INSOLVÊNCIA
PROCESSO URGENTE
APENSAÇÃO
CONTAGEM DE PRAZO
CITAÇÃO
RÉU
PRAZO JUDICIAL
FÉRIAS JUDICIAIS
REQUERIMENTO
INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
CONTESTAÇÃO
BOA FÉ
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
TEMPESTIVIDADE
ADMISSIBILIDADE
Sumário


I. As ações apensadas ao processo de insolvência, nos termos do art. 85º do CIRE, passam a ter, a partir da apensação, carácter urgente, nos termos do art. 9º do mesmo diploma.
II. Tendo a ação caráter urgente, o prazo processual para contestar não se suspende durante as férias judiciais.
III. Se, em ação cível, pendente há vários anos, mas entretanto apensada a processo de insolvência de um dos réus, ao ser citado um terceiro para contestar, a citação:
- Omite informação que permita compreender ter sido o processo apensado a processo de insolvência, nomeadamente o despacho que o determinou;
- Faz-se acompanhar de um extenso rol de peças processuais datadas de anos anteriores, apresentadas sem qualquer constrangimento de prazos relativamente ao regime regra;
- Informa que o prazo da contestação não suspende nas férias judiciais; mas informa igualmente das datas em que ocorrem as férias judiciais, o que, considerando a utilidade e importância desta informação, sugere o efeito contrário da anterior, ou seja, que tais datas haveriam de ser tidas em conta na contagem dos prazos;
- Se o próprio tribunal não respeitou esse caráter urgente, apreciando o requerimento de intervenção de terceiros, decorridos mais de 4 meses.
IV- Não deve, nas circunstâncias, de acordo com um princípio da boa fé, censurar-se a parte que atuou confiada na aparência da não urgência do prazo para contestar, sendo essa confiança, porque justificada na própria atuação (ou omissão) do tribunal, merecedora de tutela jurídica.

Texto Integral


Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça

I. 1. Da admissibilidade da Revista

Nos presentes autos de verificação ulterior de créditos, apenso a insolvência, o Instituto dos Registos e do Notariado, IP, veio recorrer do acórdão de 29/10/2024, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, acórdão esse que confirmou o Despacho Saneador proferido pela primeira instância, nos termos do qual a contestação apresentada pelo Interveniente Principal, ora Recorrente, foi declarada “não escrita por intempestiva”.

Pretende o Recorrente desencadear o recurso de Revista comum ou normal e, subsidiariamente, o recurso de Revista excecional, sendo que, a primeira não foi liminarmente admitida pela Relatora e, a segunda, não foi admitida pela Formação em acórdão do STJ de 02-04-2025.

Sugere o acórdão da Formação, a recorribilidade da decisão nos termos dos artºs. 671º n.º 2, e 629º n.º 2, ambos do CPC e, fazendo uso da prerrogativa do art. 672 º nº 5 CPC, propõe o reexame dos pressupostos de admissibilidade da Revista comum, em razão dum fundamento interpretativo acolhido pela Formação, não contemplado no anterior Despacho singular, pelo que, tendo este acórdão feito cessar o caso julgado anterior sobre a admissibilidade da revista comum, cumpre reponderar:

Mostram-se verificados os requisitos de admissibilidade geral da revista, quais sejam, a legitimidade de quem recorre (art. 631º do CPC), a tempestividade do recurso (art. 638º), a sua admissibilidade em função do valor da causa e da sucumbência (art. 629º nº 1 do CPC), pelo que importa tão-só aferir, da sua admissibilidade específica em razão da natureza, do conteúdo da decisão e dos fundamentos invocados.

A Revista recai sobre a decisão da Relação que confirmou o Despacho Saneador proferido pelo Tribunal de primeira instância, nos termos do qual a contestação apresentada pelo Chamado como Interveniente Principal, ora Recorrente, foi declarada “não escrita por intempestiva”.

De acordo com as conclusões recursórias o Recorrente pretende que o Tribunal se pronuncie sobre:

(i) a questão de saber se, proferido despacho em que o Tribunal considerou a contestação apresentada pelo interveniente como intempestiva, se impunha que, previamente à prolação desse despacho, se ouvisse o interveniente interessado sobre tal questão, dando-lhe, oportunidade de se pronunciar sobre a mesma;

(ii) pese embora o processo tenha caráter urgente a partir da apensação a uma insolvência, o Tribunal não o tratou como processo urgente em diversos momentos da tramitação processual, além de que, na citação, omitiu elementos essenciais à compreensão da natureza urgente do processo. Assim, num exercício de boa fé o tribunal não podia censurar a falta de urgência quando ele próprio, por ação ou por omissão, não respeitara tal natureza, criando a convicção de que o processo não era urgente.

Convoca o Recorrente em abono da sua pretensão a jurisprudência do Supremo Tribunal firmada no Acórdão do STJ de 9/7/2014, proferido no P. 2577/05.5TBPMS-P.C3.S1, em cujo sumário se faz constar:

«1. As ações apensadas ao processo de insolvência, nos termos do art. 85º do CIRE, passam a ter, a partir da apensação, carácter urgente, nos termos do art. 9º do mesmo diploma: "tudo o que se relaciona com o processo é urgente, aí incluindo todos os incidentes, apensos e recursos".

2. Tendo uma ação apensada ao processo de insolvência nos termos do artº 85º do CIRE sido processada durante mais de seis anos após a apensação, sem que a questão da urgência fosse suscitada, é razoável e perfeitamente plausível que a parte admitisse que o entendimento do Tribunal fosse no sentido de que o processo não era urgente.

3. Aquele facto era, pelo menos, adequado a criar na parte a convicção de que o prazo de que dispunha para apresentar as alegações de recurso para o Tribunal da Relação não corria em férias, de acordo com o regime previsto no art. 144º nº 1 do CPC (então em vigor).

4. Esta convicção é fundada e legítima e merece, por isso, a tutela do direito, como se reconheceu, para situação similar, na fundamentação do AUJ deste Tribunal de 31.03.2009.

5. Estamos perante uma situação de confiança justificada, assente na boa fé e gerada pela aparência, que deve ser protegida, conduzindo à "preservação da posição nela alicerçada".

Mais invocou a jurisprudência do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, proferido em 31/3/2009, referido no anterior acórdão.

AUJ que uniformizou a jurisprudência no seguinte sentido:

«Os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente mesmo na fase de recurso».

Nele se sustentando a existência de um princípio da boa fé, que não pode ser exclusivo dos atos das partes, mas terá de abranger igualmente os atos dos magistrados. O julgador não deve proferir decisões que surpreendam as partes. Ou porque não foram debatidas, ou porque não se esperaria que as tomasse, atentas as posições processuais antes assumidas».

É inequívoco que o presente pedido de Revista tem como alvo um acórdão da Relação que aprecia uma decisão interlocutória da 1.ª Instância (revista continuada) que, por sua vez, apreciou uma questão adjetiva.

A resposta dada pela Relação à questão adjetiva está, no entender do Recorrente, em contradição com o citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, já transitado em julgado, proferido no domínio da mesma legislação, sem que tal divergência tenha sido sanada por acórdão uniformizador de jurisprudência a que o acórdão recorrido tenha aderido (alª b) do nº 2 do art. 671º).

Vejamos, pois.

A decisão em crise está prevista no art. 671 nº 2 alª b) do CPC, que dispõe:

«(…)

2 - Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista:

(…)

b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.»

Como refere Abrantes Geraldes in “Recursos em Processo Civil”, 7ª ed. p. 414:

“Estamos, nestes casos, perante uma contradição qualificada, de modo que a admissibilidade do recurso de revista vem permitir que a questão de direito adjetivo seja submetida ao terceiro grau de jurisdição a fim de permitir sanar a divergência jurisprudencial”.

