I. A interposição de recurso com a invocação de violação do disposto no art. 662.º do CPC, descaracteriza a dupla conformidade decisória impeditiva de recurso de revista.
II. A invocação de ofensa do caso julgado permite a interposição de recurso de revista independentemente da ocorrência de uma situação de dupla conforme.
III. A nulidade da decisão por omissão de pronúncia apenas se verificará nos casos em que ocorra omissão absoluta de conhecimento relativamente a cada questão e já não quando seja meramente deficiente ou quando se tenham descurado as razões e argumentos invocados pelas partes.
IV. Se é certo que não se exige que o Tribunal da Relação percorra, exaustivamente, os elementos de prova indicados pelo recorrente, não menos certo é que se impõe a ponderação de todas as questões de facto suscitadas, de acordo com os elementos de prova indicados.
V. O reforço dos poderes da Relação no tocante à matéria de facto trouxe consigo um dever acrescido de fundamentação, que não se basta com a mera remissão para a sentença da 1.ª instância ou com a afirmação de que a fundamentação de facto se mostra isenta de crítica, impondo-se que analise a prova indicada pelos Recorrentes, independentemente da sua força probatória, e que, em face desta, proceda à sua reapreciação crítica.
Acordam na 6ª secção do Supremo Tribunal de Justiça
RELATÓRIO
Em 12.02.2018, AA e BB, intentaram a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra o BCP - Banco Comercial Português, S.A., pedindo se 1) Declare que o A é o legítimo dono e proprietário, por usucapião, e por doação, da parcela de terreno nordeste do prédio identificada em 1º com a exata delimitação área e configuração ocupada pelas benfeitorias urbanas de “habitação” compostas por moradia com arrumos garagem e piscina, sitas na dita parcela de terreno com a área de construção de 695m2, configuração e confrontações como está delimitada pelas construções nela implantadas e com utilidade e valor económico autónomo, a destacar do prédio urbano de terreno e armazém amplo descrito no art. 1º do petitório, com a consequente retificação da descrição e inscrição predial quanto à sua área e/ou outros elementos que sejam desconformes com a aludida propriedade do A.; 2) Em alternativa, caso assim não se entenda, deve o R. ser condenado a reconhecer a propriedade dos AA., por acessão industrial imobiliária, com a aludida delimitação, confrontações e área da envolvente, das benfeitorias urbanas realizadas (casa com arrumos, garagem e piscina), em comunhão e sem determinação de parte, pelos AA., e, consequentemente, a retificar e corrigir todos e quaisquer registos e seus averbamentos, lavrados ou que tenham entretanto pendentes, dos quais resulte qualquer ocupação ou “propriedade” da parcela de terreno (solo) sita a nordeste do prédio id. em 1º., 3) Mais deve o R., cumulativamente, ser condenado a: a) Reconhecer e respeitar o direito de propriedade e o direito de uso, gozo e habitação dos AA. e a abster-se da prática de qualquer ato que colida e/ou afete este direito; b) Cessar de imediato a intromissão e a prática de qualquer ato que viole o direito de propriedade dos AA. sobre aquela habitação (composta de casa com arrumos, garagem e piscina); c) Promover o destaque da parcela de terreno nordeste ocupada pelas ditas benfeitorias urbanas e a respetiva correção da área, delimitação e confrontações do artigo matricial urbano .86 da freguesa de ... e da descrição predial ..74 da dita freguesia, do concelho de ..., para efeitos dos AA. procederem à correspondente inscrição e registo predial; d) Pagar aos AA. a indemnização que se relega para execução, pelos prejuízos causados e que vierem a causar na quantia que se vier a liquidar. 4) Em alternativa, o que só por cautela se consigna, deve o R. ser condenado a pagar aos AA., na qualidade de possuidores e donos das aludidas benfeitorias urbanas, a quantia não inferior a 458.000,00€ correspondente à valorização incorporada pelos AA. no imóvel dos autos, inerente às construções e trabalho nelas realizadas, de raiz, com a edificação da casa de habitação (com 695 m2) dois arrumos, garagem e piscina, que os AA. realizaram e incorporaram no aludido prédio urbano matricial .86, da freguesia de ..., com a descrição predial ..74, tudo sob pena de tal valorização e incorporação (em obras e trabalhos de construção civil da casa de habitação com piscina no prédio id. em 1º) configurar um enriquecimento sem causa do R.; 5) Condenar ainda o R. no pagamento de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação e até efetivo e integral pagamento.
A fundamentar o peticionado, alegaram em síntese:
Os AA. são os donos de uma parcela de terreno e de casa de habitação, composta de arrumos, garagem e piscina, edificada em parte do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o art. .86º da freguesia de ..., por a terem adquirido por usucapião ou por doação verbal dos pais do autor.
Foram os AA. que construíram tal casa de habitação, com autorização dos pais, constituindo a mesma um incremento comercial significativo ao dito prédio.
Vivem na casa, tendo, por isso, direito à habitação.
A casa de habitação configura uma benfeitoria, o que reclamam.
O R. não é proprietário da casa, embora tenha adquirido o prédio com o art. .86º, numa venda executiva, aos terceiros compradores desse prédio, mas sem a aludida casa/parcela.
Citado, o R. contestou, por impugnação, e terminou pedindo a improcedência da ação.
Depois de várias vicissitudes processuais, em 31.8.2021, foi proferida sentença, que julgou a ação improcedente, e absolveu o R. do pedido.
Inconformados com a decisão, apelaram os AA., tendo o Tribunal da Relação de Coimbra proferido acórdão, em 5.4.2022, que julgou a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
De novo inconformados, os AA. interpuseram recurso de revista, tendo o Supremo Tribunal de Justiça proferido acórdão, em 17.01.2023, julgando procedente (ainda que, em parte, por diferentes fundamentos) o recurso de revista e revogou o acórdão recorrido e, ordenou a baixa dos autos ao tribunal recorrido para que fosse providenciado pela ampliação da matéria de facto nos termos e dentro dos parâmetros explicitados e, em função do que se apurar, tomar conhecimento, ou não, da matéria de facto impugnada no recurso de apelação.
O Tribunal da Relação de Coimbra determinou a remessa dos autos à 1ª instância para que fosse apreciada a ampliação da matéria de facto determinada pelo Supremo Tribunal de Justiça, e, em 13.3.2024, foi proferida sentença, que julgou a ação improcedente, e absolveu o R. do pedido.
Inconformados com a decisão, apelaram os AA., tendo o Tribunal da Relação de Coimbra proferido acórdão, em 11.12.2024, que julgou a apelação improcedente e confirmou a decisão recorrida.
De novo inconformados, os AA./apelantes interpuseram recurso de revista, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1.º Os recorrente não se conformam com o Acórdão recorrido porquanto, em violação do caso julgado do Acórdão do STJ proferido nestes autos em 11/12/2022, fez tábua rasa dos factos alegados pelos AA (principais, complementares e instrumentais) – e respetiva prova documental e testemunhal – inerentes não só ao que “a mãe do A. quis vender/vendeu” mas também e, prima facie, à posse anterior dos Autores sobre a dita parcela de terreno e casa de habitação, ao não pretender conhecer da matéria de facto impugnada e pretendida alterar, como o A. especificadamente indicou e fundamentou cumprindo o ónus que lhe incumbia, por alegadamente insuficiente ou irrelevante para a solução de direito.
2.º Por outro lado, é da factualidade material ordenada ampliar pelo STJ nestes autos (da replica/tréplica – atuais facto 21 provado e factos 6, 18, 21, 25, 26 e 37 julgados não provados na sentença) para conhecimento dos autos de posse do autor e da vontade da mãe do A. aquando da venda do prédio de armazém e logradouro com licença de utilização ...98, por escritura de 26.01.2007, e desta venda do prédio composto de armazém e logradouro (pelo preço de 50.000€) não abranger a parcela norte onde estava a ser edificada (desde 2004) a moradia que passou a ser habitada pelos AA e o seu agregado em 08/2007 (como se mantém a habitar até à presente data) com o valor de 430.000€, que se impõe ao Tribunal a quo decidir e aplicar o direito ao caso concreto, o que não fez, em violação do caso julgado, pois que preteriu o conhecimento e o exame crítico e conjugado da factualidade material corretamente impugnada e constante dos factos 2, 4, 5, 7 a 12, 16 a 35, 40, 41, 43, 54, 55, 58 a 65, 68, 73, 74, 80 a 86 e 107 a 118 da petição inicial, os quais versam precisamente sobre a posse dos AA desde 2004 da parcela norte do prédio e sobre a doação verbal dos pais do A/Recorrente ao mesmo em 2005 e à respetiva prova produzida quanto a esses factos (conclusões 10 a 51 do recurso), o tribunal a quo ora mantém, erradamente, como não provados na sentença porque deles (agora em recurso), não pretende conhecer ou decidir por alegada insuficiência ou irrelevância para a solução de direito!.
3.º Destarte, no que concerne à factualidade alegada na réplica pelos Autores, o Tribunal a quo apenas conheceu sobre parte dos factos – concretamente apenas os factos que o STJ enunciava de forma exemplificativa, no seu Acórdão, como relevantes na ordenada ampliação da matéria de facto - os factos 6, 18º, 21º, 25º, 26, 37 que julgou (erradamente) não provados – pois preteriu conhecer de toda a factualidade material impugnada e pretendida alterar pelos recorrentes com fundamento na pretensa insuficiência ou irrelevância para a solução de direito, decisão com que não se conformam os recorrentes.
4.º Não podem os Recorrentes conformar-se com o Acórdão em crise, desde logo, na parte em que começa por dizer que não entendem a conclusão 9 do recurso em que é invocada uma nulidade da sentença “prevista no art. 615 nº1 do CPC, suas 5 alíneas, e os recorrentes nenhuma indicam, nem da alegação conclusiva se consegue descortinar qual será, a mesma está votada a ser indeferida”, assim, não conhecendo o Tribunal a quo da conclusão 9ª do recurso.
5.º Como o Tribunal a quo entende não conhecer das conclusões 61, 62, 95 e 98º do recurso em que os AA referem que o Tribunal a quo apenas conheceu parte dos factos impugnados da réplica ou resposta dos AA. “– concretamente apenas os factos que o STJ enunciava de forma exemplificativa, no seu acórdão, como relevantes na ordenada ampliação da matéria de facto (os factos 6º, 18º, 21º, 25º, 26º, 37 da replica)” –, “pelo que violou o art. 608 nº2 do NCPC”, entendendo o Acórdão recorrido que a referencia a “omissão do conhecimento” “percebe-se que os recorrentes estão a arguir a nulidade da sentença prevista no art. 615 nº1 d) 1ª parte do NCPC”, sendo que esta omissão de pronuncia “se reporta a questões, isto é, a pedidos, causas de pedir, exceções e não a decisão de matéria de facto, não poderá nunca existir a apontada nulidade” pois a haver algum vício seria no plano da decisão da matéria de facto, e assim, entendeu o Tribunal da relação não conhecer dessas conclusões.
6.º Igualmente decide o tribunal recorrido não conhecer das conclusões 88 e 98º do recurso em que “os apelantes afirmam que ao não valorar factualidade material alegada por eles – a escritura publica de compra do prédio “composto de armazém e logradouro” por CC e DD aos pais do A., em 26.01.2007, “pelo preço de 50.000,00€” , provada por documento autêntico e com fé publica, o tribunal a quo incorreu “na falta de apreciação, valoração e decisão de questões concretas e objetivamente alegadas sobre as quais se impunha conhecer e decidir, importando na violação do disposto nos art. 607º nº4, 608º nº2 e 615º, nº1, al d), do NCPC e, consequentemente, na nulidade da sentença” porquanto, refere o Tribunal a quo, que tal não consubstancia uma nulidade da sentença “mas sim um eventual vicio no plano da decisão da matéria de facto”, pelo que indefere-se arguição de nulidades do acórdão recorrido.
7.º Ora, não cabe porém à Relação escamotear à decisão sobre “as questões” objeto deste pleito – os atos materiais reveladores da posse, pelos autores e seus antepossuidores, sobre a aludida parcela norte do prédio; a doação verbal dos pais do A. aos autores e o reconhecimento aos autores do direito de propriedade sobre a dita parcela do prédio com o artigo .86 – oculada com a construção de uma habitação com a área de 695m2 – e o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre tal construção de moradia, por virtude de usucapião (anterior a 04/2004 – data da apresentação do projeto de arquitetura na camara municipal e da sua implantação na dita parcela) - e da doação aos autores - as quais (“questões”).
8.º Desde logo por tais “questões” do art. 615º nº1 al d) do CPC serem enformadas e preenchidas por factos materiais concretos que as evidenciam, alegados e a provar, na causa a julgar, pelo que, discordando do decidido, se impõe julgar as nulidades procedentes e conhecer dos mesmos factos (e conclusões) por relevante e essencial para a decisão a proferir, conforme decidiu este STJ no seu acórdão de 10/12/2022 e se decidiu no acórdão fundamento ora junto, desde logo por do seu conhecimento, exame critico, valoração e decisão se poder sanar e (agora) pretensa insuficiência ou irrelevância dos “mencionados factos” (conclusões) para a solução de direito.
9.º Acresce que, no ponto 3 do Acórdão recorrido (pag. 26 e ss), refere-se que “os recorrentes impugnam os factos não provados (da p.i) 2., 4., 5., 11., 17. a 35., 40., 54., 55., 58. a 65., 68., 73., 74, 80., 81., 82, 85., 86., 107, 111., 115., 116. e 117 e 118., pretendendo que passem a provados; 21 dos factos provados pretendendo que passe a não provado; 6, 18º, 21º, 25, 36 e 37 (da replica) pretendendo que passem a provados; tudo com fundamento em prova que especificam (cfr. as conclusões de recurso 10º a 51º, 66º a 73º, 77º, 89º a 92º)”, tudo também como a recorrida bem percecionou e respondeu na e o Acórdão em crise igualmente bem enuncia.
10.º Porém, o Tribunal da Relação decide não conhecer da matéria de facto impugnada, ora porque refere que (a conclusão 77º) não tem apoio algum, mínimo que seja, na motivação de recurso ou no “corpo das alegações” e não pode, portanto a recorrente ser convidada a corrigir ou ampliar; ora porque, as outras “ditas conclusões” – que o Tribunal a quo não identifica quais sejam aquelas a que se refere – diz (sem qualquer fundamentação concreta e especificada e, portanto de forma vaga e genérica) que também não encontram apoio na motivação de recurso, é como se não houvesse formulação!
11.º E de forma simplista que o Tribunal recorrido também conclui que “quanto à matéria respeitante aos factos não provados 2, 4, 5, 11, 17 a 35, 40, 54, 55, 58 a 65 e 74, 80, 81 e 82, 85, 86, 107, 111, 115, 116 e 117 (conclusões 10 a 51º) não se vai conhecer de tal impugnação” - a atinente aos atos materiais da posse e da doação -, referindo que “mesmo que tal factualidade passe a provada acabaria por não ter influência na solução de direito e no mérito do recurso”.
12.º Ao assim decidir, em não conhecer do recurso no que concerne à matéria de facto impugnada que se insere na questão da doação verbal não titulada, o tribunal recorrido decide com erro na apreciação da prova produzida, designadamente constate de documentos autênticos ou com fé publica, não impugnados e viola o decidido por este Superior Tribunal de Justiça, em violação de caso julgado.
13.º Para chegar ao entendimento vertido no ponto 3.1. do acórdão em crise, de não conhecer e decidir da matéria de facto impugnada no recurso, o Tribunal recorrido refere, primeiro, que a conclusão 77º “não encontra apoio algum, mínimo que seja, na motivação de recurso” ou “no corpo das alegações” – (relativamente ao facto não provado 118) – e que não se trata “de qualquer conclusão deficiente carecida de aperfeiçoamento” que só é admitido para as conclusões (sendo que tratando-se de matéria de facto, refere, nem sequer há lugar a aperfeiçoamento, pois a lei não admite a que seja convidado a corrigi-las ou ampliá-las), para, depois, estender, infundada, vaga, ambígua e genericamente, a sua incognoscibilidade da matéria de facto impugnada às outras “ditas conclusões” que não especifica ou identifica, concluindo, com manifesta violação do dever de fundamentação (fundamentação aliás inexistente quanto às “ditas conclusões” que “deve considerar-se não impugnada, nessa parte, a decisão recorrida com a consequente impossibilidade de conhecimento, nesse segmento, do objeto de recurso (…)” – cfr as pág. 26 e 27 do acórdão recorrido.
14.º Assim, o aresto recorrido é ininteligível por absoluta falta de cumprimento do dever de fundamentação para o não conhecimento dos factos não provados impugnados pelos Recorrente, importando assim tal entendimento abstrato, vago, deficiente e ambíguo/obscuro quanto à amplitude dessa decisão de não cognoscibilidade dos factos impugnados pelos recorrentes no seu recurso, na nulidade do Acórdão em crise, que desde já se invoca para todos os legais efeitos.
15.º No que respeita ao não conhecimento da matéria de facto impugnada (na parte respeitante aos factos não provados da p.i e da replica e ao facto erradamente julgado 21 provado ou na interpretação de que através deste os mutuários/réu pretenderam incluir a casa de habitação que os pais do autor não quiseram vender e que não venderam, não constando da escritura publica de 26.01.2007 à expressão “e tudo o que a compõe”) por alegada não influência, irrelevância ou insuficiência na solução de direito ou mérito do recurso, o acórdão recorrido viola e incumpre o dever de se pronunciar e decidir sobre todas as questões colocadas à sua apreciação, violando o caso julgado e o Acórdão do STJ nestes autos de 11/109/2022 ao pretender prejudicar o mérito da decisão com o conhecimento de apenas parte dos factos e da prova produzida.
16.º Senão vejamos, refere o Tribunal Recorrido, no ponto 3.2 da parte III sob a epígrafe “Do direito” que quanto à restante matéria de facto impugnada respeitante aos factos não provados 2, 4, 5, 11, 17 a 35, 40, 54, 55, 58 a 65, 68, 73 e 74, 80º, 81 e 82, 85, 86, 107, 111, 115, 116 e 117 (conclusões de recurso 10 a 51) “não se vai conhecer de tal impugnação, atento a decisão que vai ser tomada e que vai ser fundamentada, infra no ponto 4” referindo que “mesmo que tal factualidade passasse a provada acabaria por não ter influência na solução de direito e no mérito do recurso”, precisando de seguida que se “o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante ou insuficiente para a solução da questão de direito e para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto”.
17.º Neste segmento do aresto o Tribunal recorrido incluiu os factos não provados 2, 4, 5, 11, 17 a 35, 40, 54. 55, 58 a 65, 68, 73 e 74, 80, 81 e 82, 85, 86, 107, 111, 115, 116 e 117 (conclusões de recurso 10 a 51), que os recorrentes pretendem que passem a provados “com fundamento em prova que especificam” – vd pág.s 27 e 28 do aresto em crise.
18.º E assim, sem conhecer a matéria de facto impugnada dos factos não provados pretendidos alterar e à prova produzida aos mesmos para alterar o decidido e sem responder às concretas questões das conclusões 10 a 51 do recurso, o Tribunal recorrido limita-se a fazer “tábua rasa” da matéria discutida em julgamento que o tribunal de 1ª instancia julgou (factos provados/não provados) para a sentença que proferiu como tendo, contrariamente ao entendimento do acórdão em crise, “importância para o recurso dos AA e para a solução jurídica da causa”.
19.º Destarte, o Acórdão em crise decidiu sem fazer qualquer análise, apreciação ou valoração à factualidade material concreta impugnada quanto aos indicados factos não provados da sentença - que, “a impugnação de facto deduzida pelos AA visa factualidade que acaba por não se tornar suficiente para o seu recurso, então a referida impugnação não tem que ser conhecida, relativamente à pontada factualidade”
20.º Mais, o Tribunal recorrido ao decidir do não conhecimento de parte do recurso sem conhecer a matéria de facto impugnada fê-lo sem fundamentar o itinerário e o raciocínio logico subjacente sobre porque a considera “irrelevante” ou “insuficiente” para dela não conhecer pois, em tal ponto 3.2 do aresto em crise, apenas abstratamente refere ser insuficiente ou não ter influência, mesmo se provada, na solução de direito, assim decidindo com clara violação do dever geral de fundamentação das decisões, o que importa na nulidade do Acórdão em crise.
21.º Diversamente do decidido, à Relação compete conhecer e alterar da matéria de facto (pois o recorrente não terá outra oportunidade de ver a matéria de facto reapreciada), não podendo, genérica, ambígua e liminarmente, afastar da sua cognoscibilidade toda e qualquer matéria de facto que, de forma abstrata e vaga, considere consubstanciar “irrelevância ou insuficiência jurídica” para a solução de direito, designadamente quando erra na perceção dos factos materiais inerentes à posse dos AA e omite e não apura os factos da posse dos AA antes da construção, ainda aquando da implantação da moradia na parcela (conforme decorre da implantação feita no projeto de construção apresentado à CM em 04.2004) e dos “estudos prévios” ao projeto e/ou mesmo aquando da definição dos limites da parcela de terreno.
22.º Como vem decidindo a Jurisprudência, “A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto visa, mediante a desconstrução das provas, explicar os motivos que conduziram o julgador a um certo convencimento e, por esse caminho, permitir perceber o que o levou a optar por determinada resposta, ou respostas, em detrimento de outras” (ac. da RL, 11.01.2011, processo n.º 152/09.4TBPDL.L1-7, consultado em www.dgsi.pt).
23.º Donde, não basta ao Tribunal a quo referir, no tocante à impugnação da matéria de facto feita pelos AA/Recorrentes de forma discriminada e exaustiva, que “os mencionados factos não tem importância para o recurso dos AA e para a solução jurídica da causa” devendo o tribunal recorrido conhecer das concretas questões e a matéria de facto impugnada e pretendida alterar, sumariada nas conclusões 16 a 51 do recurso, quanto aos factos não provados 2., 4., 5., 11., 17. a 35., 40., 54., 55., 58. a 65., 68., 73., 74, 80., 81. e 82, 85., 86., 107, 111., 115., 116. e 117 e com o exame da respectiva prova produzida, designadamente valorando os documentos autênticos ou particulares aos mesmos e atenta a respectiva força probatória, como decorre dos art. 369º, 371º nº1, 394º, nº1 e 2 do código Civil.
24.º Por outro lado, no ponto 4 do aresto recorrido – referente ao direito de propriedade dos AA sobre a aludida parcela de terreno e da construção com fundamento em doação verbal dos pais do A. -, o Tribunal recorrido conclui e refere, com manifesta simplicidade de análise, que “tal pretensão não pode proceder, pois tal doação (a ter ocorrido) é nula, por falta de forma (…)” .
