I. Se a decisão recorrida compreende vários segmentos decisórios, a admissibilidade do recurso de revista deve ser analisada relativamente a cada segmento decisório.
II. As questões relacionadas com o incorreto uso dos poderes de facto conferidos por lei ao Tribunal da Relação, em violação ao disposto no art. 662º do CPC, não se encontram abrangidas pelos efeitos da dupla conforme, impeditiva da interposição da revista normal.
III. Se o Tribunal da Relação diminui o montante indemnizatório fixado pela 1ª instância a título de danos não patrimoniais não ocorre nesta matéria dupla conformidade.
IV. Os documentos particulares autenticados têm a força probatória dos documentos autênticos, ou seja, fazem prova plena quanto aos atos praticados pelo documentador que autenticou o documento, verificando as assinaturas dos seus outorgantes e respetivas qualidades em que intervinham pela análise dos documentos que refere terem-lhe sido exibidos, mas não fazem qualquer prova quanto à veracidade do que consta do documento (particular).
V. Sendo os montantes indemnizatórios fixados pelas instâncias a título de danos não patrimoniais por recurso à equidade, não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar os valores exatos dos montantes indemnizatórios concretamente arbitrados, cingindo-se a sua apreciação ao controle dos pressupostos normativos do recurso à equidade e dos limites dentro dos quais deve situar-se o juízo equitativo, nomeadamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade conducentes à razoabilidade do valor encontrado.
VI. Na fixação do montante indemnizatório por recurso à equidade para além de uma ponderação das circunstâncias concretas do caso, ter-se-á de ter em conta, também, uma perspetiva atualista e evolutiva no quadro da ponderação de situações semelhantes.
RELATÓRIO
Em 25.9.2020, a Caixa Geral de Depósitos, SA intentou contra AA, e esposa, BB, ação declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a condenação dos RR. a restituírem-lhe a quantia de €7.530,00, acrescida de juros civis.
Fundamentam a sua pretensão nos seguintes factos, em síntese:
No exercício da sua atividade creditícia, a A. celebrou com os RR. , em 8.10.1997, um contrato de mútuo com hipoteca, nos termos do qual lhes emprestou o montante de Esc.17.500.000,00, que correspondem, atualmente à quantia de €87.289,56, pelo prazo de 180 meses, tendo como finalidade a aquisição de dois imóveis destinados à atividade comercial.
A restituição do capital mutuado, bem como o pagamento dos respetivos juros, comissões e outras despesas, era efetuado através de débito dos devidos montantes da conta à ordem titulada pelos RR.
No início do mês de outubro de 2008, o R. apresentou junto da agência da A. um pedido de reembolso da totalidade do capital mutuado, tendo aí sido informado de que o valor do reembolso pretendido ascendia ao montante de €30.698,98, à data de 8.11.2008, tendo o R., em 7.11.2008, entregue na referida agência um cheque bancário, para depósito na sua conta bancária associada ao empréstimo, no valor da quantia indicada, o qual foi creditado na conta no dia 10.11.2008, passando esta a apresentar um saldo de €32.722,92.
Por lapso, e devido a um erro no sistema informático da A., o montante entregue não foi debitado da conta dos RR., pelo que não se procedeu, naquela data, ao reembolso acordado, nem à liquidação do financiamento em questão, motivo pelo qual permaneceu em vigor o plano de pagamentos previamente contratado, sendo debitada da conta dos RR., apenas, a quantia correspondente a cada prestação mensal que se foi vencendo, tendo sido pagas/cobradas, no total, 164 prestações, situação que os RR. não podiam desconhecer.
Desde 10 de outubro e, pelo menos, até meados de 2011, os RR. continuaram a utilizar a mencionada conta, realizando vários movimentos, quer a débito, quer a crédito, aproveitando-se do facto de os €30.698,98 que depositaram não terem sido debitados da sua conta, de tal modo que, ainda que a A. se colocasse, agora, como se colocou, na disponibilidade de aplicar os mencionados €30.698,98 com data-valor de 10.11.2008, considerando liquidada a dívida emergente do empréstimo contra o recebimento da referida quantia, quedariam em falta €7.530,00, valor achado através da diferença entre o valor depositado a 10.11.2008 e o total das prestações pagas/cobradas desde então -, valor esse utilizado pelos mutuários em seu proveito próprio.
Assim, e face à indisponibilidade dos RR. para repor o valor em questão, outra alternativa não restou à A. senão a de instaurar uma ação executiva, em 27.2.2015, mantendo a aplicação da quantia global de €30.698,98 na amortização das prestações mensais que se foram vencendo, de modo que, e por via de tal aplicação, a última prestação integralmente paga pelos mutuários corresponde à prestação n.º 164, vencida a 08.06.2011, não tendo sido efetuado pagamento desde então.
Os RR. deduziram embargos de executado, que foram julgados procedentes, tendo sido declarada extinta a instância executiva, o que impediu a A. de, por aquela via, ver restituídos os valores efetivamente mutuados aos RR.
Na contestação, os RR. invocaram a prescrição do alegado direito da A., impugnaram a factualidade alegada, e deduziram reconvenção, na qual pediram a condenação da A. a pagar-lhes i) a quantia de €97.274,00, a título de danos patrimoniais, relegando-se os lucros cessantes para liquidação em execução de sentença; e ii) a quantia de €60.000,00 (€30.000,00 para cada R.), a título de danos morais.
A fundamentar a sua pretensão alegaram, em síntese:
Fruto da atuação da A., ao não liquidar a dívida mutuada através do pagamento efetuado pelos RR. e ao comunicar a situação de incumprimento ao Banco de Portugal, provocaram danos na sua esfera pessoal e patrimonial: de um lado, foram constantemente confrontados em situações públicas com o registo do incumprimento, o que lhes causou vergonha e humilhação, dias e noites de preocupação e incómodo, prejuízos que ainda hoje subsistem, pois que, não obstante a A. ter consciência do erro que lhe é imputável, mantém até ao presente a comunicação de irregularidades ao Banco de Portugal, o que se trata de uma informação financeira caluniosa; de outro lado, em consequência do comportamento da A., os RR. viram-se impedidos de empreender novos negócios e projetos (designadamente, aquisição de quotas da sociedade Fórum Vital, Consultores, Lda., assunção de funções de presidente do conselho de administração, desenvolvimento da atividade da sociedade VIHI, Lda., e concretização da representação para distribuição exclusiva de máquinas em Portugal e Espanha), por causa da informação registada quanto ao incumprimento junto do Banco de Portugal, e de obter as receitas esperadas.
A A. replicou, excecionando a prescrição do direito invocado pelos RR./Reconvintes, impugnou a factualidade alegada, e terminou pugnando pela total improcedência da reconvenção por estar prescrito o direito de indemnização, ou caso assim não se entenda, por não se acharem preenchidos os requisitos da responsabilidade contratual de que depende o peticionado direito de indemnização.
Em 30.8.2023, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto:
i) Julgam-se improcedentes as exceções de prescrição invocadas pelos Réus e pela Autora;
ii) Julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência:
- Condena-se os Réus a restituírem à Autora o montante de €6.995,25 (seis mil novecentos e noventa e cinco euros e vinte e cinco cêntimos) contados desde a citação, à taxa legal dos juros civis;
- Absolve-se os Réus do demais peticionado pela Autora;
iii) Julga-se a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência:
- Condena-se a Autora-reconvinda a pagar ao Réu-reconvinte AA o montante de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), sobre o qual incidem juros de mora desde a presente data até integral pagamento, à taxa legal dos juros comerciais;
- Condena-se a Autora-reconvinda a pagar à Ré-reconvinte BB o montante de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), sobre o qual incidem juros de mora desde a presente data até integral pagamento, à taxa legal dos juros comerciais;
- Absolve-se a Autora-reconvinda do demais peticionado.”.
Não se conformando com o teor da decisão, apelaram os RR. e a A.
Em 11.4.2024, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães que julgou:
- improcedente o recurso interposto pelos RR.; e
- parcialmente procedente o recurso interposto pela A. e, em consequência, revogou a sentença recorrida na parte relativa ao montante da indemnização a pagar pela A. aos RR. pelos danos não patrimoniais, que fixou em €15.000,00, a favor de cada um dos Réus-reconvintes.
Inconformados interpuseram recurso de revista:
- a A., recurso que não foi admitido por despacho de 2.4.2025 (refª ......45), transitado em julgado;
- os RR., formulando, a final, as seguintes conclusões, que se reproduzem, no que importa 1:
…
25. A título de danos patrimoniais sofridos pelos RR. Recorrentes por culpa do comportamento da A. Recorrida, ao contrário do que vem expresso no douto Acórdão recorrendo, o Doc. nº 21 junto pelos ora Recorrentes aos autos com a sua Contestação, é efetivamente um Documento Particular autenticado que consubstancia o contrato de cessão de quotas da F..., Lda., e não um qualquer print do Banco de Portugal, existindo aqui um evidente e manifesto erro dos Venerandos Senhores Juízes Desembargadores, na apreciação dos meios de prova constantes dos autos, e que terá determinado o sentido desse mesmo douto Acórdão.
26. O próprio contrato de cessão de quotas - que, por não ter sido impugnado, se tem por validamente adquirido para os autos -, expressa que efetivamente o R. pagou, por conta da cessão de quotas, a quantia de €5.000,00 com a sua assinatura, e dela nele é dada quitação. Manifestamente, como a A. Recorrida não impugnou esse mesmo documento particular autenticado, não se vê como o mesmo não pode deixar de lhe ser oponível, posto que foi oferecido nos autos pelos RR. Recorrentes contra ela.
27. Tendo em conta que o Doc. nº 21 junto não foi impugnado por si impugnado, temos que a quantia de €5.000,00 que o R. pagou, por conta da cessão de quotas, com a assinatura do contrato que corporiza tal Doc. nº 21, e dela nele é dada quitação, tem de ser dada por provada, pelo que tem de ser incluída na matéria de facto provada uma nova alínea, com a seguinte redação:
“Por conta da cessão de quotas referida em ll), o R. marido chegou a pagar, pelo menos, a primeira prestação, no montante de € 5.000,00.”
28. Como aliás decorre da douta Sentença, este montante de €5.000,00 corresponde a um efetivo prejuízo dos RR. Recorrentes decorrente do ilícito comportamento da A. Recorrida, pelo que deve esta ser condenada na respetiva indemnização a favor daqueles.
29. Conjugando esta matéria de facto dada por provada em jj), kk), ll; mm); nn); oo); pp); qq); rr); ss) e tt), dúvidas não restam que dela resulta que a desistência pelo R. marido do negócio, foi diretamente causada pela situação de incumprimento em que se encontrava junto do Banco de Portugal, situação esta que lhe havia sido ilicitamente comunicada pela A. Recorrida.
30. Assim sendo, estando assim devidamente estabelecido o nexo causal entre a desistência do negócio por parte do R. Recorrente marido e o ilícito comportamento da A. Recorrida, e tendo em conta que referido Documento nº 21 não foi impugnado pela A. Recorrida, tem de se considerar que o mesmo foi validamente adquirido para os autos, com a consequente relevância em termos de matéria de facto provada e consequente condenação em indemnização.
31. Por outro lado, e no que respeita à matéria alegada em 101º da Contestação, e não obstante a A. Recorrida a ter impugnado por desconhecimento, a verdade é que, não só a mesma foi dada por provada em nn) dos factos provados da douta Sentença recorrenda, como igualmente foi considerado provado o Documento que corporizou tal acordo de suprimentos.
32. Assim, tendo em conta a matéria de facto dada por provada, não só nessa alínea nn), como igualmente em jj), kk), ll; mm); oo); pp); qq); rr); ss) e tt), dúvidas não restam que, da respetiva conjugação, resulta que a desistência pelo R. Recorrente marido do negócio, foi causada pela situação de incumprimento em que se encontrava junto do Banco de Portugal, situação esta que havia sido ilicitamente comunicada e esse mesmo Banco de Portugal pela A. Apelada.
