RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
BANCO
PHISHING
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
CARTÃO DE DÉBITO
UTILIZAÇÃO ABUSIVA
TERCEIRO
CULPA
ÓNUS DA PROVA
DEVER DE ZELO E DILIGÊNCIA
PAGAMENTO
NEXO DE CAUSALIDADE
ADMISSIBILIDADE
RECURSO DE REVISTA
Sumário


I - Recai sobre o Banco, enquanto prestador do serviço de pagamentos electrónicos, o ónus da prova da negligência grosseira do seu cliente, na utilização de um cartão de débito.

II - A circunstância de ter sido utilizado o código PIN, por terceiro, que efectuou as operações de levantamento, não significa, por si só, que o autor tenha sido negligente.

III - O prestador de serviços de pagamento tem de pautar a sua conduta por elevados níveis de competência técnica, que assegurem qualidade e eficiência a esses serviços e protecção dos interesses do cliente.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

***

AA, instaurou acção declarativa, com processo comum, contra Deutsche Bank Aktiengesellschaft-Sucursal em Portugal e outros réus, identificados nos autos.

Pediu a condenação do réu a reembolsá-lo da quantia de €139.026,95, correspondente ao total das operações de pagamento não autorizadas, acrescida do valor dos juros moratórios e compulsórios vencidos, no valor de €5.012,59 e de juros vincendos até efectivo e integral pagamento.

Alega que lhe furtaram, na África de Sul, um cartão de débito que estava associado a uma conta por si aberta no Banco réu, sendo que, apesar das várias diligências que de imediato levou a cabo junto do call center e do gestor da conta, para obter o cancelamento do cartão e evitar a realização de qualquer pagamento, foram retirados da sua conta bancária €139.026,95, correspondentes a levantamentos, pagamentos e transferências.

O Banco contestou. Alega que o autor pediu o cancelamento do cartão de crédito o que foi feito e bem assim o bloqueio da conta conexionada. O autor admite que o individuo que lhe furtou o cartão terá tido conhecimento do PIN. Acresce que o autor não efectuou a comunicação devida nos termos legais e contratuais. Conclui pela improcedência do pedido.

Após audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e, consequentemente, absolveu o réu dos pedidos.

Inconformado, o autor apelou.

O Tribunal da Relação julgou o recurso parcialmente procedente e, em consequência, condenou o réu, Deustche Bank Aktiengesellschaft – Sucursal em Portugal, a pagar ao autor a quantia de €139.026,95 (cento e trinta e nove mil e vinte e seis euros e noventa e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 14%, desde o dia 26/03/2019, até efectivo e integral reembolso.

Inconformado, o réu condenado interpôs competente revista, cuja minuta conclui da seguinte forma:

A. Vem presente recurso interposto do douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa a fls dos autos da acção declarativa de processo comum intentada por AA, que correu termos junto do douto Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central ..., Juiz ..., o qual decidiu julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Autor e, consequentemente, condenar o Réu Deutsche Bank, aqui Recorrente, a pagar ao Autor a quantia de 139.026,95 € (cento e trinta e nove mil e vinte e seis euros e noventa e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 14%, desde o dia 26/03/2019, até efectivo e integral reembolso.

B. O Tribunal da Relação, rejeitou, e bem, a impugnação da matéria de facto apresentada em sede de recurso pelo Autor por ausência de cumprimento do ónus de alegação previsto no artigo 640.º do CPC.

C. O que significa que os factos considerados provados e não provados pelo Tribunal de 1ª instância, permanecem alterados.

D. O Tribunal da Relação pôde concluir pela revogação da decisão proferida em 1ª Instância que absolveu o Réu de todos os pedidos.

E. O Recorrente não se conforma com o douto Acórdão do Tribunal da Relação proferido a fls.___ dos autos, porquanto, e salvo o devido respeito, entende que, à luz do disposto no artigo 674.º n.º 1, al. a) e n.º 2 do CPC, a decisão em causa consubstancia uma violação da lei substantiva, padecendo de erro de interpretação e aplicação do direito ao caso sub judice.

F. Estando a competência do Supremo Tribunal de Justiça circunscrita à matéria de direito, não podendo debruçar-se, em principio, sobre a matéria de facto, ficando vinculado aos factos fixados pelo Tribunal recorrido, a que aplica definitivamente o regime jurídico tido por adequado, o que se submete à apreciação é saber se perante a matéria de facto provada e não provada o Tribunal da Relação podia ter revogado a sentença nos termos em que o fez e aplicar ao caso concreto o direito como se a matéria de facto tivesse sido alterada em conformidade com a decisão que veio a proferir.

G. O Tribunal da Relação considerou que as questões a decidir e suscitadas no recurso interposto pelos Autores da decisão da 1ª instância, uma vez rejeitada a impugnação da matéria de facto, eram as seguintes: a) saber se, como decidiu a instância, houve negligência grosseira do autor na utilização do cartão e, por isso, não tem direito à reposição do valor monetário retirado da sua conta bancária; b) saber se o autor nunca comunicou à o furto do cartão de débito, mas apenas o cartãodecréditoe se não era exigívelaofuncionáriodocallcenter indagar, mais vezes, se o autor pretendia cancelar o cartão de crédito ou de débito

H. Quanto à primeira questão, «saber se houve negligência grosseira do Autor na utilização do cartão», considerou o Tribunal da Relação que, em suma, «no caso dos autos não foi feita prova da “negligência grosseira” do autor na utilização do cartão e, por isso, não se pode concordar com a decisão da 1ª instância quando decidiu pela improcedência do pedido de reembolso dos valores movimentados da sua conta bancária, sem a sua autorização ou ordem, por, (supostamente) o autor ter agido com negligência grosseira não tendo os cuidados necessários ao utilizar o seu cartão de débito, permitindo que terceiro tivesse acesso ao PIN.”

I. Assim como que «o facto provado no ponto 54 – os movimentos efectuados com o cartão de crédito do autor, na Africa do Sul, foram todos validados em terminais com leitura do chip e inserção do respectivo PIN do cartão, o qual foi visualizado pelo indivíduo que furtou o cartão, aquando da digitação, pelo Autor, no ATM,- baseou-se em meios de prova que não permitem afirmar a segunda parte do facto, visto que se tratam dos documentos - de fls 102 e de fls 256 a 287 que apenas permitem verificar que nos movimentos foi utilizado o código PIN

J.Concluindo que «não se pode afirmar que o autor actuou com negligência grosseira e que, por isso, não teria direito ao reembolso dos valores retirados da sua conta bancária.

K. Entende o Recorrente que esta interpretação dos factos e consequente aplicação do direito pelo Tribunal da Relação, não está correcta, desde logo porque, o Tribunal da Relação não atribui qualquer relevância ao facto do próprio Autor confessar no email remetido ao gestor em 23.03.2019 que se existiram transações após o furto do cartão então o indivíduo que o furtou viu o código secreto/PIN do cartão – factos provados 11 e 54.

L. Ademais, o Autor nem sequer teve o cuidado de se acautelar ao viajar para um país com um índice de criminalidade elevado, quando sabia dispor de um saldo elevado na sua conta à ordem e sem ter previamente estabelecido um limite de utilização desse mesmo saldo, apesar da advertência efectuada pelo seu gestor de conta.

M. É certo que a lei estabelece que o ónus da prova da negligência grosseira recai sobre o prestador de serviços, o que se crê ter alcançado face à prova produzida nos autos.

N. Porém, será sempre muito difícil ao prestador de serviços, no caso o Réu, conseguir provar a negligência grosseira se a confirmação da autenticação das operações realizadas por meio de PIN não puder servir de prova dessa negligência, bastando ao Autor, ainda que tenha facultado o PIN a terceiros, negar que facultou ou facilitou o acesso ao código PIN do cartão, para se afastar, sem mais, a negligência grave na sua actuação.

O. Ademais, o Autor não nega que as operações realizadas foram, tal como consta na sentença, nos factos provados 54. “… validados em terminais com leitura de chip e inserção do respectivo PIN do cartão, o qual foi visualizado pelo indivíduo que furtou o cartão, aquando da sua digitação, pelo Autor, no ATM, no momento aludido em 17 - a 23 - ( Resp. ao ponto 50) dos temas da prova ).

P. Considera o Tribunal da Relação que o facto das ditas operações não autorizadas pelo Autor terem sido concretizadas com a inserção do respectivo PIN, não podem por si só provar que o Autor agiu com negligência grosseira ou que não cumpriu com as suas obrigações.

Q. Relativamente a esta questão, remete-se para o Acordão doTribunal daRelação do Porto de 19.12.2023 proferido no âmbito do Proc. n.º 11954/21.3T8PRT.P1, disponível em www.dgsi.com, cujo sumário transcrevemos, e que pese embora não respeite a um utilizador consumidor, permite no entanto salientar alguns aspectos que, salvo melhor opinião, não foram devidamente valorados e enquadrados à luz dos normativos legais em vigor, mormente do Decreto-Lei 91/2018, de 12 de novembro.

R. Tal como resulta do acórdão, tendo o banco Réu, como fez no caso dos autos, demonstrado que a operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada e que não foi afetada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência do serviço prestado pelo prestador de serviços de pagamento ou pelo serviço de pagamento por si prestado, o que não foi posto em causa pelo Autor, ficando provado que “54 - Os movimentos efectuados com o cartão de débito do Autor, na África do Sul, foram todos validados em terminais com leitura de chip e inserção do respectivo PIN do cartão, o qual foi visualizado pelo indivíduo que furtou o cartão, aquando da sua digitação, pelo Autor, no ATM, no momento aludido em 17 - a 23 - ( Resp. ao ponto 50) dos temas da prova )” caberia ao Autor demonstrar que não procede da sua conduta o acesso ao PIN por terceiros.