25.º Na esteira do decidido no douto Acórdão da Relação de Lisboa em 12/17/2009, e ora se transcreve “Resulta diretamente de lei expressa que a doação verbal de imóvel é nula, por falta de forma, pois a doação de coisa imóvel só é válida se for celebrada por escritura pública – art º 947º, nº 1, do Código Civil. Porém, em tese geral, se a essa doação, embora inválida, se sucederem todas as ações e situações que possam ilustrar a aquisição por usucapião, e se se verificarem todas as restantes condições para a constituição da propriedade horizontal, pode a pretensão daí decorrente ser válida, ou seja, também uma situação possessória poderá conduzir à propriedade horizontal.” – vd Ac. Da RL de 12/17/2009, proc nº 1.720/2006.1TBTVD-B.L1-8, in www.dgsi.pt
26.º Para além disso, salienta-se que a alegação e prova do facto constitutivo do direito pode ser feita mediante a junção do documento em que ele conste.
27.º No caso, os AA. juntaram aos autos elementos documentais relevantes de que os pais do A. deram entrada ao projeto de construção da moradia na C.M. ... (doravante ...) e o projeto de construção foi aprovado em Abril de 2004 em nome destes apenas por os pais do A. não lograrem, à data, efetuar o destaque da parcela em virtude de incidir sobre a mesma um ónus de não fracionamento pelo período de 10 anos (conclusões 17, 18, 22, 23, 24, 25 e 75 a 77 do recurso). Não obstante, como foi alegado e os AA./Recorrentes entendem provado, como declaram unanimemente todas as testemunhas arroladas - desde o Arquiteto EE que executou e apresentou o projeto na Câmara Municipal até à funcionária da Conservatória de Registo Predial de ..., FF -, todos sabiam que na dita parcela nordeste do prédio foi implantada e edificada a moradia que vinha sendo idealizada, projetada, implantada, aprovada e edificada desde 2004, sabendo tais testemunhas, por conhecimento direto e pessoal, da impossibilidade do destaque da parcela norte que foi doada verbalmente ao A. em 2005 por existir sobre o prédio um ónus de não fracionamento por 10 anos (com inicio em 1999) conforme a prova registral (certidão da CRP); e da intervenção do A. nos estudos prévios e na conceção e implantação da dita moradia, tendo sido o A. que discutiu a arquitetura e a elaboração dos desenhos da moradia (ampla, moderna, com grande impacto visual e com uma estética atual de linhas direitas, com grandes aberturas) – conclusões 11, 13, 28, 29, 30, 31, 34, 35, 45 a 47, 48 a 50 do recurso -, a qual não era compatível com o conceito tradicional de construção e a idade dos pais do A..
28º Destarte, discordando do decidido atenta a prova produzida e a fundamentação fáctica da sentença (ainda assim suficiente e relevante a estes factos) foi provado a construção da moradia na dita parcela nordeste de terreno do prédio (tipologia T4, com área de construção de 695m2, composta de arrumos, garagem e piscina) conforme aos “estudos prévios”, implantação e projeto de arquitetura apresentados na Câmara Municipal em 04/2004, aprovado em 11/2004, assim edificada até ser habitada pelos Recorrentes em 08/2007 (factos provados 14 e 15 da sentença), como foi ab initio desenhada e projetada pelo A., ao seu “gosto” e segundo a sua vontade.
29.º Tais elementos documentais que integram a certidão emitida pelo Município de ... junta aos autos que inclui o projeto de arquitetura, plantas, especialidades e a memória descritiva, devem ser concreta e objetivamente valorados na decisão final a proferir porquanto deles resulta, clamorosa e notoriamente e conjugadamente com as declarações de AA e os depoimentos das testemunhas GG, FF e HH (vereador à data da aprovação e construção da moradia), que tais linhas arquitetónicas não compatíveis com o estilo e o modo de pensar “tradicional” que os pais do A. tinham, como declarou a testemunha GG, são relevantes para se percecionar, através destas ações e situações concretas, que tal doação, embora inválida, permitem ilustrar a aquisição do A. por usucapião e uma situação possessória suscetível de conduzir à propriedade - vd registo áudio de GG, ata de julgamento de 03.07.2020, sob o nº ....................14, do minuto 24.11 a 25.08 (conclusão 29º do recurso).
30.º Neste sentido, como foi alegado pelos AA/Recorrentes no recurso no âmbito dos factos não provados e pretendidos alterar em recurso, EE, arquiteto, precisou em julgamento que “mais para o final do ano” de 2007 a casa de habitação “já estava habitável”, referindo que a mesma foi edificada segundo o gosto e interesse dos AA., inclusive na escolha dos materiais, das cores, da qualidade (neste sentido, as conclusões 37, 38, 40, 41 e 48 do recurso), no que foi corroborado pelo depoimento claro e com conhecimento direto e pessoal de GG (conclusões 39º, 45 a 47 do recurso).
31.º Contudo, não obstante tudo o alegado no recurso inerente aos atos e situações subsequentes praticados pelos AA. desde a doação verbal pelos pais do AA. da dita parcela (ainda antes da apresentação do projeto de construção à Câmara, em 04.2004), conforme as conclusões 4, 5, 16, 27 a 32, 44 a 51 do recurso, quer quanto ao programa da construção e da escolha dos materiais da moradia pelos AA, quer quanto à sua construção até a dotarem de condições de habitabilidade (conclusão 59), casa de morada de família que os AA passaram a habitar a partir de 08/2007 (factos provados 14 e 15 da sentença) e que habitam e ocupam até à presente data, o Tribunal a quo nada valorou, não ponderando quaisquer dos factos não provados impugnados pelos Recorrentes, limitando-se a referir que “a doação verbal de imóvel é nula”, quando, entendem os Recorrentes, conforme se em também pronunciando a Jurisprudência Superior, assim não se pode concluir, com tal omissão de pronúncia e de apreciação ou valoração dos factos concretos e objetivos impugnados pelos Recorrentes!
32.º Quanto ao ponto 3.3 do aresto em crise, relativamente aos factos julgados não provados 6, 18, 21º, 25, 26 e 37 da réplica na sentença impugnada (conclusões de recurso 89º a 92º), a Relação agora considera serem insuficientes ou irrelevantes para a solução de direito (nomeadamente a sua alteração para provados), pelo que entendeu não conhecer da impugnação especificada dos A/Recorrentes, não valorando a alteração indicada e pretendida em conjugação com a prova produzida (designadamente documental) para a decisão de direito.
33.º Porém o aresto assim decide erradamente e em violação do decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça nestes autos, no intuito de dever ser apurado o que a mãe do A. quis vender na escritura de 26.01.2007 e os concretos atos de posse do A. inerentes à dita moradia implantada na referida parcela norte do prédio, o Tribunal de 1ª instância entendeu não repetir o julgamento nessa parte para inquirição da mãe do A. ou os AA. a esse(s) facto(s) da matéria de facto ordenada ampliar, antes limitou-se a aditar os factos da réplica 6º, 18º, 21, 25º 26 e 37 no elenco dos factos “não provados” da sentença, e acrescentou à “fundamentação” da sentença o referido na parte “A informação registral de fls 24 evidencia que em 29/1/2007 (…)” até “(…) o identificado prédio urbano (cfr fls 88 verso e ss)” (que ora se transcreve na pag. 29 a 31 do acórdão em crise)
34.º Por outro lado, para aparentemente apenas parecer que responde aos factos aditados na réplica - que julga “não provados” - ou aos factos que importam na prova da vontade da mãe do A. aquando da escritura de venda outorgada em 26.01.2007 com os mutuários da exequente, a verdade é que em nenhum momento da nova sentença – e consequentemente do acórdão em crise (cfr as pag.s 29 a 31) – este dedica uma única linha que seja, ou faz qualquer análise ou exame critico à prova, referente à vontade declarada da mãe do A. aquando da outorga da escritura de compra e venda outorgada em 26.01.2007, designadamente face às declarações prestadas pela mãe do A. em julgamento nestes autos (antes de propondo-se o tribunal recorrido contrariar as declarações da mãe do A. neste julgamento com as prestadas outra sentença do apenso da insolvência da resolução de negocio a favor da massa insolvente, em que, inclusive, o tribunal julgou a oposição à mesma resolução de negócio improcedente, anulando a venda do prédio a CC e DD por escritura de 26.01.2007, por entender que o prédio objeto destes autos pertence não a CC e a DD mas antes aos pais do Autor/Recorrente).
35.º Ora, com base na aludida sentença a que alude o Acórdão em crise para, nestes autos, descredibilizar as declarações da mãe do A. quanto ao objeto da venda, a qual julgou a oposição à Resolução de Negócio a favor da massa insolvente totalmente improcedente e anulou a venda do prédio a CC e DD por escritura de 26.01.2007, por entender que o prédio pertence não a estes mas aos pais do Autor/Recorrente, sempre se impunha ao tribunal recorrido, como ora se impõe, reconhecer que o prédio objeto da escritura publica de 26.01.2007, por ter sido judicialmente anulada por sentença transitada em julgado, era e é propriedade dos pais do A., sem prejuízo da doação verbal da dita parcela norte do prédio aos aqui AA/Recorrentes, com a consequente improcedência da pretensão do R/Recorrido.
36.º Acresce que, pese embora entendam que o objeto concreto da compra e venda visado na dita escritura publica de 26.01.2007 foi provado por documento autêntico conforme também a informação registral de fls 24, outorgada entre a mãe do A e o cônjuge e CC e DD, de um prédio composto unicamente de armazém amplo e logradouro com a licença de utilização nº ...98 (do prédio composto de armazém com área de 375m2 e ao logradouro com 1087m2), certo é que o acórdão recorrido omite esse facto provado por documento autentico do elenco dos factos provados, violando as disposições legais que lhe atribuem relevância e força probatória.
37.º E omite do elenco dos factos provados que o preço declarado dessa compra e venda e das declarações negociais constantes da escritura de 26.01.2007 tem por objeto a compra e venda do “prédio composto de armazém amplo e logradouro pelo preço de 50.000,00€”.
38.º O acórdão recorrido omite do exame critico da prova documental produzida nos autos que à data da dita compra do prédio composto de armazém amplo com logradouro (26.01.2007) já a construção da moradia estava implantada na dita parcela nordeste do prédio conforme projeto de arquitetura apresentado em 04/2004 e aprovado em 11/2004 (certidão camarária junta aos autos), de acordo também com os estudos prévios e a arquitetura discutidas entre o arquiteto e o aqui A. (declarações do arquiteto EE).
39.º O acórdão em crise omite do exame critico da prova produzida que à data da escritura e concessão do mútuo de “350.000,00€” a CC e DD (31/05/2007) para o dito prédio composto de armazém amplo e logradouro – factos 16 e 17 da sentença recorrida – já a moradia (do A.) estava já na fase dos acabamentos finais e que os AA e seu agregado familiar a passaram a habitar DOIS MESES DEPOIS, em agosto de 2007 – cfr factos provados 13, 14 e 15 da sentença.
40.º E omite do exame critico da prova pericial produzida que essa moradia - que os AA. habitam desde 08/2007 - está avaliada em, pelo menos, 430.000,00€ - facto provado 13 da sentença e avaliação pericial nos autos.
41.º Neste sentido, veja-se a inverosimilhança do entendimento vertido na sentença recorrida de que os pais do A. quiseram vender ou que venderam a CC e DD em 26/01/2007 a dita moradia implantada na dita parcela nordeste do terreno desde 2004 e em vias de acabamento (com o valor “não inferior a 430.000,00€”) através da dita escritura pelo preço de “50.000,00€”!
42.º É inaceitável e decorre das regras de experiência comum, que os pais do A. tivessem pretendido vender em 2007 tal moradia (em fase de acabamentos finais) a CC e DD que contraíram um mutuo de 350.000€ em 31 de maio de 2007, quantia que lhes foi concedida “por tranches” para a construção de uma (facto provado 16 da sentença), quando os Autores habitam a moradia em causa, com o seu agregado, desde 08/2007 (2 meses depois da concessão do mutuo a CC e DD)!
43.º Como é notório e resulta também das regras da experiência comum, que o dito mútuo do R./ Recorrido aos mutuários CC e DD em 31/05/2007, concedido a estes em “várias tranches que foram sendo depositadas em conta”, não se destinou à construção de moradia no dito prédio, porquanto, como foi provado, os AA. passaram a habitar a moradia por eles edificada na dita parcela norte do prédio escassos dois meses depois, em 08/2007 (factos provados 14 e 15 da sentença).
44.º Neste sentido também, o R. não provou ter a dita moradia sido edificada pelos mutuários no prédio que adquiriram, como não provou ter efetuado avaliação bancária à moradia então na posse dos AA. aquando da concessão do mútuo a CC e DD em 31/05/2007, como aliás as testemunhas do R. se viram obrigadas a admitir e a reconhecer em julgamento por não constar qualquer avaliação bancária à moradia na posse dos AA. no dito processo de concessão de crédito aos mesmos, desconhecendo as ditas testemunhas do R. quaisquer factos sobre a dita moradia dos AA. (em acabamentos finais), que estes logo passaram a habitar em agosto de 2007.
45.º Diversamente do decidido por este Supremo Tribunal de Justiça por douto Acórdão de 10/12/2022 e em violação do caso julgado, o Acórdão recorrido não valorou as declarações das testemunhas e da mãe do A. quanto aos atos materiais de posse da parcela norte do prédio e ao objeto da venda por escritura publica de 26.01.2007 (e ao que a mesma quis vender), pese embora tais declarações tenham sido prestadas pelas mesmas no julgamento e constem da fundamentação fáctica da sentença recorrida, em sentido contrário do Acórdão ora recorrido, o qual decide agora de forma divergente quanto à matéria de facto impugnada e pretendida alterar – que decidiu não conhecer - e com manifesto o erro de julgamento e de apreciação da prova carreada quanto aos factos 6, 21, 25, 26º e 37 da réplica, que devem ser alterados de não provados para provados.
46.º Ora, consta da fundamentação fáctica da sentença recorrida, FF funcionária dos registos da Conservatória de registo predial de ... à data, declarou e se transcreve que “Viu documento apresentado com requerimento de 30/11/2018 (fotografia aérea) e nela identificou a quinta que referiu. O armazém identificou como sendo a edificação com telhado com três riscas brancas. Disse que em 2006 quando o AA se casou a construção já estava avançada. Ainda não tinha sido feito o destaque porque ainda não tinham decorrido dez anos desde a data do destaque anterior. Disse que a II pretendeu fazer a doação da parcela ao AA o que não fez por não ser possível fazer o destaque. A II sempre disse que só vendia o armazém e não a casa porque a casa era onde eles habitavam. No seu entender não seria razoável que os pais do autor tivessem vendido o imóvel em causa pelo valor de 50.000€. Tinha este valor como razoável para o armazém. Para o armazém e para a casa era um valor “irrisório”.
47.º E consta da fundamentação fáctica da sentença e ora se transcreve, que II, mãe do A., declarou “que o filho fez obras no armazém em 2010 e que vendeu ao CC por 50.000€. Tendo-lhe sido perguntado porque o filho fez obras no armazém já depois da venda disse que fez-lhe a venda do armazém sempre com o intuito de voltar a comprar. Tinha um contrato de comodato. “Éramos nós que continuávamos lá todos dentro”. “Sobre documento 21 disse ser cheque do AA para pagar madeiras da casa dele. Que o documento 23 são betonilhas à volta da piscina. E os documentos 21 a 28 diz que são pagamentos do AA a fornecedores de materiais para construção da casa”. “Os acabamentos foram escolhidos pelo AA e pela esposa. Na altura que “nós deixámos” estavam por executar em obra cerca de 80.000€. O AA pediu 160.000 ao Finibanco e mais dois créditos junto do Santander de Banco Popular cerca de 10.000€ junto de cada”. – cfr factos provados 4, 5º, 6º, 7 e 8 da sentença.
48.º Sobre a escritura de compra e venda de 26.01.2007, a mãe do A. declarou em julgamento que “Quando fez a venda ele entregou-lhe 20.000€. Até perfazer os 50.000€ que era o valor do prédio que vendeu. Tem noção que a venda ao CC engloba a realidade matricial e registral onde se encontra a parcela que pretendia destacar. Não tem explicação para o facto de CC ter ido ao processo de insolvência reclamar o prédio como se tudo lhe pertencesse. Afirmou que vendeu o armazém sem menção de áreas porque a casa estava muito adiantada. Vendeu com intenção de destacar a casa do seu filho e o outro lote. Quando resolvesse ia comprar outra vez o armazém ao CC. Existe uma licença de construção do armazém.”.
49.º Donde, além da contraditoriedade do decidido na sentença face aos factos julgados não provados (inclusive da réplica) na sentença em crise (que refere que à data do empréstimo a CC e DD em 31/05/2007 a moradia dos AA. não estava edificada e construída, o que é falso pois que logo a habitaram em 08/2007 como foi provado na sentença – factos provados 13, 14 e 15), é ainda manifesto o erro de interpretação dos factos e atos materiais da posse dos autores quando o Acórdão em crise refere que o prazo dos autores para usucapir inicia-se em 2005, com a construção, quando, ao diversamente, as testemunhas EE (arquiteto), HH (vereador à data) e FF, funcionária da conservatória, declaram que antes da construção, ainda na fase dos “estudos prévios” do projeto de construção e, portanto, da implantação da moradia na parcela de terreno, foi o A. que definiu a implantação da projetada construção.
50.º Resulta da prova produzida em julgamento, documental (certidão camarária do projeto aprovado) em conjugação com a testemunhal (as declarações do vereador à data, HH, e do autor do projeto, EE) cuja valoração o tribunal a quo omite e faz tábua rasa, que o projeto de arquitetura foi apresentado à Câmara Municipal em 04/2004 e aprovado em 11/2004, pelo que, entendem os recorrentes, diversamente do decidido, foi inequívoca e suficientemente provado que muito antes de 04/2004 era já o A. quem intervinha nos “estudos prévios” do projeto a apresentar à Câmara Municipal.
51.º Deve assim o tribunal recorrido apreciar, valorar e sopesar a prova documental produzida, conjugadamente com as declarações de HH e de EE, e concluir do erro decisório e o erro notório na apreciação da prova produzida e da alteração da matéria de facto, conforme impugnaram os recorrentes.
52.º A ser valorada a prova documental produzida (do projeto de arquitetura e planta de implantação da moradia e anexos em conjugação com as declarações de HH e de EE) deverá resultar provado, alterando o decidido conforme impugnaram, que na dita parcela nordeste do prédio - pretendida destacar pela mãe do A - delimitada na planta de implantação do projeto de arquitetura (conforme certidão junta aos autos) foi implantada, aprovada e edificada a moradia em causa com 695m2, conforme a vontade e o gosto dos AA., já em 04/2004 (data da apresentação do projeto à Câmara Municipal).
53.º Entendendo o Venerando Tribunal não ser a matéria de facto impugnada suficiente para decisão a proferir quanto à solução de direito do caso, sempre tinha e tem o dever de apurar em que data ou período ocorria já a discussão dos “estudos prévios” entre o arquiteto e o A. e em que data e como foi delimitada a aludida parcela de terreno onde foi implantada a moradia do A, o que o Venerando Tribunal não fez, nem ordenou.
54.º O Tribunal a quo tem o dever de conhecer e elencar, nos factos provados ou não provados, se a moradia foi implantada na dita parcela nordeste do prédio (conforme também a certidão camarária junta aos autos) e se tal parcela com a moradia implantada era a destacar pelos pais do Autor.
55.º É que essa factualidade material consta da fundamentação da sentença recorrida, como foi declarado pela mãe do A. em julgamento, no que foi corroborado por EE, arquiteto do projeto da moradia, por HH, vereador do urbanismo da C.M ... á data, e ainda por FF, funcionária à data da conservatória de registo predial de ....
56.º O Tribunal recorrido não pode sustentar no Acórdão em crise que “os mencionados factos” são insuficientes ou não tem utilidade para o direito a decidir quando os mesmos constam, alguns, suficiente e expressamente da fundamentação da sentença recorrida para alterar o decidido e a Relação entende (agora) que não os conhece ou valora, nem a prova produzida aos mesmos respeitante!
57.º Destarte, discordando do decidido, quer a mãe do A., II, com as testemunhas HH, FF e EE declararam de forma cristalina, idónea e isenta, que, em 2004, aquando da discussão dos estudos prédios e da apresentação do projeto de arquitetura que foi aprovado, a parcela norte do terreno do prédio onde foi implantada a moradia era para ser destacada do prédio, só não o tendo sido, nomeadamente aquando da escritura de compra e venda do armazém e logradouro em 26.01.2007, por ainda impender sobre o prédio um “ónus de não fracionamento por 10 anos” conforme foi provado por documento, conforme resulta do registo de ONUS REAL de não fracionamento, constante da AP 14, de 1999/08/12, com “inicio” na mesma data (1999/08/12) e “por 10 ANOS”, na certidão de registo predial do prédio urbano descrito sob o numero ..74/... (junta com a p.i).
58.º Ainda que o Tribunal recorrido entendesse não conhecer da matéria de facto impugnada, sempre a factualidade material vertida na fundamentação da sentença referente às declarações de HH, FF e EE, conjugadamente com as declarações da mãe do A., a esta concreta matéria, é suficiente, clara e relevante para a alteração do decidido quanto aos factos 6º, 21 e 37º da réplica, devendo ser julgados provados.
59.º Foi provado que os AA. sempre a ocuparam e habitam a moradia, pública, diária e ininterruptamente desde Agosto de 2007, há mais de 26 anos (sendo que já antes, desde 2004, foi o A/recorrente que a desenhou e projetou para a dita parcela de terreno, como corroboraram em julgamento o arquiteto EE e o vereador HH (ambos com intervenção no processo de aprovação).
60.º Destarte, não é admissível ou aceitável, segundo as regras da experiência comum, que o R/Recorrido concedesse aos terceiros um mútuo com hipoteca no montante de 350.000,00€ sem ter avaliado o prédio no local e, consequentemente, verificado que os AA/Recorrentes ocupavam a aludida parcela norte do prédio, fazendo gozo e uso diário da mesma, tendo a sua habitação na aludida moradia.
61.º E não é admissível ou aceitável, segundo as regras da experiência comum, que o R/Recorrido tivesse concedido o mútuo com hipoteca a CC e a DD sem sequer se ter deslocado ao prédio sobre o qual seria constituída hipoteca a fim de verificar da efetiva existência e do estado do prédio e, consequentemente, verificar que era o A/Recorrente que ocupava o referido “armazém amplo e logradouro” com o estabelecimento industrial de carpintaria, tendo nele todos os bens móveis sujeitos a registo (veículos, carrinhas, empilhadores, etc…) e equipamentos, e exercendo nele atividade económica com o estabelecimento “A..., Lda.”.
