DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA
Sumário


I. Tendo sido a trabalhadora contratada para exercer funções de direção em sentido material e de alto nível – por exemplo, colaborar na determinação da política da instituição – e funções de planeamento e orientação não tem de obedecer a uma ordem para efetuar pessoalmente a reposição material de stocks tanto mais que a ordem foi dada num contexto em que podia ser interpretada como vexatória.
II. Mesmo trabalhadores com cargos de direção têm direito ao respeito pelo seu dia de descanso.
III. A antiguidade não é um fator agravante da infração disciplinar.

Texto Integral


Processo n.º 4943/21.0T8GMR.G1.S1

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

1. Relatório

AA apresentou o formulário a que alude o artigo 98º-C do C.P.T. contra Santa Casa da Misericórdia de ....

Frustrou-se a conciliação das partes.

A Ré apresentou articulado motivador e juntou o procedimento disciplinar.

A Autora contestou e deduziu reconvenção, concluindo nos seguintes termos:

TERMOS EM QUE, deve ser declarada a ilicitude do despedimento,

1 – julgando-se procedente a exceção de caducidade invocada, com as legais e inerentes consequências; ou, sem prescindir,

2 – julgando-se abusiva a sanção disciplinar de despedimento, com as legais e inerentes consequências;

3 – julgando-se procedente a reconvenção apresentada e condenando-se a R.:

- a reintegrar a A., nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 389.º do CT, ou, caso a A. venha optar em substituição da reintegração, a uma indemnização de quarenta e cinco dias de retribuição base, por cada ano completo ou fração de antiguidade;

- ao pagamento das retribuições que a A. deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, sem prejuízo do n.º 1 do art. 98.º-N do CPT;

- ao pagamento de uma indemnização por danos morais, decorrente de assédio moral, no montante de 18.000,00€ (dezoito mil euros);

- tudo com juros de mora legais, contados desde o vencimento de cada uma das referidas obrigações até integral pagamento.”.

Realizou-se audiência prévia, com prolação de despacho saneador.

Realizou-se audiência final.

Por Sentença de 03.03.2024 foi decidido o seguinte:

Pelo exposto, julgo improcedente a oposição ao despedimento, nos termos sobreditos e, em consequência:

I – Declaro lícito o despedimento da trabalhadora, AA, levado a cabo pela empregadora, «Santa Casa da Misericórdia de ...».

II – Absolvo a empregadora da totalidade do peticionado pela trabalhadora.”.

A Autora interpôs recurso de apelação.

Por Acórdão de 31.20.204 foi decidido o seguinte:

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e consequentemente:

Condenar a ré a:

Reintegrar a autora no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;

A pagar à autora a importância correspondente às retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento até 18 de março de 2023 e desde 09 de março de 2024, inclusive, até ao trânsito em julgado deste acórdão, importância essa deduzida do valor correspondente ao subsídio de desemprego (referente ao mesmo período) eventualmente atribuído à autora, devendo a ré entregar essa quantia à Segurança Social.

Determinar que a Segurança Social (ISS, I.P.) proceda ao pagamento à autora da importância correspondente às retribuições que esta deixou de auferir desde 19 de março de 2023 até 08 de março de 2024, importância essa deduzida do valor correspondente ao subsídio de desemprego (referente ao mesmo período) eventualmente atribuído à autora.”

A Ré interpôs recurso de revista, no qual arguiu a nulidade por omissão de pronúncia do Acórdão por não ter fixado o valor da causa.

Por Acórdão da Conferência foi considerada verificada a nulidade, sanando-se a mesma com a fixação do valor da causa em €62.507,60.

As partes não reagiram ao Acórdão da Conferência, pelo que o valor da causa se considera definitivamente fixado.

Por despacho de 04.02.2025 foi determinada a subida do recurso.

No seu recurso a Ré defende a existência de justa causa para o despedimento da Autora invocando:

- A violação do dever de obediência (alínea e) do n.º 1 do artigo 128.º do CT) por a Autora se recusar a elaborar as escalas de trabalho ou as elaborar deficientemente, bem como a violação do dever de “promover ou executar atos tendentes á melhoria da produtividade da empresa” (alínea h) do n.º 1 do artigo 128.º do CT) – Conclusões B, C e D.

- A violação de deveres laborais de diligência e boa fé ao não ter a Autora atendido a chamada no seu dia de descanso e dado seguimento à mesma – Conclusões E, F e G.