S. Sucede que, vir o Tribunal da Relação afirmar que o facto provado no ponto 54 baseou-se em meios de prova que não permitem afirmar a segunda parte do facto, não corresponde à realidade pois não estamos apenas a falar de documentação que permite verificar que nos movimentos foi utilizado o código PIN do cartão, mas também do email remetido ao gestor onde é o próprio Autor que admite que o código PIN foi visualizado pelo terceiro que lhe furtou o cartão.

T. Existindo prova nos autos de que as operações realizadas foram devidamente autenticadas com a inserção do PIN do cartão, e admitindo o Autor que o PIN foi visualizado por terceiros, não pode o banco Réu responder pelos danos ocorridos na esfera patrimonial do Autor.

U. Ademais, nunca o Autor comunicou ao banco Réu o furto do cartão de débito nem tão pouco solicitou o cancelamento do mesmo.

V. Haverá negligência grosseira quando o utilizador não cumpre as suas obrigações de forma clara e manifesta, demonstrando um comportamento descuidado ou imprudente, com inerente violação das suas obrigações, como sucede no caso dos autos.

W. O Autor, ao utilizar o cartão de débito na África do Sul, não se precaveu e não teve os cuidados que deveria ter tido na sua utilização, permitindo que terceiros tomassem conhecimento do seu código PIN, não podendo o banco Réu ser responsabilizado por tais factos.

o autor nunca comunicou à ré o furto do cartão de débito, mas

apenas ocartãodecrédito, nãosendoexigível aofuncionáriodocall center indagar, mais vezes, se o autor pretendia cancelar o cartão de crédito ou de débito, concluiu o Tribunal da Relação que se“o operador do call center, tivesse actuado de acordo com os exigíveis elevados padrões de competência profissional e técnicadeveria ter verificado queo autortinhadoiscartõesbancários, qualdelesutilizava sempre e, não se ter limitado a perguntar-lhe o número de contribuinte, para aceder à conta do cliente e aos demais elementos do sistema e, com facilidade, se teria apercebido da existência dos dois cartões e deveria ter perguntado, inquirido, por uma questão de segurança e de certeza, se o cartão furtado era o de débito ou de crédito, não se limitando a uma atitude passiva de ouvir “credit card”; (…) Portanto, tivesse o operador do call center sido diligente e preocupado e actuado segundo os elevados padrões de competência profissional, teria perguntado ao autor e percebido que ele pretendia cancelar o cartão de débito.”

Y. E ainda que “…. se o gestor de conta não estivesse de férias e tivesse atendido logo o telefonema do autor, seguramente teria procedido, de imediato, ao cancelamento do cartão de débito do autor (como fez logo que regressou de férias na segunda feira, às 08:30 horas).”

Z. Resulta dos autos que as instruções transmitidas pelo Autor ao funcionário do call center foram claras, porquanto este foi perentório ao afirmar que pretendia o cancelamento do cartão de crédito / credit card.

AA. Tendo ficado provado e estando o Autor ciente que outorgara junto do banco Réu dois contratos de adesão, um referente ao cartão de débito, outro referente ao cartão de crédito, também o Autor, consciente desta realidade, devia ter solicitado ao banco Réu que procedesse ao cancelamento de ambos os cartões, já que ambos se encontravam activos.

BB. O Tribunal da Relação fazendo menção ao facto do gestor se encontrar de férias e de não ter ficado um outro funcionário a substituí-lo, que poderia auxiliar o Autor se assim fosse necessário, vem afirmar que se tal cuidado – substituição - tivesse ocorrido, o Autor teria o seu património salvaguardado e não teriam sido realizados quaisquer movimentos indevidos na conta do Autor. Porém, nada nos autos e da factualidade dada como provada permite ao Tribunal da Relação chegar a tais conclusões.

CC. Ademais, fazemos notar o que se encontra provado no ponto 45 da decisão do Tribunal de 1ª Instância:45 - No momento aludido em 24 - a 27 -supra, o gestor da conta do Autor na encontrava-se de férias e não tinha meios de aceder ao sistema do banco, tendo comunicado ao Autor tal facto e, por ser esse o procedimento, de que tinha de contactar o call center e participar o furto do cartão ( Resp. aos pontos 39) a 40) dos temas da prova ).

DD. Ora, não obstante, encontrar-se de férias, o gestor, ainda assim devolveu a chamada ao cliente e informou-o como proceder, não porque estivesse de férias, mas sim porque o procedimento correto era ligar para o call center.

EE. Em nada influiu nos acontecimentos o facto do gestor de conta estar de férias na medida em que existem e estão contratualmente definidos – aliás, como é do conhecimento geral, em todas as instituições financeiras e de crédito – números específicos e afectos a situações de furto, roubo, perda, extravio, de cartões, precisamente para que os clientes possam através desses meios solicitar a qualquer momento o cancelamento dos cartões, não estando dependentes do horário de funcionamento das agências bancárias e do horário laboral dos respectivos gestores de conta.

FF. Contrariamente ao referido no douto Acórdão do Tribunal da Relação, não foi o banco que cancelou o cartão de débito ou que tem essa incumbência, pois, tal procedimento passaria sempre pela SIBS, e foi a esta entidade que o gestor solicitou o cancelamento do cartão de débito do Autor.

GG. Tal como o funcionário do call center, solicitou à Unicre o cancelamento do cartão de crédito quando tal lhe foi solicitado pelo Autor.

HH. Efectivamente, há que ter em conta que o Autor, nunca comunicou à Ré o furto do cartão de débito associado à sua conta bancária e em causa nos autos e sim e apenas o alegado furto do seu cartão de crédito, que foi logo cancelado.

II. Não se discute que a matéria em apreciação tem o seu regime jurídico especialmente regulado no Decreto-Lei n.º 91/2018, de 12 de Novembro que aprovou o novo Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica, transpondo para a nossa ordem jurídica a Diretiva (UE) 2015/2366, nem os deveres que recaem sobre o prestador de serviços e o utilizador serviços de pagamento.

JJ. Em concreto, os artigos 110.º e 111.º, do diploma em apreço, inseridos no Título III, Capítulo III “Direitos e obrigações relativamente à prestação e utilização de serviços de pagamento” definem o conjunto de obrigações associadas aos instrumentos de pagamento, que impendem, respectivamente, sobre o utilizador e sobre o prestador de serviços de pagamento.

KK. Verifica-se que por correlação com o dever de comunicação do utilizador de serviços de pagamento em caso de perda, furto, roubo, apropriação abusiva ou utilização não autorizada do instrumento de pagamento, recai sobre o prestador de serviços a obrigação de impedir qualquer utilização do instrumento de pagamento após a recepção da referida comunicação.

LL Estas normas encontram consagração nos contratos de abertura de conta de depósito à ordem e de adesão a cartões de débito, celebrados entre o Autor e o Réu Deutsche Bank - cláusulas 1.1, 1.2. e 1.3 da Secção H “Prestação e Utilização de Serviços de Pagamento” – Subsecção H1, “Disposições Gerais”, das Condições Gerais do contrato de abertura de conta de depósito à ordem.

MM. No âmbito das “Condições Gerais de Utilização” do Contrato de Adesão a Cartões de Crédito (doc. 3 da petição inicial), dispõe a cláusula 6. os termos em que o utilizador de serviços de pagamentos em caso de perda, furto, extravio, falsificação ou deterioração do cartão, deve proceder.

NN. Esta mesma cláusula, consta de forma idêntica nas condições gerais de utilização do contrato de adesão de cartões de crédito.

OO. Disposição que deverá ser conjugada com as cláusulas constantes na Secção H “Prestação e Utilização de Serviços de Pagamento” das “Condições Gerais” do contrato de abertura de conta de depósito à ordem, nomeadamente com o disposto na cláusula 5. al. b) da Subsecção H4, “Direitos e obrigações relativamente à prestação de Serviços de Pagamento”.

PP. Paralelamente, no que concerne às obrigações do BANCO associadas aos instrumentos de pagamento, dispõe a al. e) da cláusula 6. Da referida Subsecção H4 que o banco assume perante o cliente, entre outras, a obrigação de “e) impedir qualquer utilização do instrumento de pagamento logo que a notificação prevista na alínea b) da Cláusula anterior tenha sido realizada.” - O que foi feito pelo Réu, na sequência das instruções do Autor para cancelamento do cartão de crédito.

QQ. Pelo que, não pode dar-se como cumprido pelo Autor o dever de comunicação / notificação ao Réu nos termos das cláusulas 6. e 5. al. b) supra referidas relativamente ao cartão de débito, tal como resultou provado nos autos.

RR. Acresce que, não obstante as instruções do Autor, o gestor de conta, tendo verificado na segunda-feira seguinte, dia 25 de Março de 2019, movimentos atípicos na conta, diligenciou pelo imediato cancelamento do cartão de débito e bloqueio da conta, o que demonstra que houve de facto uma preocupação do Réu em preservar a conta do Autor e de impedir o uso abusivo da mesma.

SS. É forçoso concluir que a actuação do Autor descrita nos autos, não poderá deixar de ser aferida como um caso de negligência grave/grosseira do cliente, cuja responsabilidade terá que ser enquadrada nos termos da cláusula 9.3 das “Condições Gerais” do contrato de abertura de conta de depósito à ordem e dos n.ºs 4 e 7 do artigo 115.º do Decreto-Lei n.º 91/2018, de 12 de Novembro.

TT. Vemos assim o utilizador do serviço chamado à responsabilidade nos casos de actuação negligente nomeadamente em violação dos deveres que lhe são impostos na utilização dos instrumentos de pagamento colocados à sua disposição, quer no âmbito contratual, quer nos termos do referido diploma.

UU. E no caso sub judice, a verdade é que o Autor não efectuou a comunicação devida nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 110 do Decreto-Lei n.º 91/2018, de 12 de Novembro, da cláusula 6. das “Condições Gerais de Utilização” do Contrato de Adesão a Cartões de Crédito e da al. b) da cláusula 5. da Subsecção H4 das Condições Gerais do contrato de abertura de conta de depósito à ordem.