62.º No circunstancialismo fáctico e de vida social e familiar dos AA/Recorrentes naquele prédio (factos provados 13, 14 e 15 da sentença), não é aceitável ou concebível, em obediência às regras de experiência comum e do funcionamento das instituições bancárias, que o R/Recorrido tivesse concedido em 31/05/2007 um mútuo de 350.000,00€, com hipoteca do prédio “composto de armazém amplo e logradouro” (objeto do auto de penhora em 2011 conforme as conclusões 6 a 9 do recurso), sem nunca se ter deslocado ao mesmo e/ou ter interpelado o A/Recorrente (ou o seu agregado) ou a empresa “A..., Lda.”, que o ocupavam e construíram desde 2004 e habitavam e habitam desde 07/2007, para facultar a entrada ao R/Recorrido ao dito armazém e logradouro ou à moradia (cfr neste sentido também as declarações de FF, HH, GG, JJ, EE e KK, transcritas na fundamentação fáctica da sentença, de que o prédio e a parcela norte em causa insere-se “numa quinta”, murada, conforme os fotogramas do google junto aos autos, pelo que qualquer acesso ao mesmo teria de ser do conhecimento dos Recorrentes) – cfr as conclusões 7, 8, 16 a 18, 20, 21, 25, 26, 52, 53, 76, 77 do recurso.
63.º Destarte, é manifesta a relevância e a suficiência dos atos e usos invocados pelos AA/Recorrentes na petição inicial e na replica e ainda em recurso para a solução de direito, designadamente os factos alegados e inerentes à doação verbal da dita parcela nordeste do prédio, onde os AA/Recorrentes quiseram nela implantar a moradia e foi projetada e edificada pelos AA a dita moradia, passando os AA/Recorrentes a ter nela a sua habitação própria permanente, com o seu agregado familiar (ascendentes pais, avó materna e descendentes) até à presente data,
64.º Como é relevante para a solução de direito, que os AA/Recorrentes mantêm o gozo e ocupação da dita moradia e de todas as suas valências e/ou anexos na dita parcela de terreno (nordeste do prédio) de forma pacifica, reiterada e continuadamente, desde, pelo menos, a doação verbal (2005) até à presente data, sem oposição de quem quer que fosse, nomeadamente dos terceiros adquirentes do armazém amplo com logradouro ou do R/recorrido, pelo que os AA/RR, além dos atos possessórios exercidos, adquiriram a dita parcela nordeste do prédio.
65.º Discordado do decidido, todo o período de ocupação pelos AA da dita parcela de terreno (nordeste) do prédio, por si e seus antepossuidores pais e avós paternos (conclusões 5, 10 a 51, 91 do recurso), seja da moradia que nela implantaram e projetaram e que edificaram e habitam com o seu agregado familiar,– antes mesmo da concessão de crédito do R/Recorrido aos terceiros executados CC e DD (o qual não teve qualquer avaliação do imóvel alegadamente penhorado na dita ação executiva pois este estava já exclusivamente ocupado pelos AA (moradia) e pela carpintaria do A.) –, de boa fé, pública e pacificamente (sem qualquer oposição dos terceiros ou do R/Recorrido até à oportuna adjudicação do prédio composto de armazém amplo e logradouro na dita ação executiva), é relevante e suficiente para a prova dos atos de posse e da situação possessória concreta pelos AA, que o fruíam, gozavam, habitavam, ocupavam, por si e seu antepossuidores, desde 2005, tendo nele, como têm, os seus veículos estacionados no logradouro, limpando-o, conservando-o, continuando nele a efetuar benfeitorias, substituindo o telhado do armazém, continuando a construção da moradia, ocupando a piscina, garagens e arrumos e deles beneficiando, entre outros atos possessórios da vida corrente decorrentes da sua ocupação, pacifica e continuadamente, até à presente data, tudo como resulta dos ficheiros de imagem - das fotografias e dos prints do motor de busca Googlemaps, entre outros elementos documentais - que os AA. juntaram aos autos, inclusive desde a construção da moradia.
66.º Esclarecidos os factos supra e a suficiência e a relevância da matéria de facto impugnada (quanto aos factos tidos por não provados na sentença e pretendidos alterar, que a Relação não conheceu no Acórdão ora em crise) para a solução de direito, como seja da matéria de facto constante dos depoimentos das testemunhas vertidos na prova produzida na fundamentação da sentença, sempre se terá de concluir que não pode, nem basta ao aqui R/Recorrido bastar-se, como exequente, em omitir à ação executiva que uma parcela do prédio penhorado e a respetiva benfeitoria da casa de habitação – não descrita na CRP, nem inscrita sequer na caderneta predial – estava ocupada e habitada por terceiros para assim se poder locupletar com a mesma (benfeitoria urbana e parcela de terreno) sem o conhecimento dos terceiros que nela moram!
67.ºA conduta do R/Recorrido consubstancia abuso de direito pois ocultou ao tribunal (e à ação executiva) uma realidade fáctica que não podia ignorar e conhecer - quer pela volumetria da moradia T4 com anexos e piscina, de traço moderno implantada e edificada na parcela nordeste do terreno à data da penhora (em 2011); quer por os executados bem saberem que apenas tinha pago o preço de 50,000 euros aos pais do A. pelo armazém e logradouro que adquiriram e saberem que a moradia implantada e edificada, desde 2004 a 2007 (omissa na CRP e na matriz), com o valor “não inferior a 430.000,00€” (facto provado 13º), que CC e DD não pagaram aos pais do A., era a destacar do prédio vendido (razão pela qual os executados mutuários nunca alteraram a matriz ou a descrição predial)!
68.º Resultando da prova documental produzida através de documento autêntico não impugnado - a escritura pública de 26.01.2007, informação do cadastro e do registo predial sobre o prédio vendido à data e o preço pago pelos adquirentes, de 50.000€ pelo compra do armazém com área de 350m2 e logradouro com a área de 1087m2 (conforme a licença de utilização nº...98 a que alude a escritura), em conjugação com o valor do armazém e logradouro ficados na perícia dos autos e da moradia e anexos no valor de 430.000€, também em coerência com a prova documental complementar das declarações HH e da mãe do A., que declarou em julgamento, de forma clara e categórica, que nunca quis vender (pelo dito preço de 50.000€) a dita moradia (com o valor de 430.000€, como também resulta dos factos provados 13º 14 e 15 da sentença) -, deve o facto 37 da réplica ser alterado e julgado provado.
69.º No que respeita à questão do direito de propriedade dos AA sobre a aludida parcela de terreno e da construção, contrariamente ao entendimento do acórdão em crise, não basta concluir-se e referir que a doação de coisa imóvel é nula por falta de forma, mais quando não conhece, nem discute no acórdão em crise a matéria de facto impugnada e pretendida alterar (conclusões 10º a 51º e 89º a 92º do recurso).
70.º Não são insuficientes os “mencionados factos”, nem é irrelevante, a impugnação da matéria de facto para o recurso dos AA, nomeadamente se os Autores tiverem invocado a usucapião, como é o caso da presente ação (e resulta das suas conclusões).
71.º Diversamente do decidido, a factualidade material concreta alegada pelos AA. na ação - dos atos concretos por eles exercidos ao longo do tempo, da traditio, da sucessão na transmissão pelos anteriores possuidores -, que integra a figura ou o instituto da usucapião, como pugnaram também no objeto do recurso por eles interposto, não é insuficiente, irrelevante ou inútil de conhecer pela Relação ainda que o negócio – da doação verbal – possa ser nulo por falta de forma!
72.º No caso, contrariando o Acórdão recorrido (que não ponderou ou sopesou os factos concretos impugnados pelos Recorrentes), os AA. não alegaram apenas que “a edificação em questão começou a ser construída em 2005”.
73.º Mais alegaram e entendem provaram, conforme resulta da matéria impugnada pretendida alterar não conhecida pelo Tribunal recorrido a pretexto da alegada irrelevância ou insuficiência para a solução de direito, que antes mesmo da construção e da aprovação do projeto de construção pela Câmara Municipal de ... em Abril de 2004, já era o A. que, na posse da parcela de terreno, elaborou e intervém nos “estudos prévios” do projeto de construção (conclusões 21, 25, 28, 34 e 35 de recurso).
74.º Resulta da factualidade julgada não provada e impugnada pelos AA. (conclusões 21, 25, 28, 34 e 35 do recurso) que o Tribunal recorrido de forma ilegal, infundada e erradamente entende não conhecer e ainda da prova documental produzida emanada pela Câmara Municipal de ..., os AA., por si e seus ante possuidores pais e avós, tinham um corpus antes de 2005, existindo já o objeto desse corpus antes de 2005 sobre a dita parcela de terreno no topo nordeste do prédio pretendida destacar, na qual foi delimitada e implantada a moradia e anexos, conforme os estudos prévios, planta de implantação e o projeto de arquitetura apresentado à mesma C.M de ... em 04/2004, aprovado em 11/2004 e por eles edificada e habitada em 08/2007 (factos provados 14 e 15 e as conclusões 8, 13, 21, 25, 28, 34 e 35 do recurso.
75.º Neste sentido, a mãe do A., em coerência com as declarações da funcionária dos registos e notariado, FF, declarou que tal parcela de terreno – correspondente á implantação da moradia do autor – era já prevista ser a destacar do prédio pela mãe do Autor, logo que terminasse o prazo de 10 anos do ónus de não fracionamento que pendia sobre o prédio (conclusões 22 a 24 do recurso).
76.º Donde, discordando do decidido, impõe-se julgar provada a propriedade dos AA/Recorrente da parcela do prédio (em que foi implantada a moradia que ocupam e habitam) por usucapião.
77.º A função do instituto da usucapião é não só atribuir o direito de propriedade ao possuidor, mas também consolidar, afirmar e determinar com rigor os limites materiais do objeto sobre o qual se praticam os atos materiais, reveladores do direito real de gozo em causa, ou, aquele que o animus possidendi revelar, nos termos do art° 1251° do CC.
78.º A situação dos AA. configura posse não titulada, uma vez que o negócio jurídico é nulo por falta de forma sendo que, decorrido o prazo da usucapião, constituiu-se, de modo definitivo.
79.º Quando uma das partes invoca a usucapião não pode exigir-se-lhe que prove essa alegação unicamente com base em documentos, vedando-lhe a possibilidade de recorrer à prova testemunhal, o que os AA. entendem foi provado e resulta das conclusões de recurso 10 a 65, emergente dos factos dados como não provados que objetiva e concretamente impugnou nas suas alegações de recurso.
80.º Destarte, contrariamente ao decidido, os factos inerentes à usucapião, dados como não provados na sentença recorrida e impugnados em recurso da matéria de facto, são suficientes e relevantes para a solução de direito do caso, devendo, portanto, ser apreciados, valorados e alterados, para assim se assim ser decidida a solução jurídica da causa e aplicado corretamente o direito!.
81.º Sendo a usucapião assente num poder de facto, a prova testemunhal é aquela que melhor permite ao julgador apreciar a atuação das partes, não havendo qualquer razão para a considerar inadmissível ou para não valorar todos os factos que com ela contendam ou suscetíveis de provar tal atuação.
82.º Estando em causa a prova de atos reveladores de posse tendente à aquisição por usucapião – para cuja verificação a prova testemunhal assume um papel fundamental –, há que distinguir uma tal realidade da observância, ou não, de formalismos legais próprios de certos atos, pois o que sobreleva, em tal contexto, é a prática dos mesmos.
83.º O apossamento traduz-se na aquisição unilateral da posse por via do exercício de um poder de facto, ou seja, pela prática reiterada, com publicidade, de atos materiais correspondentes ao exercício do direito (artigo 1263º alínea a) do Código Civil).
84.º A posse de direitos reais de gozo, incluindo o direito de propriedade, mantida por certo lapso de tempo, faculta, em regra, ao possuidor a aquisição por usucapião do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação (artigo 1287º do Código Civil).
85.º Resultando da decisão pretendida alterar e a proferir resultante da ponderação dos factos não provados impugnados em recurso, que os AA exercem, como nos últimos 18 anos poderes de facto sobre a parcela de terreno em questão, pois sobre a mesma os AA implantaram e construíram a sua casa há, pelo menos, 18 anos (desde 2004) e foram estes que sempre a ocuparam, fruíram, nela executaram a construção de uma moradia, dos anexos, da garagem e da piscina e lá residiram, continuando os AA a habitar a casa edificada na dita parcela e a usar os arrumos, garagem e piscina até à presente data, sendo que a casa está murada, não podem o R/Recorrido, adquirente em ação executiva (por ter requerido a adjudicação do prédio em que a dita casa não está descrita ou registada) ser declarado proprietário da casa.
86.º Resulta da prova documental produzida que os AA/Recorrentes nunca foram citados de qualquer ação suscetível de interromper o decurso do prazo da usucapião, antes, diversamente do aresto em crise, foram os AA/recorrentes que intentaram a presente ação reivindicativa da propriedade da parcela de terreno nordeste do prédio e da benfeitoria por eles nela edificada, em conformidade com a implantação e o projeto que conceberam para a dita parcela de terreno concreta e objetivamente delimitada, e que habitam até à presente data, praticando nela todos os atos materiais inerentes ao gozo e habitação própria permanente, pelo que, todo o decurso do tempo deste a posse da parcela de terreno, ainda antes de Abril de 2004 (data da apresentação do projeto da implantação da moradia na Câmara Municipal), até à presente data conta como prazo da usucapião.
87.º Também resulta da prova documental produzida que s AA/Recorrentes nunca foram citados pelo R/Recorrido para qualquer ação de reconhecimento do direito de propriedade do R/Recorrido sobre a aludida parcela nordeste do terreno do prédio, sendo que apenas a citação faria cessar a boa fé do possuidor e interrompe o prazo de usucapião dos AA/Recorrentes – a qual, no caso, não existiu pois que a ação em causa foi proposta pelos AA./Recorrentes.
88.º Resulta da prova documental produzida nos autos emanada por entidade competente para o ato (a certidão camarária do projeto aprovado pelo Município em coerência com as declarações de HH e de EE) que a ocupação da dita parcela norte do prédio pelos AA e seus ante possuidores (pais e avós) data, pelo menos, de 2004 (data da implantação da moradia na dita parcela norte, como o A. a projetou no projeto de arquitetura apresentado na ... para a parcela prometida destacar).
89.º Os Recorrentes provaram, como invocam em recurso, que a posse era pública e pacífica, pois era exercida à vista de toda a gente e foi obtida pacificamente (cfr. artºs 1261º e 1262º do CCivil) – factos provados 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 13, 14 e 15 da sentença.
90.ºOs AA/Recorrentes provaram que tal parcela de terreno a nordeste do prédio pertencia anteriormente aos pais do A./Recorrente e, anteriormente, aos avós do A./Recorrente, sendo, pois, tal posse, por si e seu antepossuidores, de boa fé.
91.ºA posse diz-se de boa fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem (art. 1259º do CC), sendo manifesto que atenta a posse anterior titulada pelos pais e avós do A/Recorrente, lograram ilidir a presunção legal da sua posse não titulada, como resulta também da factualidade material constante das conclusões 18 a 29, 34, 36 a 39 das sua alegações recursivas.
92.ºNo caso, a posse se mantém até aos dias de hoje (a tutela judicial que tenha por objeto a propriedade não interrompe a posse).
93.º Assim, neste momento, ainda que a posse se tivesse iniciado em 2005, sempre se verificaria o lapso temporal necessário para usucapir – sendo, por isso mesmo, errada a decisão quando afasta a usucapião com base no início ou “em relação à data da propositura da ação (em 2.2018)”, como se fosse os AA. que tivessem sido citados como Réus de uma ação interposta pelo R/recorrido, quando assim não foi.
94.ºNo caso, são os AA./Recorrentes que reivindicam a propriedade da parcela de terreno nordeste do prédio e que intentaram a ação, não tendo anteriormente sido citados para qualquer ato ou ação pelos terceiros e/ou pelo ora R/Recorrido, não tendo os AA./Recorrentes sido citados sequer na ação executiva intentada pelo réu contra os terceiros.
95.ºO Réu/Recorrido limitou-se a pedir que a ação seja julgada improcedente por não provada, nada peticionando a titulo ou para efeitos do reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a aludida parcela de terreno e sobre a benfeitoria da moradia nela edificada pelos Autores e omissa quer na escritura de aquisição dos terceiros (executados) adquirentes do prédio composto unicamente de um armazém amplo e logradouro, quer na descrição predial.
96.º Como vem sendo decidido superiormente, o possuidor atual pode juntar (acessão da posse do art. 1256.º do C. Civil) a sua posse à posse do seu antecessor, caso tenha adquirido a posse deste por qualquer um dos modos de transmissão da posse que o direito reconhece (a tradição e o constituto possessório), independentemente da validade (formal e substantiva ou apenas formal) do título de transmissão.
97.º Destarte, deve este superior e Supremo Tribunal contar até ao presente o prazo para a usucapião, por si e seu antepossuidores, como entendem decorre inequivocamente dos elementos de prova documental produzidos (certidão do projeto aprovado para a construção da moradia implantada e construída na dita parcela norte do prédio e nela delimitado) iniciado ainda antes de Abril de 2004 (data da apresentação do projeto de construção à Câmara Municipal), sendo o mesmo de 15 anos, por se tratar de posse de boa fé, pelo que usucapiram quanto à dita parcela de terreno reivindicada pelos AA. no topo nordeste do prédio.
98.º Como deve julgar procedente o fundamento da usucapião, também e logo em relação delimitação e à implantação da construção na dita parcela de terreno ainda antes da apresentação do projeto de construção à Câmara Municipal conforme entendem os AA. foi provado (e, por isso, pretendem ver alterada a factualidade dada como não provada e objetivamente impugnada) que o A. interveio ainda nos “estudos prévios” da implantação do projeto de construção da moradia, como o A. a definiu, estudou e projetou e arquitetura da construção moderna que implantou e edificou na dita parcela norte do prédio pretendida destacar, que vem gozando e ocupando, de boa fé, continuada e pacificamente, e que habita, com o seu agregado, até aos dias de hoje.
99.º Os AA. alicerçaram o direito arrogado na aquisição da posse da dita parcela de terreno, ainda que por doação inválida dos anteriores possuidores, na sequência do que ocorreu uma prática reiterada, com publicidade, de uso e fruição do referido prédio, dele retirando todas as utilidades, até à presente data, nomeadamente demarcando-o, limpando-o, conservando-o, continuando a beneficiação e as obras na construção da moradia, arrumos e piscina (inacabada), sem oposição de ninguém e na convicção de que não lesava direitos de outrem.
100.º Incide a presente controvérsia, não sobre a titularidade do prédio inscrito com o artigo matricial urbano .86 e descrito sob o número ..74/..., mas sobre a sua precisa delimitação física, em consequência de ambas as partes se arrogarem a propriedade de determinada parcela de terreno pretendida destacar pelos pais do A. e da qual os AA/Recorrentes se afirmam e reconhecem proprietários.
101.º A ação de reivindicação só poderá proceder na totalidade se puder considerar-se processualmente adquirido, como verdadeiro facto essencial, que o efetivo exercício de atos possessórios pelos AA e seus antecessores, suscetível de conduzir à usucapião, incidiu também sobre a aludida parcela de terreno (e benfeitoria) cuja titularidade é controvertida.
102.º Incumbe às instâncias decisórias sopesar, valorar, desenvolver e integrar toda a matéria factual relevante, como supra de evidencia, para assim poder complementar o quadro fáctico através da formulação de presunções judiciais ou naturais, assentes nas regras de experiência, que permitirá inferir factos que, constituindo lógico desenvolvimento dos que constam das respostas aos quesitos, contribuem para delinear de forma completa e integrada a matéria litigiosa.
103.º A Relação decidiu (erradamente) não valorar, sopesar ou extrair da factualidade pretendida alterar pelos Autores para ser por ela reapreciada, e consequentemente interpretar a matéria de facto impugnada no recurso interposto em ação de reivindicação, com vista a decidir se determinados atos possessórios dos demandantes, tidos por não provados na sentença recorrida, abrangeram ou não determinada parcela de terreno do prédio, reivindicada.
104.º Desde logo o Acórdão recorrido erra ao entender que a transmissão dos seus antepossuidores (pais) para os autores/recorrentes (filho e cônjuge) por doação verbal ocorreu por ato formalmente inválido, logo, não tendo utilidade para o Tribunal a quo a apreciação ou valoração da concreta factualidade material impugnada.
105.º É jurisprudência e doutrina pacífica que quando está em causa, numa ação de reivindicação, o direito de propriedade de uma das partes (ou de ambas, quando cada uma delas reivindica para si esse direito) sobre uma determinada parcela de terreno e se essa parcela pertence (faz parte integrante) ao prédio de uma ou de outra delas devem ser apurados e valorados os atos ou situações concretas integrativos da propriedade e/ou da posse.
106.º O conceito de propriedade (ou de proprietário) deve ser traduzido em factos integradores do modo de aquisição desse direito invocado pelo reivindicante – o mesmo se diga quanto á impugnação pelo réu desse direito (em obediência ao ónus de impugnação especificada).
107.º A causa de pedir consiste no facto que originou o invocado direito de propriedade, devendo o autor fazer prova da propriedade, designadamente, demonstrando a posse “pelo tempo necessário à usucapião, ou seja, alegando e provando uma das formas originárias de adquirir.” Cfr. A Ação de Demarcação, Coimbra Editora, 1988, página 41.
108.º Como se refere no Acórdão da Relação de Guimarães de 15-09-2014, “Em ação de reivindicação em que está em causa o direito de propriedade sobre uma determinada leira/parcela de terreno (…), para a procedência da ação carece a demandante de alegar e provar os factos dos quais resulte a aquisição originária do domínio por parte da mesma - ou de um transmitente anterior - e que tenham por objeto tal parcela.” – vd Acórdão de 15-09-2014 (relator: Desemb. António Santos), in www.dgsi.pt.
109.º Alegar a posse (artº 1251º, CC) consiste em descrever factos simples e concretos pelo reivindicante praticados sobre a coisa – no caso sobre a indicada parcela de terreno discutida, correspondente ao exercício dos direitos contidos no direito de propriedade (artº 1305º) e através dos quais se manifesta ou revela o “poder direto e imediato” sobre ela, “impondo-se à generalidade dos membros da comunidade jurídica”, constituindo “expressão plena do domínio” – vd Orlando de Carvalho, supra citado, página 155.
110.º Ora o Acórdão em crise nada valorou, apreciou ou sopesou quanto à matéria de facto julgada não provada na sentença e impugnada referente aos atos de posse dos AA, como seja, a delimitação da parcela nordeste do prédio pretendida usucapir pelos AA., com a respetiva área de implantação da moradia, anexos e logradouro, e a data em que tal implantação e delimitação da moradia e anexos na dita parcela norte do prédio (a destacar) foi aprovada (tendo o projeto de arquitetura sido apresentado em 2004 (da autoria de EE), aprovado em 11/2004 e a licença de construção posta apagamento em 01/2005, como resulta do projeto de obras particulares junto aos autos) e/ou em que data em que se verificou o “ónus de não fracionamento do prédio” que obstou à concretização do destaque pretendido efetuar pelos pais do A. a favor do A., na Conservatória de Registo Predial de..., aquando da escritura publica de venda do prédio composto de armazém amplo e logradouro outorgada em 26.01.2007 a favor de CC e DD (as conclusões 30 a 36 do recurso), as declarações de HH (Vereador à data da aprovação do projeto de construção), FF (funcionária da conservatória) e EE (arquiteto e autor do projeto da moradia implantada na parcela) todos com conhecimento direto e pessoal dos factos quanto à localização e implantação e limites da concreta parcela de terreno pretendida destacar ainda antes da venda do armazém, na qual fora implantada e estava em construção a moradia dos autores.