- A reposição dos stocks corresponderia às funções da Autora, tanto mais que o Acordo Coletivo aplicável se limita a prever que Diretor Técnico de Estabelecimento é o “Técnico superior que exerce funções de direção técnica e é responsável pelo estabelecimento”, conceito que poderia ser preenchido pelo empregador de modo a incluir a reposição dos stocks, tendo a Autora recusado ilicitamente cumprir a ordem que lhe foi dada – Conclusões H a R.

- A violação do dever de urbanidade para com colegas de trabalho (alínea a) do n.º 1 do artigo 128.º do CT) – Conclusões S e T

- Que o comportamento da Autora deveria ser exemplar por já ter sido no passado objeto de sanções disciplinares e por força da sua antiguidade de cerca de vinte anos – Conclusões U a X.

A Autora contra-alegou.

Em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.

1. Fundamentação

De Facto

Foi a seguinte a matéria de facto dada como provada nas instâncias:

A. A ré é uma instituição privada de solidariedade social, que inclui diversas valências e respostas sociais, designadamente, unidades de cuidados médicos e lares de terceira idade e de apoio a portadores de deficiência.

B. No âmbito da sua atividade, em 1 de fevereiro de 2000, a ré admitiu a autora ao seu serviço, vindo esta a exercer desde 2004 as funções inerentes à categoria profissional de Diretora Técnica de Estabelecimento.

C. A partir de então, a autora, sob a autoridade, as ordens e as instruções da ré, num horário semanal de trinta e cinco horas, das 09:30H às 13:00H e das 14:00H às 17:30H, de segunda-feira a sexta-feira, no estabelecimento da ré denominado “Santa Casa da Misericórdia de ... – Unidade de Endoscopia e de Rastreio do Cancro do Colo do Reto”, sito na Rua ..., relativo ao último local de trabalho daquela, passou a prestar à ré as acima descritas funções.

D. A autora celebrou um contrato de trabalho com a ré, através do qual se encontrava presentemente obrigada, mediante uma retribuição mensal base de 1.180,96€ (mil cento e oitenta euros e noventa e seis cêntimos), a que acresciam diuturnidades na quantia mensal de 53,88€ (cinquenta e três euros e oitenta e oito cêntimos) a prestar-lhe as funções atinentes à categoria profissional de «Diretora de Serviços» seguintes: estudar, organizar e dirigir, nos limites dos poderes de que está investida, as atividades da instituição; colaborar na determinação da política da instituição; planear a utilização mais conveniente da mão-de-obra, equipamento, materiais, instalações e capitais; orientar, dirigir e fiscalizar a atividade da instituição segundo os planos estabelecidos, a política adotada e as normas e regulamentos prescritos; criar e manter uma estrutura administrativa para explorar e dirigir a instituição de maneira eficaz, colaborar na fixação da política financeira e exercer a verificação de custos.

E. A autora é sócia do “Cesp – Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal”, desde 01.08.2019.

F. No final do mês de abril/inícios de maio do ano de 2020, foi a autora convidada pela Direção da Santa Casa, para organizar a reabertura da unidade de endoscopia digestiva e de rastreio do cancro do colon digestivo.

G. No início do mês de maio, de 2020, foi acordado entre autora e ré que esta passasse a exercer as funções inerentes à sua categoria profissional na Unidade de Endoscopia e de Rastreio do Cancro do Colo do Reto, cuja reabertura viria a ocorrer a meados daquele mês, devido ao mau estar existente na Casa de Repouso de ..., entre colaboradoras e utentes, que não se mostravam contentes com o regresso da autora, após os comportamentos desta no momento que antecedeu ao procedimento disciplinar.

H. Nem a ré referiu que aquela transferência seria a título definitivo ou temporário, nem a autora o questionou, pelo que nada a esse propósito ficou de imediato acordado.

I. A aludida unidade havia encerrado no mês de dezembro do ano de 2020, devido à pandemia do Covid-19.

J. Na sequência do referido entendimento, ainda naquele período, foi realizada uma reunião de apresentação, promovida pelo Provedor da ré e o Mesário BB, entre estes, a autora e o Dr. CC, ... da Unidade de Saúde referida.

K. Após a referida reunião, a autora começou a preparar a reabertura daquela Unidade, que ocorreu em 13 de maio de 2020, tendo inclusive efetuado os mapas de horário de trabalho para aquela semana.

L. Em 14 de maio de 2020, a autora entrou num período de ausência ao trabalho, por se encontrar em situação de baixa médica e, posteriormente, gozo de férias, tendo sido temporariamente substituída pela Dr.ª DD, colaboradora da ré, que, mais tarde, fez a passagem do serviço à autora em 12 de junho de 2020, aquando do seu regresso.