VV.E esta factualidade foi dada como provada nos autos e não foi passível de alteração pelo Tribunal da Relação, pelo que, salvo devido respeito, o Tribunal da Relação não fez uma correta interpretação e aplicação do direito ao caso sub judice, porquanto a matéria de facto fixada não permitia ao Tribunal da Relação concluir, como fez, pela revogação da decisão proferida pela 1ª Instância por estar em contradição com a matéria de facto assente nos autos.

WW. O banco Réu cumpriu cabal e atempadamente os seus deveres enquanto prestador de serviços de pagamento e entidade bancária, não lhe podendo ser exigido mais do que as diligências efectuadas pelos seus funcionários, que não merecem censura, pelo que, não tem o dever de reembolsar o Autor na quantia de que se viu desapossado.

XX.A este propósito, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 10.05.2018, no âmbito do Proc. 2344/16.0T8PNF.P1 e ainda o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 24.02.2015, no âmbito do Proc. 139121/13.6YIPRT.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

YY. Por último, sempre se dirá que, não obstante o Supremo Tribunal de Justiça cingir, em regra, o seu poder de cognição ao reexame da matéria de direito, aplicando definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelas instâncias, a verdade é que, este tribunal de revista, não está impedido de apreciar o uso que a 2.ª Instância fez dos seus poderes de reapreciação dos meios de prova, nos casos como presente.

ZZ. Cabe ao Supremo Tribunal de Justiça, na vertente adjetiva, o controlo dos parâmetros formais ou balizadores a seguir pelo Tribunal da Relação na reapreciação da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª instância e apreciação da correcta aplicação do direito ao caso concreto, ou seja, averiguar se o tribunal recorrido, ao alterar a decisão da 1.ª instância, violou, ou não, a lei substantiva e processual que estabelece os pressupostos e os fundamentos em que se deve mover a reapreciação da prova.

AAA. Sucede que, para se aferir e imputar a responsabilidade ao banco Réu por alegado incumprimento e consequente obrigação de responder pelos prejuízos causados ao Autor teria de ter sido dado como provado que o Autor não actuou com negligência grosseira, assim como que o banco Réu incumpriu com os deveres a que se encontra vinculado na qualidade de prestador de serviços de pagamento, o que não ocorreu.

BBB. Porém, considerando a factualidade provada e não provada nos autos, que pelas razões elencada no douto Acordão do Tribunal da Relação, não foi objecto de alteração, não pode afirmar-se, que o Autor não foi feita prova da negligência grosseira do Autor, assim como que o banco Réu incumpriu com os seus deveres e não actuou diligentemente na protecção dos interesses do seu cliente, o Autor.

CCC. Pelo que, a decisão do Tribunal da Relação proferida em clara contradição com a matéria de facto fixada não pode deixar de ser apreciada por este Venerando Tribunal.

DDD. E é por tudo quanto acima se expôs, nos termos do disposto no artigo 674.º, n.º 1 al. c) e n.º 2 do CPC, que o Recorrente entende que o Tribunal da Relação ao revogar a decisão proferida em 1ªInstância, fez uma incorrecta interpretação e aplicação do direito, violando os artigos os artigos 110.º, 111.º, 113.º, 114.º n.º1, 115.º do Decreto-Lei n.º 91/2018 de 12 de novembro, assim como os artigos 73.º a 76.º do RGIC, aplicando-os em clara contradição com a matéria de facto provada e não provada nosautos, existindo clara violação da lei substantiva nestes precisos termos.

Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas., mui doutamente, suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o douto Acórdão recorrido, e determinando-se a sua substituição por outro que repristine a douta sentença proferida nos autos pelo Tribunal de Primeira Instância, só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

O autor apresentou contra-alegações em que pugna pela confirmação do acórdão.

***

Constituem questões decidendas saber se:

i) Deve ser alterado o julgamento de facto;

ii) Foi feita prova da negligência grosseira do autor e de que o réu cumpriu as suas obrigações legais e contratuais.

iii) Se o acórdão da Relação deve ser revogado e repristinada a decisão do primeiro grau.

***

São os seguintes os enunciados de dados de facto considerados assentes nas instâncias:

1 - A 22.2.2018 o Autor subscreveu no balcão da Ré Deutsche Bank nas ..., ..., os instrumentos por cópia a fls. 34-35, denominado “Ficha de Abertura de Conta “ e de fls.42- 45, denominado “ Ficha de Cliente “, instrumentos que também estão juntos por cópia a fls. 230-235 e cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido (Al. A) dos factos considerados já assentes em sede de despacho saneador).

2 - No primeiro dos referidos instrumentos ficou a constar:

- o nome do Autor, seguido da indicação de “titular” e o nº de cliente – ....52;

- a designação da conta – “ db Global;

- o NIB da mesma – NIB ......................14;

- o tipo de conta – singular;

- a adesão ao serviço online;

- a declaração de que o Deustche Bank disponibilizou as Condições Gerais dos serviços bancários e de intermediação financeira;

- a declaração de que pretendia subscrever depósitos à ordem, fundos de investimento, cartão de débito (Al. B) dos factos considerados já assentes em sede de despacho saneador).

- Disposições gerais e comuns

3 - As Condições Gerais dos serviços bancários e de intermediação financeira, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido, estão juntas a fls. 46-64 e também a fls. 236-254 (Al. C) dos factos considerados já assentes em sede de despacho saneador).

4 - Nelas consta:

“As presentes condições gerais (Condições Gerais) regulam, em tudo o que não for regulado de forma diversa por outras condições particulares ou acordados entre as partes, a relação estabelecida entre Deutsche Bank AG e o cliente identificado na ficha de cliente a que estas condições gerais constituem anexo (Cliente).

Secção A – Disposições Gerais comuns

“Definições e interpretação

1. Nas presentes Condições Gerais, sempre que iniciados por letra maiúsculas e salvo se do contexto claramente decorrer sentido diferente, os termos abaixo indicados terão o significado que a seguir lhe é apontado:

Cartão: um cartão de débito e/ou de crédito que as partes poderão contratar ao abrigo da relação estabelecidas através das presentes Condições Gerais;

( … )

Serviços de pagamento: as actividades enumeradas no artº 4º do Decreto-Lei 317/2009, de 30 de Outubro, com excepção das referidas no artigo 5º do Decreto-Lei 317/2009, de 30 de Outubro.

2. Objecto

2.1. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as presentes Condições Gerais estabelecem os termos e condições gerais aplicáveis à contratação dos seguintes serviços e produtos disponibilizados pelo Banco:

( … )

(e) os Serviços de pagamento prestados pelo banco

( … )

Secção G – Condições Gerais de Utilização de Cartões

Sem prejuízo da aplicação das presentes Condições Gerais, nomeadamente da Secção H – Prestação e Utilização de Serviços de Pagamento, os termos e condições de utilização dos cartões de débito e crédito associados à Conta serão regulados pelas condições gerais desses instrumentos de pagamento a assinar pelo Cliente.

Secção H – Prestação e utilização dos serviços de pagamento

1. Objecto

1.1. A presente Secção contém as normas aplicáveis aos Serviços de Pagamento prestados pelo Banco no âmbito de quaisquer instrumentos contratuais celebrados entre este e o Cliente.

1.2. Os instrumentos contratuais referidos no número anterior estipularão o âmbito de aplicação concreto da presente Secção ao serviço de pagamento específico e os direitos e deveres aplicáveis às partes em relação à prestação do mesmo.

1.3. No âmbito da prestação de serviços de pagamento pelo Banco ao Cliente, em tudo o que não se encontrar previsto nas presentes Condições Gerais, aplicar-se-á o disposto nos instrumentos contratuais específicos aplicáveis.

(…)

Subsecção H2 – Condições e requisitos de informação aplicáveis aos serviços de pagamento

Serviços de Pagamento prestados pelo Banco

O Banco presta aos seus clientes os seguintes serviços de pagamento:

(…)

d) Operações de pagamento através de um cartão de pagamento ou dispositivo semelhante;

(…)

Subsecção H4 – Direitos e Obrigações relativamente à prestação de serviços de pagamento

1. Âmbito de aplicação

A presente subsecção estabelece os direitos e obrigações das partes no âmbito da prestação pelo banco de serviços de pagamento

(…)

4. Limites de utilização do instrumento de pagamento

(…)

4.2. O Banco reserva-se o direito de, a qualquer momento e desde que para tanto tenha motivos objectivamente fundamentados, bloquear qualquer instrumento de pagamento em virtude de:

a) motivos de segurança relativos ao instrumento de pagamento;

b) suspeita de utilização não autorizada ou fraudulenta do instrumento em causa;

(…)

5. Obrigações do cliente associadas aos instrumentos de pagamento

Sem prejuízo das obrigações previstas em normas legais ou regulamentares aplicáveis ou nos instrumentos contratuais celebrados com o Banco com relação a instrumentos de pagamento, o cliente assume as seguintes obrigações perante o banco:

(…)

b) notificar o Banco mediante contacto para os números de telefone de Call Center Nacional: .......21/ Internacional:... .. ... .. 28/ Cancelamento de cartões débito: ... ... .51/ Cartões crédito: ... ... .56 da perda, roubo, apropriação abusiva ou qualquer utilização não autorizada de um instrumento de pagamento, logo que tenha conhecimento desses factos e sem atrasos injustificados.

6. Obrigações do banco associadas aos instrumentos de pagamento

Sem prejuízo das obrigações previstas em normas legais ou regulamentares aplicáveis ou nos instrumentos contratuais celebrados com o Banco com relação a instrumentos de pagamento, o Banco, ao emitir ou disponibilizar um instrumento de pagamento assume o risco do respectivo envio ao cliente e assume as seguintes obrigações perante o cliente:

(…)

d) disponibilizar ao Cliente, a pedido deste, meios necessários para fazer prova, no prazo de 18 meses, após a notificação prevista na alínea da Cláusula anterior, de que o Cliente efectuou essa notificação;

e) impedir qualquer utilização do instrumento de pagamento logo que a notificação prevista na alínea b) da Cláusula anterior tenha sido realizada.