Assim, pressupondo-se uma contrariedade com um acórdão do Supremo, a admissibilidade do presente recurso de decisão interlocutória de 1ª instância que verse sobre direito adjetivo, deverá ser aferida, pela via recursória do referido art. 671º nº 2 alª b), cujo teor literal não suscita dúvidas quanto à inclusão de tal divergência qualificada no seu âmbito de previsão, sem que ocorra obstáculo legal.

O Recorrente perspetivou ainda a possibilidade de recurso de revista, no âmbito do art. 629, nº 2, alª c), ao estabelecer ser sempre admissível recurso, nos diversos graus de jurisdição, independentemente do valor da causa e da sucumbência, quando tenha por finalidade a impugnação de decisões relativamente às quais seja invocado o desrespeito de acórdão de uniformização de jurisprudência (AUJ).

Para o efeito invocou o acórdão uniformizador do STJ de 31/3/2009, referido pelo Recorrente como uniformizador da mesma questão fundamental de direito e no domínio da mesma legislação.

Sucede que o mesmo tem um campo de incidência decisória fundamental diferente daquele que neste pedido de Revista se reclama. Naquele AUJ a questão decidenda consistiu em determinar se o carácter urgente dos procedimentos cautelares respeita a todas as suas fases, mormente, à da oposição do requerido. E decidiu-se de forma a realçar a natureza urgente dos procedimentos cautelares mesmo em fase de recurso.

Neste, não está em causa, do ponto de vista formal ou processual, a intempestividade da contestação em razão de um prazo urgente. O atual recurso visa libertar a apresentação da contestação da limitação adveniente de um prazo urgente, por imperativo legal, por via de uma prática judicial sugestiva de sentido contrário. Logo, pretende o atual recurso uma resposta casuística que não se contém na decisão uniformizada, proferida naquele acórdão.

E ainda que na fundamentação daquele AUJ, se recorra a uma interpretação extensiva do princípio da boa fé, a ele sujeitando o julgador, interpretação a que o ora Recorrente faz uso, tal interpretação sendo coadjuvante, não permite tomar por idêntica a questão fundamental de direito num e noutro caso.

Assim, a norma do art. 629, nº 2, alª c) do CPC não se mostra preenchida.

Subsiste a admissibilidade da Revista pela via do art. 671 nº 2 alª b) do CPC.

Vejamos, então, se se verifica a apontada contradição jurisprudencial sobre a mesma questão essencial de direito e no domínio da mesma legislação, entre o acórdão recorrido e o Acórdão do STJ de 9/7/2014, proferido no P. 2577/05.5TBPMS-P.C3.S1, indicado como acórdão fundamento.

O apuramento da contradição jurisprudencial obedecerá aos seguintes requisitos (de acordo com a síntese de Abrantes Geraldes, in «Recursos no novo Código de Processo Civil, 7.ª ed., Almedina, em anotação ao art. 629º):

i) A incidência de ambos os acórdãos sobre a mesma questão fundamental de direito;

ii) A contradição frontal entre as respostas dadas pelo acórdão recorrido e pelo acórdão fundamento;

iii) A essencialidade da questão de direito para o resultado das decisões em confronto;

iv) A identidade substantiva do quadro normativo em que se integra a questão de direito.

Ora, vistas as alegações da Recorrente, a nossa resposta é confirmativa quanto a esse preenchimento.

Ambos os acórdãos interpretam e aplicam nº 1 do art. 9º do CIRE, bem como das normas sobre a contagem de prazos em processos urgentes constantes do Código de Processo Civil, às ações apensadas ao processo de insolvência nos termos do art. 85.° do CIRE.

Ambos se debruçam sobre o efeito produzido na contagem dos prazos com a apensação ao processo de insolvência de uma ação até então, não urgente.

Ambos se debruçam pelo desrespeito pela parte de um prazo urgente, preclusivo.

Ambos se debruçam igualmente, mas com resultados opostos, sobre a relevância que pode ter no efeito preclusivo do prazo, o não respeito do caráter urgente do processo por parte do tribunal, enquanto circunstância apta a representar nas partes a confiança de que o processo não é urgente.

Assim, delimitado que seja o recurso a esse âmbito, o recurso de Revista vai admitido.

II. Relatório

1. Os presentes autos que, inicialmente, correram termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte-Juízo Central Cível de ... - Juiz ..., sob o nº 6314/12.0..., foram instaurados em 28-11-2012.

2. Nele são autores AA e mulher BB, aquele falecido na pendência do processo, relativamente ao qual correu termos incidente de habilitação e, são réus CC, DD, EE, FF, GG e a Caixa Geral de Depósitos, S.A..

3. Tendo os AA. deduzido os seguintes pedidos principais:

a) Ser declarada a nulidade ou a anulabilidade da procuração (…) utilizada pela 1ª R. CC, na outorga do contrato de compra e venda – Mútuo com hipoteca (…);

b) Dever ser declarada a nulidade – anulabilidade do registo da aquisição da fração «B», a favor do 4º R. FF e 5ª R. GG, bem como o registo das hipotecas a favor do 6º R. Caixa Geral de Depósitos, por falta de título de aquisição (…);

c) Em consequência da nulidade – anulabilidade da procuração dever ser declarada a nulidade ou a anulabilidade do contrato de compra e venda – Mútuo com hipoteca, outorgado no dia 14/07/2010, (…);

d) Ser declarada a nulidade ou a anulabilidade das hipotecas, outorgada no contrato já identificado na alínea anterior ( c ), do presente.

e) Proceder-se ao cancelamento dos registos de aquisição a favor dos 4º R (…),

f) Proceder-se ao cancelamento dos registos das hipotecas voluntárias constituídas pelos 4º e 5º R.R. a favor do 6º R. Caixa Geral de Depósitos, (…)

g) Serem as 1ª, 2ª e 3ª R.R. condenadas solidariamente a indemnizarem os A.A. a título de danos não patrimoniais na quantia de 10.000,00 € (dez mil Euros), (…)

h) Serem os R.R. condenados no pagamento das custas – taxas de justiça e demais despesas processuais.

4. Em 19-02-2018 foi proferido despacho naquele processo a remeter os autos ao Juízo de Comércio do ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, a fim de serem apensados ao Proc. n.º 3514/13.9..., o qual tem como insolvente, o aqui réu FF.

5. Em 21-03-2018 foram os autos remetidos para apensação “acompanhados de transferência eletrónica”.

6. Por despacho de 06-02-2023 foi ordenada a citação do interveniente INSTITUTO DOS REGISTOS E DO NOTARIADO.

7. Tal despacho tem o seguinte teor:

“Requerimento datado de 23 de Setembro de 2022 (N/REF. .....62):

Por estarem preenchidos os pressupostos elencados no artigo 318.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, o Tribunal decide admitir o chamamento do INSTITUTO DOS REGISTOS E DO NOTARIADO.

Cite o INSTITUTO DOS REGISTOS E DO NOTARIADO, nos termos do artigo 319.º do Código de Processo Civil”.

8. Em 08-02-2023 foi expedida carta registada com A/R para citação do Instituto dos Registos e Notariado - I.P., dirigida para o Campus da Justiça, Edifício H, Av. D. João II, N.º 1.08.01, 1990-097 Lisboa, com a Referência: ......92 /Ação de Processo Ordinário 3514/13.9.../ Tribunal Judicial da Comarca da Madeira/Juízo de Comércio do ... - Juiz ..., com o seguinte texto impresso no auto enviado:

“Autor: AA

Réu: CC

Data: 08-02-2023

Assunto: Citação por carta registada com AR

Fica por este meio V. Ex.ª citado nos autos acima identificados, de que foi requerida e admitida a sua intervenção como parte principal, podendo, querendo, no prazo de 30 dias oferecer o seu articulado ou fazer a declaração de que faz seus os articulados da parte a que se associa.

A citação considera-se efetuada no dia da assinatura do AR.