111.º Resulta da prova produzida (informação registral e predial junta com a p.i) que à data da venda do prédio de armazém e logradouro pelos pais do Autor a CC e DD em 26.01.2007 impendia sobre o prédio um ónus de não fracionamento por 10 anos com inicio em 1999, pelo que os pais do A. estavam impedidos concretizar o destaque pretendido (para a doação verbal antes efetuada aos AA da dita parcela norte do prédio, com a moradia nela implantada e que estava em construção até 08/2007, data em que a passaram a habitar, como à data da escritura publica de 26.01.2007 através da qual venderam o armazém e logradouro a CC e DD), como declararam o Autor, a mãe do A. e ainda EE (arquiteto), HH (vereador à data da aprovação da implantação e do projeto) e FF (funcionária do registo predial à data) em julgamento.
112.º A definição e a delimitação física da parcela de terreno a destacar tal qual foi apresentada à Câmara Municipal para nela ser aprovada a construção e a data em que tal ocorreu é, por si só, relevante para a prova da propriedade, não sendo tal facto despiciendo, inócuo ou irrelevante para a solução jurídica a dar.
113.º Como vem decidindo a jurisprudência superior, nessa perceção factual, toda a prova é relevante e importa apurar e decidir, concretamente, toda a prova produzida (documental e testemunhal) inerente aos atos de posse dos AA/Recorrentes, por si e seus antepossuidores, e a vontade da mãe do Autor aquando da venda por escritura publica do prédio composto de armazém e logradouro por escritura pública de 26.01.2007, tudo conforme decidiu este Supremo Tribunal de Justiça por Acórdão de Revista de 10/12/2022, sob pena de violação do caso julgado, vício de que enferma o Acórdão em crise (Ac. do STJ de 08/11/95, in CJ-STJ ano III, 3, 294)
114.º A dita parcela de terreno foi concreta e objetivamente delimitada na ação e objeto de perícia quanto à concreta delimitação, configuração e confrontações da parcela de terreno (e quanto ao valor da construção), como as testemunhas arroladas pelo AA/Recorrentes foram confrontadas com a planta de implantação da parcela do topo nordeste do prédio que identificaram como sendo a que era a destacar do prédio, propriedade dos Autores, doada pelos pais do Autor em 2005 como prenda de casamento, de que o A. já tinha posse antes de 04/2004 (data da apresentação do projeto de arquitetura à camara municipal), sendo o A. quem discutiu com o arquiteto EE os estudos prévios para a sua implantação no terreno.
115.º Destarte, caso o Venerando Tribunal entenda que é exígua factualidade dada como assente e que esta não permite perspetivar ou avaliar, ainda que com grau mínimo de concretização, a extensão, profundidade, relevo e repercussões na vida dos autores nem discernir em que medida os réus perdem valor consubstanciado nessa dita parcela de terreno – pois que resulta provado nos autos que nem os terceiros/executados, nem o réu procederam a qualquer ato de construção/financiamento para a dita parcela de terreno pretendida autonomizar ou destacar pelos pais do A., doada verbalmente aos AA – então devia e deve promover e ordenar a produção dessa prova necessária, podendo mandar completar e esclarecer essa factualidade concreta em julgamento.
116.º Ao invés, decidindo o Supremo Tribunal serem suficientes e relevantes os factos da matéria de facto impugnada (correspondentes às conclusões 16 a 51 referente aos factos não provados 2, 4, 5, 11, 17 a 35, 40, 54, 55, 58 a 65, 68, 73 e 74, 80, 81 2 82, 85, 86, 107 e 118 da p.i e às conclusões 89 na 92º correspondente aos factos não provados 6º, 18º, 21º, 25º, 26 e 37 da replica, pretendidos alterar para provados), designadamente por serem atinentes aos atos de posse dos AA/Recorrentes relativamente à concreta parcela de terreno e benfeitoria urbana (moradia) cuja propriedade se arrogam, por si e seu antepossuidores (por usucapião e por posse não titulada por escritura mas por doação verbal), deve ordenar a baixa à Relação, para que deles conheçam e decidam, devendo a Relação dar como provados os factos inerentes à aquisição por CC e DD aos pais do A. de um prédio composto unicamente de armazém e logradouro na respetiva data da escritura, fazendo ainda constar do elenco dos factos provados o concreto preço da compra por CC e DD do prédio composto de armazém e logradouro – por 50.000,00€ - e o facto de estar omisso na matriz e na caderneta predial qualquer benfeitoria urbana da casa de habitação (referida nos factos provados 2, 13, 14 e 15 da sentença).
117.º Os factos inerentes à escritura publica de compra e venda outorgada entre os pais do A e CC e DD – data da outorga (26.01.2007), objeto da compra “prédio composto de armazém e logradouro” e o preço pago pelos adquirentes (50.000,00€) – constam de documento autêntico (não impugnado) que a sentença não valorou e omite do elenco dos factos provados na sentença, pese embora a sua clamorosa relevância para a decisão.
118.º Diversamente do decidido, impunha-se ao Tribunal recorrido aditar ao elenco dos factos provados as declarações da vontade expressa da mãe do A. – em julgamento e/ou repetindo, nesta parte, a prova com a inquirição da mesma, em caso de dúvida – e valorar as mesmas em consonância com as declarações negociais da dita escritura publica de compra e venda do prédio composto de armazém amplo e logradouro descrito sob o número ..74, para assim decidir conforme ordenado por este Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 10/12/2022.
119.º Sendo certo que, a mãe do A/Recorrente declarou de forma clara e cristalina em julgamento, aquando da sua inquirição, que nada mais pretendeu vender pelo preço acordado pagar e pago de 50.000,00€ do que o armazém e logradouro, em coerência com o declarado pelos outorgantes em documento autentico e com fé publica de escritura publica de compra e venda de 26.01.2007, está em coerência aliás com a avaliação pericial realizada nos autos às duas partes ou parcelas do prédio, a do armazém e logradouro (com licença de utilização própria, como também consta da escritura publica de compra e venda de 26.01.2007); e a parcela norte com a habitação iniciada em 2004 e habitada pelos AA a partir de 08/2007 (facto provado 14º), com o valor não inferior a 430.000,00 euros (facto 13º provado).
120.º Contudo, diversamente do decidido por este Superior Tribunal em 10/12/2022 nestes autos, a sentença impugnada continua a não responder, por a Relação não conhecer da matéria de facto impugnada, o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 10/12/2022, com clara omissão de pronúncia face à concreta questão a decidir e em violação do caso julgado decidido: - “Se a mãe do autor quis vender/vendeu aos mutuários da ré o prédio tal como se encontrava ao tempo da venda (com todas as construções que existiam) ou, se quis excluir da venda a casa de habitação composta de arrumos, garagem e piscina, numa parcela no topo nordeste”
121.º Existindo qualquer dúvida da Relação sobre as mesmas, deve a mãe do autor ser expressamente instada a esse facto em repetição do julgamento – que o tribunal de 1ª instancia não repetiu nessa parte do doutamente ordenado pelo STJ e/ou valoradas as suas declarações em julgamento a esse concreto facto: da sua vontade declarada na dita escritura pública de compra e venda de 25-01-2007 (e não tentando o tribunal recorrido sanar essa apontada falta e/ou insuficiência da prova com a remessa para as suas declarações no Apenso AF da oposição à resolução de negócio na sua insolvência (proc 3847/08.2...) que o Juízo de Comércio de Coimbra julgou, aliás, improcedente e a Relação de Coimbra manteve por Acórdão de 27.01.2015, tendo concluído, diversamente do decidido no aresto em crise, da anulação da escritura de 26.01.2007 de compra e venda dos pais do A a CC e a DD e que o aludido prédio com o art. ..6º e a descrição ..74 é propriedade dos pais do autor – o que sempre redundaria na sucumbência da pretensão do réu/recorrido nesta ação).
122.º Destarte é manifesto e claro que o tribunal de 1ª instância – e o acórdão em crise que mantém e confirma o decidido - branqueia factualidade material concreta relevante e essencial e viola caso julgado formal, da anulação da dita escritura publica de venda de 26.01.2007 dos pais do A. a CC e a DD tendo declarado que o prédio inscrito no art. .86 é propriedade dos pais do A., por sentença transitada em julgado, confirmada pelo Acórdão da Relação de Coimbra de 27.01.2015.
123.º Por outro lado, e no que respeita à doação verbal aos AA. e aos atos materiais possessórios por estes praticados e seus antepossuidores, o tribunal de 1ª instância decidiu erradamente quando omite no elenco dos factos provados da sentença (omissão que o acórdão em crise mantém ao não conhecer da impugnação aos factos provados e não provados) designadamente quando a prova dos mesmos decorre, inequivocamente, de documento autêntico – a escritura pública de 26.01.2007, das declarações negociais das partes outorgantes, da vontade expressa na dita escritura pública de compra e venda e do preço declarado e pago pela compra do prédio de armazém amplo e logradouro, de 50.000€, o qual gerou a liquidação dos respetivos impostos e teve por base, tal negócio, unicamente a licença de utilização do armazém amplo, conforme consta da própria escritura, e nada mais!
124.º Os conceitos jurídicos da usucapião, posse e da propriedade devem ser integrados e densificada nos atos materiais que os revelam e enformam, sendo relevante apurar e fazer o exame critico dessa factualidade para a boa decisão, designadamente quando se trata da casa de morada de família dos autores, avaliada em valor superior a 430.000,00€, preço que os terceiros adquirentes do prédio (executados pelo R/recorrido) comprovadamente não pagaram no ato de aquisição do artigo .86 e da descrição predial ..74/..., o que sempre configura abuso de direito e enriquecimento sem causa do Réu que se locupleta da benfeitoria urbana dos autores sem a pagar (tendo pedido a adjudicação do prédio na ação executiva sem nunca demandar os terceiros ocupantes, aqui autores), atuando com má fé, questões que a Veneranda Relação não conheceu.
125.º O aresto em crise decidiu, com erro, de que a indemnização da benfeitoria aos autores deve ser feita pelos terceiros executados (e espoliados da benfeitoria) e não contra aquele que a recebeu, quando a moradia e, consequentemente, “os melhoramentos” continuam a ser executados pelos Autores na dita parcela de terreno, mesmo depois da escritura de mútuo do prédio, da ação executiva e para além da adjudicação do prédio requerida pelo Réu.
126.º Mal andou o tribunal a quo ao decidir como decidiu, entendendo não conhecer da totalidade da matéria de facto impugnada por alegada irrelevância ou insuficiência para a solução de direito a proferir atento um conceito restritivo da aquisição da propriedade (de que a doação verbal não titulada não é válida omitindo que “se a essa doação, embora inválida, se sucederem todas as ações e situações que possam ilustrar a aquisição por usucapião, (…) pode ser válida”, sendo manifesto que a valoração dos factos “não provados” e impugnados pelos recorrentes nas suas alegações, e pretendidos alterar em recurso, é relevante para a efetiva tutela jurisdicional e para a boa decisão das soluções de direito a proferir que deve ser conforme com a realidade dos atos e dos factos materiais em causa vividos pelos autores.
127.º Sobre a Relação impende o dever imposto pelo nº 4 do art. 590º imposto e como decorrência do disposto no art. 662, nº2, al c), do CPC, ao abrigo e no uso e exercício dos seus poderes, que lhe cumpre determinar “oficiosamente” como foi intenção do legislador e decorre também do principio da jurisdição efetiva, pelo que nunca o Acórdão recorrido pode ter fundamento no entendimento de que a falta de um dever processual do juiz incumbe à parte (ainda que esta não conheça da nulidade processual por a insuficiência ou deficiência da alegação do articulado inicial não ter sido notada antes à prolação de Acórdão que a invoca para não decidir).
128º. Como entende a recorrente, não pode ser-lhe atribuída a omissão de ato imposto por lei com repercussão negativa na regularidade formal do acórdão que proferiu e que só agora a conheceu.
129.º Como resulta do acórdão fundamento, o vício de insuficiência da decisão de facto é equacionável com base no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), parte final, do CPC, sendo de conhecimento oficioso e suscetível de implicar a prática do ato omitido, ou seja, a formulação do convite vinculado nos termos do disposto no art. 590º nº2, 3 e 4 do CPC, sob pena da decisão proferida no Acórdão atentar contra princípios estruturantes do direito processual civil, como seja o principio do exercício do contraditório e o principio da tutela da jurisdição efetiva, tudo como ora pugna a recorrente com a alteração do decidido no Acórdão recorrido.
130.º O acórdão recorrido está afetado pela violação caso julgado e por violação de normas de direito aplicáveis ao caso, pelo que a presente revista deve ser julgada procedente, alterando o acórdão recorrido, decidindo que o prédio com o artigo .86 e a descrição predial ..74 pertence aos pais do A., consequentemente, dele podendo ter doado aos Autores/Recorrentes a dita parcela norte do prédio pretendida por eles destacar e na qual implantaram e aprovaram em 2004 a dita moradia que os AA. habitam desde 08/2007 com o seu agregado familiar, como o A. vinham possuindo e cuja construção projetou para a dita parcela norte do terreno com a área de 695m2, ou caso assim não entenda, decida do convite de aperfeiçoamento aos autores quanto aos factos atinentes à sua posse, concretamente, quanto à definição da implantação da construção na parcela de terreno (constante já do projeto de construção), a data em que foram discutidos os “estudos prévios” com o arquiteto e como ocorreu a delimitação física da parcela de terreno a destacar ou desanexar do prédio, a fim da contraparte e do julgamento se poder realizar sobre a factualidade tida por insuficiente/deficiente, porém essencial e determinante à prova dos factos face aos elementos documentais careados e às declarações das testemunhas (conclusões 15 a 63), ou bem assim decidindo da ampliação da matéria de facto quanto a estes factos e/ou da repetição do julgamento para a prova dos factos essenciais e relevantes supra elencados quanto às declarações da mãe do A. sobre o que quis vender na escritura publica de 26.01.2007 pelo preço de 50.000,00 euros (pese embora judicialmente anulada por Acórdão da RC de 27.01.2015) e bem assim quanto aos atos de posse anteriores dos Autores, designadamente à doação verbal de 2005, atos processuais omitidos e indispensáveis à melhor e correta decisão das soluções de direito no caso concreto, tudo em obediência e realizando cabalmente o princípio da jurisdição efetiva.
131.º Em alternativa e caso Vossas Excelências entendam ser suficiente e relevante a prova produzida (documental e testemunhal) e manifesta a solução de direito do caso, atentos também os factos 1 a 15 provados na sentença e em obediência e conjugadamente à prova documental produzida e constante de documentos autênticos e/ou com fé publica e o seu valor probatório e ainda os documentos particulares não impugnados, designadamente, a escritura publica de compra e venda outorgada em 26.01.2007 – de que consta o objeto da compra de um prédio composto unicamente de “armazém amplo com logradouro”, pelo preço de 50.000,00 euros, conforme a respetiva licença de utilização do armazém nº...98 -, não constando da matriz predial urbana ou da descrição predial junta com a p.i qualquer benfeitoria urbana ou casa de habitação, também omissa nas declarações das partes sobre o objeto da compra e venda na dita escritura publica de 26.01.2007 e ainda atentos a prova testemunhal complementar produzida e melhor vertida na fundamentação fáctica da sentença, devem Vossas Excelência proferir decisão ao caso, atenta também a anulação judicial da venda realizada por escritura pública de 26.01.2007 a CC e DD e à declaração de que o prédio pertence aos pais do A. (por acórdão da RC de 27.01.2015), sem prejuízo do reconhecimento da propriedade dos AA da dita parcela norte do prédio a usucapir e da construção que o A. projetou, implantou edificou e que habita, com o seu agregado familiar, desde 08/2007, tudo em obediência e realizando cabalmente o princípio da jurisdição efetiva.
Terminam pedindo a anulação do acórdão recorrido, e a sua substituição por outro que corrija “a violação de caso julgado formal e o erro de julgamento sobre o início da posse dos autores (ainda antes da implantação da moradia, anexos, garagem e piscina na parcela de terreno, como foi fisicamente delimitada e apresentada no projeto de construção) e declare a propriedade dos recorrentes sobre a dita parcela norte do prédio que ocupam desde, pelo menos, 04/2004 e que habitam desde 08/2007; ou assim não entendendo que convide os autores aperfeiçoamento quanto aos factos atinentes à sua posse e à implantação da construção na parcela de terreno do prédio, ou bem assim, decida da ampliação da matéria de facto quanto a estes factos e/ou da repetição do julgamento para a prova dos factos essenciais e relevantes supra quanto às declarações da mãe do A. sobre o que quis vender na escritura pública de 26.01.2007 pelo preço de 50.000,00 euros (pese embora judicialmente anulada a CC e a DD por Acórdão da RC de 27.01.2015) e quanto aos atos de posse anteriores dos Autores, inclusive à doação verbal de 2005, erros decisórios por violação de caso julgado e de aplicação de normas e ainda por atos processuais omitidos e indispensáveis à melhor e correta decisão das soluções de direito no caso concreto, tudo em obediência e realizando cabalmente o princípio da jurisdição efetiva.”.
O R. contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
I. A interposição deste recurso se pretende protelar o desfecho da ação, adiando uma decisão perfeitamente justa.
II. Existe dupla conforme entre as decisões das instâncias, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diversa, não devendo o recurso ser admitido.
III. Caso assim não se entenda, apenas poderá ser apreciada a invocação das nulidades invocadas e a reapreciação dos factos não provados 2., parte do 4., 5., 11., 17. a 35., 40., 54., 55., 58. a 65., 68., 73. e 74., 80., 81. e 82., 85., 86., 107., 111., 115., 116. e 117. (conclusões de recurso 16.ª a 51.ª).
IV. Já que, no demais, é evidente o trabalho meticuloso do Tribunal a quo, não deixando margem para dúvidas que inexiste qualquer erro na apreciação da impugnação da matéria de facto, devendo ser mantida a decisão. V.No que ao direito concerne, a motivação do douto Acórdão posto em crise é tão clara e pormenorizada que só por si bastaria para persuadir os AA., ora Recorrentes, a interpor o presente recurso, pois bem sabem que não lhe assiste razão.
Termina pugnando pela inadmissibilidade do recurso, ou assim não se entendendo, pela sua improcedência.
Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Vêm dados como provados os seguintes factos:
1º Encontra-se edificada uma casa de habitação composta de arrumos, garagem e piscina numa parcela do topo Nordeste do prédio urbano composto de terreno e armazém amplo, situado Rua do ..., ..., descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o número ............12 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo .86 da dita freguesia de ... [art1pi].
2º O edifício de “casa de habitação” é constituído por ... e ..., com garagem e piscina, sendo de tipologia T4, com área de construção de cerca de 695 m2 [art3pi].
3º A empresa “M..., Lda.” atravessava dificuldades económico-financeiras [art15pi].
4º A moradia pese embora esteja quase acabada e reúna as necessárias condições de habitabilidade, faltando apenas os últimos acabamentos finais, permanece, até à presente data, sem ter sido emitida a respetiva licença de utilização [art34pi].
5º O A. contratou financiamentos juntos de instituições bancárias [art35pi].
6º O A. outorgou um financiamento bancário junto do Banco Popular, no montante de 10.000,00€ [art36pi].
7º Mais outorgou um financiamento bancário junto do Banco Santander, no montante de 10.000,00€ [art37pi].
8º Mais contraiu um financiamento junto do Finibanco, no montante de 160.000,00€ [art38pi].
9º Procedeu ao registo da hipoteca, inerente ao mútuo id. em 38), sobre o artigo matricial urbano .70 da freguesia de ..., em nome do A e sua cônjuge, descrito na Conservatória de Registo Predial de ..., na ficha nº ...........9 [art39pi].
10º Na aludida habitação residem os AA. e residem também dois filhos menores, bem como o irmão, a avó e os pais do A. [art44pi]
11º O A. exerce ainda a sua atividade profissional de carpintaria num armazém sito no aludido prédio identificado em 1º deste petitório, que constituem as instalações do estabelecimento industrial montado pela firma “A..., Lda.” [art45pi].
12º O A. contraiu matrimónio com a A., BB, no regime de comunhão geral de adquiridos, tendo dois filhos menores, respetivamente, LL (nascido em ........2008) e MM (nascido em ........2011) [art46pi]
13º O imóvel composto de casa de habitação de ... e ..., tipologia T4, com área total de 695m2, com dois arrumos, garagem e piscina, tem um valor não inferior a 430.000,00€ (quatrocentos e trinta mil euros).
14º os AA. passaram a habitar nela, como vem habitando com o seu agregado familiar, pelo menos desde 08.2007 [art57pi].
15º Nela confecionando as refeições, fazendo a sua higiene, dormindo, diariamente [art75pi].
16º Por escritura pública celebrada a 31 de Maio de 2007, A Ré concedeu aos mutuários CC e DD, um empréstimo no montante de 350.000,00 €, quantia essa que foi integralmente utilizada pelos mutuários através de várias tranches que foram sendo creditadas na conta de depósitos à ordem dos mesmos e de que se confessaram e que destinaram aos fins que bem entenderam, cf. Doc. 1 que agora se junta e aqui dá por reproduzido e integrado para os devidos e legais efeitos [art3contestação]
17º Para garantia do bom e pontual pagamento do empréstimo concedido, os mutuários constituíram a favor da Ré, na mencionada escritura, hipoteca sobre o seguinte bem imóvel:
Prédio urbano composto de armazém amplo e logradouro, situado em ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo .86, descrito na conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..74/... e aí registado a favor dos executados pela inscrição ..., apresentação ... de 29 de Janeiro de 2007 [art5contestação].
18º Os mutuários não cumpriram as obrigações a que estavam adstritos, nomeadamente, o pagamento das prestações, tendo a Ré promovido a competente ação executiva, processo que corre termos sob o n.º 278/11.4..., no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra - Juízo de Execução de ... - Juiz ..., cf. Doc. 2 que agora se junta e aqui dá por reproduzido e integrado para os devidos e legais efeitos [art7contestação].
19º O referido processo correu os seus termos tendo o Banco Réu apresentado proposta de adjudicação do imóvel a 21.12.2012, após frustração da venda do imóvel por propostas em carta fechada, vide decisão sobre a modalidade de venda, de 02.12.2011, auto de abertura de propostas e consequente determinação de venda por negociação particular, de 08.03.2012 - Docs. 3 e 4, que agora se juntam e aqui dão por reproduzidos e integrados para os devidos e legais efeitos [art8contestação].
20º O prédio urbano composto de armazém amplo e logradouro, situado em ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo .86, descrito na conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..74/... foi declarado vender ao réu que aceitou comprar pelo preço de 334.000€ no âmbito da ação executiva nº278/11.4... em que figurava como exequente o réu e como executados CC e DD [art2contestação].
