compra e venda por documento particular autenticado - informação esta que, além de não prejudicar o fim do processo, consistia na única maneira de permitir gue os Recorrentes pudessem informar, de forma eficaz e atempada, os titulares do direito de remição, para, querendo, o exercerem (visto que a notificação direta dos familiares não ocorre no processo executivo).

55. Por conseguinte, ao não ter informado previamente os Recorrentes dos termos exatos da venda, nomeadamente, do dia, hora e local para a realização da compra e venda do bem penhorado (questão capaz de influir no exame e decisão da causa), a senhora Agente de Execução impediu-os de informarem atempadamente os titulares do direito legal de remi cã o, para, querendo, o exercerem e, por conseguinte, de comporem o litígio de outra forma.

56. No caso, a inobservância da comunicação do dia, hora, local e modo da realização da compra e venda, aos Recorrentes, consubstanciou uma omissão grave representativa de uma nulidade (cfr. art.º 195.°, n.º 1 do CPC), que se mostra claramente suscetível de influir na decisão da causa (cfr., no mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/03/2024, no processo n.º 23597/09.5T2SNT-B.L1.S1; o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19/11/2020, no processo n.º 476/11.0...; e o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29/11/2011, no processo n.º 98/06.8...).

57. A venda fica sem efeito se for anulado o ato da venda (cfr. art.º 195.°, n.º 2 e art.º 839.°, n.º 1, al. c) do CPC), pelo que tendo em conta a nulidade do ato da compra e venda do bem imóvel penhorado, esta não poderia ter sido mantida, devendo, antes, ter sido declarada nula.

Em suma,

58. Ao julgar sanadas as nulidades arguidas pelos Recorrentes por requerimento
de 26/08/2024, o Tribunal de Primeira Instância e o Tribunal da Relação violaram as disposições conjugadas dos artigos 195.°, n.º 1, 149.°, n.º 1, 196.°, 197.° e 199.°, n.º 1 do CPC, dos artigos 2.° (Princípio do Estado de Direito Democrático), 13.° (Princípio da Igualdade), 18.° (Princípio da Proporcionalidade) e 20.° (Princípio do Acesso ao Direito, aos Tribunais e ao Processo e, ainda, Princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva), todos da Constituição, e, ainda, do artigo 1.° (Direitos do Homem) e 6.°, n.º 1 (Direito a
um Processo Equitativo) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

59. Porquanto deveriam as normas jurídicas decorrentes de tais disposições ter sido interpretadas e aplicadas no sentido da tempestividade da arguição das nulidades pelos Recorrentes por requerimento de 26/08/2024 e, em consequência, julgando-as procedentes e declarando nulo e de nenhum efeito a compra e venda do bem imóvel penhorado, celebrada em 14/05/2024, e designando uma nova data para a realização do mesmo negócio, desta vez com a prévia notificação aos Executados do modo, dia, hora e local para a sua formalização.

Por conseguinte, deve a decisão, objeto do presente recurso, ser substituída por outra que assim decida, conforme à correta interpretação das acima referidas normas.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o acórdão recorrido, sendo substituído por outro que julgue procedentes as arguidas nulidades, com todas as consequências legais, designadamente:

- declarando nulo e de nenhum efeito a compra e venda do bem imóvel penhorado, celebrada em 14/05/2024; e

- designando uma nova data para a realização do mesmo negócio, desta vez com a prévia notificação aos Recorrentes do modo, dia, hora e local para a sua formalização.»

3. As recorridas – “SANDALGREEN ASSET, S.A” e “LOBAJAL, ACTIVIDADES IMOBILIÁRIAS, Ldª” – pronunciaram-se, além do mais, sobre a inadmissibilidade da revista, quer enquanto revista normal, quer enquanto revista excecional.

4. Prefigurada a não admissibilidade da revista, foram os recorrentes notificados para se pronunciarem, nos termos do artigo 655.º do CPC (tendo os recorridos emitido já pronuncia nesse sentido, nas suas contra-alegações).

5. Em resposta ao despacho previsto no artigo 655.º do CPC, vieram os recorrentes reafirmar que a revista será admissível, quer enquanto revista normal, quer enquanto revista excecional.

6. Em 02.05.2025, foi proferida decisão singular que, em síntese, estatuiu:

«decide-se que a revista normal não é admissível (sendo as custas a decidir a final); remetem-se os autos à Formação, nos termos do Provimento n.º 23/2019, para apreciação do pedido de revista excecional».

7. Os recorrentes vêm agora apresentar reclamação contra aquela decisão, na parte em que não admitiu o recurso como revista normal.