(…)

8. Responsabilidade do Banco por operações não autorizadas

1. Sem prejuízo do estabelecido na Cláusula 7., o Banco reembolsará imediatamente ao Cliente o montante correspondente a qualquer operação de pagamento não autorizada e, se for caso disso, reporá a Conta na situação em que estaria se a operação de pagamento não autorizada não tivesse sido realizada.

2. Caso o montante da operação de pagamento não autorizada não seja imediatamente reembolsado, o Banco pagará ao Cliente, sobre aquele montante, juros compensatórios e moratórios, à taxa legalmente aplicável.

(…)

9. Responsabilidade do Cliente por operações de pagamento não autorizadas

9.1. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o Cliente suportará as perdas resultantes de operações não autorizadas em virtude de perda, roubo ou apropriação abusiva do instrumento de pagamento com quebra de confidencialidade dos dispositivos de segurança personalizados que lhe seja imputável, dentro do limite do saldo disponível ou da linha de crédito associada à conta de pagamento, ainda que superiores a 150 Euros.

(…)

9.3. Em caso de negligência grave do cliente, este suportará todas as perdas que resultem de operações não autorizadas até ao limite do saldo disponível ou da linha de crédito associada à conta de pagamento, ainda que superiores a 150 Euros, dependendo da natureza dos dispositivos de segurança personalizados do instrumento de pagamento em causa e das circunstâncias da sua perda, roubo ou apropriação abusiva.

(…) ”

(Al. D) dos factos considerados já assentes em sede de despacho saneador) .

5 - A 25.10.2018 o Autor subscreveu o instrumento junto por cópia a fls. 66, denominado “Pedido de Adesão de Cartões de Débito “, cujo integral teor se dá aqui por reproduzido, constando do mesmo o seguinte: dados a gravar no cartão: NIB ......................14

(Al. E) dos factos já considerados assentes em sede de despacho saneador).

6 - As Condições Gerais de Utilização do Cartão de Débito são as que constituem fls. 68-73, cujo integral teor se dá aqui por reproduzido e onde consta, nomeadamente, o seguinte:

“ (…)

2.2. Não obstante o disposto em 2.1. supra, as normas constantes da secção H das CG do Banco prevalecem e devem ser interpretadas como prevalecendo, em caso de contradição, salvo o disposto nas presentes Condições Gerais.

(…)

4.8. O Banco poderá, com efeitos imediatos e independentemente de comunicação ao Titular, impossibilitar novas utilizações do Cartão, procedendo nomeadamente ao respectivo bloqueio ou retenção em qualquer ATM, nos casos previstos na Cláusula 4.2. da Subsecção H4 das CG do Banco, dos quais se destacam: ( …) h) Razões de segurança ou protecção do titular.

(…)

6. Perda, Furto, Extravio, Falsificação ou Deterioração do cartão

6.1. O titular obriga-se a comunicar de imediato ao banco a perda, extravio, furto, falsificação ou utilização abusiva do Cartão, através dos telefones destinados ao efeito constantes na tabela em anexo às presentes Condições Gerais. A comunicação telefónica deverá ser objecto de confirmação escrita pelo titular ao banco nas 48 horas seguintes.

6.2. A responsabilidade do Titular no âmbito da presente Cláusula 6. Afere-se de acordo com o disposto na Cláusula 9. Da Subsecção H4 da CG do Banco, entendendo-se para esse efeito que “os dispositivos de segurança personalizados “aos quais alude essa Cláusula são o Cartão, o PIN, o nº do Cartão ou qualquer outro dado relativo ao Cartão susceptível de permitir uma utilização abusiva do mesmo.

6.3. Em caso de furto, roubo ou falsificação do cartão, o respectivo titular deverá efectuar participação detalhada às autoridades policiais e entregar ao Banco, juntamente com a comunicação escrita referida em 6.1. supra, cópia, duplicado ou certidão do respectivo auto.

(…)” (Al. F) dos factos já considerados assentes em sede de despacho saneador).

7 - O anexo relativo aos números de telefone referido em 6.1. (ver supra 6 -) consta de fls. 73 e tem o seguinte teor:

“2. Contactos dos Centros para participação de perda, furto, roubo ou extravio do cartão:

(…)

No estrangeiro

- Visa Internacional (…)

- Visa Card Free Number (…)

- Deutsche Bank – ... .. ... .. 28 (das 9 h às 20 h)” (Al. G) dos factos considerados já assentes em sede de despacho saneador).

8 - A 22.1.2019 o Autor subscreveu o instrumento junto por cópia a fls. 74, denominado “Contrato de Adesão de cartões de crédito – Condições particulares – Categoria de crédito: Cartão de crédito (com período de free-float) “associado à conta de depósito à ordem com o NIB ...................14, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido e o instrumento junto a fls. 76-82, denominado “Cartões de Crédito Deutsche Bank – Condições Gerais de Utilização “e cujo teor também aqui se dá integralmente por reproduzido ( Al. H) dos factos considerados já assentes em sede de despacho saneador).

9 - Nas referidas Condições Gerais ficou a constar:

“ (…)

6. Perda, Furto, Extravio, Falsificação ou Deterioração do cartão

6.1. O titular obriga-se a comunicar de imediato ao Banco, assim que tome conhecimento da ocorrência da perda, extravio, furto, falsificação ou utilização abusiva do Cartão, através dos telefones destinados ao efeito constantes nos Anexos das presentes Condições Gerais.

A comunicação telefónica deverá ser objecto de confirmação escrita pelo titular ao banco nas 48 horas seguintes.

(…) “

(Al. I) dos factos considerados já assentes em sede de despacho saneador).

10 - O anexo relativo aos números de telefone, referido em 6.1. (ver 9 - supra) consta de fls. 81 e tem o seguinte teor:

“2. Contactos dos Centros para participação de perda, furto, roubo ou extravio do cartão:

(…)

No estrangeiro

- Visa Internacional (…)

- Visa Card Free Number (…);

- Deutsche Bank – ... .. ... .. 28 (das 9 h às 20 h)” (Al. J) dos factos considerados já assentes em sede de despacho saneador).

11 - A 23.3.2019, o Autor enviou ao seu gestor de conta, BB, o e-mail junto por cópiaa fls. 93, com o seguinte teor (nos seus exactos termos):

“ Good evening BB

Yesterday evening around 5PM South africa time, (it means 3 pm Portugues time) i went to na ATM in a gasoline station near the terminus of city sightseeing tour in Johannesburg (Oxford Road Rosebank) to try get some cash for diner.

Someone was beside me and i didn’t see him immediatly.

As the ATM was’nt working, this guy wanted to help me. I still Don’t Know he done, but robbed my credit card!!!.

I thought first the ATM stolen my CB… the guy told me he was going to cal the manager of the gasoline station to open the ATM… After 15 minutes i realised how stupid i’ve been and try to cal you many times.

I cal the Deutsche Bank contact to cancel the card and tell them to cancel any transactions after 4 PM Portugues time.

They told me i had to say that to you… But they canceled my CB Please check my account to see if there are any transactions after 4 PM yesterday. If there is any cash withdraw after this time, the guy saw my secret code!

Please initiate a fraud procedure as soon as possible. (…)” (Al. L) dos factos já considerados assentes em sede de despacho saneador).

12 - O gestor de conta não respondeu ao referido e-mail (Al. M) dos factos já considerados assentes em sede de despacho saneador).

13 - No dia 24.3.2019 o Autor participou às autoridades policiais locais o furto do seu cartão de débito, nos termos que constam de fls. 94 e que aqui se dão integralmente por reproduzidos, ali constando nomeadamente o seguinte:

“On Friday night, ata around 5PM, I went to the (ilegível) station in (ilegível) to try to get (ilegível) at the ATM (ilegível (nº ........16). As it was’nt working a guy from a (ilegível) station (in Shell uniform) intend to help me adn doing it, stole my credit card.

I didn’t realize immediatly the robbery, thinking that my crédit card was stolen into the ATM machine. After half na hour as the guy who help me was gone, I thought about robbery” (Al. N) dos factos já considerados assentes em sede de despacho saneador).

14 - Na sequência da comunicação telefónica realizada pelo Autor no dia 22.3.2019 para o número + ... .......28, o Réu procedeu ao cancelamento do cartão de crédito associado à conta NIB ...................14 (Al. O) dos factos considerados já assentes em sede de despacho saneador).

Processo: 25239/19.1...

15 - A 7.9.2018 o Autor e o aqui Réu Deutsche Bank outorgaram a escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca junta por cópia a fls. 111-121 e da qual faz parte o Documento Complementar junto por cópia a fls. 123-139, instrumentos que aqui se dão integralmente por reproduzidos, sendo que na primeira o aqui Autor declarou comprar a fracção autónoma, destinada a habitação, ali identificada e o aqui Réu declarou conceder ao aqui Autor um empréstimo no montante de € 160.000,00, de que o mesmo se considerou devedor e o aqui Autor constituiu a favor do aqui Réu hipoteca sobre a fracção autónoma adquirida (Al. P) dos factos já considerados assentes em sede de despacho saneador).

16 - No mês de Março do corrente ano de 2019 o Autor realizou uma viagem de turismo e lazer pela África do Sul (Resp. ao ponto 1) dos temas da prova).

17 - No dia 22.3.2019, enquanto realizava uma visita guiada pela cidade de Joanesburgo, na África do Sul, cerca das 17 horas (15 horas em Portugal), o Autor deslocou-se a uma estação de gasolina da Shell, perto da paragem do autocarro “City Sightseeing Tour”, na Oxford Road, em Rosebank, para levantar dinheiro (Resp. ao ponto 2) dos temas da prova).