33. Estando assim devidamente estabelecido o nexo causal entre a desistência do negócio por parte do R. Recorrente marido, e o ilícito comportamento da A. Recorrida, e tendo em conta que efetivamente “Fruto da carência de fundos para fazer face a despesas urgentes da L..., S.A., em 26 de dezembro de 2012, o Réu marido, após assinatura da aquisição das quotas, celebrou com a F..., Lda., o acordo de mútuo, de fls. 153, relativo à quantia de €15.000,00”, tem de se considerar a consequente relevância em termos de matéria de facto provada.
34. Acresce que, no que respeita aos …“lucros cessantes, que na presente data não é possível quantificar, pelo que se relega para liquidação em execução de sentença”, os quais foram consequência de, fruto da situação descrita em em jj), kk), ll; mm); nn); oo); pp); qq); rr) e ss), o R. Recorrente marido ter tido necessidade de se demitir …” da sua posição de Presidente do Conselho de Administração”, em conformidade com o facto provado em tt), e tendo em conta o depoimento da testemunha CC, transcrito na Apelação.
35. Deste depoimento resulta que, o facto de o R. marido ter sido forçado a desistir do negócio, por causa direta e necessária da situação de incumprimento em que se encontrava junto do Banco de Portugal - situação esta que havia sido ilicitamente comunicada a esse mesmo Banco de Portugal pela A. Recorrida -, implicou para si graves e inúmeros prejuízos patrimoniais, que efetivamente não se logrou computar, pelo que deverão ser relegados para a peticionada …” liquidação em execução de sentença”.
36. Não só não se pode manter o nº 4 dos factos não provados - que deve ser eliminado -, como importa que seja incluída na matéria de facto provada uma nova alínea, com a seguinte redação:
“Por força da desistência do negócio aludido em ll), o R. marido teve como prejuízos diretos pelo menos a quantia de € 20.000,00 [correspondente ao montante de, pelo menos, € 5.000,00 pagos a título de 1ª prestação no contrato aludido em ll), e de € 15.000,00 aludido em nn)] e, como prejuízos indiretos, a importância de € 40.000,00 (a título de suprimentos) e lucros cessantes, a liquidar no correspondente incidente”.
37. Tendo em conta a matéria de facto provada em xx), yy), zz), aaa), bbb), ccc) e ddd), e sendo certo que não se logrou provar, em concreto, o montante dos rendimentos esperados pelo R. marido em resultado da atividade da V..., Lda. com a atividade comercial por si alegada em 111º e ss., maxime os prejuízos invocados em 126º e 127º, todos da PI, a verdade é que, como o desenvolvimento do negócio exigia …” uma margem de disponibilidade financeira que só era possível à sociedade V..., Lda., com a cooperação dos bancos para manter valores provisionais disponíveis em conta de tesouraria dinâmica”, e dado que o …“Banco Santander (…) respondeu (…) referindo que não podia conceder crédito à sociedade do Réu marido (e, por isso, a constituição do fundo de tesouraria dinâmico), em razão do registo na central de responsabilidades do Banco de Portugal”, independentemente de quaisquer contingências ocorridas, designadamente por força da COVID 19, a atividade comercial foi efetiva e consequentemente condicionada e, consequentemente, um prejuízo foi causado.
38. Dado não haver …”elementos para fixar (…) a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado”…(art. 609º, nº 2 do CPC), ou seja, no montante que se vier concretamente a apurar como sendo o resultante dos prejuízos sofridos por força dos factos que foram dados por provados, e como tal vier a ser liquidado.
39. Assim, deve ser incluída uma nova alínea à matéria de facto provada, com a seguinte redação:
“Em virtude do mencionado em xx) a ddd), o Réu marido e os sócios da V..., Lda., tiveram prejuízos de valor não concretamente apurado, a liquidar no correspondente incidente”.
40. A forma lapidar como o douto Acórdão recorrendo desatendeu as questões suscitadas relativamente à matéria de facto para que foi chamado a pronunciar-se que, salvo o devido respeito, se limita global e genericamente a afirmar que … “os recorrentes nada de novo trazem sobre esta matéria, pretendendo tão só que seja feita uma valoração diferente e subjetiva daquela efetuada pelo Tribunal a quo”…, impõe que este Colendo Supremo Tribunal de Justiça proceda à sindicância do uso que o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães fez dos poderes que exclusivamente detém no que respeita à reapreciação da matéria de facto realizada pelo Tribunal da Primeira Instancia, no sentido de verificar …” se foram observadas as diretrizes prescritas no artigo 607.º, n.º 4, do CPC”…
41. Os Venerandos Senhores Juízes Desembargadores não atentaram devidamente na gravidade do comportamento da A. Recorrida, já que, não ponderaram devidamente toda a factualidade provada, incluindo aquela referida em iii), jjj), kkk) e lll).
42. O Acórdão recorrendo devia ter tomado em conta que a indemnização por dano não patrimonial assume uma natureza mista, reparatória e sancionatória, sendo que no cálculo do montante reparatório por este tipo de dano atende-se, entre o mais, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às dos lesado e do titular da indemnização e às flutuações do valor da moeda, devendo tal montante ser proporcionado à gravidade do dano.
43. A comunicação à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal do incumprimento de uma dívida anteriormente declarada inexistente, constitui facto ilícito suscetível de fazer incorrer as responsáveis em responsabilidade civil pela reparação dos prejuízos decorrentes de tal ato.
44. Não resulta do douto Acórdão recorrendo que os Venerandos Senhores Juízes Desembargadores tenham tomado em devida conta a especial censurabilidade do comportamento da A. Recorrida que, como é notório, não é uma Entidade qualquer: é a Caixa Geral de Depósitos, Banco do Estado e com responsabilidades particularmente acrescidas no que respeita ao cumprimento das normas estabelecidas, a qual, sem ter dado prévio conhecimento aos RR. Recorrentes, incluiu-os e manteve-os ilícita e injustificadamente em situação de incumprimento de um contrato de crédito junto do Banco de Portugal, mesmo depois de estes terem sido absolvidos da Execução que lhes moveu, e mesmo durante a pendência dos presentes autos.
45. O douto Acórdão recorrendo não teve em adequada conta e ponderação a especial e continuada censurabilidade do comportamento da A. Recorrida, nem a sua notória situação económica. Igualmente não foi pelos Venerandos Senhores Juízes Desembargadores ponderada a situação dada por provada dos RR. Recorrentes, tendo em conta toda a matéria que integra a factualidade assente nos presentes autos.
46. Por todas estas razões, entendem os Recorrentes que, sobre este quantum indemnizatório nada há a censurar na douta Sentença proferida em Primeira Instância, pelo que, tendo em conta todas as circunstâncias do caso concreto, e com recurso à equidade, impõe-se que seja mantida a indemnização nela fixada de € 25.000,00 a favor de cada um dos RR. Recorrentes, acrescida …”de juros de mora desde a presente data até integral pagamento, à taxa legal dos juros comerciais”.
47. O douto Acórdão recorrendo violou, designadamente, os comandos dos arts. 482º, 334º, 342º, 562º e ss., todos do CC, bem como os dos arts. 607º, nº 4, 609º, nº 2, 608º, nº 2, todos do CPC, sendo igualmente o douto Acórdão ferido de nulidade, em conformidade com o disposto nas als. c) e d) do nº 1 do art. 615º do CPC.
Terminam pedindo a revogação do acórdão recorrido.
A A. contra alegou, sustentando a inadmissibilidade do recurso de revista interpostos pelos RR., ou, em qualquer caso, a sua improcedência.
Do despacho da relatora de 2.4.2025, que admitiu o recurso de revista normal dos RR. relativamente às questões suscitadas nas conclusões 25ª a 46ª, a A./Reconvinda reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3, do artigo 652.º do CPC, alegando:
1. Da decisão que antecede, julgou findo o douto Tribunal Superior o recurso de revista normal apresentado pela Autora, bem como, dos Réus quanto ao segmento decisório relativo à prescrição por estes invocada, bem como, quanto à condenação destes no pagamento à Autora com base no enriquecimento sem causa,
2. Por entender que estamos perante uma situação de dupla conforme, em ambos os casos.
3. Mais, determina o douto Tribunal Superior que os autos prossigam para conhecimento do recurso de revista dos Réus na parte admissível.
4. Não pode, porém, a Autora conformar-se com tal decisão,
5. A qual, carece, salvo o devido respeito, que é muito, de fundamento legal e factual,
6. Já que, tendo-se decidido, como se decidiu, quanto aos recursos de revista apresentados por ambas as partes,
7. Não sendo ambos conhecidos (no que respeita aos RR. apenas no segmento supra melhor descrito),
8. Por força da situação de dupla conformidade,
9. Não pode, também, por uma questão de coerência, segurança e certeza jurídicas, ser conhecido o recurso de revista os Réus quanto ao segmento que diz respeito ao pagamento de danos patrimoniais e não patrimoniais.
10. Verdade é que, in casu, estamos perante uma situação de dupla conforme,
11. Já que o douto Tribunal da Relação de Guimarães confirmou a decisão de primeira instância, tendo julgado parcialmente procedente o recurso interposto pela Autora na parte relativa ao quantum indemnizatório a título de danos não patrimoniais, o qual fixou em € 15.000,00 para cada um dos Réus.
12. O Tribunal da Relação de Guimarães subscreveu a fundamentação da sentença de primeira instância sobre a verificação dos pressupostos da responsabilidade contratual da Autora e da sua consequente obrigação de indemnizar os Réus, tão só a título de danos não patrimoniais.
13. Assim sendo, como de facto é, havendo confirmação do Tribunal da Relação de Guimarães quanto à decisão de primeira instância no que concerne com a improcedência do pedido de indemnização a título de danos patrimoniais,
14. Em momento algum é admissível o recurso de revista, atendendo ao preceito legal imperativo contido no art. 671.º, n.º3, do CPC,
15. Motivo pelo qual, não deverá ser admitido o presente recurso de revista comum, por estarmos perante uma situação de dupla conforme, não ocorrendo nenhuma das situações previstas em que o recurso de revista é sempre admissível, nos termos do art. 629.º, n.º3 do CPC.
16. Nesta conformidade, não concedendo provimento ao recurso interposto pelos Réus e confirmando a decisão recorrida nos parciais supra descritos, farão V.ªs Exas. a habitual JUSTIÇA!
Os RR/Reconvintes não responderam.
QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões dos recorrentes (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), restringido nos termos enunciados, as questões que se colocam são:
a) se o tribunal recorrido violou regras processuais aquando da apreciação da impugnação da matéria de facto, e, consequente procedência do pedido reconvencional quanto à peticionada indemnização por danos patrimoniais (conclusões 25ª a 40ª);
b) o montante fixado a título de danos não patrimoniais (conclusões 41ª a 46ª).
Preliminarmente cumpre conhecer da reclamação apresentada pela A./Reconvinda, e aquilatar da admissibilidade da revista normal interposta pelos RR./Reconvintes quanto às questões supra identificadas.
Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Vêm dados como provados os seguintes factos:
(Oriundos da petição inicial)
a) No exercício da sua atividade, a Autora celebrou com os Réus um acordo de mútuo com hipoteca n.º ...............85, formalizado por escritura pública, datada de 08 de outubro de 1997, com as caraterísticas que de seguida melhor se especificam:
- Montante contratado: PTE 17.500.000,00 (dezassete milhões e quinhentos mil escudos), que atualmente correspondem à quantia de € 87.289,56 (oitenta e sete mil duzentos e oitenta e nove euros e cinquenta e seis cêntimos);
- Prazo: 180 (cento e oitenta) meses;
- Finalidade: financiamento para aquisição da fração designada pela letra “H”, destinada a comércio, similares de hotelaria ou serviços (no montante de PTE 12.000.000,00) e obras de beneficiação na mesma (na parcela de PTE 5.500.000,00);
- Taxa de juro: o empréstimo vence juros à taxa nominal de 11,825% (onze vírgula oitocentos e vinte e cinco porcento) ao ano, taxa esta alterável pela CGD no início de cada período de contagem;
- Em caso de mora, os respetivos juros são calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na Caixa para operações ativas da mesma natureza, acrescida de uma sobretaxa de até 4% (quatro porcento) ao ano, a título de cláusula penal;
- garantia: para garantia das responsabilidades emergentes do empréstimo supra descrito, respetivos juros e despesas, os mutuários constituíram hipoteca voluntária a favor da CGD sobre o seguinte prédio: fração autónoma designada pela letra “H” descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...........“H” e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ..28.º, destinada à atividade comercial.
b) A quantia mutuada foi creditada na conta de depósito à ordem n.º ............00, na agência da CGD em ...em nome dos mutuários.
c) A restituição do capital mutuado, bem como o pagamento dos respetivos juros, comissões e outras despesas, era efetuado através de débito dos devidos montantes da conta à ordem atrás referida.
d) No início de outubro de 2008, o Réu AA apresentou, junto da agência da CGD no ..., em ..., um pedido de reembolso da totalidade do capital mutuado, tendo aí sido informado, no dia 28 de outubro de 2008, de que o valor do reembolso pretendido ascendia ao montante de € 30.698,98 (trinta mil seiscentos e noventa e oito euros e noventa e oito cêntimos), à data de 08 de novembro de 2008, data prevista para concretização do reembolso.
e) No dia 07 de novembro de 2008, o Réu AA entregou na referida agência da CGD um cheque bancário, para depósito na sua conta bancária associada ao empréstimo, no valor da quantia indicada de € 30.698,98 (trinta mil seiscentos e noventa e oito euros e noventa e oito cêntimos).
f) Tendo tal quantia sido creditada na sua conta no dia 10 de novembro de 2008.
g) Passando a referida conta, nessa data, a apresentar um saldo de € 32.722,92 (trinta e dois mil setecentos e vinte e dois euros e noventa e dois cêntimos).
h) Por lapso, e devido a um erro no sistema informático da CGD, o montante entregue não foi debitado da conta dos Réus, pelo que não se procedeu, naquela data, ao reembolso acordado.
i) Motivo pelo qual foi sendo debitada da conta dos Réus apenas a quantia correspondente a cada prestação mensal que se foi vencendo, tendo sido pagas/cobradas, no total, 164 (cento e sessenta e quatro) prestações.
j) A 10 de novembro de 2008, não se procedeu à liquidação do financiamento mencionado em a), facto de que os Réus tomaram imediato conhecimento.
k) No acordo de abertura de conta de depósitos à ordem, constava a al. i) com o seguinte teor:
“(…) acompanhar com regularidade os movimentos a débito e a crédito lançados na conta de referência, verificando os extratos periódicos disponibilizados pela Caixa, procedendo à atualização periódica da caderneta ou, se for o caso, consultando os movimentos através do Caixadirecta, de modo a aperceber-se, o mais cedo possível, de eventuais irregularidades, tais como o lançamento incorreto de uma operação realizada ou o lançamento de uma operação não ordenada (…)” e de ii) “se o titular se aperceber da existência de um movimento incorretamente lançado, nomeadamente de um débito que não tenha sido por si autorizado nos termos das presentes condições gerais, deverá, tendo em vista a respetiva retificação, proceder à comunicação do facto à Caixa no mais curto espaço de tempo possível, não podendo essa pretensão ser satisfeita após o decurso de treze meses sobre a data do débito em causa (…)” –.
l) Desde 10 de outubro e, pelo menos, até meados de 2011, os Réus continuaram a utilizar a já mencionada conta, realizando vários movimentos, quer a débito, quer a crédito.
m) Se a CGD se colocasse na disponibilidade de aplicar os mencionados € 30.698,98 com data-valor de 10 de novembro de 2008, como colocou, considerando liquidada a dívida emergente do empréstimo ...............85 contra o recebimento da referida quantia, quedariam em falta € 6.995,25 – valor achado através da diferença entre o valor depositado a 10 de novembro de 2008 e do total das prestações pagas/cobradas desde então, acrescido das comissões por descoberto –, valor esse utilizado pelos mutuários em seu proveito próprio.
n) A 27 de fevereiro de 2015, a CGD intentou uma ação executiva com vista à cobrança dos montantes em dívida, que, nos termos do requerimento executivo apresentado (constante de fls. 83), à data de 26 de fevereiro de 2015, ascendiam ao total de € 13.564,25 (treze mil quinhentos e sessenta e quatro euros e vinte e cinco cêntimos), sendo € 10.158,39 (dez mil cento e cinquenta e oito euros e trinta e nove cêntimos) a título de capital.
o) Tendo tal ação corrido termos no Juiz 1, do Juízo de Execução de Guimarães do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, sob o n.º 1533/15.0...
p) O Tribunal de 1.ª Instância, por douta sentença de 11 de novembro de 2016, e o Tribunal da Relação de Guimarães, por douta decisão de 19 de outubro de 2017, julgaram procedentes os embargos de executado, absolvendo-se os Réus, ali executados, da ação executiva.
(Oriundos da contestação e reconvenção)
q) A Autora, na pessoa do seu gerente, nunca informou os Réus do erro do sistema informático em que incorreu, nas deslocações que os Réus fizeram ao balcão da agência do ....
r) Os Réus enviaram à Autora a carta que consta de fls. 129, com o conteúdo que se dá por reproduzido, a qual não foi respondida.
s) Dada a falta de resposta, os Réus enviaram nova carta à Autora, com o conteúdo que consta de fls. 130/verso, cujo conteúdo se dá por reproduzida.
t) Em 31 de dezembro de 2012, a situação dos Réus na central de responsabilidade de crédito junto do Banco de Portugal, era de € 12.911,00, valor de crédito vencido.
u) Em 01 de janeiro de 2013, a Autora remeteu aos Réus carta a comunicar o registo de incumprimento por dívida na quantia de € 13.339,13, vencida em 08 de abril de 2011.
v) Durante o período de 30 de setembro 2013 a 28 de fevereiro de 2014, o mapa mensal da central de responsabilidades de crédito junto do Banco de Portugal, tinha como crédito vencido a quantia de € 10.484,00.
w) Em 21 de fevereiro de 2014, a Autora remeteu nova missiva aos Réus, reclamando o pagamento da quantia de € 12.894,35, devida por conta do mútuo referido em a), sob pena de instaurar ação executiva.
x) Em 31 de março de 2014, a situação junto do Banco de Portugal passou a regular e o crédito não vencido, era na quantia de € 688,00.
y) Em 10 de abril 2014, via correio eletrónico, a Autora solicitou dos Réus o pagamento da quantia de € 7.529,80.
z) Em 11 de abril de 2014, recebem os Réus carta da Autora a dar informação de que o débito era na quantia de € 10.248,67.
aa) Em 30 de abril de 2014, na central de responsabilidades do Banco de Portugal constava que a situação era regular e o saldo era já de € 30.140,00.
bb) A 04 de junho de 2014, os Réus receberam nova carta da Autora, onde era reclamado o pagamento da quantia de € 7.140,00.
cc) Posteriormente, a 26 de junho de 2014, a Autora enviou carta a informar o incumprimento dos Réus no pagamento da quantia de € 32.639,42, para efeitos de integração no procedimento PERSI.
dd) A 30 de junho 2014, constava junto da central de responsabilidades do Banco de Portugal que o crédito sobre os Réus estava vencido na quantia de € 32.574,00.
ee) A 31 de julho 2014, a situação dos Réus junto da central de responsabilidades, passou a regular quanto ao crédito no montante de € 30.140,00.
ff) A 07 de agosto de 2014, os Réus recebem a uma carta da Autora a exigir o pagamento da quantia de € 7.140,00, sob pena de instauração de ação executiva.
gg) A 30 de abril de 2015, na central de responsabilidades de crédito junto do Banco de Portugal constava que os Réus mantêm uma situação irregular com um valor do crédito vencido judicial, com saldo de € 10.394,00.
hh) E a 04 de maio de 2015, foram os Réus citados para a ação executiva mencionada em n).
ii) Os Réus (ou terceiros a favor destes) efetuaram os movimentos a crédito entre 08 de novembro de 2008 e os anos seguintes que se encontram espelhados no extrato bancário de fls. 32 e ss., cujo conteúdo se dá por reproduzido.
jj) O Réu marido, há mais de 30 anos, que se dedica à atividade desportiva e sempre geriu ginásios e locais de saúde desportiva, sendo detentor de know-how relativo a essa área.
kk) Em finais do ano de 2012 e até meados de 2013, o Réu esteve envolvido num negócio respeitante à aquisição de quotas da sociedade F..., Lda., que detinha 51% do capital da sociedade L..., S.A., que mantinha a atividade de ginásios/clubes de saúde.
ll) O Réu marido outorgou o acordo de cessão de quotas da F..., Lda., através do qual adquiriu a totalidade das quotas, pelo preço de € 170.000,00, a pagar em prestações ao longo de 34 meses, quotas que se encontravam totalmente liberadas e livres de quaisquer ónus, encargos e/ou responsabilidades.
mm) Para além dos direitos que adquiriu na dita sociedade, o Réu marido ficava ainda com o direito aos suprimentos que a F..., Lda. detinha na L..., S.A., no montante de € 40.000,00.
nn) Fruto da carência de fundos para fazer face a despesas urgentes da L..., S.A., em 26 de dezembro de 2012, o Réu marido, após assinatura da aquisição das quotas, celebrou com a F..., Lda., o acordo de mútuo, de fls. 153, relativo à quantia de € 15.000,00.
oo) O Réu marido assumiu as funções de presidente do conselho de administração para resolver problemas de gestão dos ginásios, mas também financeiros, para obtenção de crédito bancário e resolução de problemas relacionados com ingerências na conta bancária da empresa L..., S.A., por terceiros anteriores órgãos da administração.
pp) Razão pela qual o Réu marido, conjuntamente com o gestor financeiro da L..., S.A., decidiram abrir nova conta bancária, dirigindo-se a um banco por sugestão de uma funcionária coordenadora administrativa.
qq) Ao concluir o processo de abertura da nova conta da empresa, o Réu marido foi confrontado com a informação de que a conta (com vista à obtenção de crédito) não poderia ser aberta, dado que existia uma informação do Banco de Portugal relativa ao estado de incumprimento no sistema financeiro do presidente do conselho de administração.
rr) O que o fez sentir humilhado e envergonhado já que foi presenciado pelo seu parceiro e pela própria funcionária da empresa e do Banco.
ss) Foi neste momento que o Réu marido tomou pela primeira vez conhecimento que se encontrava em situação de incumprimento junto do Banco de Portugal.
tt) A situação descrita obrigou o Réu marido a desistir do negócio, atendendo que não teria forma de obter crédito bancário para a empresa, pelo que se demitiu da sua posição de presidente do conselho da administração.
uu) No final do ano de 2014, o Réu marido decidiu constituir uma sociedade denominada V..., Lda., constituída por si próprio, filhos e Ré mulher, tendo conseguido abrir conta bancária no Banco Popular, agência de ..., por intermédio de um seu familiar que à data era subgerente desta agência.
vv) Esta sociedade foi desenvolvendo a sua atividade dentro dos limites que lhe era possível, com dinheiro próprio que detinha em caixa, abstendo-se de recorrer ao crédito bancário, de modo a evitar o confronto com situações melindrosas e humilhantes como as anteriormente ocorridas.
ww) Durante cinco anos, o Banco Popular apenas assistiu a empresa para movimentar a débito e crédito os valores monetários que ia depositando, servindo apenas de veículo das transações com os fornecedores, clientes e funcionários e com as entidades públicas (Autoridade Tributária e Fiscal, segurança Social).
xx) No início do ano de 2019, surgiu um negócio de representação para distribuição exclusiva para Portugal e Espanha de uns equipamentos de origem alemã, donde iria resultar uma maior atividade da empresa e aumento substancial de lucros.
yy) Para além da venda dos equipamentos, este contrato de distribuição, previa a faculdade de PayPerUse – mecanismo de aluguer dos equipamentos –, com um impacto financeiro superior ao negócio de vendas do mesmo equipamento
zz) Esta nova relação comercial com a sociedade V..., Lda., e a empresa alemã tinha uma condição de pagamento dos equipamentos a importar nos 10 a 20 dias anteriores à entrega do equipamento na sede da empresa.
