I – Da leitura do teor da reclamação deduzida pela Ré recorrente, verifica-se que esta última não ataca o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 30 de abril de 2025 com argumentos que divirjam muito daqueles outros já antes invocados e que, de forma própria e independente, apenas a ele respeitem e afetem, o que nos permite, nessa medida e em primeiro plano, remeter, em jeito de fundamentação, para o que esta Secção Social já apreciou e decidiu nos diversos Arestos que, em Conferência, indeferiram as mencionadas reclamações com base na reforma e nulidade dos Acórdãos respetivamente visados pelas mesmas.
II – Resulta da leitura do Acórdão proferido nos autos que não se lhe pode imputar as nulidades de sentença de omissão ou de excesso de pronúncia que se mostram previstas na alínea d) do número 1 do artigo 615.º do CPC/2013 e que são invocáveis igualmente quanto aos Acórdãos dos tribunais da relação e do Supremo Tribunal de Justiça, por força da remissão dos artigos 666.º e 679.º do mesmo diploma legal, sem olvidar finalmente o artigo 77.º e 87.º, número 1 do CPT.
III – Da leitura do Aresto aqui reclamado que, como já antes referido, faz apelo a muito do que consta da fundamentação jurídica do AUJ de de 11/12/2024, assim como de anteriores Arestos que incidiram sobre as mesmas questões, não se deteta uma qualquer deficiência patente e incompreensível, quer ao nível do direito convocado, quer no plano da qualificação jurídica dos factos, provocada por um notório erro dos juízes conselheiros que o deliberaram, que justifique a sua refortma, ao abrigo dos artigos 613.º, número 2, 616.º, número 2, alínea a) e 617.º do NCPC.
IV - Muito embora tenha havido da parte da recorrente/reclamante uma litigância temerária, atrevida, quando não imprudente, não se nos afigura que, ainda assim, essa conduta processual integre e tipifique suficientemente o instituto jurídico da litigância de má-fé previsto nos artigos 542.º e 543.º do NCPC.
RECORRENTE: TAP – TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUESES, S.A.
RECORRIDA: AA
(Processo n.º 3186/22.0T8LSB – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo do Trabalho de ... - Juiz ...)
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES CONSELHEIROS DA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
I – RELATÓRIO
1. AA e BB [1], devidamente identificados nos autos [2], vieram propor, em 04/02/2022, ação declarativa de condenação com processo comum laboral contra TAP - TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUESES, S.A., igualmente identificada nos autos, tendo formulado os seguintes pedidos:
«a. Seja considerada nula a justificação aposta ao contrato de trabalho dos Autores e sejam os mesmos considerados como contratos de trabalho sem termo;
b. Seja declarado ilícito o despedimento de cada um dos Autores e, em consequência, seja a Ré condenada:
I – A reintegrar os Autores no seu posto de trabalho com a categoria de CAB I ou categoria mais elevada se lhes couber à data da decisão do Tribunal, sem prejuízo de estes optarem pela indemnização em substituição da reintegração;
II - A pagar aos Autores as retribuições intercalares, incluindo subsídios de Natal e de férias, que estes deixaram de auferir desde a data do seu despedimento até ao trânsito em julgado, com exclusão das remunerações relativas ao período que decorreu entre o despedimento e trinta dias antes da propositura da acção;
III - A pagar aos Autores as retribuições intercalares a Garantia Mínima, que é parte integrante do seu salário base, que estes deixaram de auferir desde a data do seu despedimento até ao trânsito em julgado, com exclusão das remunerações relativas ao período que decorreu entre o despedimento e trinta dias antes da propositura da acção;
IV - A pagar aos Autores as diferenças salariais ilíquidas devidas a título de salário base, verificadas em virtude da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, ao invés da categoria de CAB 1, a contar desde o início dos seus contratos de trabalho, que são as seguintes, acrescidas de juros desde a data de citação:
a) Ao autor BB o valor de € 10.257,11 ilíquidos;
b) À autora AA o valor de € 10.161,37 ilíquidos;
V - A pagar aos Autores as diferenças salariais ilíquidas devidas a título de ajuda de custo complementar, que os autores deixaram de auferir fruto da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, ao invés da categoria de CAB 1, a contar desde o início dos seus contratos de trabalho e até ao final da relação laboral, que são as seguintes, acrescidas de juros desde a data de citação:
c) Ao Autor BB o valor de € 16.402,89 ilíquidos;
d) À Autora AA o valor de € 15.251,81 ilíquidos;
VI – A pagar a cada um dos Autores indemnização por danos não patrimoniais em valor nunca inferior a € 2.000,00;
VII - No pagamento de juros de mora vencidos e vincendos, sobre todas as quantias peticionadas, vencidas e vincendas, desde a data da citação e até integral pagamento.