O prazo é contínuo não suspendendo nas férias judiciais.

Ao prazo de defesa acresce uma dilação de: 15 dias.

No caso de pessoa singular, quando a assinatura do Aviso de Receção não tenha sido feita pelo próprio, acrescerá a dilação de 5 dias (art.º s 228.º e 245.º do CPC).

Terminando o prazo em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte

Fica advertido de que sim é obrigatória a constituição de mandatário judicial.

Juntam-se para o efeito, as cópias dos articulados já oferecidos.

Mandatário/s:

(…)

Mais constam impressas as seguintes informações:

“• As férias judiciais decorrem de 22 de Dezembro a 3 de Janeiro; de domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 16 de Julho a 31 de Agosto.

• Nos termos do art.º 40.º do CPC é obrigatória a constituição de advogado nas causas da competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário; nas causas em que seja admissível recurso, independentemente do valor; nos recursos e nas causas propostas nos tribunais superiores.

• Indicar na resposta a referência deste documento e o n.º de processo

• A apresentação de contestação, implica o pagamento de taxa de justiça autoliquidada. Sendo requerido nos Serviços de Segurança Social benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, deverá o citando, juntar aos presentes autos, no prazo da contestação, documento comprovativo da apresentação do referido requerimento, para que o prazo em curso se interrompa até notificação da decisão do apoio judiciário”.

9. Com a citação foi enviada ao citando/apelante cópia das seguintes peças processuais:

- Petição inicial apresentada pelos autores (em 28-11-2012);

- Requerimento probatório apresentado pelos autores (em 28-11-2012);

- Requerimento apresentado pelos autores alusivo a pedido de certidão para efeitos de registo da ação na Conservatória do Registo Predial das Caldas da Rainha (em 28-11-2012);

- Contestação apresentada pela CGD (em 30-09-2013), no processo com o número 6314/12.0..., ao qual foi dirigida;

- Contestação apresentada pela ré CC (em 30-09-2013), no processo com o número 6314/12.0..., ao qual foi dirigida;

- Procuração forense junta pela ré EE (em 13-10-2013), no processo com o número 6314/12.0..., ao qual foi dirigida;

- Contestação apresentada pelos réus FF e GG (em 15-10-2013), no processo com o número 6314/12.0..., ao qual foi dirigida;

- Contestação apresentada pela ré EE (em 21-10-2013), no processo com o número 6314/12.0..., ao qual foi dirigida;

- Ata de audiência prévia realizada em 25-05-2017 no processo número nº 6314/12.0...

- Contestação apresentada pelo Ministério Público, em representação do “Estado Português (IRN, LP. Instituo dos Registos e do Notariado, instituto público” (em 04-01-2018), no processo com o número 6314/12.0..., ao qual foi dirigida;

- Ata de audiência prévia realizada em 15-09-2022 no processo nº 3514/13.9..., constando do respetivo cabeçalho timbre indicando: “Tribunal Judicial da Comarca da Madeira/ Juízo do Comércio do ...- Juiz ...”; constando ainda menção da presença, nomeadamente do “Administrador da Insolvência: Dr. HH”:

- Cópia do despacho proferido em 06-02-2023, no processo 3514/13.9..., constando do respetivo cabeçalho timbre indicando: “Tribunal Judicial da Comarca da Madeira/ Juízo do Comércio do ...- Juiz ...”.

10. O Interveniente foi citado em 23-02-2023.

11. Aquando da citação não foi entregue ao citando cópia do despacho que ordenou a apensação do processo em causa aos autos de insolvência, não se fazendo qualquer alusão nem ao despacho proferido na referida “ação ordinária” que correu termos, antes da apensação, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte-Juízo Central Cível de ... - Juiz ..., com o número 6314/12.0..., nem ao despacho proferido no processo de insolvência, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira/ Juízo do Comércio do ...- Juiz ...”, com o número nº 3514/13.9..., que determinou a referida apensação.

12. O Interveniente Instituto do Registos e do Notariado apresentou a sua contestação em 19-04-2023.

13. A 1ª instância por despacho de 05-05-2024 declarou tal contestação como “não escrita, por intempestiva”, por não ter sido tomado em consideração que, tendo o processo apensado a insolvência caráter urgente “[o] prazo é contínuo não suspendendo nas férias judiciais”, tendo ocorrido um excesso de prazo de 6 dias.”

Mais se colhe dos autos:

O Interveniente recorreu de apelação, do despacho aludido em 13.

O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão julgando improcedente a apelação, confirmando o despacho recorrido.

De novo inconformado veio o Interveniente recorrer, culminando as suas alegações de Revista com as seguintes conclusões:

A) O presente Recurso de Revista tem por objeto o Douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que recaiu sobre o recurso interposto pelo ora Recorrente, do Despacho Saneador proferido pelo Tribunal de primeira instância, nos termos do qual a Contestação apresentada pelo Chamado como Interveniente Principal e aqui Recorrente, foi declarada como “não escrita por intempestiva”.

B) Na perspetiva do ora Recorrente, o DA recorrido procedeu a uma errónea interpretação e aplicação do direito, nomeadamente do disposto nos artigos 219.º n.º 3 do CPC, 3.º n.º 3 do CPC, 547.º conjugado com o artigo 6.º do CPC e artigos 2.º, 13.º, 18.º n.º 2, 20.º, e 202.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa;

C) A questão fundamental em discussão reporta-se à apreciação da tempestividade da apresentação do articulado de Contestação pelo Interveniente Principal, e ora Recorrente, considerando os princípios legais e constitucionais do Estado de Direito, da Realização da Justiça, da igualdade, de acesso ao direito, a uma tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo, da certeza, da segurança jurídica, da confiança, da boa fé, da proporcionalidade, do contraditório, em face de decisão no despacho saneador, proferido em 1.ª instância, e que o DA confirmou, com fundamento no carácter urgente dos autos, tendo o processo sido tratado como não urgente, além de se verificar omissão grave da citação que não continha os elementos, documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objeto, razão pela qual o Recorrente firmou a convicção e legítima expectativa da não sujeição ao regime de prazos urgentes.

D) Inconformado, porém, o Recorrente discorda do juízo formado pelo Douto Tribunal a quo, nos pressupostos em que assenta a sua decisão. Vejamos;

E) O Recorrente consubstanciou a invocação e demonstração dos seguintes postulados:

F) Os presentes foram instaurados em 28/11/2012, com vista, por um lado, a declaração de “… nulidade ou anulabilidade “ da procuração outorgada pelos Autores à 1ª Ré CC – por erro na vontade declarada dos autores, que desconheciam o conteúdo e os efeitos do ato que subscreveram, e também por vício de forma –; do contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca celebrado em 14.07.2010, na Conservatória do Registo Predial de Caldas da Rainha, e dos registos de aquisição e de hipoteca das frações A e B do prédio descrito sob o n.º .66, da freguesia e concelho de ... (cujo cancelamento também se peticiona);

G) A ação Declarativa sob a forma de processo ordinário, foi apresentada no Tribunal Judicial de Família e Menores e de Comarca de ..., aí tendo sido distribuída sob o Processo n.º 6314/12.0..., ao ....º Juízo Cível do identificado tribunal.

H) Os identificados Réus, após citação, durante o ano 2013, apresentaram as respetivas contestações, e a ação prosseguiu os seus trâmites;

I) Após várias vicissitudes processuais, que determinaram a modificação subjetiva da instância, por várias vezes, além da remessa e redistribuição dos autos a vários tribunais, foi o ora Recorrente, na sequência de despacho que admitiu incidente de chamamento deduzido nos termos e ao abrigo do artigo 318.º, n.º 1, alínea a) do CPC, deduzido pelos Autores, proferido em 6 de fevereiro de 2023, sob a Ref.ª CITIUS ......94, que também ordenou a respetiva citação, citado como interveniente principal, no passado dia 23 de fevereiro de 2023.