21º Quer o seu antecessor CC quer, posteriormente, a Ré, em 28.9.2015 (21.12.2012), adquiriram o imóvel descrito na conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..74/..., com tudo o que a compõe [art2tréplica].
*
Foram dados como não provados os seguintes factos:
- Da petição inicial:
2º. …por ter sido por eles edificada,…
4º …após acordo da família, os pais do A. autorizaram a construção numa parcela … que, para tanto, doaram verbalmente ao A., em 2005, tendo então o A. passado a desenvolver os procedimentos tendente à construção da casa de habitação na aludida parcela do prédio urbano …
5º Para tanto, o A. promoveu pela execução dos necessários projetos de arquitetura e das especialidades,
(…)
11º Como os pais do A. se comprometeram, em reunião de família, a doar igual quantia aos irmãos, NN e OO, logo que os mesmos viessem a contrair matrimónio, como “prenda de casamento”.
(…)
17º Assim, entre finais de 2006 e 2008, os AA., …, pagaram as obras e os materiais de construção civil inerente às aludidas construções de moradia com garagem, arrumos e piscina – vd. Doc nº21 a 29.
18º Designadamente, inerente à colocação da betonilha, da tijoleira,
19º À execução dos trabalhos de alvenarias,
20º E com o isolamento térmico.
21º Mais mandou executar toda a instalação elétrica da moradia, arrumos, garagem e arranjos exteriores junto à piscina,
22º E mandou executar a colocação de telha nas aludidas construções.
23º O A. mandou, ainda, executar os pavimentos e cerâmicas,
24º E, conjuntamente com os seus familiares, procedeu à execução parcial das pinturas exteriores, estando, nessa parte, apenas parcialmente concluída a obra.
25º Tendo, ainda, mandado executar a terceiros as pinturas interiores e todos os acabamentos em geral (vernizes e outros) e, ainda, os muros envolventes,
26º Mais, mandou executar e suportou as despesas inerentes ao assentamento da pedra e cerâmicos da piscina e sua envolvente.
27º E mandou executar e suportou as despesas com a colocação das caixilharias de alumínio, janelas e estores.
28º O A. procedeu, ainda, à colocação de estuque, massas aplicadas e gessos na moradia, garagem, arrumos e piscina anexa à habitação.
35º Acresce que, no intuito de suportar as despesas inerentes à edificação da moradia, anexos e piscina,…
40º O valor global do investimento dos AA. na aludida construção da moradia, garagem, arrumos e piscina, ascende ao total de €400.000,00 (quatrocentos mil euros).
(…)
54º … que as projetou, edificou e vem edificando, desde, pelo menos 2005, e anteriormente pelo A.
55º e que pagaram e vem pagando todas as benfeitorias urbanas realizadas, constituídas por tais construções (moradia com garagem, arrumos e piscina)
(…)
58º Os AA. investiram e vêm investindo, com a sua força e instrumentos de trabalho e os seus rendimentos, deles se servindo, para fazer face às despesas inerentes à empreitada de construção civil da edificação
59º nomeadamente nela executando o A. os trabalhos de construção civil e carpintaria, durante anos, meses e dias seguidos,
60º e, conjuntamente com a sua cônjuge e familiares, que o auxiliam nas tarefas de construção e limpeza,
61º executando e assentando, também, todo o mobiliário e rodapés,
62º auxiliando nos trabalhos de assentamento dos pisos de madeira e de tijoleira, 63º no carregamento e transporte de ferramentas e equipamentos de construção civil para as obras,
64º escolhendo os materiais a aplicar e os fornecedores,
65º executando e fornecendo todos os materiais de carpintaria, nomeadamente para apoio e vigamento, entre outros.
68º Direito de uso e habitação própria permanente dos AA. e do agregado familiar como é reputado e do conhecimento de todos os vizinhos, amigos e entidades locais
(…)
73º Os AA, e o seu agregado familiar … por si e em continuação dos respetivos antecessores, edificaram, têm utilizado e fruído, e gozam da propriedade e posse da referida “habitação” [para o caso de se entender que tem algum conteúdo fáctico].
74 …ininterruptamente,
(…)
80º E recebendo os ascendentes do A. e a sua avó, e nela deles cuidando, dando residência e um lar, e deles tratando, assegurando todas as necessárias condições condignas de vivencia, alimentação e pernoita,
81º tudo à vista de todos e com o conhecimento geral, de forma pública e notória,
82º sem oposição de quem quer que fosse e como se de coisa sua se tratasse e com a convicção de quem exerce um direito próprio, como seu dono.
85º Tendo sido o A. que fez tramitar os procedimentos necessários à construção da mesma, à vista de todos, de forma pública e pacifica, tendo
86º para tanto, promovido e logrado a aprovação do projeto de obras e obtido o indispensável licenciamento da construção.
(…)
107º É, consequentemente, o A. e os seus antepossuidores que sempre tiveram uso, gozo e fruição daquela parcela Nordeste de terreno onde foi implantada a habitação (casa, garagem e piscina), publica e ininterruptamente, há mais de 15, 20, 25 e 30 anos.
(…)
111º e, mais tarde, limpando a aludida parcela de terreno para a construção da habitação (com arrumos e garagem),
(…)
115º que os AA. e seus familiares foram construindo, continuada e paulatinamente, na aludida parcela de terreno (situada na parte nordeste do artigo matricial urbano .86º),
116º sempre à vista de todos, de boa fé e sem oposição de quem quer que fosse,
117º gozando, fruindo, limpando, tratando e edificando aquela dita parcela de terreno, de forma própria e autónoma, sempre na convicção de pertencer aos AA., como pertence.
118º… o que criou e cria nos AA. uma profunda frustração e mágoa, além de discussões
- Da réplica:
6º a casa de habitação dos AA. (e antes dos pais do A.) não foi vendida a CC e a DD.
18º Mantendo, portanto, os AA. e conservando tudo até à delimitação constituída pelo muro de delimitação da piscina, contiguo ao terreno vendido pelos pais do A. a CC e DD,
21º … área da implantação da casa e logradouro com piscina só não foi desanexada na indicada data da escritura publica aCC e DD por existir um ónus de não fracionamento por 10 anos, não permitindo nessa data o aludido destaque da dita parcela correspondente á implantação da casa de habitação com piscina.
25º À data do dito empréstimo a CC e DD já a moradia dos AA. estava edificada e construída.
26º Não tendo os ditos Joaquim CC lá entrado ou sido permitido ao acesso à Ré ou a terceiros a pedido dos mesmos para o alegado empréstimo a estes.
37º por os pais do A. apenas terem vendido um prédio composto de terreno e armazém amplo a CC e a DD, os ditos adquirentes nunca procederam ao averbamento na descrição predial ou na matriz da moradia edificada pelos AA. como deles e/ou como pertencendo ao aludido prédio.
Admissibilidade do Recurso e Questões a decidir
Os Recorrentes têm legitimidade, por terem ficado vencidos, o recurso é admissível atento o valor da causa e da sucumbência (art. 629º, nº 1, do CPC), é tempestivo (art. 638º, nº 1, do CPC), e foi interposto nos termos legais (arts. 637º, nº 1 e 639º, nº 1, do CPC).
Dispõe o art. 671º, nº 3, do CPC, que não é admissível revista normal do acórdão que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível.
Esta norma consagra a figura da dupla conforme, como causa impeditiva do direito de recurso para o STJ.
Neste âmbito, o STJ tem vindo a propugnar o entendimento, absolutamente pacífico, de que para afirmar a existência de fundamentação essencialmente diferente não basta que se constate uma qualquer modificação ou alteração da fundamentação, sendo, ao invés, indispensável que ocorra uma diversidade estrutural e diametralmente diferente no plano da subsunção do enquadramento normativo da mesma matéria litigiosa.
Assim, apenas não se verificará uma situação de dupla conforme “quando a solução jurídica prevalecente na Relação seja inovatória, esteja ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros que fundamentaram a sentença apelada, sendo irrelevantes discordâncias que não encerrem um enquadramento jurídico alternativo, ou, pura e simplesmente, seja o reforço argumentativo aduzido pela Relação para sustentar a solução alcançada” – Ac. do STJ de 17.11.2021 (Recl. nº 22990/16.1T8PRT-B.P1-A.S1, Oliveira Abreu, disponível em www.dgsi.pt 1).
Como nos dá nota o Ac. do STJ de 20.02.2020 (Proc. nº 1003/13.0T2AVR.P1.S1, Ilídio Sacarrão Martins, não publicado), “só pode considerar-se estarmos perante uma fundamentação essencialmente diferente quando ambas as instâncias divergirem, de modo substancial, no enquadramento jurídico da questão, mostrando-se o mesmo decisivo para a solução final: ou seja, se o acórdão da Relação assentar num enquadramento normativo absolutamente distinto daquele que foi ponderado na sentença de 1.ª instância. Ou, dito ainda de outro modo: quando o acórdão se estribe definitivamente num enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado.” 2.
Abrantes Geraldes, em Recursos em Processo Civil, 6.ª Ed., 2020, pág. 413, escreve que “a alusão à natureza essencial da diversidade da fundamentação claramente nos induz a desconsiderar, para o mesmo efeito, discrepâncias marginais, secundárias, periféricas, que não representa, efetivamente um percurso jurídico diverso. O mesmo se diga quanto a diversidade de fundamentação se traduza apenas na recusa, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou que não tenha sido admitido, ou no reforço da decisão recorrida através do recurso a outros argumentos, sem pôr em causa a fundamentação usada pelo tribunal de 1.ª instância.”.
Os AA. vieram, por via da presente ação, peticionar o reconhecimento da aquisição do direito de propriedade sobre determinada parcela de terreno por usucapião.
Analisado o objeto do recurso, verifica-se que os recorrentes se insurgem contra a decisão das instâncias na parte em que lhes foi negada a pretensão de reconhecimento da aquisição do direito de propriedade por usucapião.
Neste conspecto, a sentença da 1.ª instância concluiu, de forma singela, que os AA. não tinham logrado demonstrar a posse, o que impedia a procedência do seu pedido de reconhecimento do direito de propriedade.
O Tribunal da Relação de Coimbra, por seu turno, manteve, integralmente, a decisão da 1.ª instância, o que fez com recurso a fundamentação, no essencial, convergente.
De facto, muito embora o Tribunal da Relação tenha abordado a figura da acessão na posse, a verdade é que o fez a título de obiter dictum e, em abono da verdade, apenas para justificar a decisão tomada quanto à (ir)relevância do conhecimento da impugnação da matéria de facto levada a cabo pelos recorrentes.
Veja-se que, no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto, o tribunal da Relação afirmou que “quanto à matéria respeitante aos factos não provados 2., 4., 5., 11., 17. a 35., 40., 54., 55., 58. a 65., 68., 73. e 74., 80., 81. e 82., 85., 86., 107., 111., 115., 116. E 117. (conclusões de recurso 16º a 51º) não se vai conhecer de tal impugnação, atento a decisão que vai ser tomada e que vai ser fundamentada, infra no ponto 4.”.
Tendo sido no âmbito do mencionado ponto 4 que o Tribunal da Relação explicitou as razões pelas quais entendia que o conhecimento de tal matéria de facto era irrelevante.
Assim, muito embora a análise dessa matéria tenha ficado, formalmente, inserida no âmbito do conhecimento da matéria de direito, a verdade é que diz respeito à decisão de facto.
Tudo isto para dizer que o Tribunal da Relação secundou, na íntegra, o teor da sentença da 1.ª instância, tendo analisado uma figura distinta da abordada anteriormente apenas a título de obiter dictum (escrevendo, “mesmo a ter ocorrido” – pág. 42 do acórdão recorrido) e para fundamentar a sua decisão de facto – e não conhecimento da matéria de facto - (“e, de novo, relembrando, o porquê de acima se ter expresso que era inútil conhecer a impugnação da matéria de facto referente, nesta situação, aos factos não provados 4., em parte, 107., 111., 115. a 117. De qualquer modo, mesmo que se entendesse que as ditas posses se podiam somar deparávamo-nos com um obstáculo conexionado à eventual posse dos antepossuidores do A. É que neste âmbito apenas temos como relevante o apontado facto não provado 107., que dado a sua generalidade e carácter conclusivo não permite traçar que atos possessórios, afinal de contas, os antepossuidores do A. terão praticado na controvertida parcela para efeitos de usucapir e desde quando” – pág. 43 do acórdão recorrido).
Temos, assim, por manifesto que, como os próprios recorrentes acabam por reconhecer ao interpor recurso de revista excecional, para além de o Tribunal da Relação ter confirmado, na integra, a sentença da 1.ª instância, fê-lo com recurso a uma fundamentação, no essencial, idêntica, não convocando normas ou institutos jurídicos distintos, movendo-se, assim, no mesmo quadro legal, nada acrescentando, de essencial, à fundamentação da 1.ª instância, à qual, de resto, aderiu, ocorrendo uma situação de dupla conforme.
Em todo o caso, das alegações de recurso resulta que os recorrentes, ainda que de forma muito confusa e prolixa, vieram invocar a violação, por parte do Tribunal da Relação, do disposto no art. 662º do CPC, e ainda a violação de caso julgado (formal).
Como é consabido, a interposição de recurso ao abrigo do disposto no art. 662.º do CPC, descaracteriza a dupla conformidade decisória impeditiva de recurso de revista - neste sentido, veja-se, Abrantes Geraldes, na ob. cit., págs. 415 a 418, e, entre outros, exemplificativamente, os Acs. do STJ de 14.09.2021, (Proc. nº 864/18.1T8VFR.P1.S1, Rel. Manuel Capelo), de 26.11.2020 (Proc. nº 11/13.6TCFUN.L2.S1, Rel. Maria da Graça Trigo), de 16.12.2020 (Proc. n.º 277/12.9TBALJ-B.G1.S1, Rel. por Rijo Ferreira), de 17.12.2020 (Proc. nº 7228/16.0T8GMR.G1.S1, Rel. por Fátima Gomes), de 2.11.2017, (Proc. nº 736/15.1YIPRT.P1.S1, Rel. por Olindo Geraldes, não publicado).
Nesta conformidade, é admissível o presente recurso de revista (normal) na parte em que a recorrente imputa ao Tribunal da Relação a violação do disposto no art. 662.º do CPC.
O mesmo se diga quanto à invocada ofensa do caso julgado, matéria que, uma vez invocada, permite a interposição de recurso de revista independentemente da ocorrência de uma situação de dupla conforme, nos termos da al. a) do nº 2 do art. 629º do CPC.
O mesmo não se pode afirmar quanto à imputada violação de direito probatório material (força probatória de documentos autênticos – conclusão de recurso 23ª).
Efetivamente, este Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a propugnar o entendimento, pacífico, de que a violação de normas de direito probatório material (que não sejam imputadas ex novo ao tribunal da Relação) não tem a virtualidade de descaracterizar a dupla conformidade decisória para efeitos de admissibilidade do recurso de revista.
Neste sentido pronunciou-se o Ac. do STJ de 23.01.2020 (Proc. n.º 44/16.0T8VVD.G1.S1, Rel. Catarina Serra, não publicado), que concluiu que “a alegada violação de preceitos de direito probatório material não tem aptidão para descaracterizar a dupla conforme, não constituindo uma questão nova ou suscetível de ser imputada ex novo à Relação.” 3.
No caso dos autos, a violação de normas de direito probatório material imputada ao Tribunal da Relação mostra-se abrangida pela dupla conformidade decisória impeditiva do recurso de revista, na medida em que não resulta de qualquer inovação introduzida pelo tribunal recorrido, mas constitui fundamento do recurso se o mesmo for admissível (art. 674.º, n.º 1, do CPC) 4.
Em conclusão, o recurso de revista deve ser admitido quanto à matéria atinente à violação do disposto nos arts. 662.º do CPC e ainda à invocada ofensa do caso julgado (conhecendo-se, em consequência, da invocada violação de direito probatório material).
Cientes do impedimento da dupla conforme, os Recorrentes interpuseram, também, recurso de revista excecional, sendo certo que é à Formação de juízes a que alude o nº 3 do art. 672º do CPC que compete a apreciação da sua admissibilidade.
Nestes termos, após conhecimento das matérias a que se fez referência, serão (ou não) os autos remetidos à Formação para efeitos de apreciação dos pressupostos de que depende a admissibilidade da revista excecional.
*
Em face do exposto, as questões a decidir são:
a) Das nulidades do acórdão do Tribunal da Relação;
b) Da nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação, ininteligibilidade, ambiguidade e obscuridade;
c) Da violação do caso julgado formal;
d) Da violação do preceituado no art. 662.º do CPC em sede de reapreciação da matéria de facto.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Antes de proceder à análise das questões suscitadas pelos Recorrentes, cumpre tecer umas breves considerações sobre os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, no tocante ao conhecimento do regime das nulidades e, também, das questões em torno da matéria de facto.
Desde logo, e porque parece resultar das alegações de recurso que os Recorrentes pretendem a sindicância das nulidades da sentença da 1ª instância, cumpre deixar expresso que, como tem sido pacificamente entendido por este Supremo Tribunal de Justiça, este tribunal não pode conhecer das nulidades da sentença da 1ª instância, estando a sua atividade jurisdicional limitada ao conhecimento dos vícios do tribunal da Relação.
Neste sentido, pronunciaram-se, entre outros, os Acs. do STJ de 4.06.2024 (Proc. n.º 1098/20.0T8BRG.G1.S1, Rel. António Magalhães), de 9.03.2022 (Proc. nº 11103/17.2T8PRT.P1.S1, Rel. Maria Clara Sottomayor), e de 5.09.2023 (Proc. n.º 48/14.8T8IDN-A.C1.S3, Rel. António Magalhães).
Importa, assim, deixar expresso que não compete a este Supremo Tribunal de Justiça sindicar os eventuais vícios da sentença da 1ª instância, estando a sua atividade circunscrita ao acórdão do Tribunal da Relação, respetivos vícios e/ou erros de julgamento.
Por um lado, como é consabido, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito da matéria de facto visa garantir, essencialmente, o cumprimento de normas de direito probatório material, sendo as decisões da Relação, tomadas a abrigo dos n.ºs 1 e 2, do art. 662.º do CPC, irrecorríveis (cfr. art. 662.º, n.º 4, do CPC).
Contudo, como escreve Abrantes Geraldes, na ob. cit., pág. 358, “esta delimitação não é totalmente rígida. Com efeito, é admissível recurso de revista quando sejam suscitadas questões relacionadas com o modo como a Relação aplicou as normas de direito adjetivo conexas com a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, maxime quando seja invocado pelo recorrente o incumprimento de deveres previstos no art. 662º” ou quando se trate de “sindicar a decisão da matéria de facto nas circunstâncias referidas no art. 674º, nº 3, e apreciar criticamente a suficiência ou insuficiência da matéria de facto provada e não provada em conexão com a matéria de direito aplicável, nos termos do art. 682º, nº 3.”.
Este tem sido, de resto, o entendimento que tem vindo a ser propugnado de forma reiterada e constante por este Supremo Tribunal de Justiça, de que é exemplo o Ac. de 3.11.2021 (Proc. nº 4096/18.0T8VFR.P1.S1, Rel. Ricardo Costa), onde se escreve que “ao STJ permite-se verificar se o uso dos poderes conferidos pelo art. 662º, 1 e 2, do CPC foi exercido dentro da imposição de reapreciar a matéria de facto de acordo com o quadro e os limites configurados pela lei para o exercício de tais poderes (deveres) – não uso ou uso deficiente ou patológico –, que, no essencial e no que respeita ao n.º 1 do art. 662º, resultam da remissão do art. 663º, 2, para o art. 607º, 4 e 5, do CPC (o n.º 2 já é reforço dos poderes em segundo grau)”.
Importa, contudo, salientar que o poder de apreciar o cumprimento das regras adjetivas atinentes à reapreciação da matéria de facto, não se confunde, em caso algum, com a sindicância do percurso probatório percorrido pelo Tribunal da Relação, nem tão pouco, com a consistência da argumentação levada a cabo pelo tribunal recorrido.
De facto, “não cabe ao tribunal de revista intrometer-se na apreciação do mérito da análise probatória realizada nem tão pouco na aferição da sua consistência. (…) ao tribunal de revista não [compete] sindicar o eventual erro desse julgamento nos domínios da apreciação e valoração da prova livre nem da livre e prudente convicção do julgador” (Ac. do STJ, de 30.11.2021, Proc. n.º 212/15.2T8BRG-B.G1.S1, Rel. Tomé Gomes, não publicado).
Faz-se esta breve apreciação, na medida em que resulta das alegações dos Recorrentes o apelo a diversos meios de prova – nomeadamente prova testemunhal e documental (por exemplo, págs. 36, 37, 38, 40 a 50 do recurso de revista) que, segundo alegam, terão sido desconsiderados pelo Tribunal da Relação aquando do conhecimento da impugnação da matéria de facto e que justificam, no seu entendimento, a alteração da matéria de facto provada e não provada.
Como é evidente, não compete a este Supremo Tribunal de Justiça proceder à reapreciação da prova produzida em julgamento e, muito menos, proceder a alterações na factualidade dada como provada e não provada.
Efetivamente, com exceção de eventual violação de regras de direito probatório material (de que aqui, como se viu, não se cuida), não pode o Supremo Tribunal de Justiça proceder a alterações no elenco de factos provados e não provados, não podendo, igualmente, em caso algum, proceder à apreciação da prova produzida nos autos.
Feitas estas considerações interlocutórias, apreciemos.
1. Das nulidades do acórdão da Relação
Analisadas e interpretadas as alegações de recurso, parece resultar a invocação da nulidade do acórdão da Relação por omissão de pronúncia quanto às conclusões n.ºs 9, 61, 62, 77, 88, 95 e 98 do recurso de apelação.
Parece, na medida em que a natureza algo confusa das alegações de recurso deixa dúvidas quanto ao entendimento dos Recorrentes, não resultando claro se imputam ao acórdão recorrido a nulidade por omissão de pronúncia quanto às conclusões mencionadas, ou se imputam ao tribunal recorrido o incumprimento dos deveres que emergem do disposto no art. 662º do CPC, matéria esta que será conhecida mais adiante.
Prevenindo, passa-se, de imediato, a conhecer dessa matéria.
A nulidade por omissão de pronúncia encontra-se relacionada com o comando normativo ínsito no art. 608º, nº 2, do CPC, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.”, e verifica-se quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar (art. 615º, nº 1, al. d), do CPC).
No que especificamente diz respeito à invocada nulidade por omissão de pronúncia, este Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender, de forma reiterada, que “a nulidade da decisão por omissão de pronúncia apenas se verificará nos casos em que ocorra omissão absoluta de conhecimentos relativamente a cada questão e já não quando seja meramente deficiente ou quando se tenham descurado as razões e argumentos invocados pelas partes” - Ac. do STJ de 9.03.2022 (Proc. nº 1600/17.5T8PTM.E1.S1, Rel. Pedro de Lima Gonçalves) 5.