aaa) O que exigia uma margem de disponibilidade financeira que só era possível à sociedade V..., Lda., com a cooperação dos bancos para manter valores provisionais disponíveis em conta de tesouraria dinâmica.
bbb) Em 20 de março de 2019, o Réu marido solicitou ao Banco Santander (que havia adquirido o Banco Popular) a constituição de uma conta de tesouraria dinâmica com um fundo inicial de € 20.000,00, solicitando a melhor taxa possível do mercado.
ccc) Foi também solicitado pelo Réu marido um empréstimo de € 15.000,00 para liquidar a compra dos equipamentos e acessórios de demonstração para uso próprio da empresa, por recurso normal a crédito, por um prazo de 5 anos (60 mensalidades), num planeamento financeiro possível para a empresa, tendo ainda proposto a constituição de uma aplicação/caução de € 10.000,00 na conta da sociedade no mesmo banco, a manter fixa durante a vigência do empréstimo.
ddd) O Banco Santander apenas respondeu em 15 de maio de 2019, referindo que não podia conceder crédito à sociedade do Réu marido (e, por isso, a constituição do fundo de tesouraria dinâmico), em razão do registo na central de responsabilidades do Banco de Portugal.
eee) Numa reunião de vendas da panela Bimby, na qual participaram sete mulheres, a Ré pretendeu aproveitar a promoção proposta de aquisição de uma panela por € 1.224,00 a liquidar em 12 prestações sem juros, tendo-lhe sido vedada a possibilidade de aquisição nesses termos por ter o seu nome no registo de incumprimento no Banco de Portugal, o que causou vergonha e humilhação na Ré mulher.
fff) Numa outra ocasião, foi proposto um tratamento capilar com um custo de € 1.050,00 junto da empresa de saúde V..., que apresentou uma promoção de tratamento com pagamento em 12 prestações sem juros, o que de igual modo foi negado atento o registo de incumprimento junto do Banco de Portugal.
ggg) Confrontados com a situação do nome ambos os Réus constar da base de dados dos devedores de risco junto da central de responsabilidades de crédito, existente junto do Banco de Portugal, os Réus sentiram-se incomodados e humilhados, com grandes alterações de humor, passando dias e noites irritados pela ocorrência de tal situação.
hhh) Situação que causou enorme desgaste psicológico e emocional nos Réus, e que, ainda nos dias de hoje, provoca tristeza e angústia, com limitação e privação da progressão da vida pessoal e profissional dos Réus.
iii) Mesmo após a prolação do Acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães, a que se alude em p), a Autora nada fez para reverter a situação junto do Banco de Portugal, mantendo-se a comunicação de incumprimento (à data da instauração da presente ação).
jjj) Os Réus são pessoas conhecidas na cidade de Guimarães.
(Considerados nos termos do artigo 5.º/2,a) e 607.º/4, do CCiv)
kkk) O douto Acórdão referido em p) foi notificado às partes a 20 de outubro de 2017.
lll) A cessação da comunicação da situação de incumprimento ocorreu durante a pendência da presente ação, em meados de 2022.
*
E foram dados como não provados os seguintes factos:
(Oriundos da petição inicial)
1. A finalidade do crédito aludido em a) foi distinta da ali referida.
2. O montante da diferença a que se alude em m) é superior ao que ali se alude.
(Oriundos da reconvenção)
3. Por conta da cessão de quotas referida em ll), o Réu marido chegou a pagar quatro prestações no montante total de € 20.000,00.
4. Por força da desistência do negócio aludido em ll), o Réu teve como prejuízos diretos a quantia de € 35.000,00 [correspondente ao montante de € 20.000,00, referidos em 4., e ao montante de € 15.000,00, aludido em nn)] e, como prejuízos indiretos, a importância de € 40.000,00 (a título de suprimentos) e lucros cessantes, insuscetíveis de quantificar.
5. Em virtude do mencionado em ddd), o Réu marido e os sócios da V..., Lda., tiveram prejuízos de valor que, na presente data, se estimam em € 350.000,00, e outros que são ainda insuscetíveis de quantificar.
6. O enunciado em eee) foi conhecido por todas que ali se encontravam.
7. Em 14 de outubro de 2010, a L..., S.A., foi avaliada em €13.254.000,00.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
I. Conforme se consignou no despacho de 14.1.2025, os RR./Reconvintes interpuseram recurso de revista normal do acórdão da Relação de Guimarães de 11.4.2024 (refª .....24), o qual tem por objeto as decisões sobre:
- a exceção de prescrição invocada pelos RR. (conclusões 6ª a 12ª);
- a procedência parcial da ação (conclusões 13ª a 24ª);
- a improcedência do pedido reconvencional quanto à peticionada indemnização por danos patrimoniais (conclusões 25ª a 40ª);
- o montante fixado a título de danos não patrimoniais (conclusões 41ª a 46ª).
No despacho de 2.4.2025 a relatora proferiu despacho a julgar findo o recurso de revista (normal) interposto pelos RR./Reconvintes relativamente à decisão sobre a exceção de prescrição invocada pelos RR. (conclusões 6ª a 12ª), e relativamente ao segmento decisório que condenou os RR. no pagamento à A. da quantia de €6.995,25 com base no enriquecimento sem causa (conclusões 13ª a 24ª), determinando que, decorrido prazo sem que algo fosse requerido (art. 652º, nº 3, do CPC), se concluíssem os autos para conhecimento do recurso de revista dos RR. na parte admissível, ou seja, das questões suscitadas nas conclusões 25ª a 40ª (improcedência do pedido reconvencional quanto à peticionada indemnização por danos patrimoniais) e 41ª a 46ª (montante fixado a título de danos não patrimoniais).
É contra esta parte do despacho em que se admite o recurso dos RR./Reconvintes que a A./Reconvinda reclamou, pedindo que seja proferido acórdão sobre a questão.
Nos termos do disposto no art. 652º, nº 4, 1ª parte, do CPC (aplicável ex vi do disposto no art. 679º do mesmo diploma legal), cumpre apreciar a referida reclamação.
Vejamos se a revista é ou não admissível quanto às questões referidas, admissibilidade que deve ser analisada relativamente a cada segmento decisório, conforme o Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo 2, o que não põe em causa a segurança e certeza jurídicas, ao contrário do que a A./Reconvinda sustenta.
Conclusões 25ª a 40ª do recurso de revista dos RR. (indemnização por danos patrimoniais).
O tribunal de 1ª instância julgou improcedente o pedido formulado pelos RR./Reconvintes a título de danos patrimoniais e absolveu a A./Reconvinda deste pedido.
Depois de concluir que “… a atuação da Autora foi culposa, à luz do critério de diligência exigido pelas disposições conjugadas dos artigos 487.º/2 (ex vi artigo 799.º/2, do CCiv) e dos artigos 73.º a 75.º, do RGICSF (no sentido de que a comunicação de informações inverídicas à central de responsabilidades de crédito é suscetível de responsabilizar a instituição bancária por ofensa à honra e ao bom nome da pessoa visada na comunicação e, bem assim, a sua credibilidade ou confiança na sua capacidade para cumprir as suas obrigações, mas sob a perspetiva da responsabilidade extracontratual …”, o tribunal de 1ª instância fundamentou a improcedência do pedido indemnizatório a título de danos patrimoniais nos seguintes termos: “… Quanto aos patrimoniais, o montante líquido reclamado é de € 97.274,00, que corresponde às quantias parcelares de: - € 20.000,00 (perda das prestações pagas no contrato de cessão); - € 15.000,00 (empréstimo realizado à F..., Lda.); - € 40.000,00 (perda de suprimentos na sociedade Leisurecorp, S.A.); - € 20.000,00 (perda da possibilidade de constituição de uma conta bancária dinâmica com financiamento desse montante para desenvolvimento da distribuição exclusiva de máquinas); … Pelas razões desenvolvidas na motivação da matéria de facto, não se apurou, quanto à desistência do negócio da cessão de quotas, que os Réus tivessem perdido as quantias acabadas de discriminar (€ 20.000,00, € 15.000,00 e € 40.000,00), nem que viessem a auferir outras que ainda não estão quantificadas. Embora o Réu tivesse convencionado vir a receber suprimentos e uma remuneração pelo cargo de administrador, resulta que a manutenção do exercício destas funções e o recebimento do crédito de suprimentos dependeria da forma como o negócio se comportaria, o que não é previsível [tanto mais que a sociedade L..., S.A., insolveu, cenário em que o crédito a suprimentos passa a ser subordinado (cfr. artigo 48.º/al g), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), o que torna ainda mais incerta a chance de vir a ser pago]. Por outro lado, o facto de o Réu ter desistido do negócio levou também a não desembolsar a quantia relativa ao preço da cessão. Quanto ao contrato de distribuição exclusiva, o facto de não ter tido acesso ao crédito não produz o dano emergente na esfera dos Réus corresponde ao montante cujo financiamento se pretendia (€ 20.000,00). Como se diz no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10.10.2019, proferido no processo n.º 1594/17.7T8VCT.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, “[s]ó se pode afirmar a existência de danos patrimoniais causados por essa comunicação incorreta na medida em que daí decorra a efetiva perda da oportunidade de obtenção do crédito visado pelos AA., sendo essa perda de oportunidade causadora de um dano, quer na vertente de despesas acrescidas pela não aquisição do bem a que se destinava o crédito visado, quer na vertente de ganhos ou vantagens que ficaram por receber em razão da não aquisição desse bem.” Desta forma, a falta de recurso ao crédito produziria, isso sim, a perda de chance de obter determinados resultados económicos positivos; no entanto, não se apurou que viesse a ser previsível a sua efetiva verificação, para além que a contraparte negocial direta era uma sociedade comercial V..., Lda. (do que resulta que, mesmo que, no caso de existir sucesso comercial no negócio de distribuição, a parcela com que os Réus veriam o seu património aumentado seria necessariamente diferente do recebido por aquela sociedade). …”.
O Tribunal da Relação de Guimarães confirmou a decisão de absolvição do peticionado pelos RR./Reconvintes a título de danos patrimoniais, e, depois de apreciar a impugnação da matéria de facto feita pelos RR., que julgou improcedente, entendeu estar prejudicada a reapreciação de mérito da decisão nesta matéria, uma vez que os RR. recorrentes não puseram em causa o direito aplicado, assentando, apenas, a sua pretensão na alteração da matéria de facto peticionada no recurso, no que não lograram obter acolhimento.
Nesta perspetiva, ocorre uma situação de dupla conforme, na medida em que o acórdão recorrido confirmou a decisão de absolvição, sem fundamentação essencialmente diferente, e foi tirado por unanimidade.
Nos termos do disposto no nº 1 do art. 682º do CPC, o Supremo julga apenas de direito, aplicando aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue aplicável, concretizando o nº 2 que “A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no nº 3 do artigo 674º”.
Estipula o nº 3 do art. 674º do CPC que “O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.
Conforme resulta dos preceitos reproduzidos, como regra, está vedado ao Supremo modificar a decisão da matéria de facto, oficiosamente ou a requerimento da parte.
A lei exceciona os casos previsto no nº 3 do art. 674º, ou seja, quando da matéria de facto provada se constate que as instâncias desrespeitaram norma expressa que exigia certa espécie de prova para a existência do facto, ou desrespeitaram norma legal sobre o valor de determinado meio probatório 3.
O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a propugnar o entendimento, pacífico, de que a violação de normas de direito probatório material (que não sejam imputadas ex novo ao tribunal da Relação) não tem a virtualidade de descaracterizar a dupla conformidade decisória para efeitos de admissibilidade do recurso de revista.
Neste sentido pronunciou-se o Ac. do STJ de 23.01.2020, P. nº 44/16.0T8VVD.G1.S1 (Catarina Serra), não publicado, que concluiu que “a alegada violação de preceitos de direito probatório material não tem aptidão para descaracterizar a dupla conforme, não constituindo uma questão nova ou suscetível de ser imputada ex novo à Relação.” 4.