J) Da citação rececionada pelo Recorrente e, como elementos destinados a dar conhecimento ao aqui Recorrente de que havia sido chamado a intervir, para se defender como litisconsorte da Ré EE, a título necessário, pela primeira vez na presente causa, os melhor supra descritos, que aqui se tem por reproduzidos.

K) Salientando-se, com relevância para a apreciação da questão que, a citação não obstante a menção à não suspensão dos prazos em férias judiciais, na realidade não continha todos os elementos, articulados e documentos necessários à plena compreensão do seu objeto, conforme preceituado nos termos do artigo 219.º n.º 3 do CPC;

L) Tudo, num total de 296 folhas, e que apesar de provir do Juízo de Comércio do ..., do Tribunal da Comarca da Madeira, não contém qualquer menção a despacho ou decisão de apensação dos presentes a Processo de Insolvência ainda em curso, que permitisse, de imediato, concluir estar o presente processo sujeito ao regime de prazos urgentes, ao abrigo do artigo 9.º do CIRE;

M) Pelo contrário, a única menção à insolvência, trazida, através da citação, ao conhecimento do aqui Recorrente, reporta-se à insolvência da Ré identificada em 2.º lugar, no articulado inicial apresentado em 28/11/2012, II, cujo processo se encontrava já extinto, constante de despacho exarado na Ata da Audiência Prévia realizada em 25/5/2017, ie quase seis anos antes da citação do IRN,IP, aqui Recorrente.

N) Efetivamente, só em data posterior à da apresentação da Contestação, que pela decisão ora recorrida, foi declarada intempestiva, foi possível constatar que além da insolvência da 2.ª Ré II, encerrada em 2017, existia o processo de insolvência também do Réu FF, ao qual, afinal, a ação de processo ordinário, com vista a declaração de nulidade de atos e negócios jurídicos praticados pelos Autores, corre por apenso.

O) De onde, e sem qualquer alusão, ou sem que da citação constasse qualquer elemento, cópia, documento ou peça do processo alusiva à pendência ou decurso de processo de insolvência, o qual, remontará ao ano 2013, nem à apensação requerida por administrador de insolvência, estado do dito processo de insolvência, fundamento admitido para a referida apensação; e,

P) Sendo este momento – o da citação – em que o aqui Recorrente, fundamentada e legitimamente assentou a sua convicção, de que constava tudo o que era necessário à plena compreensão do seu objeto;

Q) Porém, assim não sucedeu, antes se vindo a constatar ter existido sonegação de informação essencial que contraria o preceito do n.º 3 do artigo 219.º do CPC, suscetível de determinar a nulidade da própria citação;

R) Situação esta que se revela seriamente lesiva dos direitos de defesa do Recorrente, impedido do exercício da melhor defesa, por efeito direto da deficiência da citação.

S) Ora, entende o Recorrente, contrariamente à posição firmada pelo Acórdão do Venerando Tribunal da Relação a quo que, não basta referir que, porque da nota de citação constava menção à não suspensão dos prazos em férias, não pode o Recorrente invocar erro desculpável, quando do teor da citação efetuada em violação do preceituado pelo n.º 3 do artigo 219.º do CPC, (além do modo como foram processados os autos) resultava exatamente o oposto.

T) Tendo o Recorrente e sua mandatária dado prevalência aos elementos da citação, que também por lei expressa – o artigo 219.º n.º 3 do CPC determina que fosse efetuada acompanhada de todos os elementos dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objeto, o que não se verificou.

U) Conjugado com a circunstância de que, reitera-se, tendo sido instaurada em Novembro de 2012, e tendo sido redistribuída, em 2013 por incompetência relativa, e outra vez redistribuída, como apenso, em 2018, ie, cerca de 5 anos antes da citação;

V) Bem como, verificando-se, face aos elementos remetidos junto com a citação, designadamente, a ata da sessão de audiência prévia realizada em Setembro de 2022, da qual resultou a absolvição da instância do interveniente principal Estado Português, e endereçado aos Autores, o 2.º convite para regularizarem a instância suprindo, pela segunda vez, a mesma exceção dilatória de falta de legitimidade passiva, o decurso de quase 5 meses, até ser tal incidente objeto de decisão por parte do douto tribunal de 1.ª instância.

W) Não pode o Recorrente deixar de salientar que, aos Autores, nos autos, desde 2012, têm vindo a ser concedidos sucessivamente meios no sentido da correção das irregularidades processuais em que têm incorrido, de modo a assegurar-lhes que a questão de mérito não deixe de ser conhecida em virtude desses erros ou vícios: redistribuição dos autos por incompetência relativa; um primeiro convite ao suprimento da falta de legitimidade passiva, mediante incidente de intervenção provocada do Estado Português; o qual, por não ser o correto, deu azo ao segundo convite ao suprimento de ilegitimidade passiva singular do Estado Português, e plural, da Ré EE; e até, o convite à própria apensação dos autos ao processo de insolvência, cujo impulso partiu do juiz do presente processo!

X) -Ora, preceitua, também, a lei expressa, o princípio da igualdade, seja nos termos gerais constantes do n.º 1 do artigo 13.º assim como, do artigo 20.º n.º 4 da Lei Fundamental, os quais são concretizados nos termos do disposto pelo artigo 4.º do CPC;

Y) Porém, a igualdade, proporcionalidade e equidade no tratamento da posição e intervenção processual do Recorrente não foi observada.

Z) Ainda em sentido inverso ao do douto aresto recorrido, o Recorrente sustenta a sua convicção, reitera, num amplo conjunto de fatores conjugados entre si, como sejam, a circunstância de na citação promovida pelo douto Tribunal, nunca ter sido feita qualquer referência à natureza urgente deste processo, ou sequer, à apensação dos autos a processo de insolvência – veja-se que, a competência dos Juízos de Comércio não se limita à apreciação de processos de insolvência, e que do mesmo modo omissivo, surgiu nos presentes autos, como Ré, uma sociedade que inicialmente não foi demandada, também ao que nenhuma referência, elemento ou conhecimento foi dado ao Recorrente - o que determinou o Recorrente a agir na convicção de que tal circunstância não se verificava.

AA) Reputa, assim, o Recorrente, razoável e justificada a sua convicção ainda que – sem conceder, assente em erro, o qual a existir haverá, smo, de se considerar desculpável, e em respeito pelos princípios constitucionais do Estado de Direito Democrático, da Igualdade, da Justiça, da Segurança Jurídica, da Confiança, da Boa-fé, da Proporcionalidade, do Acesso ao Direito e de Tutela Jurisdicional efetiva a um processo equitativo, atendível.

BB) De resto, a complexidade e dificuldades que para a Mandatária do Recorrente resultaram, na apreensão dos contornos da presente causa, surgiram, também para os Meritíssimos Juízes a quem, ao longo da última década, se encontraram distribuídos os autos, como muito bem ilustra o teor do despacho proferido em 17/10/2017 – e nunca notificado ou dado a conhecer ao aqui Recorrente antes do oferecimento da Contestação, e no qual apenas após notificação do Douto Despacho Saneador recorrido, atentou, onde se consignou, e cita-se:

CC) Determinou a firme convicção, por parte do Recorrente, que o presente processo não estaria sujeito a qualquer regime de prazos urgentes – pois, se durante cerca de 10 anos, ou pelo menos, durante os últimos 6 anos o não esteve…