[…]
Valor da causa por Autor:
CC - € 28.660,00 [3]
AA - € 27.413,18
Valor Global da Causa - € 56.073,18 (cinquenta e seis mil e setenta e três euros e dezoito cêntimos)»
«TERMOS EM QUE, DEVE SER DECLARADA PROCEDENTE A EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA INOMINADA DE RECONHECIMENTO PELA AUTORA DA VALIDADE DA CONTRATAÇÃO A TERMO E A RÉ ABSOLVIDA DOS PEDIDOS, OU QUANDO ASSIM NÃO SE ENTENDER, SER A PRESENTE ACÇÃO DECLARADA IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADA, ABSOLVENDO-SE A RÉ DO PEDIDO COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
MAIS DEVE SER ALTERADO O VALOR ATRIBUÍDO À ACÇÃO E AS PARTES SEREM NOTIFICADAS PARA PAGAREM OS COMPLEMENTOS DA TAXA DE JUSTIÇA DEVIDA PELO ACERTO.»
«Nestes termos e nos melhores de direito requerer-se que seja julgada a improcedência da exceção de não devolução da compensação por caducidade dos contratos a termo, por tal dispositivo não se aplicar ao caso dos presentes autos, nos termos suprarreferidos, bem como ser indeferido o incidente de valor da causa deduzido pela Ré.»
«Por tudo o que ficou exposto, nos termos das disposições legais citadas, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência:
I - Declaro sem termo o contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré, em 18/03/2018;
II - Declaro ilícito o despedimento da Autora e condeno a Ré:
a) - A reintegrá-la ao seu serviço, sem prejuízo da sua categoria, antiguidade e funções;
b) - A pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o trigésimo dia anterior à data da propositura da acção até ao trânsito em julgado da presente sentença, aí se incluindo a retribuição das férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, deduzidas das importâncias previstas nas alíneas a) e c) do n.º 2 do art.º 390.º do CT, acrescidas de juros legais a partir da data do referido trânsito em julgado e até integral pagamento, a liquidar, se necessário, em execução de sentença;
III – Absolvo a Ré do demais peticionado.
A parte decisória possui a seguinte redação:
«Face a todo o exposto, acorda-se na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, em:
l. Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Autora, AA, alterando-se a sentença recorrida e
1.1 Reconhecendo-lhe o direito ao nível retributivo correspondente a CAB 1 desde a data do início da relação laboral, ou categoria mais elevada se lhe couber à data da decisão da presente decisão, conforme n.ºs 1 e 3 da cláusula 4.ª e n.ºs 1 e 2 da cláusula 51 do Regulamento da carreira profissional de tripulante de cabina.
1.2. Condenar a Ré a pagar-lhe, nas retribuições intercalares referidas em II b) do dispositivo da sentença os montantes devidos por força da integração nas categorias referidas em 1. deste acórdão.
1.3. Condenar a Ré a integrar nas retribuições intercalares os montantes referentes à Garantia Mínima, com exclusão das devidas no período que decorreu entre o despedimento e 30 dias antes da propositura da ação.
Em tudo o mais, mantém-se a sentença recorrida.