18 - Após ter introduzido o cartão de débito de que era titular junto da primeira Ré, na máquina de multibanco (terminal ATM) ali existente e introduzido o respectivo código PIN, o Autor apercebeu-se que se encontrava, atrás de si, um homem com uniforme aparentemente da Shell (Resp. ao ponto 3) dos temas da prova ).

19 - No momento referido em 18, o ATM não estava a funcionar e não devolveu, ao Autor, o cartão de débito (Resp. ao ponto 4) dos temas da prova).

20 - O indivíduo referido em 18 - identificou-se ao Autor como sendo trabalhador da Shell, prontificou-se a ajudá-lo e disse que ia chamar o gerente da estação de gasolina para resolver o problema (Resp. ao ponto 5) dos temas da prova).

21 - No momento referido em 18 a 20, o Autor pensou que o cartão de débito introduzido tinha sido “engolido “pela máquina e, assim, ficado retido na mesma (Resp. ao ponto 6) dos temas da prova).

22 - Passados cerca de 15 minutos sobre o aludido em 20, ninguém veio auxiliar o Autor (Resp. ao ponto 7) dos temas da prova).

23.No momento referido em 22, o Autor apercebeu-se de que o cartão de débito teria sido furtado pelo indivíduo aludido em 18 - (Resp. ao ponto 8) dos temas da prova).

24 - Na sequência do aludido em 18- a 23 - o Autor tentou ligar para o gestor da sua conta aludida em 1-, BB (funcionário da primeira Ré, à data), tendo logrado contactá-lo apenas cerca das 18 horas, hora de França e quando, na África do Sul eram cerca das 19 horas e em Portugal 17 horas (Resp. aos pontos 10) e 11) dos temas da prova).

25 - No dia referido em 17, sexta-feira, o gerente da conta do Autor encontrava-se de férias e não ouviu, inicialmente, o seu telemóvel a tocar quando o Autor lhe ligou (facto instrumental que decorreu da produção da prova, em sede de julgamento).

26 - No momento referido em 24, e quando o Autor falou com o seu gerente de conta, explicou a este o que tinha acontecido e que lhe tinha sido furtado o cartão que introduzira na máquina ATM (Resp. ao ponto 12) dos temas da prova).

27 - Na sequência do referido em 24 e 26, o gestor da conta do Autor disse-lhe que se encontrava de férias e aconselhou-o a ligar para o contacto do «call center» da Ré, através do número + ... .......28, para participar o furto do cartão e solicitar o seu urgente cancelamento (Resp. ao ponto 13) dos temas da prova).

28 - O gestor da conta do Autor tinha conhecimento dos cartões atribuídos ao Autor (Resp. ao ponto 14) dos temas da prova).

29 - No dia referido em 17, pelas 18 horas (hora de França e quando na África do Sul e em Portugal eram, respectivamente, 19 horas e 17 horas), o Autor ligou para o referido número + ... .......28, tendo participado ao call center que o seu “credit card “fora roubado e que o queria cancelar (Resp. ao ponto 15) dos temas da prova).

30 - No momento aludido em 29, o funcionário do call center pediu ao Autor o seu número de contribuinte de forma a identificá-lo como cliente da Ré, tendo de seguida informado o Autor que ia proceder ao cancelamento do cartão e que, se quisesse outro, teria de entrar em contacto com o seu gestor de conta e para esperar em linha (Resp. ao ponto 16) dos temas da prova).

31. Quando o Autor ligou para o call center da Ré aparentava, pela voz, estar preocupado e com pressa em que o seu “credit card “fosse cancelado (Resp. ao ponto 18) dos temas da prova).

32 - No momento do telefonema referido em 29 - e 30, o Autor, que não sabia falar português, falou em inglês com o operador do call center, que lhe respondeu em inglês, tendo o Autor comunicado ao mesmo operador que o seu “credit card” fora furtado/roubado e o queria cancelar (Resp. aos pontos 19) e 20) dos temas da prova ).

33. À data aludida em 29 a 31, o cartão de crédito do Autor associado à conta aludida em 1, encontrava-se activo mas sem movimentos (Resp. ao ponto 22) dos temas da prova).

34 - O funcionário do call center com que o Autor falou, em tal dia, por telefone, podia ter verificado os cartões de que o Autor dispunha, bem como quais os que se encontravam activos e ou sem movimentos, não o tendo feito por o Autor ter, de forma expressa, referido que o cartão furtado e a cancelar era o seu “credit card”, não revelando qualquer dúvida quanto à sua identificação (Resp. ao ponto 23) dos temas da prova).

35 - As instituições de crédito têm mecanismos de alerta para levantamentos de dinheiro, transferências ou transacções efectuadas em locais diversos e distantes uns dos outros e feitas em espaço de tempo que não permitiriam a sua realização pela mesma pessoa titular

do cartão, casos em que os clientes são contactados pela entidade que gere os cartões em causa para indagar se foi ou não o titular do cartão que efectuou os movimentos (Resp. ao ponto 25) dos temas da prova).

36 - Na sequência do furto do cartão de débito, sem intervenção ou autorização do A. e mediante a utilização daquele, foram efectuados os seguintes movimentos a débito na conta NIB ......................14:

Data Movimento/Data Valor/Designação/Valor

25.03.19/23.03.19./LEV.AAC5 120 OXFORD 15.87806/€ 188,94

25.03.19/23.03.19./LEV.120 OXFORD15.37515/€ 65,04

25.03.19/23.03.19./LEV.GRAYSTON SHOPPIN 10.76426/€ 9,29

25.03.19/23.03.19./LEV.GRAYSTON SHOPPIN ZAR10.76426/€ 9,29

25.03.19/23.03.19./LEV.BP VALUE MALL ZAR16.14309/€309,73

25.03.19/23.03.19./LEV. BP VALUE MALL ZAR 16.14205/€61,95

25.03.19/23.03.19./LEV.SHELL BRYANSTO ZAR16.14205/€ 61,95

25.03.19/25.03.19/ LEV. SHELL BRYANSTO ZAR16.14466/€ 30,97

25.03.19/25.03.19/ LEV. SHELL BRYANSTO ZAR 16.14466/€ 30,97

25.03.19/25.03.19/ LEV. SHELL BRYANSTO ZAR16.14466/€ 30,97

25.03.19/25.03.19/ LEV. SHELL BRYANSTO ZAR 16.14466/€ 30,97

25.03.19/25.03.19/ LEV. SHELL BRYANSTO ZAR 16.14466/€ 30,97

25.03.19/25.03.19/ LEV. SHELL BRYANSTO ZAR 16.14466/€ 30,97

25.03.19/25.03.19/ COMPRAGRAYSTONWINEANDLIQUORS/€ 625,16

25.03.19/25.03.19/ COMPRA SANTON CITY/€ 932,91

25.03.19/25.03.19/ COMPRA ENGEN SKYSTOP/ € 30,98

25.03.19/25.03.19/ COMPRA PNP EXP MELROSE ARCH/€ 20,30

25.03.19/25.03.19/ COMPRA BP MELROSE ARCH/ € 17,41

25.03.19/25.03.19/ COMPRA SASOL FERNGATE / € 38,78

25.03.19/ 25.03.19/ COMPRA BP FOURWAYS/ € 24,78

25.03.19/25.03.19/ COMPRA BP FOURWAYS/€ 43,05

25.03.19/ 25.03.19/ COMPRA LISEL BUILDING SUPPLIES/€ 551,32

25.03.19/25.03.19/ COMPRA LACOSTE SANDTON € 655,08

25.03.19/25.03.19/COMPRA BURBERRY – HYDE PARK/€ 2.628,69

25.03.19/ 25.03.1/ COMPRA PNP EXPRESS BROAD - € 30,29

(Resp. ao ponto 26) dos temas da prova).

37 - E foram ainda efectuados os seguintes movimentos a débito/pagamentos, nas seguintes datas e valores:

22/03/19 // - € 4.952.61;

22/03/19 // - € 3.224,84;

22/03/19 // - € 1.302,34;

22/03/19 // - € 11.721.04;

22/03/19 // - € 8.992.33;

22/03/19 // - € 16.062,17;

22/03/19 // - € 12.341.20;

22/03/19 // - € 4.332,20;

22/03/19 // - € 4.706,40;

22/03/19 // - € 24,54;

22/03/19 // - € 53,77;

22/03/19 // - € 14,26;

23/03/19 // - € 23,44;

23/03/19 // - € 9.282,66;

23/03/19 // - € 15.700,01;

23/03/19 // - € 7.907,45;

23/03/19 // - € 14.247,65;

23/03/19 // - € 5.000,31;

23/03/19 // - € 5.855,08;

23/03/19 // - € 1.466,02;

23/03/19 // - € 6.386,42;

23/03/19 // - € 31,47 (Resp. ao ponto 27) dos temas da prova).

38 - O Autor encontra-se reformado, auferindo uma pensão mensal de cerca de 4.000,00 Euros, auxiliando dois filhos com 1.000,00 Euros por mês para cada um e, por isso e por não dispor mais dos valores referidos em 36 - e 37 -, o Autor ficou preocupado e nervoso (Resp. aos pontos 28) e 29) dos temas da prova).

39 - Na sequência dos factos em causa nos autos o Autor teve de efectuar deslocações várias e de recorrer a advogado para tentar resolver o assunto (Resp. ao ponto 30) dos temas da prova).

40 - Em 2019 o Autor projectava viver em Portugal e, nomeadamente, na cidade do ..., sendo que desde data não concretamente apurada de 2018 o mesmo passou a viver entre o ... - na fracção autónoma aludida em 15 -, supra -, após o mobilar - e em..., em

França (Resp. aos pontos 31) a 33) dos temas da prova).