DD) Mais! Apesar da natureza urgente dos processos de insolvência, e por força do artigo 9.º, n.º 1 do CIRE, todos os seus incidentes, apensos e recursos, gozando de precedência sobre o serviço ordinário do tribunal, tal parece nunca se ter verificado, pois que, só após decorridos mais de 10 anos, os autos foram saneados, e no que respeita ao próprio administrador da insolvência temos a salientar o despacho de fls. 14 de fevereiro de 2014, atrás transcrito, bem como o de 23/10/2017, sob a Ref.ª CITIUS ..........50, o que demonstra nunca nenhuma urgência ter sido manifestada pela conduta processual do próprio Administrador de Insolvência, tendo, pelo menos, ao longo de mais de 1 ano, o J6 do Juízo Central Cível de ..., sucessivamente insistindo para que apresentasse pedido de apensação dos presentes autos …

EE) Da análise dos autos eletrónicos, apenas possível após o oferecimento da Contestação, e sem qualquer motivo ou causa razoável que impusesse a sua consulta prévia, por parte do ora Recorrente, verificou-se que a remessa dos presentes autos, ao Juízo de Comércio do ... ocorreu em 21/3/2018 – cfr. ofício registado sob a Ref.ª CITIUS .......66;

FF)– Passariam, assim, os autos, ao regime de prazos urgentes, conforme estipulado pelo artigo 9.º do CIRE, porém, o Douto Tribunal, apenas em 6 de Fevereiro de 2023, ie 5 anos após, admitiu o incidente de intervenção do ora Recorrente, requerido pelos Autores, suscitado em 2017, ordenando a sua citação.

GG)– Sublinha-se: sem ter dado a conhecer qualquer das vicissitudes, despachos e decisões respeitantes à existência do processo de insolvência, à apreensão dos imóveis objetos dos autos, para a massa insolvente, e da respetiva apensação.

HH) Em face do exposto, somos a concluir que tendo a presente ação sido processada durante mais de seis anos após a apreensão dos imóveis a que respeita o objeto dos presentes autos, para a massa insolvente, e quase 5 anos, desde a sua remessa para apensação e a citação do ora Recorrente, sem que, nessa Citação seja feita alusão sequer à existência do processo de insolvência – a não ser àquele declarado findo e encerrado – e respetiva apensação, sem que tivesse sido observado, determinado ou cumprido, pelo próprio Tribunal e demais partes intervenientes, em regime de prazos urgentes e sem que a questão da urgência fosse suscitada, entende o Recorrente, ser absolutamente plausível o seu entendimento, e convicção de que o não era.

II) Não o tendo sido efetivamente, para qualquer das partes intervenientes;

JJ) Não o tendo sido para o Administrador de insolvência;

KK) Estando o IRN,IP aqui Recorrente, investido de uma posição processual secundária, indireta, pois que não é Réu, antes terceiro chamado a intervir com vista evitar os efeitos da exceção de falta de legitimidade passiva de uma das Rés demandadas, resultante de preterição do litisconsórcio necessário, e para suprir a falta de legitimidade passiva do Estado Português demandado, primeiramente, como interveniente principal;

LL) Não será, também, smo, despiciendo considerar que a natureza da presente ação, declarativa sob a forma de processo ordinário, se haverá de ter como diferente da dos típicos apensos do processo de insolvência, especialmente previstos na lei, instaurados e processados na pendência de tal género de processo.

MM) O conhecimento de outros elementos dos autos, por parte do Recorrente relacionados com a insolvência só foi possível após a apresentação da contestação, momento em que foi a mandatária aqui subscritora associada aos autos eletrónicos.

NN) Razões pelas quais, aqui reitera o Recorrente que, sendo mandatário, por indicação expressa do legislador, aquando da sua citação para os presentes autos, tivessem sido colocados à sua disposição todos os elementos necessários a conhecer cabal e integralmente os aspetos do processo e à plena compreensão do seu objeto, tal não se verificou em face das insuficiências e omissões da citação efetuada;

OO) Não podendo deixar de destacar que a menção à não suspensão do prazo em férias judiciais, constante da nota de citação – a qual se pode entender, como sucedeu in casu, como ato meramente normativizado, pois que contrariado pelo conteúdo e, sobretudo, pela aparência e tramitação concreta do processo - mas tida pelo Venerando Tribunal a quo como determinante para a decisão proferida, revela uma opção pelo formalismo sobre a substância, em manifesta contradição com os princípios vigentes em matéria de realização e administração da Justiça;

PP) Esvaziando, o conteúdo e exercício do direito de defesa do Recorrente, comportando violação da lei expressa e da norma do n.º 3 do artigo 219.º do CPC.

QQ)Ao exposto acresce, ainda, a complexidade, vastidão de elementos e hiato de tempo decorrido desde a interposição da ação e a citação do aqui Recorrente.

RR) Mais está o Recorrente convicto de que, a intempestividade e não admissibilidade da Contestação por si oferecida, 6 dias após o terminus do prazo aplicável por força do artigo 9.º n.º 1 do CIRE não é suscetível de lesar nem, violar as regras do contraditório, nem quaisquer expectativas juridicamente relevantes da contraparte.

SS) Mais havendo a salientar que do teor da contestação apresentada pelo IRN,IP, resulta, de forma inequívoca, o total desconhecimento da existência do processo de insolvência do co-Réu FF, circunstância esta, comprovada, desde logo, pelo facto de ter sido deduzida exceção dilatória de incompetência material do tribunal, assim como de incompetência relativa em razão do território, sem qualquer menção ou impugnação no que respeita à efetiva existência ou procedência da necessária conexão, para efeitos de apensação dos presentes autos ao referido processo de insolvência.

TT) Em face do que, a atuação processual por parte do Recorrente, radicada na sua legítima e fundada convicção de que interveio nos autos nos termos que seriam os devidos, ter-se-á como valorizável no domínio da boa fé, confiança legitima, e tutela do direito de defesa….

UU) Reforça o Recorrente, smo, que a sua convicção é fundada e legítima, e por tal, merecedora da tutela do direito, de resto, convocando como fundamento para a Apelação interposta, e em abono da sua tese, a jurisprudência deste Venerando Supremo Tribunal firmada no Acórdão do STJ de 9/7/2014, proferido no Processo n.º 2577/05.5TBPMS-P.C3.S1, onde se decidiu que:

“ Tendo uma ação apensada ao processo de insolvência nos termos do art.º 85º do CIRE sido processada durante mais de seis anos após a apensação, sem que a questão da urgência fosse suscitada, é razoável e perfeitamente plausível que a parte admitisse que o entendimento do Tribunal fosse no sentido de que o processo não era urgente.

3. Aquele facto era, pelo menos, adequado a criar na parte a convicção de que o prazo de que dispunha para apresentar as alegações de recurso para o Tribunal da Relação não corria em férias, de acordo com o regime previsto no art. 144 do CPC (então em vigor).

4. Esta convicção é fundada e legítima e merece, por isso, a tutela do direito, como se reconheceu, para situação similar, na fundamentação do AUJ deste Tribunal de 31.03.2009.

5. Estamos perante uma situação de confiança justificada, assente na boa fé e gerada pela aparência, que deve ser protegida, conduzindo à "preservação da posição nela alicerçada".

VV) E prosseguindo o idêntico sentido da jurisprudência firmada no Douto Acórdão atrás referido, temos que o fundamento invocado pelo Recorrente no sentido da violação da confiança que reputa legítima, porque assente na boa fé e gerada pelo modo como foi, por um lado, tramitada a ação, durante longo e excessivo tempo, sob a direção do Juiz, e por outro, em face das comprovadas deficiências da citação, associada à negação do contraditório, encontra inegável respaldo nos princípios da prevalência do fundo sobre a forma, e a conceção do processo como mero instrumento para ser alcançada a verdade material e a justa composição do litígio, e a primordial realização da Justiça.

WW) E que, apesar de a própria fundamentação do douto Acórdão Recorrido, manifestar expresso acolhimento e concordância à tese sustentada pelo Recorrente a qual se encontra, também, espelhada no douto Acórdão Uniformizador de Jurisprudência deste Venerando Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 31/3/2009;

XX) O douto Aresto ora recorrido, prolata a solução do invés, após se ter estribado no oposto, num excesso de formalismo em total detrimento da questão essencial com relevância para o caso concreto.