Como está consolidado, os recursos visam apreciar as questões sobre as quais as partes tiveram a oportunidade de se pronunciar, não se destinando a julgar problemáticas novas que não foram esgrimidas por aquelas, nem tão pouco objeto de pronunciamento por parte do tribunal (cfr. o Ac. do STJ de 10.09.2019, Proc. n.º 1563/17.7T8PVZ.P1.S1, não publicado).
Resulta, assim, que existe dever de pronúncia apenas quanto a questões que diretamente digam respeito ao objeto do processo que hajam sido deduzidas pelas partes ou que devam ser suscitadas oficiosamente (neste sentido, vejam-se, entre outros, o Ac. do STJ de 11.02.2015, Proc. nº 1099/11.0TBCHV.P1.S1, Rel. Gregório da Silva Jesus, não publicado, e, também, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 2.º Vol., Coimbra Editora, 2.ª edição, pág. 704 e ss.).
Do exposto resulta que apenas se verificará uma situação de omissão de pronúncia quando se descortine um dever de pronúncia e quando esta pronúncia seja, integralmente, omitida.
No caso em apreço, está em causa o dever de pronúncia sobre as conclusões nºs 9, 61, 62, 77, 88, 95 e 98 do recurso de apelação.
No que concerne à conclusão 9ª, escreveram os Recorrentes/apelantes: “9.º Donde, a titulo de questão prévia, é manifesto e notório que o Tribunal a quo labora em erro manifesto e notório nos pressupostos de facto e de direito, de que os pais do A. foram “executados” na ação executiva em que o R. adquiriu o prédio composto de armazém e logradouro a CC e a DD, e que dela tiveram conhecimento, o que é falso e não corresponde á verdade, importando assim na nulidade da sentença com a qual os AA/recorrentes não se podem conformar e ora se insurgem.”.
Ao contrário do que alegam os Recorrentes, o tribunal recorrido pronunciou-se sobre a nulidade invocada, escrevendo que “os recorrentes na conclusão de recurso 9º invocam de modo conclusivo que a sentença é nula. Tendo em conta que a nulidade da mesma vem prevista no art. 615º, seu nº 1, suas 5 alíneas, e os recorrentes nenhuma indicam, nem da sua alegação conclusiva se consegue descortinar qual será, a mesma está votada a ser indeferida.”.
De facto, analisado o recurso de apelação, não se descortina qual a nulidade invocada na conclusão 9ª, que antes aponta para eventual erro de julgamento.
Em todo o caso, não deixou o tribunal recorrido de se pronunciar, pelo que não sendo possível concluir pela existência de dever de pronúncia, falece a pretensão dos Recorrentes.
No que concerne às conclusões 61, 62, 95 e 98 do recurso de apelação, o Tribunal da Relação deixou escrito que “Nas conclusões de recurso 61º, 62º, 95º e 98º, alegam que no concernente à factualidade alegada na sua réplica o tribunal a quo apenas conheceu sobre parte dos factos – concretamente apenas os factos que o STJ enunciava de forma exemplificativa, no seu acórdão, como relevantes na ordenada ampliação da matéria de facto - os factos 6º, 18º, 21º, 25º, 26º, 37º da réplica – omitindo o conhecimento e decisão sobre os demais factos alegados nessa peça, pelo que violou o art. 608º, nº 2, do NCPC. Antes de mais, diga-se que inexiste qualquer réplica nos autos, tecnicamente falando, mas apenas uma resposta dos AA. Depois, ao mencionar o art. 608º, nº 2, mais a referência a omissão de conhecimento, percebe-se que os recorrentes estão a arguir a nulidade da sentença prevista no art. 615º, nº 1, d), 1ª parte, do NCPC. Atendendo que a omissão de pronúncia prevista no referido art. 615º, nº 1, d), 1ª parte, se reporta a questões, isto é, a pedidos, causas de pedir, exceções, e não a decisão da matéria de facto, não poderá nunca existir a apontada nulidade. A haver algum vício não seria, de modo nenhum, no plano das nulidades da sentença, mas, eventualmente, no plano da decisão da matéria de facto.”.
Ora, ao contrário do que parece ser o entendimento dos Recorrentes, basta ler o trecho supra transcrito para concluir que o Tribunal da Relação apreciou, de facto, a invocada nulidade da sentença da 1.ª instância, tendo concluído pela sua não verificação.
Saber se decidiu bem ou mal é matéria que se coloca no plano do erro de julgamento e já não no domínio dos vícios das decisões judiciais, já que, como vimos, apenas a total ausência de pronúncia tem a virtualidade de inquinar a decisão judicial, e não é o que sucede nos autos.
É, assim, manifesto que o tribunal da Relação se pronunciou sobre a invocada nulidade, inexistindo qualquer omissão de pronúncia.
No que concerne às conclusões 88 e 89 do recurso de apelação, o tribunal da Relação exarou o seguinte: “Nas conclusões de recurso 88º e 98º os apelantes afirmam que ao não valorar factualidade material alegada por eles – a escritura publica de compra do prédio “composto de armazém e logradouro” por CC e DD aos pais do A., em 26.01.2007, “pelo preço de 50.000€” -, provada por documento autêntico e com fé pública, o tribunal a quo incorreu na falta de apreciação, valoração e decisão de questões concreta e objetivamente alegadas sobre as quais se impunha conhecer e decidir, importando na violação do disposto nos arts. 607º, nº 4, 608º, nº 2 e 615º, nº 1, d), do NCPC e, consequentemente, na nulidade da sentença. A solução é idêntica, ou seja, a eventual falta de apreciação, valorização e decisão sobre um facto concreto, não seria uma nulidade da sentença, mas sim, um eventual vício no plano da decisão da matéria de facto. Pelo exposto, indefere-se a arguição de nulidades do acórdão recorrido, assim se mantendo o mesmo.”.
Também neste segmento é clara a pronúncia do Tribunal da Relação, que deixou expresso que, no seu entendimento, os vícios apontados pelos então apelantes não se reconduziam a qualquer nulidade da sentença, tendo, em conformidade, concluído pela não verificação das invocadas nulidades da sentença da 1.ª instância.
Temos, assim, por evidente que, também neste particular inexiste qualquer nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.
2. Da cognoscibilidade de parte do recurso e da nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação, ininteligibilidade, ambiguidade e obscuridade.
Invocam, ainda, os Recorrentes que o acórdão recorrido é ininteligível, porquanto não alcançam os recorrentes as razões pelas quais o tribunal recorrido não apreciou a impugnação de facto “quanto à matéria respeitante aos factos não provados 2, 4, 5, 11, 17 a 35, 40, 54, 55, 58 a 65 e 74, 80, 81 e 82, 85, 86, 107, 111, 115, 116 e 117 (conclusões 10 a 51º) não se vai conhecer de tal impugnação” e ainda a matéria abrangida pela conclusão n.º 77.
Ora, no que concerne à impugnação da matéria de facto não provada, o Tribunal da Relação deixou escrito a este propósito que “Efetivamente, mesmo que tal factualidade passasse a provada acabaria por não ter influência na solução de direito e no mérito do recurso. No nosso caso verifica-se que os mencionados factos não têm importância para o recurso do AA e para a solução jurídica da causa, como atrás dissemos. E que, infra em 4. especificaremos pelas questões decidendas. (…) À partida, podemos de imediato concluir que não se pode dizer, por isso, que se tenha verificado o prazo da usucapião, já que há quinze anos atrás - em relação à data da propositura da ação (em 2.2018) – o período temporal necessário para usucapir não se tinha completado, pois os AA não tinham corpus antes de 2005 sobre tal parcela de terreno. Os AA invocam que a sua posse deve ser junta à dos pais do A. e seus antecessores, o que a lei permite, nos termos do art. 1256º, nº 1, do CC. Porém, como nos alerta Antunes Varela (Cód. Civil Anotado, Vol. III, 2ª Ed., nota 3. ao artigo 1256º, pág. 14) é necessário que haja um ato translativo da posse formalmente válido, o que não acontece na doação de imóvel por ato verbal. Como foi o nosso caso segundo alegação dos próprios AA. No mesmo sentido vão ainda L.P. Moitinho de Almeida, Restituição de Posse e Ocupação de Imóveis, 5ª Ed., pág. 77, Santos Justo, D. Reais, 7ª Ed., 2020, págs. 216/218 e J. L. Bonifácio Ramos, Manual D. Reais, 2ª Ed., AAFDL, pág. 216. Posição que subscrevemos. Neste sentido vai também jurisprudência a que aderimos, designadamente os Acds. do STJ de 27.11.2007, Proc.07A3815, onde se exarou no sumário, na 4ª parte, que “O título a que alude e exige a norma do art.1256º é o que a lei também exigir para que o negócio de transmissão seja formal e substancialmente válido, não relevando, para o efeito, como título legítimo de aquisição, um ato nulo, sendo que, neste caso, só pode ser invocada a posse pessoalmente exercida e não a dos antepossuidores”, de 7.4.2011, Proc.956/07.2TBVCT, onde se exarou no sumário, sob III), que “A acessão na posse pressupõe, além de uma posse homogénea e sucessiva, um ato translativo que seja formalmente válido”, de 18.10.2012, Proc.5978/08.3TBMTS, e de 8.2.2018, Proc.642/14.7T8GRD, e ainda o Ac. da Rel. Coimbra, de 1.3.2016, Proc.322/13.0TBTND, todos disponíveis em www.dgsi.pt. Portanto, há que concluir que os AA não podem somar à sua eventual posse a dos pais do A. e seus antecessores, pelo que permanecendo como início eventual da posse a data de 2005 o período legal para aquisição por usucapião não decorreu. E, de novo, se relembrando, o porquê de acima se ter expresso que era inútil conhecer a impugnação da matéria de facto referente, nesta situação, aos factos não provados 4., em parte, 107., 111., 115. a 117. De qualquer modo, mesmo que se entendesse que as ditas posses se podiam somar deparávamo-nos com um obstáculo conexionado à eventual posse dos antepossuidores do A. É que neste âmbito apenas temos como relevante o apontado facto não provado 107., que dado a sua generalidade e carácter conclusivo não permite traçar que atos possessórios, afinal de contas, os antepossuidores do A. terão praticado na controvertida parcela para efeitos de usucapir e desde quando. De qualquer maneira, neste momento, temos solução para a questão em apreço, pois perante o facto provado 21. os AA não podem aspirar ao direito de propriedade sobre a mencionada parcela de terreno, com fundamento em usucapião, visto que, perante tal facto provado 21., a R. credora hipotecária adquiriu o imóvel, em execução, com tudo o que o compõe, dos compradores aos pais do A.”.
Os Recorrentes não têm razão quando invocam a nulidade do acórdão da Relação por ininteligibilidade ou mesmo por falta de fundamentação.
Efetivamente, concorde-se ou não com a posição expressa pelo Tribunal da Relação, não é possível imputar-lhe qualquer falta de fundamentação, sendo bastante evidentes as razões subjacentes ao entendimento propugnado.
Novamente, saber se decidiu bem ou mal é matéria que se coloca no domínio do erro de julgamento e já não no dos vícios das decisões judiciais, matéria que não tem qualquer cabimento no caso que nos ocupa.
Quanto à mencionada conclusão 77º, o tribunal da Relação escreveu que “Relativamente ao facto aludido facto não provado 118. não passa de uma mera conclusão de recurso (sob a 77º) da recorrente, pois no corpo das alegações não explicita, nem justifica, porquê ? Ou seja, a dita conclusão não encontra apoio algum, mínimo que seja, na motivação de recurso, pois nem uma só palavra foi dedicada pela recorrente a tal temática. Não se trata, porém, de qualquer conclusão deficiente carecida de aperfeiçoamento, porquanto a lei só prevê o dito aperfeiçoamento para as conclusões, não para as alegações propriamente ditas (art. 639º, nº 3, do NCPC = ao art. 685º-A, nº 3, do CPC). E é assim no que se refere à matéria de direito, pois tratando-se de matéria de facto, diferentemente, nem sequer há qualquer aperfeiçoamento (cfr. corpo do art. 640º, nº 1, in fine, do NCPC). Por isso, por mais obscuras, complexas e deficientes que as alegações sejam, a lei não admite que o recorrente seja convidado a corrigi-las ou ampliá-las. É sabido que as conclusões consistem na enunciação de proposições que sintetizam os fundamentos do recurso. A exigência de que a alegação conclua pela indicação sintética dos fundamentos, pressupõe necessária e logicamente que se expuseram mais desenvolvidamente esses fundamentos: a lei exige não só que o recorrente conclua senão também que alegue. O recorrente deve expor ao tribunal ad quem as razões da sua impugnação, a fim de que este tribunal decida se tais razões procedem ou não. Quando isso não suceda, i.e., quando as conclusões contenham um fundamento ou razão que não tenha sido exposta nas alegações, em face da impossibilidade legal de convidar o recorrente a ampliá-las, deve considerar-se não impugnada, nessa parte, a decisão recorrida, com a consequente impossibilidade de conhecimento, nesse segmento, do objeto do recurso (cfr. neste sentido, por ex., os Acds. do STJ de 2.12.1988, BMJ 382, pág. 497, de 12.1.1995, C.J., T. 1, pág. 20, de 13.1.2005, Proc.04B4132, de 24.5.2005, Proc.05A1414 e Abrantes Geraldes, Recursos em P. Civil, 2ª Ed., 2008, nota 4. ao artigo 684º do anterior CPC, pág. 92). Como assim, não encontrando as ditas conclusões, sobre este aspeto, apoio algum, por mínimo que seja, na motivação de recurso, é como se não houvesse formulação. Pelo que necessariamente não é cognoscível esta parte do recurso, arguida pela R./recorrente.”.
Ora, o que resulta da leitura do acórdão do Tribunal da Relação é que considerou que a impugnação da matéria de facto em causa (facto 118º) não se encontrava sustentada, na medida em que os recorrentes não tinham explicitado as razões pelas quais consideravam que tal matéria devia transitar para a matéria de facto provada.
As razões do Tribunal da Relação são claras, não se descortinando qualquer ininteligibilidade, ambiguidade ou obscuridade que tenha a virtualidade de inquinar a decisão em crise nos autos.
Assim, não tendo os recorrentes esgrimido quaisquer argumentos capazes de afastar as conclusões a que chegou o Tribunal da Relação – nada tendo sido dito quanto ao cumprimento do ónus de impugnação – há que concluir pela improcedência da pretensão dos recorrentes.
3. Da violação do caso julgado
Invocam os recorrentes a violação do caso julgado formal (conclusão 122ª), por considerarem que o tribunal recorrido não podia considerar o negócio celebrado entre os pais do autor e os mutuários da ré, na medida em que tal negócio foi declarado resolvido em benefício da massa insolvente dos pais do autor, no âmbito do processo de insolvência que visou estes últimos.
Uma primeira palavra para deixar expresso que a vertente do caso julgado a considerar sempre seria a do caso julgado material, na medida em que estamos perante dois processos distintos.
Como é consabido, o caso julgado formal traduz a força obrigatória dentro do processo, o que não se discute no caso dos autos.
Por outro lado, como bem decidiu o Tribunal da Relação, temos por manifesto que não tem qualquer viabilidade a invocação dos recorrentes.
Desde logo, porque inexiste a tríplice identidade – partes, causa de pedir e pedido – de que depende a afirmação da exceção (dilatória) do caso julgado, mas também porque, o que porventura se tenha discutido no âmbito da insolvência dos pais do autor, não se mostra, de todo em todo, prejudicial face ao que aqui se discute (recorde-se, a aquisição do direito de propriedade pelos autores por usucapião), não sendo as partes, naquela e nesta ação, as mesmas.
Não se mostram, assim, verificados os pressupostos de que depende a verificação da exceção de autoridade do caso julgado.
Assim, sem necessidade de tecer mais considerações sobre os limites do caso julgado, temos por manifesto que não é possível convocar tal figura para a análise dos autos.
4. Da violação do preceituado no art. 662.º do CPC em sede de reapreciação da matéria de facto.
4.1. Analisada e interpretada a demais pretensão recursória dos Recorrentes, cumpre consignar que se insurgem contra a decisão do Tribunal da Relação na parte em que julgou, de novo, inútil o conhecimento da impugnação da matéria de facto, relativamente aos factos aos factos não provados 2, 4, 5, 11, 17 a 35, 40, 54, 55, 58 a 65, 68, 73 e 74, 80º, 81 e 82, 85, 86, 107, 111, 115, 116 e 117 (conclusões de recurso 10ª a 51ª).
Importa começar por salientar que assiste razão ao Tribunal da Relação quando o mesmo afirma que a impugnação da matéria de facto apenas será de conhecer se os factos sindicados se revelarem, ainda que em abstrato, úteis para a solução jurídica a dispensar ao caso.
Como sintetiza o Ac. do STJ de 25.10.2022 (Proc. n.º 721/18.1T8BRG.G2.S1, Rel. Pedro de Lima Gonçalves), “O tribunal da Relação pode apreciar se a factualidade indicada pelos recorrentes é ou não relevante para a decisão da causa, sendo-lhe lícito, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de apreciar, nessa parte, a impugnação da matéria de facto por tal se prefigurar como um ato inútil”.
Não poderia deixar de assim ser.
De facto, a prática de atos inúteis encontra-se vedada, nos termos do disposto no art. 130º do CPC, sendo manifesto que o conhecimento da impugnação da matéria de facto não pode fugir ao crivo de relevância ou irrelevância a levar a cabo pelas instâncias.
Como é evidente, este Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal vocacionado para o conhecimento de matéria de direito, pode e deve sindicar o juízo de relevância ou irrelevância formulado pelas instâncias, podendo, em qualquer caso, concluir pelo desacerto da decisão do Tribunal da Relação no sentido da irrelevância de factos que venham a considerar-se, a final, relevantes.
Nesse caso, poderá determinar a baixa do processo para conhecimento da impugnação da matéria de facto que se afigure relevante para a boa decisão da causa.
Sucede que esta sindicância foi já levada a cabo por este tribunal, no âmbito do acórdão proferido em 17.01.2023.
Efetivamente, lido e interpretado o aresto mencionado, resulta manifesto que o Supremo professou o entendimento de que o conhecimento da impugnação da matéria de facto agora em crise poderia ser ou não relevante, consoante se provasse qual o concreto objeto da venda realizada e descrita nos autos.
Conforme se afirmou naquele aresto, “Segue-se, como supra se disse, a tese de que para que a acessão na posse, a que alude o art. 1256º, se verifique, basta que o atual possuidor tenha adquirido a posse derivada do antecessor através da entrega ou tradição da coisa, sem que seja de exigir que a transferência se baseie em ato (translativo) formalmente válido. No ponto 11º da contestação diz a ré que “Por outro lado, estranha-se a posição dos AA. porquanto, quer o edital da penhora em 23.08.2011, quer o edital de venda em 11.02.2012, foram afixados no imóvel e estes nunca reagiram”. Mas também se estranha que tendo a mãe do autor vendido aos mutuários da ré (e de quem esta houve o prédio) em 29-01-07 (sendo a escritura efetuada em 31-05-2007), os autores continuassem a fazer obras na construção (casa de habitação) em causa, posteriormente nela fossem habitar e aí continuem, como consta da matéria de facto provada, nomeadamente: -10º Na aludida habitação residem os AA. e residem também dois filhos menores, bem como o irmão, a avó e os pais do A. -14º os AA. passaram a habitar nela, como vem habitando com o seu agregado familiar, pelo menos desde 08.2007. -15º Nela confecionando as refeições, fazendo a sua higiene, dormindo, diariamente. E na matéria de facto não provada, mas impugnada na apelação, nomeadamente: -17.º Assim, entre finais de 2006 e 2008, os AA., …, pagaram as obras e os materiais de construção civil inerente às aludidas construções de moradia com garagem, arrumos e piscina. Pelo que pode ter relevância conhecer da matéria dos factos impugnados e saber se se verificou ou não a acessão da posse. Assim como terá relevância apurar outra matéria, nomeadamente a abrangência do que a mãe do autor vendeu aos mutuários da ré. A venda excluía a parcela onde foi implantada a casa de habitação, como replicam os autores ou, “adquiriram o imóvel descrito na conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..74/..., com tudo o que a compõe”, como treplica a ré? É que consta dos articulados (réplica), sem que conste da matéria de facto apurada, nomeadamente: -6ºPor outro lado, como alegam os AA. na sua petição inicial, a casa de habitação dos AA. (e antes dos pais do A.) não foi vendida a CC e a DD. -18º Mantendo, portanto, os AA. e conservando tudo até á delimitação constituída pelo muro de delimitação da piscina, contiguo ao terreno vendido pelos pais do A. a CC e DD. -21º …área da implantação da casa e logradouro com piscina só não foi desanexada na indicada data da escritura publica a CC e DD por existir um ónus de não fracionamento por 10 anos, não permitindo nessa data o aludido destaque da dita parcela. -25º … à data do dito empréstimo a CC e DD – alegadamente mobilizado em tranches, já a moradia dos AA. estava edificada e construída, -26º Não tendo os ditos CC lá entrado ou sido permitido o acesso á Ré ou a terceiros a pedido dos mesmos para o alegado empréstimo a estes. -37º Aliás, por os pais do A. apenas terem vendido um prédio composto de terreno e armazém amplo a CC e a DD, os ditos adquirentes nunca procederam ao averbamento na descrição predial ou na matriz da moradia edificada pelos AA. como deles e/ou como pertencendo ao aludido prédio. E não deixa de ser estranho, como alegam os autores recorrentes que mantenham a posse da casa de habitação até aos dias de hoje e a ré se limite a pedir a improcedência da ação, não deduzindo reconvenção, ou por outra forma formulasse pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade incluindo a parcela onde foi edificada a casa de habitação. Tendo em conta os factos constantes dos autos, verifica-se, in casu, uma divergência entre a realidade jurídica e a situação matricial e registal, (como se lhe refere o Ac. da Rel. De Co. de 09-05-2017, no Proc. nº 54/14.2T8SAT.C1), pois que, constando do registo predial e inscrição na matriz que se trata de “prédio urbano composto de armazém amplo e logradouro”, na realidade aí se encontra edificada uma casa de habitação composta de arrumos, garagem e piscina, com autonomia económica, situada numa parcela do topo nordeste e que, conforme alegado pelos autores é o que dá valor ao prédio. Pelo que, em primeira linha interessará averiguar, na medida do possível, se a mãe do autor quis vender/vendeu aos mutuários da ré o prédio tal como se encontrava ao tempo da venda (com todas as construções que existiam) ou, se quis excluir da venda a casa de habitação composta de arrumos, garagem e piscina, numa parcela no topo nordeste, delimitada fisicamente do restante, tudo na tentativa de uma melhor interpretação do objeto da declaração negocial. E consoante a resposta que for dada, poderá haver necessidade de averiguar a matéria de facto impugnada no recurso de apelação (e não conhecida pelo Tribunal recorrido), a fim de se saber se poderá somar-se a posse dos autores à dos antepossuidores que lhes doaram a parcela de terreno. A resposta do Tribunal aos factos que responderão às questões referidas permitirá que seja feita uma melhor justiça material. Concluímos, como concluiu o Acórdão deste STJ proferido no Proc. 642/14.7T8GRD.C1.S1, já supra referido, “… é no âmbito da relação jurídica que se estabeleceu entre o transmitente da posse e o respetivo adquirente que se encontrará a resposta à questão de saber se, além da posse, também foi transferido o respetivo direito”. Ou seja, os autores adquiriram a posse da parcela supra identificada, mas tal posse só acresce à posse da antepossuidora (doadora), em termos de acessão de posse no caso de a venda aos mutuários da ré não incluir a dita parcela. É que a transmissão aos autores pelo ato de doação só incluiu a posse, não foi transmitido aos autores o respetivo direito de propriedade, na medida em que o ato (doação verbal) pelo qual se pretendeu efetuar essa transferência, é nulo por inobservância da forma legalmente prescrita (exigência de escritura pública) e, como tal, não tinha idoneidade para operar a transferência daquele direito. Assim que há necessidade de averiguar, previamente, o concreto objeto da relação jurídica estabelecida entre a dona do prédio e os mutuários da ré, dos quais esta houve o prédio, ou seja, se essa transação abrangia a totalidade do prédio ou, se ficou excluída a parcela de terreno, objeto da doação, onde está implantada a casa, como alegam os autores. Pelo que, além da matéria de facto impugnada no recurso de apelação e sobre a qual o Tribunal recorrido entendeu não necessitar de conhecer para aplicar o direito, há necessidade de ampliação da matéria de facto a fim de tentar apurar-se o objeto da venda referida.” (sublinhado nosso).