41 - Após o referido em 17 e segs. e por, assim, se ter visto privado dos valores referidos em 37 - e 38 - supra e face à recusa da Ré em repor tais valores, o Autor referiu a amigos ter dificuldade em dormir e dores de cabeça (Resp. ao ponto 34) dos temas da prova).

42 - O Autor foi piloto de linha da Air France até 2012, tendo recebido de tal entidade a quantia de 400.000,00 Euros, por força de decisão judicial que, em Março de 2019, não transitara e que não sabia se não teria de restituir (facto complementar que decorreu da prova produzida em julgamento).

43 - Na sequência do referido em 17 e segs. o Autor ficou com receio de não lograr ter meios de fazer face ao seu sustento e compromissos decorrentes da compra da fracção autónoma aludida em 15 - e, em concreto, o mútuo por si celebrado com a Ré (cuja prestação mensal se cifrava em cerca de 1.500,00 Euros) e, por isso, decidiu vender a referida fracção autónoma e deixar de viver em Portugal (Resp. aos pontos 36) a 37) dos temas da prova).

44 - Na sequência do aludido em 17 - e segs. o Autor vendeu, em 27.6.2019, pelo preço declarado de 660.000,00 Euros a fracção autónoma aludida em 15 -, que declarara comprar pelo preço de 658.000,00 Euros. (Resp. ao ponto 38) dos temas da prova).

45 - No momento aludido em 24 - a 27 - supra, o gestor da conta do Autor na Ré encontrava-se de férias e não tinha meios de aceder ao sistema do banco, tendo comunicado ao Autor tal facto e, por ser esse o procedimento, de que tinha de contactar o call center e participar o furto do cartão (Resp. aos pontos 39) a 40) dos temas da prova).

46 - No contacto telefónico referido em 27 - a 34 -, o Autor referiu expressamente ao operador do call center que lhe fora furtado o seu “credit card” e que o queria cancelar, tendo o operador perguntado, na língua inglesa, por duas vezes, se era o seu “ credit card” o cartão a cancelar, ao que o Autor respondeu afirmativamente (Resp. ao ponto 41) dos temas da prova).

47 - No dia 25.3.2019, o gestor da conta titulada pelo Autor na Ré, BB, regressado de férias, decidiu, na sequência do contacto telefónico do Autor no dia 22.3.2019, verificar a conta do Autor referida em 1 - e verificou a existência, na mesma, de movimentos atípicos e de valor elevado (Resp. ao ponto 42) dos temas da prova).

48 - Nessa sequência, o mesmo BB, gestor da conta do Autor, solicitou à SIBS, de manhã, o cancelamento do cartão de débito do Autor e, internamente, o bloqueio da conta do demandante (Resp. ao ponto 43) dos temas da prova).

49 - No dia 27.3.2019, face à reclamação apresentada pelo Autor à Ré e à recepção do auto de notícia da participação do furto do cartão, pelo Autor, na África do Sul, a Ré deu início ao processo de reclamação por suspeita de fraude junto da Unicre, reclamando o total de 34 compras e 15 levantamentos em ATM, todos realizados na África do Sul (Resp. ao ponto 44) dos temas da prova).

50 - Embora nos extractos de conta do Autor constem movimentos com data-valor posterior a 25.3.2019, as operações realizadas por cartões de débito no estrangeiro ficam sempre em cativo, sendo efectivamente debitadas nas contas dos clientes uns dias depois e até quatro dias úteis, em regra, quando ocorre a confirmação da transacção (Resp. ao ponto 45) dos temas da prova).

51 - Na sequência do aludido em 50, não era possível, apesar do aludido em 48, evitar o débito dos pagamentos que já tinham sido efectuados com o cartão de débito do Autor e que ocorreram, efectivamente, entre os dias 22 e 25 de Março de 2019, até à hora do pedido de bloqueio da conta e do cancelamento do cartão de débito do demandante pelo seu gestor de conta (Resp. ao ponto 46) dos temas da prova).

52 - Na sequência do aludido em 49 -, a Unicre, em 11 de Abril de 2019, informou a Ré de que os 15 levantamentos efectuados em ATM não seriam passíveis de reclamar por terem sido efectuados em terminais com capacidade de leitura de chip, com inserção do PIN do cartão, não havendo assim âmbito de apresentação de “chargeback” (estorno) de fraude (Resp. ao ponto 47) dos temas da prova).

53 - No que se refere às 34 compras efectuadas, a Unicre informou a Ré de que tinham sido solicitadas as facturas de compra, aos comerciantes, para apreciação e confirmação (Resp.ao ponto 48) dos temas da prova).

54 - Os movimentos efectuados com o cartão de débito do Autor, na África do Sul, foram todos validados em terminais com leitura de chip e inserção do respectivo PIN do cartão, o qual foi visualizado pelo indivíduo que furtou o cartão, aquando da sua digitação, pelo Autor, no ATM, no momento aludido em 17 - a 23 - (Resp. ao ponto 50) dos temas da prova).

55 - Na sequência do aludido em 17 a 34 e 36 a 37, o Autor apresentou à Ré a reclamação a que se referem fls. 95 a 97 e 105 a 106 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido e a que a Ré respondeu pela forma constante dos documentos de fls. 102 e 109 a 110 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido (Resp. ao ponto 51) dos temas da prova ).

56 - O Autor nunca apresentou, até à citação da interveniente nestes autos, qualquer reclamação à Abanca Corporacion Bancária quanto aos factos em causa nestes autos (Resp. ao ponto 52) dos temas da prova).

57 - A expressão “credit card” significa, em português e de harmonia com o “Cambridge English-Portuguese Dictionary “, um cartão de plástico que permite ao seu titular comprar coisas e pagar mais tarde (facto instrumental de conhecimento público e notório).

58 - Os cartões de crédito também permitem ao seu titular fazer levantamentos a crédito, pagando o seu valor mais tarde à entidade bancária (facto instrumental de conhecimento público e notório).

59 - O Autor, entretanto, passou, em momento não concretamente apurado, a viver em Lisboa, com uma companheira, vivendo em casa arrendada (facto instrumental que decorreu da produção da prova em julgamento).

***

1. Do julgamento de facto

O réu reconhece, na alínea F. das suas conclusões do recurso, que, estando a competência do Supremo Tribunal de Justiça circunscrita à matéria de direito, não pode debruçar-se, em principio, sobre a matéria de facto, ficando vinculado aos factos fixados pelo Tribunal recorrido, a que aplica definitivamente o regime jurídico tido por adequado.

Porém, acrescenta, com uma certa ambiguidade, «que, não obstante o Supremo Tribunal de Justiça cingir, em regra, o seu poder de cognição ao reexame da matéria de direito, aplicando definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelas instâncias, a verdade é que, este tribunal de revista, não está impedido de apreciar o uso que a 2.ª Instância fez dos seus poderes de reapreciação dos meios de prova, nos casos como o presente», cabendo-lhe «na vertente adjetiva, o controlo dos parâmetros formais ou balizadores a seguir pelo Tribunal da Relação na reapreciação da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª instância».

Na sequência, entende «que a interpretação dos factos e consequente aplicação do direito pelo Tribunal da Relação, não está correcta, desde logo porque o Tribunal da Relação não atribui qualquer relevância ao facto do próprio Autor confessar no email remetido ao gestor em 23.03.2019 que se existiram transações após o furto do cartão então o indivíduo que o furtou viu o código secreto/PIN do cartão – factos provados 11 e 54» (factos provados K) .e que «vir o Tribunal da Relação afirmar que o facto provado no ponto 54 baseou-se em meios de prova que não permitem afirmar a segunda parte do facto, não corresponde à realidade pois não estamos apenas a falar de documentação que permite verificar que nos movimentos foi utilizado o código PIN do cartão, mas também do email remetido ao gestor onde é o próprio Autor que admite que o código PIN foi visualizado pelo terceiro que lhe furtou o cartão».

O Supremo Tribunal de Justiça é, na verdade, desde o Decreto n.º 12.353, de 22 de Setembro, um tribunal de revisão, que substitui a decisão recorrida por uma própria, não se pronunciando sobre questões de facto.

Esta afirmação deve ser entendida em termos não absolutos. Isto porque casos há, residuais, em que o Supremo conhece de facto.

Tal acontece, nos casos previstos nos artigos 674.º, 3 e 682.º, 3 CPC (configurando os daquele artigo, em última análise, julgamento de direito).

No caso de se pretenderem sindicar as presunções judicias

o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, só pode sindicar o uso feito pela Relação de presunções judiciais, em quatro casos:

a) se esse uso ofender norma legal;

b) se partir de factos não provados;

c) se padecer de evidente ilogismo;

d) se violar regras de experiência (Acs. do STJ de 2.6.2009,

Proc. 560/2001, de 16.10.2012, Proc. 5726/03, de 29.1.2014, 208/06,

de 14.07.2016, Proc. 377/09, de 29.09.2016, Proc. 286/10, de 17.10.2019, Proc. 1703/16, 28.01.2021, Proc. 1790/17, de 13.04.2021, Proc. 3006/15, de 14.07.2021, Proc. 4961/16., de 14.07.2021, Proc. 1333/14, de 16.11.2021, Proc. 2534/17, de 08.11.2022, Proc. 46/08, de 08.11.2022, Proc.5396/18 e de 31.10.2023, Proc. 3771/18).

Na situação ocorrente nenhuma das hipóteses equacionadas se verifica.

O raciocínio argumentativo do segundo grau, justificativo da deliberação é coerente, não manifestando ilogismo de tipo nenhum.

De resto não fez uso de qualquer presunção judicial, tal como esta está configurada no artigo 349.º do Código Civil.

O que está em causa neste recurso, e que o STJ pode realmente sindicar, é a correcta interpretação e aplicação da lei substantiva feita pelo segundo grau (artigo 674.º, 1, al. a)), sendo que é inatacável, repita-se, o julgamento sujeito à livre apreciação do Tribunal.