M. Desde aquela data, a ré recebeu queixas, participações e reclamações dos trabalhadores que exercem as suas funções naquela Unidade, sobre os quais a autora vinha exercendo funções de superior hierárquica, motivadas pelos comportamentos daquela.

N. Em finais de outubro de 2020, com o agravar da situação pandémica no país, a atividade de saúde diminuiu, por inerência, parte das tarefas (como seja, conferência de credenciais, conferência de meios de diagnósticos complementares, requisições de materiais, gestão de stocks, etc.), que estão necessariamente dependentes de pacientes para realização de exames, diminuíram.

O. A imediata superior hierárquica, Dra. DD, colocou, nesse seguimento, em termos maioritários, a autora em regime de teletrabalho, em finais de outubro de 2020.

P. A autora não tinha acesso, em regime de teletrabalho, ao e-mail institucional.

Q. Em 23 de novembro de 2020, pelas 10h55m, a Dr.ª DD recebeu comunicação eletrónica da Dr.ª EE, assessora do Dr. CC, com o assunto «UNIDADE DE ENDOSCOPIA – PROBLEMAS URGENTES PARA RESOLVER» e o seguinte conteúdo:

“Bom dia, DD.

Informo que não tenho MCDTs para facturar há mais de uma semana. O último dia de trabalho que recebi foi o dia 11 de novembro.

Para além do supra referido, a recepção informou-me de que, na semana passada, o estafeta do laboratório não levou os mcdts de Anatomia Patológica, num dos dias de recolha, pois não estavam conferidos, nem havia indicações do que fazer.

Compreendo que a obrigatoriedade de teletrabalho deva ser cumprida, no entanto a lei também prevê que o mesmo só seja cumprido se houver condições para tal.

A responsável da SCMG para a unidade de endoscopia, Dra. AA, está em teletrabalho e informou-me que não tem acesso ao email, que não faz conferências dos MCDts pois está em teletrabalho, e como tal não pode entregar MCDTs à FF para que sejam facturados ao SNS, nem conferiu os do laboratório. Lembro que a facturação tem que ser feita pela FF, em tempo útil e neste momento a SCMG está a hipotecar a facturação deste mês com este inadmissível atraso.

Paralelamente, e igualmente importante, os utentes não têm que sofrer atrasos na recepção dos seus resultados de anatomia patológica, devido a questões administrativas básicas.

Se a Dra. AA não está a desempenhar estas funções habituais, pelo facto de estar em teletrabalho, é imperativo que estas mesmas tarefas sejam delegadas a outra pessoa, com efeitos imediatos.

Aguardo urgentemente MCDTS para facturar e as respectivas folhas de trabalho desses dias. Obrigada pela atenção urgente ao exposto.»

R. Na sequência daquela participação, a Dr.ª DD contactou telefonicamente a autora, a quem transmitiu que deveria regressar ao trabalho presencial, ordem que aquela aceitou, em 23-11-2020.

S. Em 23 de novembro de 2020, pelas 16h46m, a autora remeteu comunicação eletrónica dirigida à coordenadora-geral da Instituição Dr.ª DD, com o assunto «teletrabalho suspenso» e com o seguinte conteúdo:

“Boa tarde Drª DD

Após o seu contacto telefónico hoje de manhã, regressei ao trabalho presencial, hoje à tarde onde me disse para me apresentar – na Unidade de endoscopia. Gostaria de ter conhecimento das funções diretivas que não cumpri e que exigem a minha presença. Eu recebi o seu email, no dia 3 de Novembro de 2020, remetido por si, a informar-me que seria enviada para teletrabalho.

Agradeço que me esclareça, de acordo com o meu descritivo funcional, quais as tarefas que devo desempenhar, e que não tenha cumprido até hoje.

Considero que estamos a confundir tarefas diretivas com tarefas administrativas, para as quais não fui contratada pela Santa Casa da Misericórdia de ..., de acordo com o meu vínculo contratual. Sempre me mostrei disponível para colaborar, mas dentro do meu âmbito de formação profissional.

Com os melhores cumprimentos

AA”.

T. A referida mensagem de correio eletrónico remetida pela autora mereceu a resposta da Dr.ª DD, que, ainda, naquela data, remeteu a seguinte comunicação eletrónica:

“Dra. AA,

As funções de direção técnica são do seu conhecimento. Além disso, assumiu-as nessa Unidade há mais de 5 meses.

O email que rececionou a 3 de Novembro definia a possibilidade de “executar em regime de teletrabalho todas as tarefas inerentes à sua função, que o permitam”.