Entendeu, assim, o Supremo que o conhecimento da impugnação da matéria de facto apenas se revelaria útil se se demonstrasse que a casa de habitação não havia sido vendida aos mutuários da ré. É o que se retira do seguinte segmento: “os autores adquiriram a posse da parcela supra identificada, mas tal posse só acresce à posse da antepossuidora (doadora), em termos de acessão de posse no caso de a venda aos mutuários da ré não incluir a dita parcela.”.
Esta decisão transitou em julgado e da mesma decorre que será inútil o conhecimento da impugnação da matéria de facto se resultar não provado que a casa de habitação não foi vendida.
Sucede que, como se sabe, resultou não provado que a casa de habitação não foi vendida, o que, no entendimento do Supremo, propugnado em decisão transitada em julgado, torna inútil o conhecimento da matéria impugnada.
É verdade que o Tribunal da Relação insiste no entendimento de que a figura da acessão na posse apenas pode ser convocada caso se conclua pela validade do título de transmissão da posse, o que não sucede nos autos, contrariando a posição assumida pelo Supremo também nestes autos.
Sucede que, como também já se deixou escrito, o Tribunal da Relação o faz apenas a título de obiter dictum, já que, não tendo conhecido a impugnação da matéria de facto e não resultando sequer provada a posse dos autores e dos seus antepossuidores, não é sequer possível aquilatar da sua transmissão.
Não se verifica, assim, qualquer violação do caso julgado formal formado por força da decisão proferida pelo Supremo nos autos.
Temos, assim, por manifesto que a decisão do tribunal da Relação se mostra suportada pela decisão anteriormente proferida pelo Supremo que já transitou em julgado e vincula dentro dos limites do presente processo.
4.2. No que concerne à impugnação da matéria de facto atinente aos factos não provados 6º, 18º, 21º, 25º, 26º e 37º da réplica (conclusões de recurso 89ª a 92ª), consideram os Recorrentes que não foi levada a cabo uma reapreciação crítica da prova produzida em julgamento.
A propósito da matéria que nos ocupa, escreveu o Tribunal da Relação que: “3.3. Respeitante aos factos não provados 6º, 18º, 21º, 25º, 26º e 37º da réplica (conclusões de recurso 89º a 92º), os recorrentes, com vista à resposta de provado, alegam que resulta da escritura pública de 26.1.2007 que além dos pais do A. nunca terem pretendido vender a benfeitoria urbana da casa de habitação, anexos, garagem e piscina a CC e a DD, como declarou a mãe do A. em julgamento, também a mesma não consta, integra ou “compõe” a descrição do prédio urbano descrito na CRP de ... sob o número ..74/... mas apenas o “armazém e logradouro” por ela pretendido vender, como vendeu, pelo preço de 50.000€ – neste sentido as declarações da mãe do A., II, do A. e de FF -, valor em discrepância como o fixado na perícia dos presentes autos da benfeitoria urbana dos AA. da “casa de habitação composta de arrumos, garagem e piscina” edificada “numa parcela do topo nordeste do prédio”, com 695m2, a qual tem um valor “não inferior a 430.000,00€” (factos provados 1 e 13 da sentença) – cfr. as declarações de HH, engenheiro civil e vereador da CM de 75 ... e responsável pelo licenciamento do projeto de construção que declarou que “a moradia, piscina, garagem e arrumos” tinha “o valor de 800.000,00€” (vide as declarações de HH, na fundamentação fáctica da sentença recorrida, pág. 18), precisando que “o valor desse armazém e do terreno envolvente fosse (…) de cerca de 50.000€” e ainda as declarações da testemunha FF que declarou não ser “razoável que os pais do autor tivessem vendido o imóvel em causa pelo valor de 50.000€. Tinha este valor como razoável para o armazém. Para o armazém e para a casa era um valor “irrisório” (vide as declarações de FF na fundamentação fáctica da sentença, pág. 16). Na decisão da matéria de facto o julgador exarou que: “A convicção do tribunal alicerçou-se na análise da globalidade da prova produzida, quer documental, quer testemunhal, quer de acordo com a prova produzida na sua conjugação com as regras da normalidade das coisas e da experiência da vida comum na inferência que se extrai dos factos objetivos para chegar à conclusão quanto aos factos probandos. Concretizando, dir-se-á, que atentando na prova produzida nos autos não lograram os autores carrear aos mesmos elementos probatórios que tenham confirmado de forma consistente, fundamentada e credível a versão por estes apresentada quanto às questões fundamentais da propriedade da parcela de terreno e [do seu contributo para a] edificação a moradia, não só através da documentação junta aos autos como também da prova testemunhal produzida, a qual não se mostrou infirmada por qualquer elemento de prova suficiente e consistente que fosse suscetível de a abalar. A informação registral de fls. 24 evidencia que em 29/1/2007 CC casado com DD [mutuários do réu] adquiriram a PP e mulher II [pais do autor AA] o imóvel então descrito como “armazém amplo e logradouro com a área de 6159,70 m2” sob a ficha ..74 e inscrito na matriz sob o artº .86. Também evidencia que o BCP adquiriu este mesmo imóvel através de compra por negociação particular em processo de execução em 28/9/2015. Por escritura pública celebrada a 31 de Maio de 2007, A Ré concedeu aos mutuários CC e DD, um empréstimo no montante de 350.000,00 € e Para garantia do bom e pontual pagamento do empréstimo concedido, os mutuários constituíram a favor da Ré, na mencionada escritura, hipoteca sobre o seguinte bem imóvel: Prédio urbano composto de armazém amplo e logradouro, situado em ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo .86, descrito na conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..74/... e aí registado a favor dos executados pela inscrição ..., apresentação ... de 29 de Janeiro de 2007 [cf. fl.s 67 e ss.). O PP e a II foram declarados insolventes em 10/7/2009 no processo que corre termos sob o n.º 3947/08.2..., no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo de Comércio de ... - Juiz ... (cf. fls. 227 e ss). Por apenso a tal processo correu ação de impugnação de resolução de negócio em benefício da massa insolvente - Apenso AF, que veio a ser julgada improcedente, decisão confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 27.01.2015 tendo sido julgados verificados os pressupostos para a resolução em benefício da massa insolvente de II e PP, da compra e venda outorgada em 26 de Janeiro de 2007 no Cartório Notarial de QQ, formalizada por escritura exarada a fls. 48 a fls. 49 verso do Livro de notas para escrituras diversas número ..-A desse cartório, julgando válida e eficaz a resolução efetuada pelo administrador da insolvência em benefício da massa insolvente do ato jurídico consubstanciado na referida venda e, consequentemente, condeno os autores a, no prazo de 10 dias, restituírem à massa insolvente, o prédio urbano sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória de Registo Predial de ... na ficha ..74 e inscrito na correspondente matriz predial urbana sob o artigo .86, sob pena da aplicação das sanções previstas no nº 2 do artigo 854º do Código de Processo Civil (art. 126º, nº 3 do CIRE). Na resposta à matéria da base instrutória, diz o Tribunal a quo que tem a firme convicção que a moradia foi mandada edificar pelos Insolventes: “Ancora-se tal convicção no próprio depoimento de II, que, num registo manifestamente interessado, comprometido, e em favorecimento da tese dos Autores e da dos próprios insolventes, sempre foi adiantando que após a venda “construi-se uma moradia” cujo início da construção começou a situar no Verão de 2007 para logo de seguida dizer que não sabia precisar, na qual habitou durante cerca de um ano (mediante contrapartida paga aos autores), e que tal moradia, face ao negócio celebrado com os autores “em princípio era para ser para si”, seno que o autor construiu tal moradia, para vender porque é uma pessoa que gosta de investir. Tal tese, é perfeitamente inverosímil. Basta ver as próprias características da moradia, plasmadas no relatório pericial, (…) para logo se concluir que atentas as características da mesma tendo em consideração que se insere em ..., zona ainda consabidamente rural (…). Aliás, a execução de tal moradia foi feita pelos insolventes, aos fins de semana, como confirmado pela insolvente e pelas testemunhas RR e SS (à data funcionários dos insolventes, e que confirmaram ter trabalhado na construção aos fins de semana, a mando da insolvente (…). Já o Tribunal Superior reforçou essa certeza, narrando no douto Acórdão, referindo-se à Insolvente e mãe do A. AA que “Ao ser-lhe perguntado quem mora nesta casa, a testemunha respondeu: Ó Stor, é assim, o negócio que eu tinha com o Sr. CC, até poderia ser para eu ficar com a casa um dia; eu habitei a casa cerca de um ano, pagava uma prestação; se um dia eu pudesse ficar com a casa comprá-la, eu comprava; se não pudesse era vendida como to…, algumas já tinham sido. Aquela já era a 4.ª casa que estávamos a vender assim, que eu começava, depois habitei e depois saí.” (…). Ao ser-lhe perguntado, por várias vezes, qual foi o concreto negócio que fez com o Sr. CC relativamente à construção da moradia, nomeadamente sobre quem tinha a obrigação de comprar os materiais, foi dando respostas vagas – “era das duas maneiras, ora nós comprávamos os materiais e eramos nós a pagá-los, ora eram eles, mas o material vinha em nosso nome”, referindo uma prática, sem nunca referir se houve algum acordo prévio quanto à construção da moradia por parte dos insolventes num prédio que haviam passado para o nome dos autores e em caso afirmativo, quais os termos desse acordo.” Mais à frente pode ler-se “(…) havia de facto, algum acordo entre os insolventes e o seu contabilista e esposa, aqui autores, e que através da conta da sociedade de que estes eram sócios terão sido pagos inúmeros fornecimentos e mão de obra relativos a obras levadas a cabo pela insolvente (“eles são credores da insolvência relativamente à obra de ...”), sem que se consiga perceber qual foi a verdadeira intenção dos insolventes e dos autores relativamente ao terreno e à construção da moradia, nomeadamente qual a verdadeira intenção dos insolventes ao passarem o terreno para nome dos autores e qual o acordo a que chegaram quanto à construção da moradia, sendo que é reconhecido pela insolvente ter sido por si construída, tendo lá vivido cerca de um ano”. Por escritura pública de 28/9/2015 foi outorgada a escritura pública de compra e venda em que compareceram como outorgantes a agente de execução no processo de execução comum a qual declarou “proceder à venda por negociação particular do seguinte bem imóvel: urbano: armazém amplo e logradouro sito …, inscrito na respetiva matriz sob o artigo .86…descrito na conservatória do registo predial de ... sob o número ... ........ . ....... . ....ro(…)Que pelo preço de trezentos e trinta e quatro mil euros…vende ao Banco Comercial Português…o identificado prédio urbano” [cf. fls. 88 vs. e ss]. Basta atentar na conjugação dos depoimentos prestados neste processo e no já acontecido no processo de insolvência da mãe do autor para perceber a realidade subjacente. A mãe do autor sempre se dedicou à construção civil. Veio a ser declarada insolvente. Na moradia em causa vivem os autores e os filhos. Mas não só. Desde sempre que essa é a habitação dos pais do autor (insolventes) e bem assim dos seus irmãos. O processo de insolvência tem um considerável número de ações de separação de bens da massa. Vários instaurados por empresas ligadas aos autores. Finalmente a inexplicável contradição entre a posição da II no processo do CC e o seu depoimento neste processo. Em suma, fica assim formada a forte convicção do tribunal no sentido de a edificação em causa ter sido efetuada pela mãe do autor – atualmente insolvente. Que a venda ao CC mais não foi do que uma forma de tentar esconder bens da massa. E que neste processo a família se reúne uma vez mais em torno do mesmo objetivo de frustrar a satisfação dos interesses dos credores. Podendo facilmente concluir-se no que respeita à abrangência do que a mãe do autor vendeu aos mutuários da ré que os insolventes quiseram livrar-se de todos os seus com o evidente intuito de prejudicar os seus credores, incluindo assim todas as construções que existiam, nada permitindo inferir que tenham querido excluir da venda precisamente a casa de habitação que, conforme alegado pelos autores, seria precisamente o que dá valor ao prédio. Especifiquemos, tendo por base os depoimentos prestados na parte em que estes se revelaram importantes ao esclarecimento dos factos na sua consonância com os demais elementos documentais juntos aos autos. FF, amiga de PP e da II que conhece desde a década de 80, os quais identificou como pais do autor AA, por isso também dos autores, funcionária administrativa, primeiro no Cartório Notarial, atualmente na Conservatória, 59 anos, conhece a habitação em causa, afirma que esteve presente nas escrituras referentes ao imóvel, disse que o imóvel onde se situa a habitação era uma quinta adquirida numa execução fiscal pela mãe do autor. Descreveu essa quinta como terreno grande onde se situava um armazém e a casa dos pais da II. Essa quinta está toda murada. Viu documento apresentado com requerimento de 30/11/2018 (fotografia aérea) e nela identificou a quinta que referiu. O armazém identificou como sendo a edificação com telhado com três riscas brancas. Disse que em 2006 quando o AA se casou a construção já estava avançada. Ainda não tinha sido feito o destaque porque ainda não tinham decorrido dez anos desde a data do destaque anterior. Disse que faltavam apenas janelas e portas. Disse que a II pretendeu fazer a doação da parcela ao AA o que não fez por não ser possível fazer o destaque. A II sempre disse que só vendia o armazém e não a casa porque a casa era onde eles habitavam. Não sabe dizer a data em que a casa ficou habitável. Quando a casa ficou pronta nela foram viver a II, o marido e os 3 filhos e a nora. E mais tarde os netos. O autor e a família estão ligados à área da construção civil. No seu entender não seria razoável que os pais do autor tivessem vendido o imóvel em causa pelo valor de 50.000€. Tinha este valor como razoável para o armazém. Para o armazém e para a casa era um valor “irrisório”. Também foram feitas obras no armazém pelos pais do AA. Não sabe esclarecer se isso foi antes ou depois da venda ao CC. Eles tinham uma empresa de construções. Quando lhe foi perguntado quem procedeu à construção na fase dos acabamentos disse que “foi a família” que “via lá a trabalhar” e por isso deduz que teria sido por eles próprios. Na fase anterior “trazia lá pessoal” não sabendo esclarecer se “eram pessoas da firma” ou “pessoas que andassem lá a ajudar”. O AA “tem” uma empresa que se dedica a construção e madeiras denominada “Aresta Completa”. Afirma que esta empresa sempre teve sede no armazém. Sabe do processo de insolvência. Que surgiu após a crise da construção. Sabe que “ela [refere-se à II] passou um mau bocado”. TT, é tio por afinidade do AA, sendo casado com irmã da II e tia do AA, reside em ... há 33 anos, por isso convive com os autores e com a restante família. Viu a fotografia requerimento de 30/11/2018 (fotografia aérea) e logo disse “essa é a casa do AA”. Descreveu que esse imóvel se integra numa quinta que pertenceu em tempo ao seu sogro e que foi separada em “quatro artigos”. Explicou que o seu sogro teve problema com as finanças e os filhos acabaram por adquirir a parte deles em venda judicial. A II passou a viver numa casa pré-fabricada nesse terreno com os filhos. Disse que quem começou a construir o imóvel em causa foi a II (mãe do autor). Talvez um ano ou dois antes do casamento do AA. Mas acrescentou que essa teve intenção de doar ao AA. Todos (pais do autor, autores, filhos destes bem como dois irmãos do autor) vivem nesta casa e sempre foi assim desde que foram habitar o imóvel. Disse que quem terminou a construção foi o AA. Fica por explicar como compensar os outros filhos e até o conforto dos próprios pais do autor sendo que declarou que todos viviam em casa pré-fabricada. Disse ainda que na altura do casamento do AA a casa “estava praticamente toda edificada faltando portas e janelas” bem como acabamentos. Ficou concluída em “mais um ano ou dois”. HH, engenheiro civil, foi vereador da CM de ... e responsável pelo licenciamento do projeto do imóvel em causa, é amigo da família, designadamente do avô do autor, disse que “a D. II pretendia fazer mais uma construção nesse terreno que acabou no projeto que foi apresentado”. O projeto foi aprovado e depois é emitida a licença de acordo com os interesses do proprietário. Na altura em que “meteu o projeto” “a D. II confidenciou-me que tinha a intenção de fazer um destaque”. Não vê razão para que isso não tenha acontecido até ao momento. Afirmou que tem acompanhado a família que reside no imóvel em questão “há bastante tempo”, mais de dez anos. Não sabe esclarecer concretamente quem procedeu aos trabalhos de construção. Disse que já o avô do autor se dedicava à construção civil, tal como a mãe do autor e o autor. Afirma que a casa vale cerca de 1 milhão de euros. Descreve que a casa se insere numa quinta murada. O valor que indicou de 1 milhão de euros que referiu deu-o para a casa e para todo o terreno onde está inserida que engloba o armazém. À moradia, piscina, garagem e arrumos atribui o valor de 800.000€. Valores que refere mencionando que “não sou perito avaliador” apesar de ter experiência profissional na área. Disse que o armazém servia de apoio à atividade do UU. Ultimamente funciona lá uma carpintaria. Disse que foram realizadas obras no armazém admitindo que o valor desse armazém e do terreno envolvente fosse, antes das referidas obras, de cerca de 50.000€. EE, arquiteto, amigo dos pais do autor e por inerência dos filhos destes, integrou o quadro de funcionários da Construções Vale Mondego, empresa dos pais do autor até 2002. É o autor do projeto de arquitetura do imóvel em causa. Situa a elaboração desse projeto no início de 2004. “A abordagem inicial foi do senhor PP e da D. II”. Guarda a ideia de que a construção foi iniciada logo que ficaram prontos os projetos de estabilidade, ainda antes da licença de construção. A construção prolongou-se, tendo havido paragens. Em 2007 a construção estava inacabada. Tem fotografias deste ano que mostram que não havia caixilharias, faltavam revestimentos das paredes, pavimentos. No final desse ano a casa já tinha caixilharias e já estava habitável. A mãe do autor sempre lhe disse que gostaria de fazer casas para os filhos. Primeiro para o AA por ser o mais velho. Ainda hoje residem no imóvel em questão a avó do autor, os pais do autor, os três filhos, incluindo autor, a mulher e filhos destes. Nunca se apercebeu de qualquer conflito entre os familiares. Em 2005 ou 2006 começou a aperceber-se de problemas financeiros na empresa dos pais do autor. Em 2006 não lhe pagaram projetos de construção. O CC dedicava-se a contabilidade. Era casado com a DD que trabalhava para a mãe do autor. VV, reformado, trabalhava como empresário na área da construção civil, trabalhou numa obra em ... para a empresa V..., gerida ao tempo por PP sendo pago pela II. Disse que trabalhou na construção do imóvel em causa. A II pediu-lhe para fazer trabalho de levantamento de tijolo e reboco. Este trabalho foi pago pela II “praticamente sempre”. Em alturas o PP também lhe pagou. Trabalhou alguns meses nesta habitação. Terá sido em 2004, 2005 ou 2006. Eles também tinham pessoal da própria firma Vale do Mondego. Não sabe se esse pessoal também teve intervenção nessa obra de construção da moradia. O AA trabalhava na altura “juntamente com eles na própria firma” auxiliando os trabalhadores na ausência dos pais e tratando essencialmente de faltas de material. Na altura a II disse-lhe que aquela casa “é para oferecer ao meu AA pelo casamento”. Se deram ou não afirma que não sabe esclarecer. Na altura em que saiu ficou por fazer parte elétrica, canalização, pavimentos, caixilharia. KK, amigo próximo da família, convive com a família há cerca de 30 anos, disse que o avô do autor se dedicava à construção. Disse conhecer a Quinta ... que “é onde eles moram”. Descreve como quinta vedada com muro que pertencia ao UU. Disse que este foi “fazendo as partilhas para cada filho e a II também ficou”. Acrescentou que esse UU “fez a quinta para todos os filhos” e que a II comprou em tribunal uma parte de um irmão mais novo. Esclareceu que a mesma II tem três filhos sendo o autor AA o mais velho. Atualmente existe uma “moradia que foi a II e o marido que começaram a construir”. Situa o início da construção em 2004. Numa parcela no topo nordeste. Os pais do AA sempre disseram que “a vontade da mãe era dar aquela moradia ao AA como prenda de casamento”. Por ocasião do casamento deste em novembro de 2006 faltava caixilharia, madeiras, revestimentos. Apesar de não se recordar da data do próprio casamento. Forte indício de que prestou claramente um depoimento de favor. A casa foi habitada um ano depois pelos pais do autor, pelos autores e ainda pelos irmãos do autor. Pelas conversas com o AA responde que terão sido o AA e a esposa a escolher materiais para pavimentos e revestimentos. Referindo, porém, “não sei se seria para outras obras, mas que eles falavam na moradia falavam”. Revelando com esta hesitação, uma vez mais, a fragilidade do seu depoimento. WW, bancário, conheceu os pais do autor quando trabalhava na banca, disse que na altura em que se deslocou ao imóvel, em 2006 ou 2007, a II transmitiu-lhe que queria construir uma casa para cada filho e que aquela moradia que estava em construção seria para o AA. Na altura a casa estava numa fase que chama “estrutural”. Disse que o AA chegou a contrair um ou dois créditos junto do Santander com a finalidade de adquirir material de construção para aquela habitação. Disse que toda a família ficou a habitar a casa. GG, contabilista, amiga do autor, sendo mais ligada à mãe e pai deste, pessoas com quem sempre conviveu, frequenta também a casa em questão, falando sobre o assunto “desde que ela [II, mãe do autor] sofreu o ataque que lhe fizeram com a insolvência”. Afirma que “a quinta foi dividida em quatro partes” e que “ela ficou a viver ali com os filhos” numa estrutura pré- fabricada. Explicou que os todos residem nessa quinta que foi dividida em quatro partes sendo que dois foram comprados pela II. O AA e irmãos residem na casa que a II (hesita) depois explica que a II começou a construir. A II “comprou a parte que era do irmão” e essa parte ficou para ela. O AA quando acabou a casa ele fez questão que os pais continuassem a morar com ele. Por ela ficava no prefabricado com os outros filhos. E ela estava muito emocionada porque o filho queria que fosse viver na casa dele pois o prefabricado era muito pequenino como lhe chamavam era a “casa das bonecas1Como se fosse verosímil que um filho vivesse num palácio os outros todos numa barraca. Disse que foram residir na casa em 2007. Em novembro de 2006 o AA casou. Apesar de referir que esteve em casamentos de outros membros da mesma família cujas datas não recorda sempre conseguiu explicar que se recorda da data do casamento do autor porque a sua irmã casou no mesmo ano. Disse que a casa nessa altura a casa tinha estrutura, mas faltava caixilharias e madeiras. Faltava partes do revestimento. É uma casa muito moderna. “É uma construção jovem porque o AA também é jovem”. Mais uma vez se revela a preocupação de associar a construção a uma pessoa mais jovem. Até descreve as cores como associadas a pessoa jovem. E adianta que se fosse a II são pessoas de outra idade “é mais uma construção de malta jovem”. Só no final de 2008 a II lhe deu sinais de dificuldades financeiras e da insolvência. Ela não estava nada a espera daquela situação. É o parque “Que ela tem ali “que o AA…”. A quinta já estava toda murada desde o tempo do pai dela. O AA acabou a construção com a ajuda dos pais e dos irmãos porque eles trabalhavam todos como pedreiros. Quem escolhia sempre materiais era a BB a Nora. Por ela e talvez também pelo AA. O que ouviu em conversas quando costuravam em conjunto. Que andava a escolher os azulejos. O tipo de luz. As cores. E que a II ia dando umas sugestões. II, industrial da construção civil, 55 anos, mãe do AA, disse que a Quinta era dos seus pais, comprou parte da quinta, inicialmente uma parte, depois ficou com a parte de um irmão. O seu projeto era fazer um condomínio privado para os seus três filhos. A quinta sempre esteve toda murada. Tem três filhos o AA de 36 anos, O NN de 31 e XX de 26. Tendo- lhe sido perguntado se vivem todos consigo respondeu “Vivemos todos juntos com o meu filho” revelando com esta resposta ter plena perceção dos interesses em causa. Note-se que não deu uma resposta afirmativa anotando-se a preocupação de responder que todos residem com o autor o que só pode ser entendido como intenção de enfatizar a propriedade deste sobre o imóvel em causa. Afirma que “Iniciámos a construção daquela moradia sempre com intuito de depois fazer destaque para fazer mais casas na quinta. Começamos a construção em abril de 2004. Sem licença de construção. Que “O meu filho sempre me acompanhou”. O projeto foi aprovado em dezembro de 2004. Pagou a licença em dezembro de 2005. O autor casou em 2006 e começou a assumir as responsabilidades da casa. O seu filho fez um crédito de 160.000€ para construção. Fez doação de casa que havia pertencido aos seus pais que era sua para o meu filho fazer o crédito. Disse que a essa casa corresponde o artigo 970.