***

2. Da negligência grosseira do autor e do cumprimento dos seus deveres por parte do Banco.

Alega o recorrente que competia ao autor agir com cuidado e impedir a utilização fraudulenta do cartão.

Por outro lado, impunha-se que estabelecesse limites à utilização do saldo da conta, antes de viajar para a África do Sul, e comunicar ao Banco, pelas vias adequadas, o furto do cartão.

Ora o autor não procedeu desta forma, antes ficou demonstrado que agiu com negligência grosseira.

Em contrapartida, o Banco não pode ser responsabilizado porquanto cumpriu todas as suas obrigações perante o seu cliente.

Será assim?

Para efeitos de reapreciação do acórdão importa antes de mais reiterar que, ao caso sujeito, é aplicável o regime do DL n.º 91/2018, de 12 de Novembro, que aprovou o novo regime jurídico dos serviços de pagamento e da moeda electrónica, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva 2015/2366 (EU), do Parlamento Europeu e do Conselho.

Esta directiva surge, como se lê no considerando 7, para dar resposta ao aumento dos riscos de segurança relacionados com os pagamentos electrónicos, devido a maior complexidade técnica dos pagamentos electrónicos, ao volume cada vez maior deste tipo de pagamento à escala mundial e ao aparecimento de novos tipos de serviços de pagamento.

Diante desta realidade, a existência de serviços de pagamento seguros constitui uma condição indispensável para o bom funcionamento do mercado de serviços de pagamento.

O aumento das situações de acesso não autorizado a uma conta de depósito, através da introdução não autorizada e abusiva das credenciais de acesso, a que alude a Directiva, tem-se reflectido num acréscimo dos casos judiciais, como este, nos quais os lesados peticionam às instituições bancárias o reembolso dos valores subtraídos das suas contas por meios fraudulentos.

O Banco recorrente insurge-se contra o facto de o segundo grau não ter considerado, como devia, que o autor actuou com negligência grosseira.

Por preocupações relacionadas com a protecção e segurança dos consumidores na utilização dos serviços de pagamento, o artigo 113.º do DL 91/2018 preceitua, na linha do anterior artigo 70.º do DL n.º 317/2009, de 30 de Outubro:

1 - Caso um utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento executada, ou alegue que a operação não foi corretamente efetuada, incumbe ao respetivo prestador do serviço de pagamento fornecer prova de que a operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada e que não foi afetada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência do serviço prestado pelo prestador de serviços de pagamento.
2 - Se a operação de pagamento tiver sido iniciada através de um prestador do serviço de iniciação do pagamento, recai sobre este último o ónus de provar que, no âmbito da sua esfera de competências, a operação de pagamento foi autenticada e devidamente registada, e não foi afetada por qualquer avaria técnica ou por outra deficiência relacionada com o serviço de pagamento por si prestado.
3 - Caso um utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento executada, a utilização do instrumento de pagamento registada pelo prestador de serviços de pagamento, incluindo o prestador do serviço de iniciação do pagamento, se for caso disso, não é necessariamente suficiente, por si só, para provar que a operação de pagamento foi autorizada pelo ordenante, que este último agiu de forma fraudulenta, ou que não cumpriu, com dolo ou negligência grosseira, uma ou mais obrigações previstas no artigo 110.º
4 - Nas situações a que se refere o número anterior, o prestador de serviços de pagamento, incluindo, se for caso disso, o prestador do serviço de iniciação do pagamento, deve apresentar elementos que demonstrem a existência de fraude, de dolo ou de negligência grosseira da parte do utilizador de serviços de pagamento.

O legislador faz recair sobre o prestador de serviços de pagamento o ónus da prova da actuação culposa do cliente, denotando uma escolha que revela uma enorme preocupação pelo contraente débil e uma intransigência por comportamentos desiguais e por práticas anómalas.

É notório que o risco de operações fraudulentas depende tanto do comportamento dos utentes dos serviços de pagamento, como do nível de segurança e profissionalismo do serviço adoptado pelo operador desses serviços. No plano jurídico, o fio condutor que anima o actual regime do serviço de pagamentos electrónicos é a consciência da necessidade de gerir conflitos entre partes desiguais, num quadro de segurança dos sistemas informáticos e de confiança dos utentes nesse sistema.

Não se estanha assim que, em tema de repartição do ónus da prova, se tenha enveredado por uma solução que aposta na efectividade da tutela dos utilizadores dos serviços de pagamento.
Refere a propósito da legislação italiana Maria Cecilia Paglietti: «O tema é um clássico da contratação desigual: é um dado adquirido no debate jurídico, de facto, que a tutela da parte débil da relação negocial se desenvolva também através de uma especial repartição do ónus probatório, posto que o princípio dispositivo (…) é, na sua formulação pura, inadequado às lides desiguais, arriscando-se a lesar as partes débeis.
Comum é, portanto, a tendência dos sistemas europeus para fazer recair o cumprimento do ónus da prova sobre os profissionais, tanto por motivos políticos (qual instrumento de reequilíbrio de posições assimétricas) como processuais (facilitar o acertamento dos factos, fazendo recair o ónus da prova sobre o sujeito que se encontra em posição melhor para satisfazê-lo)» (Questione in materia di prova nei casi di pagamenti non autorizzati, it.readkong.com, 43-80).
A opção legislativa constante do artigo 70.º do regime pretérito e continuado e até reforçado no actual, deve-se ao facto de o utilizador não poder ser colocado na necessidade de fazer prova sobre o funcionamento do complexo sistema informático do banco, sistema este que não domina, e de reconstituir os meios ardilosos daqueles que se aproveitam das facilidades e da abertura que estão associadas ao uso dos modernos meios de pagamento.

Cabe, portanto, ao banco provar a culpa do seu cliente, o grau de contribuição para os prejuízos ocorridos.

Assim, o n.º3 do citado artigo 113.º estabelece que, caso o utilizador negue ter autorizado uma operação de pagamento a utilização do instrumento de pagamento registada pelo prestador de serviços de pagamento (…) não é necessariamente suficiente, por si só, para provar que a operação de pagamento foi autorizada pelo ordenante, que este último agiu de forma fraudulenta ou que não cumpriu, com dolo ou por negligência grave, uma ou mais obrigações previstas no artigo 110.º».

O primeiro ponto que este preceito nos indica é que o registo da operação de pagamento não pode ser entendido como um sinal inequívoco de que o titular a autorizou.

Compete à entidade bancária provar, no caso concreto, qual o nível de actuação do seu cliente na operação de pagamento não autorizada e o grau de diligência com que actuou.

No acórdão do STJ de 14-12-2016, Proc. 1063/12, num caso de phising, mas que se aplica também ao caso sujeito de uso fraudulento de cartão de débito, diz-se: «Compreende-se este regime: por um lado, só o prestador do serviço de pagamentos, também fornecedor deste serviço, pode assegurar a operacionalidade do complexo sistema informático utilizado e a regularidade do seu funcionamento, garantindo também a confidencialidade dos dispositivos de segurança que permitem aceder ao instrumento de pagamento.
Daí que recaiam sobre o banco prestador do serviço o risco das falhas e do deficiente funcionamento do sistema, como decorreria também do disposto no art. 796º do Código Civil, impendendo ainda sobre este o ónus da prova de que a operação de pagamento não foi afectada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência».

No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.04.2019, Proc. 18/18, por sua vez, argumentou-se: «Deste normativo [o artº 70º do DL 317/2009] resulta que o legislador faz recair sobre o banco a prova de que as operações de pagamento não foram efectuadas por avarias técnicas ou quaisquer outras deficiências, não bastando, para o efeito, socorrer-se do registo da operação de molde a demonstrar que ela foi autorizada pelo ordenante, tendo ainda de demonstrar que o cliente agiu de forma fraudulenta, ou não cumpriu deliberadamente ou por negligência grave algumas das suas obrigações previstas no artº 67º do DL 242/2012» (cfr. também, da mesma Relação, acórdãos de 17.12.2017, Proc. 1318/09, de 10.05.2018, Proc. 8903/15 e de 06.11.2018, Proc. 1952/15).
Efectivamente, é sobre o prestador dos serviços de pagamento que incumbe assegurar a qualidade e eficácia dos respectivos serviços e que o seu cliente actuou, no quadro do serviço contratado, de forma censurável.

É importante, no entanto, ter em consideração que, como refere Salvatore Patti, «o ónus da prova serve para evitar que o non liquet sobre a situação de facto se transforme num non liquet sobre a situação de direito. E para o fim da aplicação da regra é indiferente a razão por que não foi superada a incerteza sobre a existência dos pressupostos da norma, se por a parte ter permanecido inactiva ou se por ter fornecido provas não convincentes, ou ainda por a parte contrária ter fornecido adequadas contraprovas» (Le Prove, seconda edizione, Giuffrè, Milano, 2021:158).

Banco entende que se provou a negligência grosseira do autor, não sendo, por conseguinte, necessário, recorrer, no caso ocorrente, às regras de repartição do ónus da prova, as quais, a serem aplicadas, reconhece, não lhe aproveitariam.

Não tem, porém, razão.

O DL 91/2018 não define o que é «negligência grosseira». Lê-se, porém, no considerando 72 da Directiva 2015/2366 que, «Para avaliar a eventual negligência ou negligência grosseira cometida pelo utilizador dos serviços de pagamento, deverão ser tidas em conta todas as circunstâncias. Os elementos de prova e o grau da alegada negligência deverão ser avaliados nos termos do direito nacional. Todavia, embora o conceito de negligência implique uma violação do dever de diligência, a negligência grosseira deverá significar mais do que mera negligência, envolvendo uma conduta que revela um grau significativo de imprudência; por exemplo, conservar as credenciais utilizadas para autorizar uma operação de pagamento juntamente com o instrumento de pagamento, num formato que seja aberto e facilmente detetável por terceiros. As modalidades e condições contratuais relativas ao fornecimento e à utilização de um instrumento de pagamento que tenham por efeito agravar o ónus da prova que recai sobre o consumidor ou atenuar o ónus da prova que recai sobre o emitente deverão ser consideradas nulas e sem efeito».

