RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
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Sumário


A questão da qualificação do contrato de um estafeta é uma questão muito complexa que suscita a eventual modificação da conceção clássica da subordinação jurídica de modo a adaptá-la à nova economia participativa e que implica, igualmente, a análise da nova presunção de laboralidade contida no artigo 12.º-A do Código do Trabalho, bem como a aplicação no tempo desta presunção e o modo com a mesma pode ser ilidida, havendo uma grande diversidade de respostas na jurisprudência nacional, pelo que se justifica a admissibilidade da revista excecional, porquanto se trata de “uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, [é] claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” (alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC).

Texto Integral


Processo n.º 31164 /23.4T8LSB.L1.S2

Acordam na Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil junto da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

O Ministério Público, que intentou a presente Ação de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho do estafeta AA, em que é Ré “Uber Eats-Portugal, Unipessoal., Lda.”, veio interpor recurso de revista excecional do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.01.2025, ao abrigo do disposto no artigo 672.º n.º 1 alíneas a), b) e c) do Código de Processo Civil (doravante designado por CPC) –questão com relevância jurídica, interesses de particular relevância social e contradição de acórdãos1.

A Ré contra-alegou.

A questão que se discute no presente recurso incide sobre a qualificação do contrato de um estafeta. Trata-se de uma questão muito complexa que suscita a eventual modificação da conceção clássica da subordinação jurídica de modo a adaptá-la à nova economia participativa e que implica, igualmente, a análise da nova presunção de laboralidade contida no artigo 12.º-A do Código do Trabalho, bem como a aplicação no tempo desta presunção e o modo com a mesma pode ser ilidida.

Trata-se de uma matéria de grande complexidade, como demonstra, aliás, a grande diversidade de respostas que tem sido dada pelos nossos Tribunais da Relação.

Ora, e como destaca ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, a alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC permite acolher “casos em que se discutem questões de grande complexidade jurídica (efeito clarificador) ou que ainda não foram sujeitas a uma bateria de acórdãos, especialmente do Supremo Tribunal de Justiça, que permitam constatar a existência de uma jurisprudência consolidada a tal respeito (efeito estabilizador), tendo em conta, quer a variedade das situações de facto, quer a diversidade das perspetivas com que foram enfrentadas em face do ordenamento jurídico”2.

Encontrando-se preenchida a alínea a) e uma vez que é suficiente que uma das alíneas do n.º 1 do artigo 672.º seja preenchida para que a revista excecional deva ser admitida, torna-se desnecessário verificar se também estão, ou não, preenchidas as alíneas b) e c) do mesmo n.º 1.

Decisão: Admite-se a presente revista excecional.

Custas a decidir a final.

Lisboa, 18 de junho de 2025

Júlio Gomes (Relator)

José Eduardo Sapateiro

Mário Belo Morgado

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1. O Acórdão fundamento invocado é o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5.12.2024, proferido no processo n.º 4306/23.2T8VFX.L1.↩︎

2. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, 6.ª ed., Almedina, Coimbra, 2020, p. 434.↩︎