º Esta escritura foi anulada na sua insolvência tal como a venda ao CC. O seu filho tomou posição. Tal como o CC no processo de insolvência. Explicou que a casa não está apreendida porque a casa não está registada em lado nenhum. O que está apreendido no processo de insolvência é o armazém e logradouro onde a casa está inserida. Era representada no processo de insolvência. Desde 2019 é representada nesse processo pela Dra. YY. Disse que o filho fez obras no armazém em 2010 e que vendeu ao CC por 50.000€. Tendo-lhe sido perguntado porque o filho fez obras no armazém já depois da venda disse que fez-lhe a venda do armazém sempre com o intuito de voltar a comprar. Tinha um contrato de comodato. “Éramos nós que continuávamos lá todos dentro”. Sobre a construção da casa de habitação em causa disse “Fomos nós que começámos” explicando, “eu o meu marido a empresa”. Sobre documento 21 disse ser cheque do AA para pagar madeiras da casa dele. Que o documento 23 são betonilhas à volta da piscina. E os documentos 21 a 28 diz que são pagamentos do AA a fornecedores de materiais para construção da casa2. Disse que a partir do casamento do AA era este mais o responsável pela moradia. “Claro que eu andava sempre em cima das obras”. Os acabamentos foram2Por explicar fica onde ia o autor buscar o dinheiro. Aos créditos?? E como pagava os créditos?? Com 23 anos e com uma atividade claramente dependente daquela exercida pela mãe e já antes pelos avós?? Escolhidos pelo AA e pela esposa. Na altura que “nós deixámos” estavam por executar em obra cerca de 80.000€. O AA pediu 160.000 ao Finibanco e mais dois créditos junto do Santander de Banco Popular cerca de 10.000€ junto de cada. Sobre o negócio com CC disse que vendeu uma loja por 40000€ para escritório na urbanização da luz em ..., fração .... Foi em 2004 e a escritura ainda não foi feita. Esta fração foi apreendida. Houve contrato promessa de compra e venda. Em 2006 vendeu apartamento por 100.000€. Explica que foi contrato promessa. Fica na mesma urbanização por cima da loja e corresponde a fração E. Recebeu um total de mais que aquele valor, mas não sabe precisar, talvez 170.000€. Explica que o CC era contabilista da empresa. Diz que foi recebendo dinheiro. Diz que “pode ter sido” a título de empréstimo. O CC ocupou a loja e armazém antes da venda. Quando fez a venda ele entregou-lhe 20.000€. Até perfazer os 50.000€ que era o valor do prédio que vendeu. Tem noção que a venda ao CC engloba a realidade matricial e registral onde se encontra a parcela que pretendia destacar. Não tem explicação para o facto de CC ter ido ao processo de insolvência reclamar o prédio como se tudo lhe pertencesse. Afirmou que vendeu o armazém sem menção de áreas porque a casa estava muito adiantada. Vendeu com intenção de destacar a casa do seu filho e o outro lote. Quando resolvesse ia comprar outra vez o armazém ao CC. Existe uma licença de construção do armazém. Disse ainda que a moradia foi habitada em agosto de 2007. Reside nessa mesma moradia até hoje. Exerceu atividade como industrial da construção civil. Em 1983 o pai que já exercia atividade de construção civil adquiriu a quinta. No armazém guardava ferramentas. Em 1998 adquiriu o armazém e no armazém guardou coisas da construção civil. A empresa V... encerrou em 2006 ou 2007. Hipotecou prédio mãe em nome individual. Por isso assumiu a construção e continuou a exercer atividade. Em 2007 só o filho mais velho trabalhava “connosco”. Formou a empresa de carpintaria A..., Lda. em 2008. Tem sede no armazém. A nora desenvolve atividade no setor imobiliário e explora D..., Lda.O filho mais novo XX trabalho com o irmão. O NN é arquiteto. Explora a empresa C..., Lda.. Já no processo de insolvência disse “Construiu-se lá uma moradia …construiu-se entre aspas que não está terminada.” “O dono da moradia foi o CC” Quem ficou de construir foi a sua empresa. “Nós estávamos a construir a moradia quase só ao fim de semana” Que a moradia “era um investimento que ele [CC] ia fazer como já tínhamos feito outros”. “Acompanhou as reuniões que o CC teve com o arquiteto que fez o projeto”. O negócio que tinha com CC até poderia ser para ficar com a casa um dia eu habitei a casa cerca de um ano(…) pagava uma prestação se um dia pudesse ficar com a casa comprá-la eu comprava se não pudesse era vendida como algumas já tinham sido”. A testemunha diz que tomava medicação nessa altura. Que não se recorda de muito do que disse nessa altura. Que de certeza não estava bem da cabeça. AA, nascido em 1984, tem atualmente 36 anos, empresário na área da construção civil e carpintaria, disse que a casa foi edificada numa parcela de terreno que afirma pertencer-lhe. O armazém é do banco. Relativamente à parcela da casa dos avós foi doada pelos seus pais, esse negócio foi resolvido, recorreu mas perdeu essa ação. Foi vendida no processo de insolvência, a sua esposa apresentou proposta por 26.000€. Neste momento está divorciado… “mas já estamos juntos outra vez”. De setembro a dezembro do ano passado viveram separados. Esposa e filhos foram viver na casa prefabricada. A proposta foi apresentada em janeiro do ano passado. Divorciaram-se em setembro. A casa foi edificada pelos pais. Em 2004 os pais manifestaram-lhe intenção de construir uma casa para cada um. A construção iniciou-se na Páscoa de 2004. Os pais gastaram cerca de 200000€ na casa foram investidos pelos pais em materiais e mão de obra. Até 2006. A casa estava já com estrutura e reboco. Faltavam caixilharia de alumínio. Estava na fase de acabamentos. Foram os empregados que continuaram a construção. Pagou diretamente e em dinheiro aos funcionários. Os materiais para os pagamentos eram encomendados pelo pai através da empresa e o depoente entregava cheques seus aos fornecedores. Nunca soube que que os pais estivessem inibidos de passar cheques. A moradia (só edificação) vale cerca de 500.000€. Não sabe quanto vale o terreno. A casa foi habitada em 2007 por si esposa, dois irmãos e a mãe e o pai. É gerente da A..., Lda., tem sede no armazém. Esta empresa já teve intervenções no processo de insolvência. A A..., Lda. reclamou contra a apreensão de bens que haviam sido vendidos pelos insolventes. Fez obras que descreve no valor de 100.000 a 120.000. E disse que para terminar a casa falta a pintura exterior. E os arranjos exteriores. ZZ, bancário, no Millenium BCP, desempenha desde 2012 a sua atividade na área de recuperação de créditos, teve intervenção no processo referente aos autores desde 2015, esclareceu que o mutuário do banco era o CC e estava em causa um financiamento garantido por hipoteca sobre este imóvel. Disse que o montante mutuado foi de 350.000€. O imóvel vem identificado como terreno com armazém e o financiamento era para construção de uma habitação. O financiamento global de 350.000€ foi disponibilizado ao cliente mas nada sabe sobre o processo de avaliações eventualmente realizadas pelo banco e aludidas no documento complementar (cfr. fls. 76 a 82). AAA, bancário, no BCP desde 1988 e desde 2011 ligado à área de recuperação de crédito, apesar de não ter acompanhado diretamente o processo, leu os elementos do dossier do CC e DD que eram mutuários do banco. Disse que de acordo com a proposta de crédito (que consultou e cuja junção se determinou) a quantia mutuada se destinava a construção de habitação. A quantia mutuada acabou por ser entregue na sua totalidade aos mutuários apesar de não saber esclarecer nada sobre as eventuais avaliações aludidas no documento complementar. Houve um remanescente de dívida depois da venda judicial que “terá sido liquidada pelos mutuários”. Disse que ao banco foi dirigida comunicação (que consultou e cuja junção se determinou) pelo autor em que se identifica como representante da sociedade A...II, referindo que a sociedade é comodatária do “prédio urbano” e mostrando interesse em negociar a aquisição dele. É assim na conjugação e valoração de todos os elementos probatórios acima referidos, que firmada a convicção do tribunal, foram considerados como provados e não provados os factos acima elencados, sendo que quanto a estes últimos, a sua resposta assentou na ausência de prova suficiente ou consistente sobre a matéria atinente aos mesmos, bem como da prova feita em sentido inverso, nos termos acima escalpelizados.”. Conferimos a prova invocada. Os depoimentos das testemunhas HH e FF, que os recorrentes citam, foram considerados na motivação da decisão de facto, como resulta da transcrição supra. As declarações de parte do A. AA, convocadas pelos apelantes, que foram as que se referem em tal motivação, também. E igualmente o depoimento da mãe do A., II, convocado pelos recorrentes, mencionado na mesma motivação, foi considerado. Não deixando de o ser, da mesma maneira, a escritura pública de venda, dos pais do A. ao CC e Mulher em 26.1.2007. Sendo, agora, o momento de lembrar que estamos, no domínio do princípio da livre apreciação da prova, plasmado no art. 607º, nº 5, 1ª parte, do NCPC, segundo o qual o juiz aprecia as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Sendo certo que, como em qualquer atividade humana, existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza e aleatoriedade, no que concerne à decisão sobre a matéria de facto, o que importa, pois, é que se minimize o mais possível tal margem de erro, tendo, porém, o sistema válvulas de segurança. Efetivamente, nesta apreciação livre há que ressalvar que o tribunal não pode desrespeitar as máximas da experiência, advindas da observação das coisas da vida, dos princípios da lógica, ou das regras científicas (vide Anselmo de Castro, D. P. Civil, Vol. 3º, pág. 173, e L. Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1ª Ed., pág. 157). Ou dito de outro modo, “I - A criação da convicção do julgador que leva à decisão da matéria de facto tem de assentar em dados concretos, alguns dos quais elementos não repetíveis ou tão fiáveis na 2.ª instância como na 1.ª, em situação de reapreciação da prova. Na verdade, escapam à 2.ª instância, por princípio, a imediação e a oralidade que o juiz da 1.ª instância possui. II - Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjetivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efetivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objetivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela” vide Ac. do STJ de 20.5.2010 (relator Mário Cruz), Proc.73/2002.S1, em www.dgsi.pt. Da prova produzida, antes apontada, decorre, apesar de não termos toda a riqueza de ajuizamento resultante da imediação, apenas dispondo da oralidade constante da gravação, que a versão trazida a recurso pelos oras apelantes, em sentido contrário ao decidido, não é sólida nem sustentada probatoriamente. Assim, resulta que a convicção do julgador, expressa na decisão da matéria de facto, tem sustentabilidade, sendo razoável, aceitável, sendo por isso compreensível o modo como fixou tal matéria de facto, não se mostrando, por outro lado, infirmada por outra prova de apreciação livre suficientemente convincente. Desta maneira, considerando que o direito não é uma ciência exata, nem se pode aspirar humanamente a que do depoimento testemunhal possam resultar certezas absolutas, no caso dos autos podemos extrair duas conclusões. Uma, é que compulsando o que resulta do teor da atividade probatória, resulta para nós que nenhuma máxima da experiência, advinda da observação das coisas da vida, princípios da lógica, ou regra científica, foi violada. Outra, é que, tendo sustentabilidade e sendo compreensível a convicção do julgador de facto, é razoável, é de aceitar a decisão da matéria de facto que o mesmo expressou, pois também não mostra desconformidade à luz dos meios de prova indicados e produzidos nos autos – declarações de parte, depoimentos testemunhais, prova documental e pericial. Decisão da matéria de facto que nós aceitamos, repetimo-lo, por, igualmente, podermos formular semelhante convicção. Desta sorte, ponderando todos os elementos probatórios indicados e analisados criticamente não se descortina motivo para alterar a decisão da matéria de facto proferida pelo julgador a quo, já que agindo ele e agindo nós sob o princípio da livre apreciação da prova (art. 663º, nº 2, do NCPC) é esse o melhor resultado decisório de facto a que se chegou, sem violação das regras da lógica e da experiência. Mais até, tendo a prova produzida pelos AA gerado fortes dúvidas, seria sempre caso para aplicar o disposto no art. 414º do NCPC, que estatui que a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, no caso contra os AA. Por conseguinte, face ao explanado, a impugnação da matéria de facto tem de ser rejeitada relativamente aos apontados factos não provados 6º, 18º, 21º, 25º, 26º e 37º da réplica.” – negrito nosso, para realçar o segmento do acórdão que corresponde, de facto, à reapreciação levada a cabo pelo tribunal da Relação.
Analisado o recurso de apelação, temos por manifesto que, a propósito da impugnação da matéria de facto agora em causa, os Recorrentes, para além de mencionarem a prova documental junta aos autos, fizeram apelo a um conjunto de meios de prova – declarações da mãe do autor, declarações das testemunhas FF, GG, EE e HH.
Efetivamente, no âmbito do recurso de apelação, os recorrentes pugnaram pela reapreciação da matéria de facto provada e não provada, apelando aos meios de prova disponíveis nos autos.
Ora, da leitura do acórdão recorrido resulta que, com exceção dos segmentos em que o Tribunal da Relação aludiu à convicção do tribunal da 1.ª instância, o tribunal recorrido se limitou a recorrer a generalidades e abstrações, igualmente, transponíveis para um sem número de casos indiferenciados.
Tal não configura uma efetiva reapreciação da matéria de facto, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 662.º do CPC.
De facto, se é certo que não se exige que o Tribunal da Relação percorra, exaustivamente, os elementos de prova indicados pelo recorrente, menos certo não é que se impõe a ponderação de todas as questões de facto suscitadas, de acordo com os elementos de prova indicados.
Como é evidente, tal reapreciação critica não se basta com a afirmação de que, “ponderando todos os elementos probatórios indicados e analisados criticamente não se descortina motivo para alterar a decisão da matéria de facto proferida pelo julgador a quo, já que agindo ele e agindo nós sob o princípio da livre apreciação da prova (art. 663º, nº 2, do NCPC) é esse o melhor resultado decisório de facto a que se chegou, sem violação das regras da lógica e da experiência”, até porque os Recorrentes têm a legítima expectativa de que a sua visão sobre a prova seja, de alguma forma, apreciada, ainda que esta visão não venha a ser secundada pelo Tribunal da Relação.
O reforço dos poderes da Relação no tocante à matéria de facto trouxe consigo um dever acrescido de fundamentação, que não se basta, como é evidente, com a mera remissão para a sentença da 1.ª instância ou com a afirmação de que a fundamentação de facto se mostra isenta de crítica.
Impõe-se ao Tribunal da Relação que analise a prova indicada pelos Recorrentes, independentemente da sua força probatória, e que, em face desta, proceda à sua reapreciação crítica, não sendo, para tanto, suficiente a afirmação genérica de que a prova indicada não serve para infirmar a conclusão a que chegou a 1.ª instância.
De resto, apenas é possível perceber se, de facto, o Tribunal da Relação formou uma convicção própria e autónoma se este levar a cabo um exercício de ponderação da prova indicada e disponível no processo, refletindo, deste modo, o percurso traçado para a formação daquela convicção.
Ora, da leitura do acórdão da Relação não se extrai esse percurso, já que o tribunal recorrido não indicou, sequer de forma sucinta, os concretos pontos de facto apreciados, os concretos meios de prova invocados, omitindo, pois, qualquer explicação sobre os motivos pelos quais decidiu em determinado sentido relativamente a cada um dos factos impugnadas pela recorrente.
Veja-se que não foi feita qualquer referência a um único meio de prova indicado pelos Recorrentes, não tendo o tribunal recorrido tecido quaisquer considerações sobre as diversas contradições entre os factos suscitadas pelos Recorrentes, o que se impunha em face do objeto do processo e dos interesses em presença.
Resulta, assim, que o Tribunal da Relação não levou a cabo a apreciação crítica dos meios de prova indicados pelos Recorrentes e, como tal, não formou uma convicção própria e autónoma relativamente à matéria de facto.
É o que basta para considerar verificada a invocada violação do disposto no art. 662.º, n.º 1, do CPC.
Devem, assim, os autos baixar ao Tribunal da Relação, para que este tribunal recorrido se pronuncie, de forma efetiva, sobre a impugnação da matéria de facto quanto aos factos não provados 6º, 18º, 21º, 25º, 26º e 37º da réplica, sendo que a utilidade ou inutilidade do conhecimento da impugnação da demais matéria de facto se encontra dependente, como vimos, do resultado a que o Tribunal da Relação chegar em relação aos factos da réplica impugnados em sede de apelação.
Por outro lado, o tribunal recorrido, depois decidir sobre a impugnação da matéria de facto, e fixar os factos provados, deverá aplicar o direito aos mesmos tendo em conta o teor do acórdão deste Tribunal de 17.1.2023 (art. 683º, nº 1, do CPC).
Atento o decidido, fica prejudicada a apreciação do demais invocado, e não se remetem os autos à Formação, por ficar prejudicada a apreciação de eventual revista excecional.
As custas são a cargo do Recorrido, por ter ficado vencido (art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC).
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em anular a decisão recorrida, determinando a remessa dos autos ao tribunal recorrido, a fim de se pronunciar sobre a impugnação da matéria de facto, nos termos suprarreferidos.
Custas pelo recorrido, nos termos referidos.
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Lisboa, 2025.06.17
Cristina Coelho (Relatora)
Anabela Luna de Carvalho
Luís Espírito Santo
SUMÁRIO (da responsabilidade da relatora):
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1. Base de dados da qual serão todos os acórdãos referidos sem outra menção especial.↩︎
2. Neste sentido, confrontar, entre muitos outros, os Acs. do STJ de 17.11.2021 (Proc. n.º 712/19.5T8LSB.L1.S1, Rel. Tibério Nunes da Silva), de 4.11.2021 (Proc. n.º 26069/18.3T8PRT.P1.S1, Rel. Maria João Vaz Tomé), de 9.06.2021 (Proc. nº 1035/10.0TYLSB-B.L1.S1, Rel. Ricardo Costa), de 22.06.2021 (Proc. nº 15319/16.0T8PRT.P1.S1, Rel. Maria Clara Sottomayor), de 6.05.2021 (Proc. nº 1097/16.7T8FAR.E2.S1, Rel. Oliveira Abreu), de 29.04.2021 (Proc. nº 115/16.3T8PRG.G1.S1, Rel. João Cura Mariano), de 2.03.2021 (Proc. nº 2622/19.7T8VNF-B.G1.S1, Rel. Graça Amaral), de 2.03.2021 (Proc. nº 30690/15.3T8LSB.L1.S1, Rel. Ricardo Costa), e de 18.03.2021 (Proc. nº 22563/19.7T8LSB.L1.S1, Rel. Tibério Nunes da Silva).↩︎
3. Neste sentido, vejam-se, entre outros, os Acs. do STJ de 13.10.2022 (Proc. nº 12426/18.9T8PRT.P1-A.S1, Rel. Maria da Graça Trigo), de 11.03.2021 (Proc. n.º 389/10.3TBCPV.P2.S1, Rel. Rijo Ferreira), e de 21.09.2021 (Proc. nº 2380/08.0TBSTB.P2.S1, Rel. Maria João Vaz Tomé).↩︎
4. Cfr. Ac. do STJ de 17.12.2020 (Proc. nº 7228/16.0T8GMR.G1.S1, Rel. Fátima Gomes).↩︎
5. Neste sentido, vejam-se, entre outros, os Acs. do STJ de 23.03.2021 (Proc. n.º 618/17.2T8ETR.P1.S1, Rel. Graça Amaral), de 12.01.2021 (Proc. nº 379/13.4TBGMR-B.G1.S1, Rel. Paulo Ferreira da Cunha), e de 16.11.2021 (Proc. nº 5097/05.4TVLSB.L2.S3, Rel. Pedro de Lima Gonçalves).↩︎