No caso dos autos, a violação de normas de direito probatório material imputada ao Tribunal da Relação mostra-se abrangida pela dupla conformidade decisória impeditiva do recurso de revista, na medida em que não resulta de qualquer inovação introduzida pelo tribunal recorrido, mas constitui fundamento do recurso se o mesmo for admissível (art. 674.º, n.º 1, do CPC) 5.
Outra exceção que ocorre à regra do art. 682º, nº 2, do CPC, está ligada à necessidade de sanar alguma contradição na decisão sobre a matéria de facto que, pela sua essencialidade, inviabilize a correta aplicação do direito, sendo, neste caso, de determinar a remessa dos autos ao tribunal recorrido a fim de sanar as mencionadas contradições 6.
Por outro lado, e como vem sendo jurisprudência pacífica deste Tribunal, as questões relacionadas com o incorreto uso dos poderes de facto conferidos por lei ao Tribunal da Relação, em violação ao disposto no art. 662º do CPC, não se encontram abrangidas pelos efeitos da dupla conforme, impeditiva da interposição da revista normal.
Como se sumariou no Ac. do STJ de 5.04.2022, P. nº 1916/18.3T8STS.P1.S1 (Luís Espírito Santo), em www.dgsi.pt, “… I - As questões relacionadas com o incorreto uso dos poderes de facto conferidos por lei ao tribunal da Relação, com violação do disposto no art. 662.º do CPC, não se encontram abrangidas pelos efeitos da dupla conforme, impeditiva da interposição da revista normal nos termos do art. 671.º, n.º 3, do CPC. II - Se for omitida ou incorretamente exercida tal atividade processual de sindicância da matéria de facto impugnada - que constitui pronúncia originária que compete unicamente à 2.ª instância - esse incumprimento dos deveres impostos no art. 662.º do CPC comporta naturalmente a interposição de revista normal para o STJ. III - É o que sucede, por exemplo, quando o tribunal da Relação rejeita indevidamente a impugnação de facto com fundamento em incumprimento das exigências consignadas no art. 640.º, nºs 1 e 2, do CPC que afinal não se verifica; quando não se debruça, com a suficiência, a autonomia e a completude exigíveis, sobre a análise de toda a matéria concretamente impugnada, refugiando-se em considerações de natureza geral ou tabelar que não se traduzem em qualquer efetivo reexame dos factos que o recorrente alegou encontrarem-se incorretamente decididos; quando descura a exposição da fundamentação que permite objetivamente compreender o percurso intelectual subjacente à reanálise da prova. …”.
Feitas estas considerações, vejamos o objeto do recurso de revista nesta matéria.
Importa considerar as conclusões 25ª a 40ª, analisadas à luz das respetivas alegações, das quais resulta que os Recorrentes invocam violação de força probatória de meio de prova, subsumível ao nº 3 do art. 674º do CPC (págs. 27 e 34 das alegações), bem como mau uso pelo Tribunal da Relação de Guimarães dos poderes que exclusivamente detém no que respeita à reapreciação da matéria de facto realizada pela 1ª instância, e que os Recorrentes pretendem que este Tribunal sindique (págs. 26/27, 33/34, e 37).
Nesta conformidade e conforme se deixou escrito, o recurso de revista nesta matéria não se mostra abrangido pela dupla conforme, e é admissível.
Conclusões 41ª a 46ª do recurso de revista dos RR. (indemnização fixada a título de danos não patrimoniais)
Na reconvenção, os RR./Reconvintes pediram a condenação da A./Reconvinda a pagar-lhes a quantia de €60.000,00 (€30.000,00 para cada R.), a título de danos não patrimoniais.
O tribunal de 1ª instância julgou a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência condenou a A./Reconvinda a pagar a cada um dos RR. o montante de €25.000,00, a título de danos não patrimoniais.
Por sua vez, o Tribunal da Relação, na procedência parcial da apelação da A., alterou a decisão da 1ª instância, e condenou a A./Reconvinda a pagar a cada um dos RR. a quantia de €15.000,00, a título de danos não patrimoniais.
O recurso de revista dos RR./Reconvintes nesta matéria é admissível, uma vez que o Tribunal da Relação de Guimarães diminuiu o montante indemnizatório fixado, pelo que não confirmou a decisão da 1ª instância, ao contrário do que sustenta a A./Reconvinda, não ocorrendo nesta matéria dupla conformidade.
Acresce que o recurso é admissível atento o valor da causa e da sucumbência (art. 629º, nº 1, do CPC e AUJ nº 10/2015).
*
2. Conclusões 25ª a 40ª do recurso de revista dos RR.
Apreciemos o recurso de revista no que respeita à peticionada indemnização por danos patrimoniais, aquilatando se, ao apreciar a impugnação da matéria de facto, o tribunal recorrido violou norma que fixa a força probatória de determinado meio de prova, e/ou não observou as diretrizes prescritas no art. 607º, nº 4, do CPC, omitindo uma análise crítica da prova invocada pelos apelantes.
Neste âmbito, ao Supremo apenas incumbirá aquilatar se o Tribunal da Relação violou as regras processuais ao apreciar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos referidos, não lhe incumbindo fazer qualquer reapreciação da prova, ou analisar a que foi feita pelo tribunal recorrido, se este se baseou em prova sujeita à sua livre apreciação, nomeadamente, declarações de parte (art. 466º, nº 3, do CPC), testemunhal (art. 396º do CC), e documental (art. 376º do CC).
2.1. Sustentam os Recorrentes que o tribunal recorrido errou na apreciação dos meios de prova constantes dos autos, ofendendo o que legalmente se encontra estatuído em matéria da força probatória do Documento Particular Autenticado (art. 377º do CC), não atentando no “Doc. nº 21 junto pelos ora Recorrentes aos autos com a sua Contestação” (Contrato de cessão de quotas), que comporta o facto não provado 3, na redação que os apelantes pretendiam ver dada como provada, bem como fez incorreta sindicância da matéria de facto impugnada não fazendo o reexame do referido meio de prova indicado pelos apelantes (o contrato de cessão de quotas) - conclusões 25ª a 30ª e págs. 24 a 27 das alegações.
Não lhes assiste razão.
Na Reconvenção, os RR./Reconvintes alegaram que: “95º Em finais do ano de 2012 e até meados de 2013 os RR. estiveram envolvidos num negócio respeitante à aquisição de quotas da sociedade F..., Lda., que detinha 51% do capital da sociedade L..., S.A., que mantinha a atividade de ginásios/clubes de saúde por todo o território português 96º O R. marido outorgou contrato de cessão de quotas da F..., Lda. através do qual adquire a totalidade das quotas, pelo preço de 170.000,00,a pagar em prestações ao longo de 34 meses, quotas que se encontravam totalmente liberadas e livres de quaisquer ónus, encargos e/ou responsabilidades – cfr. conteúdo de DOC. nº21 que se anexa ao presente 98º Por conta desta aquisição o R. marido chegou a pagar quatro prestações no montante total de 20.000,00€”.
O documento junto com a contestação/reconvenção que se encontra identificado como “Doc. 21” é um print do Banco de Portugal, Central de Responsabilidades de Crédito, não se mostrando numerado o “Contrato de Cessão de Quotas” também junto com a contestação/reconvenção.
Na apelação, os apelantes impugnaram a decisão sobre a matéria de facto e pediram que, com base no “Doc. nº 21” por si junto e não impugnado (no qual é dada quitação), fosse incluída na matéria de facto provada uma nova alínea, com a seguinte redação: “Por conta da cessão de quotas referida em ll), o R. marido chegou a pagar, pelo menos, a primeira prestação, no montante de € 5.000,00.”.
O Tribunal da Relação de Guimarães não deu provimento à pretensão dos apelantes, com a seguinte fundamentação: “Entendem os recorrentes que a título de danos patrimoniais sofridos pelos RR. Apelantes por culpa do comportamento da A. Apelada, tendo em conta que o Doc. nº 21 junto não foi por si impugnado, temos que a quantia de € 5.000,00 que o R. pagou, por conta da cessão de quotas, com a assinatura do contrato que corporiza tal Doc. nº 21, e dela nele é dada quitação, tem de ser dada por provada, com a redação que sugerem na conclusão 6. das alegações. Indicam o sentido da decisão e os elementos de prova em que fundamentam o seu dissenso, aludindo ao documento junto aos autos com o nº 21, que não foi impugnado pela A. recorrida. Mostram-se, assim, cumpridos todos os ónus impostos pelo art. 640º do CPC (cfr. as três alíneas do n.º 1). Cumpre, pois, apreciar. * O facto que os recorrentes pretendem que seja aditado, é o seguinte: “Por conta da cessão de quotas referida em ll), o R. marido chegou a pagar, pelo menos, a primeira prestação, no montante de € 5.000,00.” Entendendo a A. Caixa Geral de Depósitos, S.A. recorrida que não lhe assiste razão, pois o pedido reconvencional formulado pelos RR acha-se desprovido de fundamento legal e factual. Quid iuris? Revisitada a respetiva prova produzida, conclui-se, igualmente, que, in casu, não assiste razão aos apelantes, ou seja, existirem elementos que viabilizem a alteração nos moldes pretendidos. Com efeito, alegaram os RR. no pedido reconvencional em 98º, que “Por conta desta aquisição o R. marido chegou a pagar quatro prestações no montante total de 20.000,00€”, o que foi impugnado em 5. da réplica. Relativamente a este alegado prejuízo, consta dos factos não provados que “3. Por conta da cessão de quotas referida em ll), o Réu marido chegou a pagar quatro prestações no montante total de € 20.000,00.”, rememorando-se a respetiva motivação 13 7, o que não foi impugnado no recurso. Diga-se ainda, quanto ao doc. 21, que se trata de um print do Banco de Portugal relativo a responsabilidades de crédito do R. e comunicada pela A., inexistindo qualquer referência a € 5.000. Verifica-se, assim, que também aqui, os recorrentes nada de novo trazem sobre esta matéria. Resultando evidente nos autos, que na motivação da decisão sobre a matéria de facto, o tribunal recorrido elencou de forma clara e exaustiva os seus argumentos, que aqui se dão por reproduzidos, a fim de evitar repetições. Logo, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo constam do processo e foram devidamente ponderados, entende-se também nada haver aqui a alterar.” (negritos nossos).
Ao contrário do que sustentam os Recorrentes, resulta da fundamentação transcrita que o tribunal recorrido analisou a impugnação da matéria de facto apresentada pelos apelantes, mas entendeu que a mesma não punha em causa a análise da prova feita pelo tribunal de 1ª instância, que subscreveu e teve por reproduzida, e que os apelantes não contrariavam, nomeadamente, no que respeitava ao valor da cláusula 2ª do contrato de cessão de quotas 8 e da falta de elementos de prova concludentes sobre a matéria, acrescentando que o meio de prova indicado pelos apelantes (“Doc. 21”) nada trazia de relevante sobre a matéria.
O tribunal recorrido cumpriu, pois, o ónus que se lhe impunha de análise crítica da inexistência de prova para dar como provada a factualidade que os apelantes queriam ver dada como provada, ainda que socorrendo-se da fundamentação do tribunal de 1ª instância, que teve por reproduzida, na medida em que os apelantes não a punham diretamente em causa.
E não se mostra violada a invocada norma de direito probatório material.
O Contrato de Cessão de Quotas junto com a contestação é um documento particular autenticado.
Nos termos do disposto no art. 377º do CC, os documentos particulares autenticados têm a força probatória dos documentos autênticos.
Ou seja, “fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador” – art. 371º, nº 1, do CC.
Como explicavam Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, 4ª ed., Vol. I, págs. 327/328, em anotação ao art. 371º, “O valor probatório pleno do documento autêntico não respeita a tudo o que se diz ou se contém no documento, mas somente aos factos que se referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo (ex.: procedi a este ou àquele exame), e quanto aos factos que são referidos no documento com base nas perceções da entidade documentadora. Se, no documento, o notário afirma que, perante ele, o outorgante disse isto ou aquilo, fica plenamente provado que o outorgante o disse, mas não fica provado que seja verdadeira a afirmação do outorgante, ou que esta não tenha sido viciada por erro, dolo ou coação, ou que o ato não seja simulado. (...).”.