Custas a cargo de Autora e Ré, na proporção do respetivo decaimento.
Registe.
Notifique.»
«Somos, por consequência, de parecer que o presente recurso de revista deverá ser considerado parcialmente procedente, revogando-se nessa medida o douto acórdão recorrido.»
«Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 679.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o presente recurso de Revista interposto pela Ré TAP – TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUESES, S.A., confirmando-se, nessa medida, pelos fundamentos constantes da fundamentação do presente Aresto, o recorrido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
Custas do presente recurso a cargo da recorrente - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.
Registe e notifique.»
«160. Resulta do supra exposto que o Acórdão reclamado padece de diversos vícios que geram nulidade, inconstitucionalidade e necessidade de reforma.
161. Em síntese, a decisão reclamada:
a) É nula por omissão de pronúncia, na medida em não indica nem fundamenta o alcance da nulidade, devendo o Tribunal pronunciar-se sobre o alcance de tal nulidade (i.e., total ou parcial) e, caso seja parcial, sobre a admissibilidade, à luz do artigo 292.º do CC, de se proceder à mera redução de tais cláusulas.
b) É nula por excesso de pronúncia, na medida em que o Tribunal extravasou os seus poderes de cognição ao aditar materialmente um novo facto à matéria de facto provada decidida pelo Tribunal a quo, devendo o Tribunal desconsiderar a conclusão de que “as categorias CAB Início e CAB-0 foram concebidas para contratados a termo”.
c) É nula por excesso de pronúncia, por apreciar, ainda que instrumentalmente, uma questão cujo conhecimento apenas pode ter lugar em exclusivo no âmbito da ação especial prevista no artigo 183.º do CPT, devendo o Tribunal abster-se de se pronunciar sobre a invalidade da Cláusula 5.ª do RCPTC, anexo ao AE.
Aplicou a norma do art.º 665.º do CPC (ex vi dos artigos 679.º do CPC e 1.º, n.º 2, al. a), do CPT), com base numa interpretação inconstitucional, no sentido de permitir a apreciação em revista, e mesmo que a título instrumental, de questão relativa à validade de cláusulas de convenções coletivas de trabalho em ação comum diferente da ação especial de anulação e interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho prevista no artigo 183.º e ss. do CPT, por violar o artigo 20.º, nºs 1 e 4, da CRP.
d) Assenta numa interpretação inconstitucional do artigo 136.º do Código do Trabalho de 2003 e do artigo 146.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009, no sentido de que, perante uma desigualdade de tratamento de trabalhadores, é possível refazer uma cláusula de uma convenção coletiva e, em concreto, criar um novo regime de progressão na carreira, com eliminação de algumas categorias remuneratórias, violando o princípio constitucional da proporcionalidade, da autonomia negocial coletiva e o direito fundamental da Recorrente à livre iniciativa económica, consagrados nos artigos 18.º, 56.º, n.º 3 e 61.º, n.º 1, da Constituição, devendo o Tribunal optar por uma solução menos gravosa através da determinação de que as categorias CAB-Início e CAB-0 abrangem trabalhadores contratados sem termo.
e) Padece de manifesto lapso e erro de julgamento, em virtude da aplicação incorreta dos cânones hermenêuticos previstos no artigo 9.º do CC, devendo ser reformada a decisão, atendendo-se a todos os relevantes elementos de interpretação (literal, histórico, sistemático e teológico), de forma a decidir no sentido de que a correta interpretação das Cláusulas 4.ª, n.º 3, e 5.ª, n.º 1, do RCPTC, anexo ao AE, é a de que os níveis de CAB-Início e CAB-0 não são exclusivos dos trabalhadores contratados a termo, pelo que a conversão dos respetivos vínculos em contratos de trabalho por tempo indeterminado não pode determinar, de modo imediato e automático, a evolução salarial para CAB-1.
f) Padece de manifesto lapso e erro de julgamento, em virtude da decisão de rejeitar o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, devendo ser ordenado o reenvio prejudicial das questões elencadas no artigo 197.º das alegações de recurso da Recorrente para o Tribunal de Justiça.