Na nossa doutrina distingue-se entre culpa grave ou grosseira, consistente na inobservância da diligência mínima adoptada até pelos, homens medianamente negligentes; culpa leve, substanciada no incumprimento dos deveres de diligência do homem normalmente diligente; e culpa levíssima, traduzida na inobservância da diligência adoptada pelos homens especialmente diligentes.

Para Maria Raquel Guimarães «a actuação gravemente negligente do utilizador de um instrumento de pagamento pressupõe que este adopta um comportamento que um utilizador médio, razoavelmente informado e esclarecido, não adoptaria» («Na minha conta ou na tua?» Revisitação do regime aplicável às operações de pagamento fraudulentas à luz da nova Proposta de um Regulamento relativo aos serviços de pagamento no mercado interno, de 28 de Junho de 2023», A Revista, 4 (2023):84).

Esta autora acrescenta, como tem vindo a ser defendido, entre outros, pelos acórdãos da Relação de Lisboa de 15.3.2016, da Relação de Coimbra de 15.1.2019 e da Relação do Porto de 27.6.2022, que «não se pode qualificar a conduta de quem fornece credenciais de segurança em resultado de uma prática fraudulenta como gravemente negligente quando «essas práticas fraudulentas são levadas a cabo porque um grande número de pessoas é ludibriado através delas e não apenas as extremamente descuidadas ou incautas; e para uma conduta poder ser qualificada como grosseiramente negligente ela não pode ser susceptível de ser levada a cabo por um número significativo de homens médios» (idem).

No caso sujeito, o Tribunal da Relação de Lisboa deu razão ao autor, tendo argumentado, quanto à inexistência de negligência por banda do autor, o seguinte:

i) De acordo com o artigo 110.º do DL 91/2018, com epígrafe «Obrigações do utilizador de serviços de pagamento associadas aos instrumentos de pagamento»:

1 - O utilizador de serviços de pagamento com direito a utilizar um instrumento de pagamento deve:

a) Utilizar o instrumento de pagamento de acordo com as condições que regem a sua emissão e utilização, as quais têm de ser objetivas, não discriminatórias e proporcionais; e

b) Comunicar, logo que tenha conhecimento dos factos e sem atraso injustificado, ao prestador de serviços de pagamento ou à entidade designada por este último, a perda, o furto, o roubo, a apropriação abusiva ou qualquer utilização não autorizada do instrumento de pagamento.

ii) A circunstância de ter sido utilizado o código PIN, por terceiro, que efectuou as operações de pagamento e de levantamento não significa, por si só, que o autor tenha sido negligente. São conhecidas as “artimanhas” de que se socorrem os terceiros que se apropriam dos códigos PIN dos cartões bancários.

iii) O facto provado no ponto 54 - Os movimentos efectuados com o cartão de débito do Autor, na África do Sul, foram todos validados em terminais com leitura de chip e inserção do respectivo PIN do cartão, o qual foi visualizado pelo indivíduo que furtou o cartão, aquando da sua digitação, pelo Autor, no ATM.baseou-se em meios de prova que não permitem afirmar a segunda parte do facto “…respectivo PIN do cartão, o qual foi visualizado pelo indivíduo que furtou o cartão, aquando da sua digitação, pelo Autor, no ATM.” visto que se tratam dos documentos - de fls 102 e de fls 256 a 287 – que apenas permitem verificar que nos movimentos foi utilizado o código PIN mas, jamais, possibilitam afirmar que esse código PIN foi visualizado pelo terceiro que furtou o cartão aquando da digitação, pelo autor no ATM.

iv) A cláusula transcrita no ponto 10 dos factos provados não observa o que determina o artigo 111º, 1, al. c), do DL 91/2018.

v) Quando o autor se apercebeu que lhe tinham furtado o cartão bancário, telefonou para o seu gestor de conta e, comunicou a este que lhe haviam furtado o cartão de débito.

vi) O autor, ao responder ao operador de call center utilizou a expressão credit card, por falar só um pouco inglês e julgar que era essa a expressão correcta para designar o cartão que lhe foi furtado..

Quanto às obrigações do recorrente, que este entende ter cumprido, a Relação argumentou:

I) O artigo 73.º, do DL 298/92, de 31 de Dezembro, dispõe que «As instituições de crédito devem assegurar, em todas as atividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência».

ii) O gestor de conta percebeu que o autor pretendia cancelar o cartão de débito, porque conhecia o cliente; já o operador do call center, se tivesse actuado de acordo com os exigíveis elevados padrões de competência profissional e técnica deveria ter verificado que o autor tinha dois cartões bancários, qual deles utilizava sempre e, não se ter limitado a perguntar-lhe o número de contribuinte, para aceder à conta do cliente e aos demais elementos do sistema e, com facilidade, se teria apercebido da existência dos dois cartões e deveria ter perguntado, inquirido, por uma questão de segurança e de certeza, se o cartão furtado era o de débito ou de crédito, não se limitando a uma atitude passiva de ouvir “credit card”; até porque os procedimentos de cancelamento de um e de outro dos cartões são diferentes e implicam diferentes passos: o cancelamento do cartão de crédito é cancelado pela SIBS e, o cancelamento do cartão de débito é cancelado pelo próprio banco como, de resto, o gestor de conta fez logo que regressou de férias.

iii) É certo que não se discute o direito do gestor de conta a gozar férias. Mas a ida deste de férias não arrasta, rectius, não pode arrastar (de férias), aligeirar ou suspender, os elevados padrões profissionais e éticos exigíveis ao banco.

Na base destas considerações, o segundo grau pôde concluir que:

i) Tivesse o operador do call center sido diligente e preocupado e actuado segundo os elevados padrões de competência profissional, teria perguntado ao autor e percebido que ele pretendia cancelar o cartão de débito.

ii) Se o gestor de conta não estivesse de férias e tivesse atendido logo o telefonema do autor, seguramente teria procedido, de imediato, ao cancelamento do cartão de débito do autor (como fez logo que regressou de férias na segunda feira, às 08:30 horas).

iii) Tivesse o réu deixado alguém a substituir o gestor de conta e a chamada/telefonema do autor seria atendido logo por volta das 15:00 horas de dia 22/03/2019 (pontos 16 e 17 dos factos provados) e, de imediato, como depois fez o gestor de conta logo que regressou de férias, cancelado o cartão de débito e, com isso, salvaguardados/protegidos os direitos patrimoniais do autor.

Como acima dissemos, a interpretação dada pela Relação aos factos provados parece-nos racional e convincente e, por conseguinte, inalterável.

Ao contrário, a argumentação do recorrente é débil e não colhe.

Desde logo, quando afirma que o autor devia ter o cuidado de se acautelar ao viajar para um país com um índice de criminalidade elevado, quando sabia dispor de um saldo elevado na sua conta à ordem, e devia, por conseguinte, ter previamente estabelecido um limite de utilização desse mesmo saldo, como não coubesse ao cliente fazer as opções que melhor correspondam aos seus interesses, modo de conduzir a sua vida e finalidades da viagem.

De resto, como observa, com razão, Maria Raquel Guimarães «o grau de censura que se pode imputar ao utilizador deverá entrar em linha conta com o nível de esclarecimento e de informação que o prestador do serviço proporciona ao seu cliente e com o cumprimento do mesmo prestador de serviços dos seus deveres de monitorização das operações suspeitas» (ibidem: 79/80).

Ora uma adequada monitorização não deixaria de pôr em evidência o número e montante das despesas feitas pelo utilizador do cartão num período tão curto e permitido o seu confronto com o padrão de comportamento normal do cliente, espoletando os alarmes da ilicitude da operação.

Por outro lado, a argumentação do recorrente assenta em grande parte no pressuposto de que este terceiro grau pode intrometer-se no julgamento de facto, o que vimos não ser permitido no caso.

Acresce que, como também vimos, não basta para induzir dos factos a culpa do autor, a prova de que as operações realizadas foram autenticadas com a inserção do PIN do cartão.

E também não se diga que a comunicação do furto se reportou ao cartão de crédito e não ao de débito, tendo ficado claramente esclarecidas as causas da confusão em volta desses cartões, aliás mais aparente do que real.

Finalmente, quanto ao modus operandi do agente no furto do cartão e às circunstâncias específicas de acesso ao PIN, existindo um non liquet, não se pode estabelecer nexo de causalidade entre a conduta do autor e a realização da ajuizada operação de pagamento, sendo que esse nexo de causalidade é pressuposto da relevância do comportamento doloso ou negligente.

***

3. Da revogação do acórdão.

Porque entendemos que a Relação fez um correcto julgamento de facto e agiu também correctamente quando, ex artigo 114º, 1 do DL 91/2018 condenou o recorrente no reembolso ao autor do valor de todos os movimentos operados na conta bancária do mesmo no montante de €139 026,95, o acórdão impugnado deve ser confirmado.

Reembolso que deveria ter ocorrido logo em 25/03/2019, altura em que o gestor de conta cancelou o cartão de débito e a conta bancária, pelo que são devidos os juros reclamados.

Dito de outro modo: não se tendo apurado qualquer culpa do lesado, para a produção ou agravamento dos danos, será sobre o Banco que recai a responsabilidade, na qualidade de prestador do serviço, de proceder ao reembolso do valor indevidamente transferido para um terceiro e ainda não ressarcido ao legítimo titular.

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Vencido, o recorrente suportará as custas do recurso (artigo 527.º, 1 e 2 CPC).

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Pelo exposto, acordamos em julgar improcedente a revista, e em confirmar o acórdão impugnado.

Custas pelo recorrente.

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17 de Junho de 2025

Luís Correia de Mendonça (Relator)

Luís Espírito Santo

Anabela Luna de Carvalho