Também Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, no Comentário ao Código Civil, Parte Geral, UCE, pág. 852/853, em anotação ao art. 371º do CC, escreve que “Não é sempre a mesma a força probatória material de um documento autêntico: depende da razão de ciência invocada. Assim, ficam plenamente provados os factos que nele se referem como tendo sido praticados pela entidade documentadora, autora do documento (que conferiu a identidade das partes, que lhes leu o documento …), ou que nele são atestados com base nas suas perceções (por ex., as declarações que ouviu ou os atos que viu serem praticados); mas os meros juízos pessoais do documentador (que a parte se encontrava no pleno uso das faculdades mentais ou semelhante) ficam sujeitos à regra da livre apreciação pelo julgador. As declarações de ciência ou de vontade, cuja emissão é atestada pelo documentador, terão valor probatório especial ou não, de acordo com a sua natureza. … A força probatória do documento também não tem qualquer repercussão na validade ou na veracidade da declaração documentada, nem é questionada por eventual arguição de vícios na formação da vontade ou de divergências entre a vontade e a declaração”.
A força probatória plena do Contrato de Cessão de Quotas junto respeita aos atos praticados pelo documentador que autenticou o documento, verificando as assinaturas dos seus outorgantes e respetivas qualidades em que intervinham pela análise dos documentos que refere terem-lhe sido exibidos.
Não faz qualquer prova, muito menos plena, quanto à veracidade do que consta do documento (particular), e não tendo a Recorrida tido intervenção no mesmo, não tem aplicação o disposto no art. 376º do CC, sendo certo que impugnou a factualidade alegada pelos Recorrentes.
Não colhe, pois, a pretensão dos Recorrentes.
2.2. Mais uma vez, os Recorrentes sustentam que o tribunal recorrido não teve em conta a força probatória do “Doc. nº 21”, e não fez uma análise crítica da prova indicada pelos apelantes (depoimento da testemunha CC), limitando-se a considerações lapidares, no que se refere à impugnação do facto não provado 4, e à sua pretensão de que a referida factualidade fosse dada como provada, nos termos propostos, aditando-se a respetiva alínea à factualidade provada - conclusões 31ª a 36ª e págs. 28 a 34 das alegações.
Sustentam, também, os Recorrentes que, relativamente à impugnação do facto não provado 5 e respetiva alínea que pretendiam ver dada como provada, o tribunal recorrido se limitou a fazer uma apreciação “lapidar” - conclusões 37ª a 40ª e págs. 34 a 37 das alegações.
No que respeita à violação de força probatório de meio de prova remete-se para o que supra se deixou já escrito, não assistindo razão aos Recorrentes.
E também se nos afigura que não lhes assiste razão quanto ao mau uso dos poderes do Tribunal da Relação, que os Recorrentes não configuram em termos consistentes.
Apreciando a impugnação da matéria de facto quanto aos factos não provados mencionados, escreveu-se no acórdão recorrido: “… O facto que os recorrentes pretendem que seja eliminado é o seguinte: 4. Por força da desistência do negócio aludido em ll), o Réu teve como prejuízos diretos a quantia de € 35.000,00 [correspondente ao montante de € 20.000,00, referidos em 4., e ao montante de € 15.000,00, aludido em nn)] e, como prejuízos indiretos, a importância de € 40.000,00 (a título de suprimentos) e lucros cessantes, insuscetíveis de quantificar. e aditados os seguintes: “Por força da desistência do negócio aludido em ll), o R. marido teve como prejuízos directos pelo menos a quantia de € 20.000,00 [correspondente ao montante de, pelo menos, € 5.000,00 pagos a título de 1ª prestação no contrato aludido em ll), e de € 15.000,00 aludido em nn)] e, como prejuízos indirectos, a importância de € 40.000,00 (a título de suprimentos) e lucros cessantes, a liquidar no correspondente incidente”. “Em virtude do mencionado em xx) a ddd), o Réu marido e os sócios da V..., Lda., tiveram prejuízos de valor não concretamente apurado, a liquidar no correspondente incidente” 9. Motivando a decisão que versa sobre a questão ora em análise, o Tribunal a quo considerou o que extensamente consta supra transcrito em 3 – OS FACTOS, que especificamente se passa a reproduzir: - No que se reporta à frustração de negócios e às consequências de índole patrimonial [als. kk) a qq) e uu) a ddd)]: Segundo a alegação dos Réus, por ter sido recusada ao Réu marido a abertura de uma conta em resultado da comunicação de incumprimento registada junto do Banco de Portugal, levou a que este tenha desistido do negócio de aquisição de quotas da sociedade F..., Lda., a qual, por sua vez, detinha 51% do capital da sociedade L..., S.A.). Mais invocaram que, no desenvolvimento das negociações, foi formalizada a cessão de quotas, no âmbito da qual o Réu pagou quatro prestações de € 20.000,00 e emprestou à F..., Lda., a quantia de € 15.000,00 e tinha sido convencionado que aquele teria direito aos suprimentos no montante de € 40.000,00. No que se reporta à motivação desse negócio, referiram que a aquisição das quotas por parte do Réu representava a resolução de problemas de falta de know-how e também financeiros, com vista à obtenção de crédito bancário, indo assumir as funções de presidente do conselho de administração e, que, nesse âmbito foi abrir uma conta bancária, tendo sido confrontado que o não poderia fazer por existir uma informação de incumprimento no sistema financeiro junto do Banco de Portugal. Em primeiro lugar, resultou demonstrado, quer da audição do declarante de parte e da testemunha CC, quer da ponderação do conteúdo do documento de fls. 144 a 147, o Réu marido desenvolveu negociações no sentido da aquisição de uma parcela de capital na sociedade F..., Lda., e que, em concretização dessas negociações, foi formalizada a cessão de quotas de fls. 144 a 147, e que, para as mesmas, teve peso a experiência profissional do Réu marido na área da gestão desportiva, que seria uma mais valia para o projeto [als. jj) a oo)]. Decorreu ainda do documento de fls. 153 que existiu um contrato de mútuo, entre o Réu e a F..., Lda. [al. nn)]. Também com base nas declarações do Réu e do depoimento de CC, conjugado ainda com o prestado por DD, resultou que, na sequência da celebração do contrato de cessão de quotas, foi tentado por parte daquele a abertura de uma conta bancária, com vista ao recurso ao crédito, relacionada com a atividade da empresa L..., S.A., o que foi recusado por causa do registo quanto ao incumprimento junto da central de responsabilidades de crédito e que essa circunstância levou à desistência do negócio [als. pp) a qq)]. Como acima já se referiu, CC, que fazia parte do capital da L..., S.A., e que tinha tido um desentendimento com o seu sócio (EE), estava envolvido no negócio de cessão de quotas, confiando que o Réu seria a pessoa certa para resolver os problemas que aquela empresa enfrentava, e, por isso, demonstrou estar a par das vicissitudes que levaram à frustração da solução que implicava a entrada daquele na sociedade F..., Lda.. Por outro lado, DD, funcionária da A..., foi contactada pelo Réu, que lhe relatou a situação com a CGD, e pediu-lhe para confirmar se se encontrava com mora registada no Banco de Portugal, informação que lhe tinha sido veiculada na data em que tentou abrir uma conta bancária noutra instituição. Pela razão de ciência demonstrada e pela congruência com os documentos de fls. 144 a 147, fls. 153 e fls. 242/verso, tal determinou a resposta positiva constante das als. kk) a qq). Não obstante a demonstração desses atos negociais (em particular, a cessão de quotas e o mútuo), não foi efetuada prova de que o Réu perdeu € 20.000,00, a título de prestações realizadas por ocasião da celebração da cessão de quotas, e de € 15.000,00, a título de empréstimo [al. 4.]. De um lado, apesar de o Réu ter declarado que efetuou essas prestações, não trouxe prova documental da sua realização (designadamente, comprovativo da transferência, da entrega de cheque, extrato bancário comprovativo do levantamento, etc). Também não foram ouvidas as contrapartes nesse negócio de cessão de quotas nem do mútuo, cabendo referir que a declaração que consta na cláusula 2., do contrato de cessão (quanto ao pagamento da quantia de € 5.000,00), é oponível aos nele intervenientes, mas não à Autora. De outro lado, e quanto ao mútuo, atenta a feição deste contrato, o montante emprestado deveria ser restituído, como, aliás, se prevê expressamente no texto do mesmo (cfr. fls. 153). Por fim, e quanto ao contrato de cessão, havendo desistência do negócio, acha-se pouco crível que o Réu marido não tivesse procurado negociar a devolução de quaisquer quantias pagas em sua execução. Depois, quanto aos suprimentos, não obstante o know-how com que o Réu contribuiria (e a que se reportou a testemunha CC – al. jj), inexistem elementos que permitam deduzir, com base num juízo de probabilidade, que o negócio comportar-se-ia nos termos considerados à data da celebração, desde logo atenta a incerteza do mercado, sendo de realçar o facto de a testemunha CC ter referido que a L..., S.A., pediu a insolvência (o que indicia que os problemas existentes nessa sociedade, que são aflorados na contestação, não eram de fácil resolução, tornando mais incerta a chance de o Réu vir a recuperar créditos a título de suprimentos). A confirmar os problemas de solvência económica dessa empresa está ainda o e-mail de fls. 221/verso, da autoria do Réu, onde refere que “[a] L..., S.A., na data, estava na iminência de uma insolvência ou de um PER (…)”. É ainda de notar que, no âmbito das negociações extrajudiciais estabelecidas com a CGD, o Réu apresentou uma proposta de regularização do conflito que passava pela fixação da quantia de € 6.967,64 e que aceitaria a resolução do diferendo, mediante a declaração por parte da CGD da inexistência de qualquer valor em débito, imputando-se aquela importância à “compensação de eventuais prejuízos que possam ter sido causados pelo anormal funcionamento dos Serviços” (cfr. fls. 276/verso). Esta proposta foi apresentada no dia 14 de abril de 2014, após, como se disse, a desistência do negócio a respeito da sociedade F..., Lda.. Atenta a significativa diferença entre os prejuízos reclamados nesta ação com respeito a esse negócio (líquidos de € 75.000,00 e outros por liquidar), e o montante que estava em discussão no referido e-mail (€ 6.967,64), não se considera plausível que, caso os Réus efetivamente tivessem tido perdas naquele montante, estariam dispostos a aceitar a regularização do conflito nos termos ali indicados. O que, a nosso ver, é mais um fator a infirmar que, por força da desistência do negócio, os Réus tenham tido as perdas por si invocadas ou outras ainda por verificar. De referir, ainda neste âmbito, que deu-se como não provado que a empresa L..., S.A. tenha sido avaliada em € 13.254.000,00 [al. 7.], pois que o relatório que consta de fls. 154 a 161 é relativo a um imóvel, nada se dizendo no seu teor que fazia parte do património imobiliário daquela sociedade. Para além deste negócio, alegaram os Réus de que, na sequência de negociações desenvolvidas, havia a possibilidade de firmar um contrato de distribuição exclusiva de máquinas em Portugal e em Espanha com a sociedade V..., Lda. (entretanto constituída), para o que seria necessário o recurso ao crédito, o que lhe foi negado por causa da existência de incumprimento registado, causando prejuízos que não são passíveis de quantificar, mas não inferiores a € 350.000,00. Quanto às negociações, através da empresa V..., Lda., e uma empresa alemã, teve-se em conta quer as declarações do Réu marido, quer do filho FF (que fazia parte da estrutura social daquele), quer ainda do documento de fls. 163 a 167 [als. xx) a aaa)]. Por outro lado, quanto às tentativas de obtenção de crédito junto do Banco Santander [als. bbb) a ddd)], para além do depoimento de GG (funcionário bancário dessa instituição e familiar dos Réus, que descreveu as diligências encetadas pelo Réu marido), teve-se em conta os e-mails de fls. 168 a 170 e 294 a 296, enviados no intuito de obter o financiamento. Diga-se, aliás, no que se refere à impossibilidade de recurso ao crédito, que isso é decorrente do registo do incumprimento junto da central de responsabilidades de crédito (facto que foi referido pela testemunha funcionária bancária HH, mas que foi admitido pela própria Autora no artigo 66.º, da réplica – cfr. maxime fls. 177) Depois, quanto à perspetiva de obtenção de proventos, se concretizada a distribuição exclusiva, salvo o devido respeito, inexistem elementos que permitam deduzir a obtenção dos rendimentos esperados pelo Réu [e daí a resposta negativa que consta da al. 5.], atenta a ausência de apresentação de quaisquer estudos de mercado e considerada também a incerteza deste (o qual, aliás, no período posterior a 2019, que seria o aqui relevante, foi assolado pelos efeitos da situação pandémica provocada pela propagação do vírus Covid-19, que teve repercussões diretas nas atividades desportivas ou outras relacionadas, conquanto implicassem o contacto entre pessoas, tendo havido a sua paralisação). Entendendo a A. Caixa Geral de Depósitos, S.A. recorrida que não lhe assiste razão, pois o pedido reconvencional formulado pelos RR acha-se desprovido de fundamento legal e factual. Quid iuris? Revisitada a respetiva prova produzida, quanto a esta matéria alegada no pedido reconvencional pelos RR. e relativa à frustração de negócios e às consequências de índole patrimonial, conclui-se também não assistir razão aos apelantes, por inexistência de elementos que viabilizem a alteração nos moldes pretendidos. Não se tendo, pois, adquirido convicção diferente daquela obtida pelo Tribunal da 1ª instância. Mesmo sem a mais valia que representa a imediação, não nos ficaram quaisquer dúvidas quanto à credibilidade atribuída aos depoimentos e declarações, bem como aos documentos em causa, tal como clarividente consta da motivação. Verifica-se, assim, que também aqui, os recorrentes nada de novo trazem sobre esta matéria, pretendendo tão só que seja feita uma valoração diferente e subjetiva daquela efetuada pelo Tribunal a quo, ou seja, no essencial, relativamente aos factos ora em questão, dissentem da decisão, assentando exclusivamente na sua versão dos factos e interpretação que fazem da prova. Resultando evidente nos autos, que na motivação da decisão sobre a matéria de facto, o tribunal recorrido elencou de forma clara e exaustiva os seus argumentos, que aqui se dão por reproduzidos, a fim de evitar repetições. Logo, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo constam do processo e foram devidamente ponderados, entende-se também aqui nada haver a alterar.” (sublinhados nossos).