Termos em que, apreciando cada uma das questões supra elencadas, deverão V. Ex.as julgar procedente, por provada, a presente reclamação e, em consequência, suprir as nulidades do Acórdão reclamado e, bem assim, proceder à respetiva reforma, com todas as consequências legais.»
«Termos nos quais se requer a V.exas. que se declare a reclamação apresentada pela Ré como nula por extravasar o propósito da mesma, configurando um recurso, desentranhando-se a mesma.
Se assim não se entender, deverão ser dados por não escritos os artigos da reclamação da Ré que excedam o normal objeto de uma reclamação, sempre indeferindo todo o pretendido por esta.
Em qualquer dos casos, sempre se deverá manter o douto AUJ nos seus exatos termos.
Deverá ainda a Ré ser condenada em litigância de má-fé nos termos do artigo 547.º/2, d) do CPC, bem como condenada ao pagamento de multa nunca inferior a 100UC e ao pagamento de indemnização à Autora pelos gastos por esta incorrida, que não são ainda determináveis ao dia de hoje.»
«Nestes termos, devem as pretensões formuladas pela Recorrida ser julgadas improcedentes e não provadas e, em consequência, absolver-se a Recorrente das mesmas.»
18. Os factos a considerar encontram-se descritos no Relatório do presente Acórdão, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na parte que releva.
III – OS FACTOS E O DIREITO
19. Recorde-se aqui, por um lado, as questões que foram apreciadas e julgadas em tal Acórdão e, por outro, a abordagem que se fez quanto à hipotética violação do princípio do contraditório e da proferição, nesse âmbito, de uma decisão-surpresa:
«16. As questões de índole substantiva que se discutem neste recurso de revista são as seguintes:
- Reclassificação salarial da Autora na categoria profissional de CAB 1;
- Pagamento das retribuições intercalares e da Garantia Mínima;
- Reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 267.º do TFUE.
C – JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
17. Importa recordar aqui que este Supremo Tribunal de Justiça já tem jurisprudência consolidada acerca das diversas questões que são suscitadas pelo Réu no quadro deste recurso de Revista, como ressaltam dos seguintes Arestos, para os quais se remete:
- Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 11/12/2024, Proc.º n.º 8882/20.3T8LSB.L1.S1, Relator: JÚLIO GOMES [PLENO: DOMINGOS JOSÉ DE MORAIS, JOSÉ EDUARDO MIRANDA SANTOS SAPATEIRO, ALBERTINA DAS DORES NUNES AVEIRO PEREIRA e MÁRIO BELO MORGADO], tirado por unanimidade, ainda não publicado no Diário da República e com a seguinte decisão final:
«Concedida a revista, condenando-se a Ré a integrar as Autoras nos seus postos de trabalho como tendo sido admitidas desde o início da respetiva relação contratual com a categoria CAB 1, processando-se a partir daí a evolução na categoria em conformidade com o Acordo de Empresa e condenando-se igualmente a TAP a pagar às Autoras todas as diferenças salariais devidas quer a título de salário base, quer de ajudas de custo, verificadas em virtude da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, ao invés da categoria de CAB 1, a contar desde o início dos seus respetivos contratos de trabalho, montantes que deverão ser calculados pelas instâncias, sem prejuízo da eventual necessidade de um incidente de liquidação».
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/01/2025, Proc.º n.º 5544/22.0T8LSB.L1.S1, Relator: MÁRIO BELO MORGADO [adjuntos: PAULA LEAL DE CARVALHO e MÁRIO BELO MORGADO], publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário:
São nulas, por violação de norma legal imperativa, as cláusulas de uma convenção coletiva que prevejam categorias inferiores na admissão para os contratados a termo.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2/04/2025, Proc.º n.º 1890/23.4T8CSC.L1.S1, Relator: JÚLIO GOMES [adjuntos: MÁRIO BELO MORGADO e JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO], publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário:
São nulas por violação de norma legal imperativa cláusulas de uma convenção coletiva que prevejam categorias inferiores na admissão para os contratados a termo.
D – PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DECISÃO-SURPRESA
18. Importa referir aqui que se entendeu não ser necessário suscitar, previamente, junto das partes e nos termos do artigo 3.º, número 3 do NCPC, a questão relativa à nulidade da Cláusula do Acordo de Empresa da Ré, não somente por a mesma já ter sido declarada com força jurídica reforçada no aludido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 11/12/2024, Proc.º n.º 8882/20.3T8LSB.L1.S1, o que, inevitavelmente, é, pelo menos, do conhecimento da aqui recorrente como ainda por o ilustre Procurador-Geral Adjunto colocado junto deste Supremo Tribunal de Justiça se ter referido a tal Aresto e ao aí determinado no seu Parecer [4], tendo, nessa medida, as partes tido oportunidade para se pronunciarem, no âmbito destes autos, sobre o ali julgado e decidido, na sequência do cumprimento da segunda parte do número 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho.
Logo, não se pode encarar o que aqui for analisado e ordenado quanto a tal matéria como uma decisão-surpresa.»
Também convirá realçar que o Aresto aqui reclamado foi beber a sua argumentação jurídica, no que esta possui de crucial, essencial, fundamental, quer à que consta desse Acórdão Uniformizador de Jurisprudência como à de alguns dos outros Arestos antes referenciados.
Não será despiciendo recordar aqui que um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência [AUJ] resulta de uma deliberação coletiva de, pelo menos, três quartos dos juízes-conselheiros de uma ou mais secções do STJ que têm interesse na matéria pelo mesmo e que, nessa medida, se reúnem para o efeito em sessão plenária presidida pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, sendo o resultado de tal deliberação depois publicada na I.ª Série do Diário da República e no Boletim do Trabalho e Emprego, se for esse o caso.
Importa também realçar que muito embora esse Aresto Uniformizador - quer seja prolatado nos termos dos artigos 688.º e seguintes do NCPC [RUJ], quer seja proferido no âmbito de um recurso ampliado de revista, de acordo com o disposto nos artigos 486.º e 487.º do mesmo diploma legal [podendo ainda invocar-se aqui, para tal efeito, o estatuído nos artigos 183.º a 186.º do CPT] - não tenha uma natureza jurídico-processual idêntica à do antigo e revogado Assento, seguro é que possui, no seio do sistema jurisdional onde foi produzido, um valor decisório reforçado da questão controvertida que através do mesmo foi julgada [cf. por exemplo, os artigos 629.º, número 2, alíneas c) e d), 671.º, número 2, alínea b), 672.º, número 1, alínea c), 686.º, número 3 e 688.º, número 3 do NCPC], que não pode nem deve ser contrariado ou infletido pelos mesmos juízes e pelos demais tribunais da respetiva orgânica judiciária, de ânimo leve, de forma ligeira ou leviana, por qualquer motivo secundário ou acessório, sem bases de sustentação razoáveis, sólidas e convincentes que justifiquem, não só necessária, como suficientemente, essa inversão ou modificação da posição defendida pelo AUJ.
Tal vinculação jurídica do AUJ de 11/12/2024 ainda não produz todos os efeitos jurídicos que para ele derivam da lei, dado que aquele Aresto ainda é suscetível de recurso e decisão contrária por parte do Tribunal Constitucional, mas, ainda assim e fora de situações muito raras e excecionais, que, de facto e/ou de direito, possam levar algum coletivo desta Secção Social a decidir de maneira distinta do julgado no quadro do RUJ, não há base legal para que os juízes-conselheiros que votaram favoravelmente o AUJ proferido no Processo n.º 8882/20.3T8LSB.L1.S1 se afastem do aí decidido, quando as questões a ponderar e julgar sejam idênticas às ali colocadas [como foi o caso dos presentes autos, com exceção da matéria relativa à garantia mínima].