No requerimento pelo qual pedem a intervenção da Conferência, os reclamantes sintetizam a sua posição formulando as seguintes conclusões:

«1. A decisão singular, ora reclamada, na parte em que se decidiu julgar que o recurso de revista interposto pelos Reclamantes não era admissível pela via normal, consubstancia erro sobre a verificação dos pressupostos legais para a admissão do referido recurso.

2. Contrariamente ao que foi entendido pela Exma. Juíza Conselheira relatora, os Reclamantes consideram que o recurso de revista é admissível, por via normal, tanto por via do disposto no artigo 671º n.º 1 do CPC, como por via do disposto no artigo 629º n.º 2, alínea d) do CPC ex vi do artigo 854º 1ª parte do CPC.

3. O presente recurso de revista deve ser admitido nos termos do disposto no artigo 671º n.º 1 do CPC, uma vez que o acórdão recorrido vem pôr fim ao incidente de arguição de nulidade suscitado pelos Reclamantes nos autos de Primeira Instância, mostrando-se, por esta via, preenchida a exigência de eficácia extintiva do acórdão recorrido, prevista no mencionado artigo 671º, n.º 1 do CPC, para a admissibilidade do recurso de revista normal.

4. Por outro lado, encontra-se preenchido o pressuposto da contradição de julgados para a admissibilidade do recurso por via do artigo 629º n.º 2, alínea d) do CPC ex vi do artigo 854º 1ª parte do CPC.

5. Entre os acórdãos que decidiram de forma divergente a mesma questão fundamental de direito, indicou-se, a título meramente exemplificativo, o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 12/03/2024, no âmbito do processo nº 23597/09.5T2SNT-B.L1.S1 (“acórdão fundamento”), cfr Doc. n.º 1 das alegações do recurso de revista).

6. Os referidos acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação, sem que entre um e outro tenham ocorrido alterações legislativas relacionadas com as questões fundamentais de direito apreciadas pelos mesmos, não tendo sido fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça jurisprudência conforme ao acórdão recorrido.

7. Há uma relação de identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão recorrido e a questão de direito apreciada no acórdão fundamento, mostrando-se a situação factual subjacente num e noutro acórdão similar no que respeita à questão aqui relevante.

8. Tanto o caso subjacente ao acórdão fundamento, como o caso “sub judice” reportam-se a uma situação em que não foi dado conhecimento antecipado aos Executados dos termos exatos da venda, nomeadamente, do dia, hora e local da realização da compra e venda do bem penhorado.

9. No caso dos presentes autos, a senhora Agente de Execução não só não notificou os Reclamantes dos referidos elementos, como também não os transmitiu previamente ao processo (cfr. autos), o que impediu, tanto no caso subjacente ao acórdão fundamento, como no caso “sub judice”, os Executados de informarem, de forma atempada, os titulares do direito de remição, para querendo, o exercerem.

10. Em ambos os casos, a omissão da mesma formalidade teve influência na decisão da causa, pois o(a) eventual remidor(a) ficou privado(a) de perfectibilizar a preferência qualificada na compra do imóvel por desconhecer o lugar e o tempo da respetiva compra e venda

11. No acórdão fundamento, e ao contrário do que foi decidido no caso dos presentes autos, o Supremo Tribunal de Justiça julgou o recurso procedente consequentemente, anulou o contrato de compra e venda do imóvel penhorado, e todos os termos subsequentes do processado que dele dependiam absolutamente

12. Há identidade entre a questão que foi objeto de cada um dos acórdãos em oposição (factos essenciais semelhantes), bem como identidade substancial da legislação subjacente em vigor, e o efeito prático-jurídico visado pelos aqui Reclamantes é o mesmo efeito visado pelos Recorrentes no acórdão fundamento:

- declaração de nulidade e de ineficácia da compra e venda do bem imóvel penhorado, celebrada em 14/05/2024; e

- designação de uma nova data para a realização do mesmo negócio, desta vez com a prévia notificação aos Reclamantes do modo, dia, hora e local para a sua formalização.

13. Em face do exposto, salvo melhor opinião, deve o presente recurso de revista deve ser admitido.

Nestes termos, requer-se a V. Exas. que seja revogada a decisão singular proferida pela 6.ª secção deste Supremo Tribunal de Justiça, datada de 02/05/2025, na parte em que julgou que a revista normal não era admissível; e consequentemente, seja admitido o recurso de revista apresentado pelos Reclamantes por via normal, com todas as consequências legais

Cabe apreciar em Conferência.

*

II. FUNDAMENTOS

1. O recorrente-reclamante insiste na alegação de que o recurso devia ser admitido como revista normal por entender, em síntese, existir oposição de acórdãos que justifica a admissibilidade desta revista.

2. Deve, desde já, afirmar-se que não lhe assiste razão, pelos motivos que constam da decisão singular, para os quais se remete.