O que resulta da fundamentação do tribunal recorrido é que ponderou os meios de prova indicados na motivação da fundamentação de facto do tribunal de 1ª instância, nomeadamente o depoimento da testemunha indicada pelos apelantes, e formou a mesma convicção, à qual aderiu e teve por reproduzida por considerar clara e exaustiva, nada obstando a que o fizesse.
Nada permite concluir que o tribunal recorrido não tenha ponderado a prova produzida, nomeadamente o depoimento da testemunha indicada pelos apelantes.
O que resulta da fundamentação é que o tribunal recorrido decidiu manter a decisão da 1ª instância sobre a factualidade impugnada, por entender que estava de acordo com a prova produzida, e reproduziu a respetiva fundamentação por ser suficientemente clara e desenvolvida, dispensando outras justificações ou repetições.
Em conclusão, não procedem as pretensões dos Recorrentes nesta matéria.
3. Conclusões 41ª a 46ª do recurso de revista dos RR.
O tribunal de 1ª instância condenou a A./Reconvinda a pagar a cada um dos RR./Reconvintes a quantia de €25.000, a título de danos não patrimoniais.
O Tribunal da Relação de Guimarães reduziu o montante indemnizatório a €15.000 para cada um dos RR./Reconvintes.
Insurgem-se os Recorrentes contra o decidido, sustentando que o tribunal recorrido não atentou devidamente na gravidade do comportamento da A. espelhado nos factos provados iii), jjj), kkk) e lll), na especial e continuada censurabilidade do seu comportamento, nem na sua notória situação económica, nem foi ponderada a situação dada por provada dos Recorrentes, devendo manter-se a indemnização fixada em 1ª instância.
Apreciemos.
Os montantes indemnizatórios fixados pelas instâncias a título de danos não patrimoniais foram-no com recurso à equidade (arts. 496º, nº 4 e 566º, nº 3, do CC).
Conforme jurisprudência uniforme deste tribunal, não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar os valores exatos dos montantes indemnizatórios concretamente arbitrados, cingindo-se a sua apreciação “ao controle dos pressupostos normativos do recurso à equidade e dos limites dentro dos quais deve situar-se o juízo equitativo, nomeadamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade conducentes à razoabilidade do valor encontrado” (Ac. do STJ de 15.09.2016, P. 492/10.0TBBAO.P1.S1 (António Joaquim Piçarra), em www.dgsi.pt).
Conforme se sumariou no Ac. do STJ de 20.11.2019, P. nº 107/17.5T8MMV.C1.S1 (Nuno Pinto Oliveira), em www.dgsi.pt, a sindicância do Supremo na fixação equitativa da indemnização, deve fazer-se em quatro planos: “Em primeiro lugar, o Supremo Tribunal de Justiça deve averiguar se estavam preenchidos os pressupostos do recurso à equidade. Em segundo lugar, se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida. Em terceiro lugar, deve averiguar se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados — se, p. ex., no caso da indemnização por danos não patrimoniais, foram considerados o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado. Em quarto lugar, o Supremo deve averiguar se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados.”.
No caso, não se põe em causa o recurso à equidade, centrando-se a discordância no montante fixado pelo tribunal recorrido, competindo, assim, ao Supremo Tribunal de Justiça efetuar o possível controlo dos limites dentro dos quais foi realizado o juízo equitativo, na devida ponderação das circunstâncias do caso concreto.
O tribunal de 1ª instância fundamentou o montante indemnizatório fixado nos seguintes termos: “… Com relevância para este assunto, resultou demonstrado que a Autora, por erro informático, não procedeu à liquidação antecipada do reembolso, conforme tinha acordado com os Réus; que, não obstante os Réus, se terem dirigido à agência da Autora, não informou os Réus do erro incorrido; que propôs uma ação executiva com vista à cobrança do mútuo, na parcela que dizia estar incumprida, a qual foi julgada extinta, por procedência dos embargos deduzidos pelos Réus; e que, quer antes da propositura dessa ação executiva (pelo menos, desde 2013 até já durante a pendência da presente execução), comunicou a situação de incumprimento dos Réus à central de responsabilidades de crédito junto do Banco de Portugal, o que foi causa da impossibilidade de os Réus obterem crédito, para si e para sociedades que o Réu marido representava. Mais se provou que, confrontados com a situação do nome de ambos os Réus constar da base de dados dos devedores de risco junto da central de responsabilidades de crédito, existente junto do Banco de Portugal, os Réus sentiram-se incomodados e humilhados, com alterações de humor, passando dias e noites irritados pela ocorrência de tal situação, situação essa que causou desgaste psicológico e emocional nos Réus, e que, ainda nos dias de hoje, provoca tristeza e angústia, com limitação e privação da progressão da vida pessoal e profissional dos Réus. Por fim, e ainda com pertinência para o que ora se cura, apurou-se que os Réus são pessoas conhecidas na cidade de ... e que o Réu marido, há mais de 30 anos, que se dedica à atividade desportiva e sempre geriu ginásios e locais de saúde desportiva. Os danos elencados assumem gravidade, ultrapassando, largamente, a categoria de meras contrariedades, causando perturbações na esfera emocional dos Réus, maculando o seu bom nome e a sua credibilidade no meio, impondo-se a sua reparação. Nos termos do artigo 496.º, do CCiv (aplicável ex vi o artigo 494.º/4, parte inicial, do CCiv), o montante de indemnização deve ser ficado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso. Segundo Pires de Lima/Antunes Varela, ob. cit., p. 501, o juízo de equidade demanda que se tenha “em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida”. Deve também ponderar-se os casos paralelos, pois que, conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.04.2019, proferido no processo n.º 2758/15.3T8BCL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt, “não se devem perder de vista os padrões indemnizatórios resultantes da prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação, tanto quanto possível, tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 8.º do CC.” Nessa sede, é de relevar: - O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.04.2019, proferido no processo n.º 2758/15.3T8BCL.G1.S1, acabado de referir, no qual, entre outras condutas, estava em causa, quanto à sociedade de crédito, a violação das regras de contratação do contrato de concessão de crédito; a instauração de ações para cobrança coerciva dos créditos aparentemente emergentes de contrato de concessão de crédito; o protelamento da sinalização do autor marido, por incumprimento, junto da central de responsabilidades de crédito do Banco de Portugal; o retardamento do cancelamento do registo de propriedade do automóvel a favor do ali autor marido. Nesse aresto, quanto à instituição de crédito, foi esta condenada no pagamento da quantia de € 15.000,00 a título de danos morais; - No Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24.03.2022, proferido no processo n.º 2708/20.5T8GDM.P1, acessível em www.dgsi.pt, em que estava em causa a responsabilidade do banco pela comunicação à Central de Responsabilidades de Crédito, informa a CRC, em dois meses consecutivos, da pendência do incumprimento e da identidade do fiador, quando, na realidade, já estava extinto pelo pagamento (tendo reparado a informação junto da CRC cerca de 4 meses depois), fixou-se a indemnização de € 10.000,00, pelos danos não patrimoniais sofridos (5). Considerando que, no caso vertente, a errónea comunicação ao Banco de Portugal teve início em 2013 e só cessou em meados de 2022 e que, pelo menos desde a data da prolação do Acórdão pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães (notificado às partes em 20 de outubro de 2017), mediaram, até meados de 2022, cerca de 5 anos; considerando que essa comunicação provocou o retardamento da progressão profissional, sobretudo do Réu marido (afetando o seu empreendedorismo e a associação a novos projetos que implicassem, como sucede as mais as das vezes, o financiamento bancário), o que se refletiu na vida económica do casal; considerando que a impossibilidade de recurso ao crédito impediu também a aquisição a crédito de bens pessoais; considerando a humilhação e vergonha experimentada pelos Réus; considerando a frustração de não ver resolvida a situação e o impacto que isso provocou na dinâmica familiar; considerando que os Réus eram pessoas conhecidas na cidade de ... e o Réu desenvolvia a sua atividade na área desportiva, geriu ginásios e locais de saúde desportiva (ao que está anexo o contacto social); entende-se que os circunstancialismos de facto em causa no presente processo superam, em termos de gravidade, as situações retratadas nos arestos antes citados. Assim, tendo em conta a tipologia dos danos invocados, a capacidade económica da Autora, o grau de culpa, e de molde que a compensação constitua um lenitivo adequado à gravidade da afetação do bom nome e das demais vertentes acima aludidas e seja ainda repressivo da conduta observada (6), entende-se adequada a atribuição da quantia indemnizatória de € 25.000,00, a favor de cada um dos Réus-reconvintes.”.