Idêntico raciocínio tem igualmente de ser efetuado para os Aresto complementar que, igualmente votado por todos os membros da Secção Social, julgou improcedentes, quer a reforma do dito AUJ, como as nulidades a este imputadas.
Ora, da leitura do teor da reclamação deduzida pela Ré recorrente, verifica-se que esta última não ataca o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 30 de abril de 2025 com argumentos que divirjam muito daqueles outros já antes invocados e que, de forma própria e independente, apenas a ele respeitem e afetem, o que nos permite, nessa medida e em primeiro plano, remeter, em jeito de fundamentação, para o que esta Secção Social já apreciou e decidiu nos diversos Arestos que, em Conferência, indeferiram as mencionadas reclamações com base na reforma e nulidade dos Acórdãos respetivamente visados pelas mesmas.
- As cláusulas dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho [IRCT] negociais, como as do Acordo de Empresa dos autos, traduzem-se em regras de direito de índole convencional;
- Sem necessidade de entrar na distinção entre cláusulas contratuais e cláusulas normativas, dado que as que estão em causa nos autos têm esta última natureza, é a interpretação constante do artigo 9.º do Código Civil que tem de ser necessariamente chamada à colação;
- Dela resultam, inevitavelmente, conclusões jurídicas e nunca factos materiais [?], sendo aquelas norteadas por uma leitura e análise do texto, sentido e alcance das cláusulas relevantes, de acordo com os diversos princípios e elementos interpretativos que o legislador previu na dita disposição legal;
- O julgador, nesse exercício de interpretação e compreensão das citadas cláusulas, não se pode ater apenas ao seu texto e inserção no seio do respetivo instrumento de regulamentação coletiva respetivo, mas tem ainda de enquadrar e cruzar as conclusões jurídicas a que chegou com as disposições legais constantes do Código de Trabalho de 2009 e legislação complementar [cf. artigos 3.º, 478.º e 479.º do primeiro diploma legal referenciado];
- Nessa medida, se os juízes se confrontarem com cláusulas que não são consentidas pelos dispositivos legais que regulam os limites imperativos para a sua celebração, em termos orgânicos, procedimentais, formais e materiais, não estão funcional e legalmente proibidos ou sequer condicionados de alguma forma [melhor seria!] de reconhecerem tal desconformidade entre fontes de direito e declararem, nessa medida e se for caso disso, a sua invalidade [6];
- Tal declaração de nulidade, que é do conhecimento oficioso do tribunal, pode demandar que se respeite previamente, como aconteceu nos autos, o princípio do contraditório, assim se obstando à proferição de decisões-surpresa;
- Essa nulidade da cláusula do AE dos autos que se revelou discriminatória no que toca aos tripulantes de cabine contratados a termo, por contrária à norma legal imperativa constante do artigo 146.º do CT/2009, foi naturalmente total, pois não era possível fazer o seu aproveitamento jurídico, através da sua redução ou conversão [cf. artigos 292.º, 293.º e 294.º do Código Civil], tendo depois e a partir da sua eliminação que se retirar as necessárias consequências jurídico-laborais para os trabalhadores indevidamente abrangidos por aquela parte anulada da cláusula em questão;
- Nada obriga na legislação laboral aplicável, quer de natureza adjetiva, quer de natureza substantiva, que tal invalidade de cláusulas convencionais que afrontem regras legais imperativas tenha de ser apenas discutida e declarada na ação de interpretação e anulação de cláusulas de convenções coletivas, com processo especial, prevista nos artigos 183.º a 186.º do CPT, bastando, para o efeito, confrontar, para além da prática cotidiana dos nossos tribunais de trabalho, as ações com processos distintos que, por exemplo, ressaltam dos artigos 186.º-G a 186.º-I do mesmo diploma legal;
- Exigir às partes – desde que tivessem tal legitimidade, nos termos dos artigos 4.ºe 5.º-A do CPT, o que, desde logo, constitui uma restrição importante quanto à possibilidade de propositura de tal ação com processo especial - a necessidade de tal instauração e vedar-se, por outro lado, aos tribunais o conhecimento e declaração de tal invalidade fora do âmbito dessa específica ação, era não somente proibir aos litigantes, sem base legal mínima, que procedessem à invocação e discussão de tais matérias em todo o outro tipo de ações que não a dos artigos 183.º a 186.º do CPT, ainda que tal nulidade ressaltasse do IRCT aplicável nos autos e fosse relevante para a boa decisão do litígio em presença, como imporia aos julgadores, nessas demais ações, que ignorassem essas invalidades e aplicassem regras convencionais nulas ao pleito em julgamento.