Afirmou-se nessa decisão:

«PEDIDO DE REVISTA NORMAL

- O acórdão recorrido foi proferido em ação executiva, e identificou as seguintes questões como integrantes do seu objeto:

«1- Se é tempestiva a arguição de nulidades processuais;

2 - Se ocorre causa de anulação da venda do bem imóvel»

- Tendo em vista a apreciação do problema de saber se a venda executiva de um imóvel penhorado aos executados poderia ficar sem efeito, nos termos do artigo 839.º, n.º 1, alínea c) do CPC, ou seja: «Se for anulado o acto da venda, nos termos do artigo 195.º», o acórdão recorrido logo concluiu que o direito de arguir essa nulidade se encontrava extinto quando os executados-recorrentes o pretenderam exercer.

Os executados haviam alegado que a Agente de Execução não lhes teria dado conhecimento, nomeadamente, do dia, hora e local da venda previamente à sua realização, tendo, assim, omitido atos com influência no resultado do processo, gerando nulidades processuais que afetariam a venda executiva.

Entendeu-se no acórdão recorrido que, estando em causa nulidades decorrentes da omissão de trâmites anteriores à realização da venda, tais nulidades não eram de conhecimento oficioso, pelo que teriam de ser atempadamente invocadas pelos recorrentes, o que não aconteceu. Efetivamente, concluiu-se nesse acórdão que, quando os recorrentes apresentaram em juízo o requerimento em que arguiram as nulidades (em 26.08.2024), já o prazo (de 10 dias a contar do conhecimento) havia decorrido, pelo que o direito se encontrava extinto (art.º 139º, n.º 3 do CPC).

No acórdão recorrido acrescentou-se, ainda, o seguinte argumento para se concluir que o direito dos autores se encontrava extinto:

«(…) tal como assinala a decisão recorrida, os executados acabaram até por - independentemente do mencionado decurso do prazo - convalidar as eventuais nulidades cometidas, já que, em 10/7/2024, em documento assinado por si e pelo seu mandatário, declararam assumirem a obrigação de entregarem o imóvel à adquirente até ao dia 10/9/2024, totalmente livre de pessoas e animais. Portanto, tacitamente - mas de forma concludente - renunciaram à arguição de qualquer nulidade, reconhecendo a validade da venda (cfr. art. 197.º n.º 2 do Código de Processo Civil).»

- Tendo o acórdão recorrido sido proferido em ação executiva, importa ter presente o artigo 854.º do CPC. Dispõe esta norma:

«Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução

- Como facilmente se constata, nos presentes autos não está em causa nenhuma das três hipóteses nas quais o legislador admitiu o recurso de revista em processo executivo. Logo, o caso concreto cabe na regra geral que o artigo 854.º do CPC consagra em matéria de revista, ou seja, a da sua não admissibilidade.

Como a doutrina e a jurisprudência têm abundantemente referido, trata-se de uma opção do legislador que assenta, essencialmente, na natureza da matéria em causa, procurando encurtar o tempo de duração total dos processos executivos.

Assim, a alegação dos recorrentes no sentido de que a revista normal caberia no âmbito de admissibilidade do artigo 671º, n.º 1 do CPC é absolutamente destituída de fundamento legal, dado que a aplicação desta norma é afastada pela norma específica do processo executivo – o artigo 854.º.

- Porém, para além das três exceções referidas na parte final do artigo 854.º, a revista poderá ainda ser admissível caso se verifique a ressalva constante da primeira parte do artigo 854º, ou seja, “dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”.

Como a jurisprudência e a doutrina têm reiteradamente entendido, tais hipóteses são as previstas nas quatro alíneas do artigo 629º, n.º 2 do CPC.

- A recorrente invoca a hipótese prevista no artigo 629º, n.º 2, alínea d), por entender existir oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão do STJ, de 03.12.2024 (relator Nelson Borges Carneiro) no processo n.º 23597/09.5T2SNT-B.L1.S1, que indica como acórdão fundamento.

Estando em causa uma decisão sobre matéria que, por opção legislativa, não admite, em regra, recurso de revista, o acórdão recorrido caberia, aparentemente, no âmbito da invocada alínea d). Todavia, para que a revista pudesse ser admitida teria de existir uma contradição sobre a mesma questão fundamental de direito.

Ora, facilmente se constata que entre o acórdão recorrido e o indicado acórdão fundamento não existe tal contradição, pois essas decisões não se pronunciam sobre a mesma questão.

Como já referido, a questão central decidida pelo acórdão recorrido foi a de saber se os recorrentes tinham exercido atempadamente o seu direito de arguir nulidades que poderiam afetar a subsistência da venda executiva, tendo-se concluído que quando apresentaram requerimento para o efeito, o prazo legal já havia decorrido, pelo que o direito se encontrava extinto (não se apreciou, assim, em rigor, a validade da venda).