No acórdão recorrido escreveu-se: “Resta, assim, a questão do quantum da quantia indemnizatória fixada aos RR. a título de danos não patrimoniais, que a recorrente também questiona, pretendendo que seja em valor inferior e de acordo com as decisões jurisprudenciais existentes em situações semelhantes. Na decisão recorrida menciona-se ser de relevar para a fixação do quantum indemnizatório, os seguintes arestos: … Estribando o montante fixado, nos seguintes termos: ... Elencando a recorrente, quanto aos parâmetros da jurisprudência para a fixação da indemnização, as seguintes decisões em casos similares: - € 2.500,00 – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16.5.2019, Cristina Neves, 3906/17, Acórdão da Relação de Lisboa, 15.9.2011, processo 6771/09.1TBOER.L1-8; - € 3.500,00 – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28.1.2014, Anabela Carvalho, 1776/11; - € 5.000,00 – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.9.2017, Jorge Leal, 15249/15; - € 6 000,00 – cfr. acórdão da Relação do Porto, de 28.4.2015, processo 5472/12.8TBMTS.P1; - € 7 500,00 – cfr. acórdãos do STJ, de 18.01.2011 e de 19.5.2011, respetivamente no processo 6725/04.4TVLSB.L1.S1 e no processo 3003/04.2TVLSB.L1.S2; - € 10.000.00 - cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.5.2014, Isabel Fonseca, 1723/10; processo 1723/10.1TXLSB.L1-1 e acórdão da Relação do Porto, de 27.5.2010, processo 671/08.0TBPFR.P1; - € 15.000,00 – cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 12.01.2012, processo 6512/04.0TVLSB.L1-2. Ora, resulta do disposto no art. 496º/1 e 3 do CC que, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo o montante da indemnização fixado equitativamente pelo Tribunal. A indemnização por danos não patrimoniais, não podendo embora anular o mal causado, destina-se a proporcionar uma compensação moral pelo prejuízo sofrido. tratando-se de danos de natureza infungível, não sendo possível a reconstituição da situação que existia anteriormente ao evento danoso, procura-se apenas proporcionar ao beneficiário, através da indemnização, o gozo de possíveis situações de bem-estar decorrentes da utilização desse dinheiro. No que se refere ao juízo de equidade, tem a jurisprudência entendido de modo uniforme que não deve confundir-se a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjetivismo do julgador, devendo a mesma traduzir “a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei”, devendo o julgador “ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida (…)”. Finalmente, entende-se que a indemnização a fixar deverá ser justa e equitativa, ou seja, não se apresentar como um montante meramente simbólico ou miserabilista, mas antes representar a quantia adequada a viabilizar uma compensação ao lesado pelos padecimentos que sofreu em consequência do ocorrido. No caso dos autos, a 1.ª instância considerou estes danos com gravidade suficiente para lhes arbitrar uma indemnização. Estando, aqui, agora, em causa, o seu quantum. Nesta questão da fixação dos danos não patrimoniais, deveremos, desde logo e como modo de comparação, lançar mão das indemnizações fixadas pelos Tribunais a propósito do dano em situações com algumas similitudes. Sendo o elenco já supra referido adequado e elucidativo, bem como o enquadramento do caso. Como assim, tudo ponderado, vista a dimensão deste dano não patrimonial suportado, consideramos que o juízo de equidade impõe a fixação de uma indemnização abaixo do montante fixado, ainda que de igual valor ao mais alto fixado pela jurisprudência em casos similares, in casu, de € 15.000,00, a favor de cada um dos Réus-reconvintes, revogando-se nesta parte a sentença recorrida.”.
Da análise comparativa das duas fundamentações resulta que o único ponto em que se afastaram foi na ponderação da jurisprudência sobre situações com algumas similitudes.
De facto, o tribunal recorrido não manifestou qualquer discordância quanto à factualidade que o tribunal de 1ª instância salientou na sua ponderação, apenas se tendo referido à necessidade de “lançar mão” das indemnizações fixadas pelos Tribunais a propósito do dano em situações com algumas similitudes, “desde logo e como modo de comparação”, e foi nessa base que entendeu ser de reduzir o montante indemnizatório.
Da factualidade dada como provada resulta que “a Autora, por erro informático, não procedeu à liquidação antecipada do reembolso, conforme tinha acordado com os Réus; que, não obstante os Réus, se terem dirigido à agência da Autora, não informou os Réus do erro incorrido; que propôs uma ação executiva com vista à cobrança do mútuo, na parcela que dizia estar incumprida, a qual foi julgada extinta, por procedência dos embargos deduzidos pelos Réus; e que, quer antes da propositura dessa ação executiva (pelo menos, desde 2013 até já durante a pendência da presente execução), comunicou a situação de incumprimento dos Réus à central de responsabilidades de crédito junto do Banco de Portugal, o que foi causa da impossibilidade de os Réus obterem crédito, para si e para sociedades que o Réu marido representava. Mais se provou que, confrontados com a situação do nome de ambos os Réus constar da base de dados dos devedores de risco junto da central de responsabilidades de crédito, existente junto do Banco de Portugal, os Réus sentiram-se incomodados e humilhados, com alterações de humor, passando dias e noites irritados pela ocorrência de tal situação, situação essa que causou desgaste psicológico e emocional nos Réus, e que, ainda nos dias de hoje, provoca tristeza e angústia, com limitação e privação da progressão da vida pessoal e profissional dos Réus. Por fim, …, apurou-se que os Réus são pessoas conhecidas na cidade de ... e que o Réu marido, há mais de 30 anos, que se dedica à atividade desportiva e sempre geriu ginásios e locais de saúde desportiva”, “a errónea comunicação ao Banco de Portugal teve início em 2013 e só cessou em meados de 2022 e que, pelo menos desde a data da prolação do Acórdão pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães (notificado às partes em 20 de outubro de 2017), mediaram, até meados de 2022, cerca de 5 anos; … essa comunicação provocou o retardamento da progressão profissional, sobretudo do Réu marido (afetando o seu empreendedorismo e a associação a novos projetos que implicassem, como sucede as mais as das vezes, o financiamento bancário), o que se refletiu na vida económica do casal; … a impossibilidade de recurso ao crédito impediu também a aquisição a crédito de bens pessoais”.
O tribunal recorrido entendeu que o montante indemnizatório deveria ser fixado em “igual valor ao mais alto fixado pela jurisprudência em casos similares”, tendo em conta o Ac. da RL de 12.01.2012, processo 6512/04.0TVLSB.L1-2.
Os Recorrentes, embora não pondo em causa esta ponderação, sustentam que o tribunal recorrido não atentou devidamente na gravidade do comportamento da A., na especial e continuada censurabilidade do seu comportamento, nem na sua notória situação económica.
Afigura-se-nos que para além de uma ponderação das circunstâncias concretas do caso, se terá, também, de ter conta uma perspetiva atualista e evolutiva no quadro da ponderação de situações semelhantes.
Como se escreveu no Ac. do STJ de 12.04.2023, P. nº 935/20.4T8VRL.G1.S1 (Jorge Dias), em www.dgsi.pt, “Devem ser observados os padrões de indemnização seguidos pela prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 8º do Cód.Civil. Não se pode atender só à prática seguida pela jurisprudência de equivaler indemnizações para factos semelhantes e estagnarem os montantes indemnizatórios, porque os termos de comparação se referem a situações passadas, devendo ser tida em conta a evolução, fazendo o acompanhamento do aumento do custo de vida (inflação) e o aumento dos rendimentos médios das pessoas. E as indemnizações a atribuir por danos não patrimoniais não podem ser meramente simbólicas, devendo antes mostrar-se adequadas ao fim a que se destinam, ou seja, atenuar a dor sofrida pelo lesado e também reprovar, no plano civilístico, a conduta do agente.”.
Tendo em conta a factualidade provada, a gravidade do comportamento da A./Reconvinda que, manteve a errónea comunicação ao Banco de Portugal durante cerca de 5 anos após a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães no processo executivo (ou seja, entre outubro de 2017 e meados de 2022), com reflexos na vida profissional do R., económica, social e psíquica/emocional dos RR. (factos xx) a hhh)), a situação económica da A. e dos RR. (quanto a estes, do que resulta da factualidade provada), e o tratamento jurisprudencial de situações similares (nomeadamente os Acs. da RL de 12.01.2012, P. nº 6512/04.0TVLSB.L1-2 e do STJ de 11.04.2019, P. nº 2758/15.3T8BCL.G1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, ponderados pelas instâncias), numa perspetiva atualista e evolutiva, como referido, deve dar-se provimento à pretensão dos Recorrentes, repristinando o valor indemnizatório fixado em 1ª instância, por se afigurar ajustado, respeitando os imperativos ditados pelos parâmetros de equidade utilizados.
Concede-se, pois, parcial provimento ao recurso de revista, devendo alterar-se a decisão recorrida em conformidade
As custas, na modalidade de custas de parte, são a cargo de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento – art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em julgar conceder parcialmente revista, na parte conhecida, alterando a decisão recorrida na parte relativa ao montante da indemnização a pagar pela A./ Reconvinda aos RR./Reconvintes pelos danos não patrimoniais, que se fixa em €25.000,00, a favor de cada um, mantendo-se o demais decidido.
Custas nos termos referidos.
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Lisboa, 2025.06.17
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Cristina Coelho (Relatora)
Rosário Gonçalves
Luís Correia de Mendonça
SUMÁRIO (da responsabilidade da relatora):
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1. Os RR. interpuseram recurso de revista normal, parcialmente não admitido por despacho de 2.4.2025 (refª ......45), transitado em julgado, no respeitante às conclusões 6ª a 24ª, e de revista excecional (conclusões 1ª a 5ª), não admitido pelo acórdão da Formação de 22.1.2025 (refª ......27).↩︎
2. Entre outros, cfr. os Acs. do STJ de 7.09.2020, P. nº 12651/15.4T8PRT.P1.S1 (Ricardo Costa), e de 15.12.2022, P. nº 5080/18.0T8MTS.P1.S2 (Nuno Pinto de Oliveira), em www.dgsi.pt.↩︎
3. Nestes casos, e como explica Abrantes Geraldes, em Recursos em Processo Civil, 7ª ed. atualizada, pág. 504, “os erros cometidos, ainda que repercutidos diretamente no elenco dos factos provados ou não provados, reconduzem-se, afinal, a erros de direito, inscrevendo-se a sua correção ainda nas atribuições do Supremo que não se fica pela função cassatória, antes deve proceder direta e imediatamente às modificações que o direito probatório material impuser”.↩︎
4. Neste sentido, vejam-se, entre outros, os Acs. do STJ de 13.10.2022, P. nº 12426/18.9T8PRT.P1-A.S1 (Maria da Graça Trigo), de 11.03.2021, P. nº 389/10.3TBCPV.P2.S1 (Rijo Ferreira), e de 21-09-2021, P. nº 2380/08.0TBSTB.P2.S1 (Maria João Vaz Tomé), em www.dgsi.pt.↩︎
5. Cfr. Ac. do STJ de 17.12.2020, P. nº 7228/16.0T8GMR.G1.S1 (Fátima Gomes), em www.dgsi.pt.↩︎
6. Ac. do STJ de 17.05.2017, P. nº 217480/10.6YIPRT.P2.S1 (Lopes do Rego), em www.dgsi.pt.↩︎
7. “13 Nos seguintes termos: Não obstante a demonstração desses atos negociais (em particular, a cessão de quotas e o mútuo), não foi efetuada prova de que o Réu perdeu € 20.000,00, a título de prestações realizadas por ocasião da celebração da cessão de quotas, e de € 15.000,00, a título de empréstimo [al. 4.]. De um lado, apesar de o Réu ter declarado que efetuou essas prestações, não trouxe prova documental da sua realização (designadamente, comprovativo da transferência, da entrega de cheque, extrato bancário comprovativo do levantamento, etc). Também não foram ouvidas as contrapartes nesse negócio de cessão de quotas nem do mútuo, cabendo referir que a declaração que consta na cláusula 2., do contrato de cessão (quanto ao pagamento da quantia de € 5.000,00), é oponível aos nele intervenientes, mas não à Autora. De outro lado, e quanto ao mútuo, atenta a feição deste contrato, o montante emprestado deveria ser restituído, como, aliás, se prevê expressamente no texto do mesmo (cfr. fls. 153). Por fim, e quanto ao contrato de cessão, havendo desistência do negócio, acha-se pouco crível que o Réu marido não tivesse procurado negociar a devolução de quaisquer quantias pagas em sua execução.↩︎
8. Onde é dada a alegada “quitação”.↩︎
9. Não obstante o tribunal recorrido não faça referência ao facto não provado 5, a que os apelantes também não fizeram referência nas conclusões da apelação, teve em consideração o facto que os apelantes pretendiam ver dado como provado nesta matéria.↩︎