Logo, não se pode realmente imputar ao Acórdão proferido nos autos tais nulidades de sentença consistentes em omissão ou excesso de pronúncia que se mostram previstas na alínea d) do número 1 do artigo 615.º do CPC/2013 e que são invocáveis igualmente quanto aos Acórdãos dos tribunais da relação e do Supremo Tribunal de Justiça, por força da remissão dos artigos 666.º e 679.º do mesmo diploma legal, sem olvidar finalmente o artigo 77.º e 87.º, número 1 do CPT.
Ora, se atentarmos na redação da primeira disposição referida [mais exatamente da alínea a) do seu número 2], ela remete-nos para um cenário de manifesto lapso do juiz que tenha implicado erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos [a alínea b) do seu número 2 não conhece aqui aplicação], situações essas que, claramente, não ocorrem no Aresto reclamado, por evidente falta de verificação dos requisitos legais enunciados.
São realidades muito diferentes as que resultam de claros erros de julgamento cometidos com base em óbvios enganos do juiz e as que se reconduzem a posições jurídicas defendidas por este último na decisão judicial por si elaborada que, embora mereçam a discordância da parte ou partes litigantes, conhecem um suporte factual e de direito minimamente lógico, coerente, consequente e defensável no âmbito das causas de pedir alegadas, dos pedidos formulados, das exceções invocadas ou de conhecimento oficioso e da factualidade assente e não assente.
Ora, da leitura do Aresto aqui reclamado que, como já antes referimos, faz apelo a muito do que consta da fundamentação jurídica do AUJ de 11/12/2024, assim como de anteriores Arestos que incidiram sobre as mesmas questões, não se deteta uma qualquer deficiência patente e incompreensível, quer ao nível do direito convocado, quer no plano da qualificação jurídica dos factos, provocada por um notório erro dos juízes conselheiros que o deliberaram.
Sendo assim, pelos fundamentos antes referidos, quer por remissão para o já anteriormente afirmado em Arestos com o mesmo objeto deste Acórdão, quer para o que nele diretamente se sustenta, este Supremo Tribunal de Justiça indefere a Reclamação deduzida pela Ré TAP, SA, nas suas duas vertentes da reforma e nulidade do aludido Acórdão de 30/4/2025.
23. Resta-nos apreciar o pedido de condenação em multa e indemnização, como litigante de má-fé, da Ré TAP, que, ao abrigo dos artigos 542.º e 543.º do NCPC, foi deduzido pela Autora, para dizer que, muito embora se nos afigure que houve da parte da recorrente/reclamante uma litigância temerária, atrevida, quando não imprudente, não se nos afigura que, ainda assim, essa conduta processual integre e tipifique suficientemente tal instituto jurídico da litigância de má-fé.
IV – DECISÃO
24. Em conclusão e pelos fundamentos expostos, nos termos dos artigos 613.º, número 2, 615.º, 616.º, 617.º, 666.º e 679.º do NCPC e 77.º e 87.º, número 1, do CPT, acorda-se, em conferência, em indeferir a presente Reclamação, na sua dupla vertente de reforma e nulidade do Acórdão por este STJ prolatado em 30 de abril de 2025.
Custas da Reclamação a cargo da respetiva reclamante – artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.