YY) Salienta-se, também, que o douto Acórdão recorrido inclusivamente dá nota expressa de que – e cita-se – [17] Não pode deixar de causar estranheza que a juiz tenha admitido o presente recurso atribuindo-lhe efeito meramente devolutivo, como se assinalou e posteriormente, em 30-09-2024, profira despacho com o seguinte teor, sendo que esse é o último despacho proferido pela 1ª instância no apenso D, que não teve qualquer outra tramitação: “Considerando que a regular tramitação dos presentes autos e o respetivo julgamento a realizar depende da admissão ou não da contestação deduzida pelo INSTITUTO DO REGISTOS E DO NOTARIADO, o Tribunal decide ordenar que os autos aguardem a decisão a proferir no âmbito do recurso interposto, que corre termos sob o n.º 3514/13.9....”

ZZ) Sendo na perspetiva do Recorrente, manifesto o sentido da interpretação de tal atuação e despacho proferido pelo Tribunal de 1.ª instância, equivalendo ao reconhecimento de que existe justificação para a situação de confiança, assente na boa fé e gerada pela aparência e modo como a ação foi processada, veemente proclamada pelo Recorrente.

AAA) Não constituindo a letra da lei o único critério, e no caso presente, sequer, determinante para a aplicação do Direito ao caso concreto, forçoso será concluir, salvo o devido respeito, que a decisão proferida pela 2.ª Instância, posterior ao do reconhecimento manifestado pela 1.ª Instância, fere gravemente o princípio da confiança em que se alicerça o fim último da realização da Justiça.

BBB) Tendo como pressuposto tudo quanto ficou anteriormente alegado, perfilha o Recorrente entendimento de que o caso sub judice impõe à presente Instância de Revista que reconduza a questão ao essencial – ie, assegurar que a todos é assegurado o acesso ao Direito e que a todos é assegurado o direito a que a causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo, tal como expressamente consagrado no artigo 20.º, ns 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa.

CCC) Ora, no princípio, o Estado visa a realização da Justiça, da Segurança e Bem Estar dos seus cidadãos, sendo que contornando intencionalmente a discussão doutrinária a respeito da prevalência dos mencionados valores, podemos afirmar que a Justiça se encontra indissociada da segurança, em particular, da Segurança Jurídica;

DDD) Sendo a segurança jurídica inquestionavelmente prejudicada, quando a confiança é lesada, como sucedeu no caso sub judice em consequência das decisões proferidas quer pela 1.ª Instância, quer pela 2.ª Instância as quais, smo, contrariam ostensivamente a segurança e justiça do processo, face ao circunstancialismo em que o mesmo foi, pelo longo período de dez anos, tramitado.

EEE) Para mais, a decisão da 2.ª Instância carece, smo, de coerência lógica e sistemática, descura a decisão sobre a questão de fundo – reconhecimento de que a longa tramitação da ação após a apensação ao processo de insolvência, a qual nos seus aspetos processuais e materiais foi totalmente omitida ao Recorrente, determinante de relevantes investimentos de confiança, assentes na boa fé, gerada pelo Recorrente;

FFF) Sendo merecedora, smo, de censura, por não admitir ao Recorrente a prática de um ato particularmente importante na perspetiva dos seus direitos de defesa, tal censurabilidade manifesta-se, também, no plano geral, com relevância para toda a sociedade, porquanto a decisão assenta apenas na prevalência do aspecto formal sobre a substância;

GGG) Verificando-se, em consequência, abalada a segurança e confiança jurídica das pessoas físicas e jurídicas, e comprometido o princípio da realização da Justiça.

HHH) Também o legislador, nas recentes reformas dos diferentes códigos processuais, tem vindo a privilegiar a prevalência do fundo sobre a forma e, por isso, a admitir uma cada vez maior intervenção dos órgãos judiciais no sentido da correção das irregularidades processuais em que as partes tenham incorrido de modo a que a questão de mérito não deixe de ser conhecida em virtude desses erros ou vícios de processamento.

III) Impõe-se, todavia, salvo o devido respeito, face às circunstâncias concretas do caso sub judice, uma ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso - e não na aplicação de critérios normativos - que justificam, limitar ou suavizar os efeitos da decisão, envolvendo uma aplicação integral da lei positiva: o sistema jurídico confere à equidade um papel flexibilizador do rigor do Direito positivo, habilitando a derrogação aplicativa das suas soluções normativas, substituindo-as por decisões mais conformes à justiça do caso concreto.

JJJ)A decisão do Tribunal a quo de julgar intempestiva a Contestação do Recorrente com fundamento exclusivo no carácter urgente dos autos ao abrigo do art. 9.°, n.º 1 do CIRE contraria, de forma manifesta e ilegítima, a segurança jurídica do caso concreto e as legítimas expectativas criadas pelas partes, maxime, pelo Recorrente

KKK) Esta decisão interpreta e aplica erradamente normas substantivas e viola os princípios da confiança, da boa fé processual, da cooperação, da proporcionalidade, do contraditório, do acesso ao direito, bem como do direito a uma tutela efetiva e a um processo equitativo.

LLL) De resto, este Venerando Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou em acórdão de uniformização de jurisprudência no sentido da proteção da confiança da parte, admitindo a prática de um ato que, se o processo fosse urgente e os respetivos prazos corressem em férias judiciais, seria extemporâneo.

MMM) O princípio da proporcionalidade também é posto em causa na decisão ora impugnada, já que não se justifica a aplicação da restrição das garantias de defesa do art. 9.° do CIRE a esta ação. O não conhecimento dos fundamentos e meio de defesa apresentados, em concreto, pelo Recorrente, por apresentação da Contestação escassos dias após o (suposto) termo do prazo com fundamento na pretensa urgência do processo é uma sanção manifestamente desproporcional face à utilidade que poderia ter tido a apresentação de tal peça processual, uns escassos 6 dias antes.

NNN) Efetivamente, o presente processo nada tem de urgente, e o período de apenas 6 dias de suposto atraso na apresentação da Contestação não prejudicou certamente a célere tramitação de um processo em que os atos de secretaria e as decisões de mero expediente levam meses e anos a ser praticados. Há ofensa do princípio da proporcionalidade pois a norma de preclusão é interpretada e aplicada rigidamente, sem ter em conta que a finalidade da preclusão é o andamento célere do processo e que este não é atingido quando o tribunal excede largamente os seus prazos;

OOO) Acresce, também, que pelo facto de não ter sido possibilitado o prévio contraditório do Recorrente, a fim de demonstrar a inexigibilidade do conhecimento do regime de prazo urgente a que os autos se encontrava sujeito, não podendo razoavelmente contar com a decisão proferida pelo Tribunal a quo – se encontra a decisão recorrida ferida de nulidade por violação do artigo 3.º, n.º 3 do CPC;

PPP) Cumprirá, ainda, convocar o convocar o instituto do Abuso de Direito, o que consistindo em matéria de conhecimento oficioso por parte das Instâncias, e no vício de que por esta via o Acórdão ora recorrido também enferma, porquanto consubstancia e acoberta o “exercício disfuncional de posições jurídicas.”.

Vejamos,

QQQ)Assente nos ensinamentos doutrinários do Professor de Direito, Doutor António Menezes Cordeiro, temos que “o princípio da confiança surge como uma mediação entra a boa-fé e o caso concreto. Ele exige que as pessoas sejam protegidas quando, em termos justificados, tenham sido levadas a acreditar na manutenção de um certo estado de coisas. Várias razões depõem nesse sentido. Em termos antropológicos e sociológicos, podemos dizer que, desde a sedentarização, a espécie humana organiza-se na base de relacionamentos estáveis, a respeitar. No campo ético, cada um deve ser coerente, não mudando arbitrariamente de condutas, com isso prejudicando o seu semelhante. Juridicamente, a tutela da confiança acaba por desaguar no grande oceano do princípio da igualdade e da necessidade de harmonia, daí resultante: tratar o igual de modo igual e o diferente de forma diferente, de acordo com a medida da diferença. Ora, a pessoa que confie, legitimamente, num certo estado de coisas não pode ser vista como se não tivesse confiado: seria tratar o diferente de modo igual”.(MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha in Litigância de Má-Fé, abuso de Direito de ação e Culpa “In Agendo”, Livraria Almedina-Coimbra, 2014, pgs. 107).