Diversamente, no acórdão fundamento, não se apreciou qualquer questão de tempestividade do exercício de direitos, mas sim da necessidade de transmitir determinada informação para que os titulares do direito de remissão pudessem exercer tal direito.

Veja-se como se sumariou o acórdão fundamento:

«- Na venda por negociação particular de bem penhorado em processo de execução, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta (realização da escritura pública tratando-se de imóveis).

- Para poder ser exercitado o exercício do direito de remição, o agente de execução deve comunicar ao executado o despacho de adjudicação, bem como as circunstâncias de modo, tempo e lugar onde será concretizada a venda por negociação particular do imóvel em discussão.

- Só há nulidade processual quando o vício respeita ao ato como trâmite, não ao ato como expressão de uma decisão do tribunal, ou, de uma posição da parte.

- Ao executado deve ser-lhe concedida a possibilidade, sempre que tal não prejudique o fim do processo, de se pronunciar sobre as modalidades dos atos executivos, designadamente, no campo de venda dos bens.

- Sendo o executado parte da execução e interessado direto na venda, atento o princípio do contraditório, deve ser-lhe dado conhecimento dos termos exatos da venda, nomeadamente, do dia, hora e local da realização da escritura pública de compra e venda do bem penhorado, por tal, para além de não prejudicar o fim do processo, permitir que informe atempadamente os titulares do direito de remição, para querendo, o exercerem.

- Ao não ter sido dado conhecimento desses elementos ao executado, o eventual remidor ficou privado de perfectibilizar a preferência qualificada na compra do imóvel, verificando-se assim a omissão de formalidade com influência na decisão da causa.»

Assim, facilmente se concluiu que os acórdãos em confronto, por não se terem pronunciado sobre a mesma questão, não aplicaram as mesmas normas legais em sentidos divergentes, não se encontrando, por isso, justificada a intervenção do STJ com base no artigo 629.º, n.º 2, alínea d) do CPC.

Concluiu-se, portanto, que a revista normal não é admissível.

PEDIDO DE REVISTA EXCECIONAL

- Os recorrentes pedem também revista excecional, invocando o disposto nas alíneas b) e c) do artigo 672º, n.º 1.

A admissibilidade da revista excecional desenvolve-se em duas fases, sendo a primeira da responsabilidade do relator ao qual cabe a apreciação dos requisitos gerais de recorribilidade e a aferição do disposto no artigo 671º, n.º 1 do CPC. Concluindo que a revista é obstaculizada pela existência de dupla conforme, cabe ao relator enviar os autos à Formação a que alude o artigo 672º, n.º 3 para apreciação dos requisitos específicos da revista excecional (veja-se, neste sentido, Maria dos Prazeres Beleza, “Restrições à admissibilidade do recurso de revista e revista excecional”, in A Revista, n.º 1, 2022, página 35 e seguintes.)

- Na perceção inicial da relatora, comunicada aos recorrentes no despacho a que alude o artigo 655.º do CPC, o disposto no artigo 854.º do CPC afastaria qualquer das hipóteses de revista excecional, dado que a revista normal se encontra já, em regra, afastada por essa norma. O facto de a revista se encontrar afastada, em regra, pela natureza da matéria, conduziria ao afastamento da revista excecional, independentemente da existência de dupla conforme.

Porém, admitindo que tal entendimento possa não ser unânime, opta-se agora por remeter os autos à Formação a que alude o artigo 672.º, n.º 3 do CPC para apreciação da admissibilidade da revista excecional.»

3. Na reclamação para a Conferência, os reclamantes procedem, essencialmente, a uma repetição dos argumentos que já constavam das suas alegações de recurso, e reafirmam que entendem existir fundamento para que a revista normal seja admitida.

4. A inexistência de requisitos legais que permitam a admissibilidade do recurso como revista normal encontra-se claramente explanada na decisão reclamada, pelo que nada mais há a acrescentar à respetiva fundamentação, a qual coletivamente se subscreve, concluindo-se, portanto, que tal decisão não incorreu em qualquer erro de aplicação da lei processual.

*

DECISÃO: Pelo exposto, indefere-se a reclamação dos recorrentes, e confirma-se a decisão reclamada no sentido de existir dupla conforme que, nos termos do artigo 671.º, n.º 3 do CPC, obsta à admissibilidade da revista normal.

Remetem-se os autos à Formação a que alude o artigo 672.º, n.º 3 do CPC, para apreciação dos requisitos da revista excecional que foi, subsidiariamente, pedida pelos recorrentes-reclamantes.

Custas: a final.

Lisboa, 17.06.2025

Maria Olinda Garcia (Relatora)

Cristina Coelho

Anabela Luna de Carvalho