Não se condena a Ré Reclamante como litigante de má-fé, nos termos dos artigos 542.º e 543.º do NCPC.
Notifique e registe.
Lisboa, 18 de junho de 2025
José Eduardo Sapateiro – Juiz Conselheiro relator
Paula Leal de Carvalho – Juíza Conselheira adjunta
Júlio Gomes – Juiz Conselheiro adjunto
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2. Trata-se certamente de um erro de escrita, pois aí pretende-se mencionar o nome do Autor BB e não a de CC, que nem sequer é parte nos autos [artigo 249.º do Código Civil].↩︎
3. Pode ler-se em tal Parecer o seguinte:
«Em cumprimento da notificação efetuada, impõe-se dar parecer sobre o objeto do recurso, embora a sua realização nesta data acarrete a possibilidade de o mesmo se tornar ultrapassado pelo eventual trânsito em julgado do acórdão de uniformização de jurisprudência proferido em 11-12-2024, no proc. n.º 8882/20.3T8LSB.L1.S1.
Uma vez que nesta data tal trânsito ainda não ocorreu, seguiremos o parecer que já emitimos nesses autos, bem como nos processos n.º 18680/21.1T8LSB.L1.S1, n.º 7670/23.0T8LSB.L1.S1, n.º 28988/21.0T8LSB.L1.S1, e n.º 8882/20.3T8LSB.L1.S1, que também correm termos neste Supremo Tribunal para apreciação de recurso de revista com o mesmo objeto.
O que se faz não só por uma questão de coerência, como também por, em nosso modesto entender, e com o maior respeito por posição diversa, a interpretação aí propugnada permitir a validade da cláusula 5.ª, n.º 1, do AE em causa, o que deveria prevalecer sobre uma interpretação que implique a sua nulidade, tendo em conta a posição das partes sobre esta problemática, bem como o disposto no art. 9.º, n.º 3, do CC.»↩︎
4. A título de exemplo, reproduz-se aqui o Sumário do Aresto que decidiu a arguição das nulidades e o pedido de reforma do AUJ, o que aconteceu em Conferência, na Sessão de 12/3/2025:
«1. Se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma, sem necessidade de mais indagações.
2. Para decidir qual deveria ser a qualificação a atribuir às Autoras na sequência do facto ilícito de que foram vítimas, o Tribunal não podia deixar de interpretar o acordo de empresa e as cláusulas respeitantes à categoria e à carreira.
3. Se no decurso desse labor interpretativo o Tribunal chegar à conclusão de que cláusulas do referido acordo de empresa são nulas, não está impedido de afirmar essa nulidade e de dela retirar as devidas conclusões, pela existência no Código do Processo de Trabalho de uma ação de anulação e interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho, tanto mais que a nulidade é de conhecimento oficioso.
4. Interpretadas as cláusulas da convenção e apurado o seu sentido que flui diretamente da sua letra concluindo que as mesmas violam norma legal imperativa que consagra o princípio da igualdade entre contratados a termo e contratados sem termo, a ora Reclamante foi alertada para a possibilidade da declaração de nulidade de tais cláusulas, com as consequências legais que não podia ignorar e que efetivamente não ignorou, pelo que não existe qualquer violação do seu direito de defesa.
5. A interpretação de um acordo de empresa português e das consequências da violação por este de uma norma legal imperativa nacional não justificam qualquer reenvio prejudicial, pelo que não houve nesta sede qualquer omissão de pronúncia.
6. A autonomia negocial coletiva, constitucionalmente consagrada, não é ilimitada e não pode pôr em causa princípios fundamentais e normas legais imperativas.»↩︎
5. A recorrente TAP, SA parece esquecer-se do que o número 3 do artigo 5.º do NCPC estatui, quando determina que «o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito».
Interessa igualmente recordar que a ignorância da lei não aproveita a ninguém [artigo 6.º do Código Civil] e que a referida legislação laboral invocada tinha de ser de conhecimento obrigatório por parte da Ré empregadora.↩︎