RRR)E, no respeitante ao direito civil português, no que se refere à existência de factos geradores de confiança, elucida o identificado Professor que “a confiança é protegida quando se verifique a aplicação de um disposto específico a tanto dirigido ou quando os valores fundamentais do sistema, expressos como boa-fé ou sob outra designação, assim o imponham.”

SSS) Encontrando-se o instituto do Abuso de Direito consagrado nos termos estatuídos pelo artigo 334.º do CCivil, o qual dispõe: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”

TTT) Entendendo-se a boa fé, numa perspetiva objetiva, e concretizada nos princípios da tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente.

UUU) Por fim, resulta como elemento constitutivo do abuso de direito, a presença de um direito subjetivo, numa aceção ampla, de modo a abranger de forma extensa e residual as atuações contrárias à boa fé, refletidas na dimensão do desequilíbrio no exercício dessas posições jurídicas.

VVV) O que o DA prolatado e aqui recorrido contraria, olvidando que existe distinção relevante para a valoração, no caso em concreto, do equilíbrio entre as posições jurídicas, entre lei e Direito – no que o Recorrente respaldou a sua tese de recurso, ao invocar abundantemente, a tutela da Confiança.

WWW) Concluindo-se, nesta sede, pelo entendimento de que o douto Acórdão recorrido, enferma dos vícios de violação de lei, no que respeita à interpretação e aplicação da norma do n.º 3 do artigo 219.º do CPC;

XXX) Assim como enferma, smo de vício de abuso de direito, ao ter ancorado a decisão final prolatada na primazia do formalismo por oposição do princípio que se impunha observar da primazia da materialidade subjacente.

YYY)Ao confirmar o despacho que decidiu da intempestividade da apresentação da Contestação apresentada pelo Recorrente, o Acórdão ora recorrido e a interpretação e aplicação que faz do disposto pelo n.º 3 do artigo 219.º do CPC mostra-se, smo inquinado de inconstitucionalidade, por violação do disposto pelo artigo 334.º do Cód Civil, e por violação dos princípios do Estado de Direito, da Igualdade, do Contraditório, do Acesso ao Direito, da Tutela Jurisdicional efetiva, da Confiança e Segurança Jurídicas, da Boa Fé, da proporcionalidade, e da equidade, consagrados nos termos dos artigos 2.º, 13.º, 18.º, 20.º e 202.º da Constituição da República Portuguesa, bem assim da norma – o que aqui expressamente se invoca.

ZZZ) Tais normas deveriam ser interpretadas e aplicadas no sentido da admissão da Contestação apresentada pelo Recorrente, no circunstancialismo amplamente descrito, face à obrigatoriedade de a citação ser acompanhada de todos os elementos, cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objeto, conforme preceituado pelo n.º 3 do artigo 219.º do CPC.

AAAA) Razões, face às quais, expressa o Recorrente o entendimento de que, por ferido de violação do direito ao contraditório – nunca tendo o Recorrente sido notificado para se pronunciar quanto à intenção ou possibilidade de declaração da intempestividade do oferecimento da sua contestação – bem como, por violação dos princípios processuais da confiança, boa fé, cooperação, proporcionalidade e, em grave violação dos direitos constitucionais de defesa constitucionalmente garantidos, como sejam o Direito à realização da Justiça, o direito ao Acesso ao Direito e à Tutela Jurisdicional Efetiva, o direito à igualdade, consagrados nos artigos 2.º, 13.º, 18.º, 20.º e 202.º n.º 2 da CRP, deverá o douto Acórdão recorrido, que julgou improcedente a Apelação ser revogado, mais se determinando a admissibilidade da contestação apresentada pelo Recorrente, e conhecimento de todas as exceções na mesma invocadas, com consequente juízo de procedência.

Assim fazendo a devida interpretação e aplicação da lei, bem como a concordância de julgados.

Não foram apresentadas contra-alegações.

III. Objeto do recurso

São as conclusões das alegações do recorrente que delimitam o objeto do recurso pelo que o tribunal ad quem, excetuadas as que lhe cabem ex officio, só pode conhecer as questões contidas nessas mesmas conclusões (artigos 684.º, n.º 3, e 690.º do CPC).

No caso vertente, e considerando a delimitação que decorre da oposição de acórdãos, importa determinar se os tempos e o modo como o tribunal processou a ação antes e durante a citação, foram indiciadores de não estar o processo sujeito a prazos urgentes e, desse modo, o não cumprimento da urgência na concreta contagem do prazo para contestar, por parte do Recorrente, surge justificado pela confiança, assente na boa fé e gerada, pela aparência, de que o processo não era urgente.

IV. Dos factos

A factualidade a considerar extrai-se do Relatório supra

V. Do Direito

Não se discute que a presente ação, constituindo um apenso ao processo de insolvência, assume natureza urgente, pelo que se aplicam, ao caso, as regras específicas alusivas a este tipo de processos, ex vi do disposto no número 1 do art. 17.º do CIRE (aplicação subsidiária do Código de Processo Civil), nomeadamente no respeitante a prazos e respetiva contagem, em particular, no respeitante à regra de não suspensão na contagem dos prazos em férias judiciais expressa no art. 138.º do CPC, com a seguinte redação:

“1- O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes.

(…)”.

Também não se discute que a citação dirigida ao Recorrente, entre uma multiplicidade de outras informações, mencionava que: “o prazo é contínuo não suspendendo nas férias judiciais.”

O que está em causa é a relevância de um contexto de citação, de um modo de citação e de um comportamento processual do tribunal, contraditórios e desvalorizadores da natureza urgente do processo, aptos a fazer crer não ser o mesmo urgente.

Pensemos os factos.

Os autos foram instaurados em 28-11-2012 no Juízo Central Cível de ..., tendo seis Réus.

A causa de pedir e pedido não se integram em processos urgentes.

Em 21-03-2018 os autos foram remetidos para apensação ao P. 3514/13.9... por, neste, ter sido declarado insolvente, um dos Réus (FF).

O Requerimento que despoletou a necessidade de intervenção do Recorrente data de 23-09-2022, ou seja, surge depois daquela apensação, estando os autos, no momento, a correr termos sob o caráter de urgência.

Contudo, apenas em 06-02-2023 foi proferido despacho sobre o mesmo, ou seja, decorridos que estavam 4 meses e 12 dias, o que não é compatível com tal caráter, considerando o nº 3 do art. 156 do CPC que estabelece o prazo de dois dias para os atos de magistrados relativamente a despachos considerados urgentes, ou mesmo, considerando o nº 1 do mesmo artigo que estabelece o prazo de dez dias para despacho judicial no comum dos processos.

Devendo o juiz, perante concretas razões objetivas para a inobservância do prazo, decorridos três meses sobre ele, consignar a razão para a sua inobservância, nos termos do nº 4 do mesmo artigo, não se mostra que tal tenha sido observado.

A citação do Interveniente, decorrente daquele despacho, foi concretizada em 28-02-2023 e, fez-se com a indicação de apenas uma Ré: CC, não sendo esta insolvente.

Na nota de citação entre outros dizeres, dizia-se: O prazo é contínuo não suspendendo nas férias judiciais. Dizia-se igualmente: “As férias judiciais decorrem de 22 de Dezembro a 3 de Janeiro; de domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 16 de Julho a 31 de Agosto.”.

A nota de citação foi acompanhada das seguintes peças processuais: - Petição inicial apresentada pelos autores (em 28-11-2012); - Requerimento probatório apresentado pelos autores (em 28-11-2012); - Requerimento apresentado pelos autores alusivo a pedido de certidão para efeitos de registo da ação na Conservatória do Registo Predial das Caldas da Rainha (em 28-11-2012); - Contestação apresentada pela CGD (em 30-09-2013), no processo com o número 6314/12.0..., ao qual foi dirigida; - Contestação apresentada pela ré CC (em 30-09-2013), no processo com o número 6314/12.0..., ao qual foi dirigida; - Procuração forense junta pela ré EE (em 13-10-2013), no processo com o número 6314/12.0..., ao qual foi dirigida; - Contestação apresentada pelos réus FF e GG (em 15-10-2013), no processo com o número 6314/12.0..., ao qual foi dirigida; - Contestação apresentada pela ré EE (em 21-10-2013), no processo com o número 6314/12.0..., ao qual foi dirigida; - Ata de audiência prévia realizada em 25-05-2017 no processo número nº 6314/12.0...; - Contestação apresentada pelo Ministério Público, em representação do “Estado Português (IRN, LP. Instituto dos Registos e do Notariado, instituto público” (em 04-01-2018), no processo com o número 6314/12.0..., ao qual foi dirigida; - Ata de audiência prévia realizada em 15-09-2022 no processo nº 3514/13.9..., constando do respetivo cabeçalho timbre indicando: “Tribunal Judicial da Comarca da Madeira/ Juízo do Comércio do ...- Juiz ...”; constando ainda menção da presença, nomeadamente do “Administrador da Insolvência: Dr. HH”;- Cópia do despacho proferido em 06-02-2023, no processo 3514/13.9..., constando do respetivo cabeçalho timbre indicando: “Tribunal Judicial da Comarca da Madeira/ Juízo do Comércio do ...- Juiz ...”.

Uma multiplicidade de peças processuais, sem correspondência com um processo de insolvência ou seus apensos específicos, datadas de anos anteriores, a sugerir pela sua datação e antiguidade, a pendência de um processo descomprometido de urgência.

Aquando da citação não foi entregue ao citando cópia do despacho que ordenou a apensação do processo em causa aos autos de insolvência, não se fazendo qualquer alusão nem ao despacho proferido na referida “ação ordinária” que correu termos, antes da apensação, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte-Juízo Central Cível de ..., nem ao despacho proferido no processo de insolvência, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira/ Juízo do Comércio do ...- Juiz ..., que determinou a referida apensação.

Entrega que, a ter ocorrido, tornaria clara a existência de uma apensação e as razões da apensação.

O único elemento objetivo que visou informar do caráter urgente do processo foi a referência na citação de que a contagem do prazo não suspendia em férias judiciais. Contudo, a par daquela referência incluía-se a indicação das datas em que ocorrem as férias judiciais, o que sugere, considerando a utilidade e importância desta informação, o efeito contrário, ou seja, seria uma informação para ser tida em conta na contagem dos prazos.

Simultaneamente foi junto com a carta de citação, uma multiplicidade de peças processuais datadas de anos anteriores, sem ligação com o processo de insolvência.

Este conjunto de ações e omissões era adequado a criar no citado a convicção de que o prazo de que dispunha para contestar se suspendia em férias, de acordo com o regime regra previsto no art. 138 nº 1, 1ª parte, do CPC.

O conjunto de informações prestadas ao Recorrente no ato de citação mostra-se apto a gerar a confiança de que o processo não se processava com subordinação a um caráter urgente, nomeadamente, ditado por uma apensação a processo de insolvência.

Assim, à semelhança do decidido no acórdão fundamento - acórdão do STJ de 9/7/2014, proferido no P. 2577/05.5TBPMS-P.C3.S1, se a tramitação prosseguida nos autos, após a apensação, não respeitou o caráter de urgência, determinado pela apensação e, se a forma como a ação foi tratada e comunicada ao Recorrente não permitia concluir de forma provável, pela natureza urgente do processado em tal momento, mas antes pela sua não urgência, pode dizer-se que estamos perante uma situação de confiança, assente na boa fé e gerada pela aparência, merecedora de tutela jurídica.

Existe justificação para essa confiança, uma vez que, demonstram os factos, ser razoável e plausível, nas circunstâncias, que o Recorrente aderisse a essa aparência, que tinha por legítima.

E foi em função dessa legítima convicção que o Recorrente definiu a sua atuação processual: interveio nos autos e apresentou a contestação, no tempo que lhe seria permitido, se a tramitação seguida não fosse urgente (investimento de confiança).

A proteção dessa confiança deve ter a necessária tutela jurídica.

Desse modo, a apresentação da contestação pelo Recorrente, em prazo apenas compatível com a não urgência do processo, tem de ser considerada tempestiva, apesar de formalmente o prazo se mostrar, inequivocamente, excedido.

Procedendo a Revista.

Sumário:

1. As ações apensadas ao processo de insolvência, nos termos do art. 85º do CIRE, passam a ter, a partir da apensação, carácter urgente, nos termos do art. 9º do mesmo diploma.

2. Tendo a ação caráter urgente, o prazo processual para contestar não se suspende durante as férias judiciais.

3. Se, em ação cível, pendente há vários anos, mas entretanto apensada a processo de insolvência de um dos réus, ao ser citado um terceiro para contestar, a citação:

- Omite informação que permita compreender ter sido o processo apensado a processo de insolvência, nomeadamente o despacho que o determinou;

- Faz-se acompanhar de um extenso rol de peças processuais datadas de anos anteriores, apresentadas sem qualquer constrangimento de prazos relativamente ao regime regra;

- Informa que o prazo da contestação não suspende nas férias judiciais; mas informa igualmente das datas em que ocorrem as férias judiciais, o que, considerando a utilidade e importância desta informação, sugere o efeito contrário da anterior, ou seja, que tais datas haveriam de ser tidas em conta na contagem dos prazos;

- Se o próprio tribunal não respeitou esse caráter urgente, apreciando o requerimento de intervenção de terceiros, decorridos mais de 4 meses.

4- Não deve, nas circunstâncias, de acordo com um princípio da boa fé, censurar-se a parte que atuou confiada na aparência da não urgência do prazo para contestar, sendo essa confiança, porque justificada na própria atuação (ou omissão) do tribunal, merecedora de tutela jurídica.

VI. Decisão

Em face do exposto, concede-se a revista, revogando-se o acórdão recorrido, decidindo-se pela tempestividade da contestação apresentada pelo Recorrente.

Custas pelo Recorrente, face ao proveito.

Lisboa, 17 de junho de 2025

Anabela Luna de Carvalho (Relatora)

Cristina Coelho (2ª Adjunta)

Luís Mendonça (1º Adjunto)-

Voto vencido porquanto:

“A questão da admissibilidade da revista normal já foi apreciada e decidida nestes autos, por despacho devidamente fundamentado da Ex.ma Conselheira Relatora, o qual, depois de notificado, não foi objecto de reclamação para a conferência.

Para melhor clareza, reproduzo o teor do dispositivo desse despacho:

«Assim, não se integrando o recurso em análise em qualquer previsão legal que constitua exceção à regra geral que impede o recurso de revista comum em casos de dupla conformidade decisória, não se admite tal recurso».

Repito: essa decisão encontra-se longamente fundamentada, não podendo ser considerada tabelar ou meramente formal.

A formação não pode sobrepor-se a essa decisão pois não exerce sobre o relator qualquer poder hierárquico (nem de sugestão).

Por outro lado, não estão preenchidos os pressupostos de aplicação do n.º 5 do artigo 672.º, 5 já que há despacho firme sobre a não admissibilidade da revista.”

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