Nesta sequência, agradeço que me informe qual o trabalho que executou, em regime de teletrabalho, desde o dia 4 de Novembro. Aguardo a sua resposta até ao final da manhã de amanhã (24 de novembro)”.

U. Posteriormente naquele dia, pelas 17h22m, a autora remeteu comunicação eletrónica dirigida à Dr.ª DD, com o conhecimento dos Mesários BB, Dr.ª GG, Eng.ª HH e do Provedor da Instituição, com o assunto «Funções na endoscopia» e com o seguinte conteúdo:

“Dr.ª DD

Agradeço que se informe com o Sr. Provedor e com o Sr. BB sobre a minha colaboração na Unidade de Endoscopia, pois estou certa que desconhece o que me foi solicitado, estando eu afeta às valências sociais.

Cumprimentos

AA.”

V. No dia 23 de março de 2021, foi realizada uma reunião entre a Dr.ª II, Diretora de Serviço (Recursos Humanos) e as colaboradoras que exercem funções de Direção Técnica de Estabelecimento, nomeadamente, a autora, no âmbito da qual lhes foi transmitido que seria da sua responsabilidade a elaboração e afixação do horário de trabalho dos colaboradores das suas respetivas Respostas sociais/Unidades.

W. Em 3 de maio de 2021, não obstante as diversas insistências da Dr.ª II, a autora ainda não havia elaborado e afixado o designado documento.

X. O mesmo sucedeu em junho de 2021, com a tarefa de realização de escalas de trabalho das auxiliares da Unidade, que a autora não só não queria fazer, como, ainda, referiu ser da responsabilidade da Enf.ª JJ.

Y. No início de maio de 2021, a Dr.ª DD participou à ré que, pelo menos desde março, a Autora não afixava o horário de trabalho das trabalhadoras KK e LL, que exercem funções de Telefonista na Unidade.

Z. O horário de trabalho das identificadas trabalhadoras havia, aliás, sido definido pela Autora, para cumprimento de um PNT diário de 5 e 6 horas, respetivamente, sem respeito pelo período normal de trabalho diário e período normal de trabalho semanal estipulado contratualmente para aquelas trabalhadoras, correspondente a 8 horas diárias.

AA. Relativamente ao material utilizado pelas colaboradoras da Unidade, foi reportado à Dr.ª DD e, até mesmo, à própria autora, que esta guardava o material no armazém sem qualquer critério de armazenamento.

AB. Confrontada com pedidos de material, designadamente, cateteres 20G, como sucedeu em março de 2021, a autora respondia que não havia, sem tampouco verificar da sua disponibilidade.

AC. Foi a Enf.ª JJ quem, em abril de 2021, encontrou tais cateteres (em falta há duas semanas) escondidos num armário por detrás do armazém.

AD: No dia 20 de junho de 2021, terminou o stock de vários materiais utilizados nas salas de exames e, conforme é habitual, foi registado um pedido de material para a autora fazer a reposição, do armazém da Unidade.

AE. Reposição essa que a autora só efetuou no dia 22 de junho, obrigando a que, no dia anterior, tivessem sido os auxiliares e enfermeiros da Unidade a dirigir-se ao armazém, para realização do trabalho, ao mesmo tempo que havia utentes a realizar exames.

AF. No dia 19 de junho de 2021, uma auxiliar da Unidade teve que faltar inesperadamente ao trabalho, tendo tentado contactar a autora por telefone para informar da sua ausência naquele dia e no dia imediatamente seguinte.

AG. A autora não respondeu ao contacto telefónico da auxiliar, nem respondeu à mensagem que aquela lhe havia enviado, via SMS.

AH. No dia 20 de junho, a única auxiliar que compareceu ao serviço tentou contactar a autora às 8h da manhã, para solicitar que aquela contactasse outra trabalhadora para substituir a colega então ausente.

AI. A autora só retornou as chamadas daquela auxiliar às 11h da manhã, que explicou o sucedido, que já havia sido resolvido com a intervenção da Dr.ª DD, ao que a autora replicou que estava no dia de descanso e não tinha que trabalhar ou ser incomodada.

AJ. A autora já havia alertado as responsáveis da instituição para a falta de pessoal, em particular nas datas de 23.06.2021 e 28.06.2021, através de comunicação eletrónicas remetidas a estas, pois apenas restavam duas trabalhadoras para cobrir todo o serviço, diariamente, e nos diferentes turnos, ao que acrescia as ausências da MM, para realização de consultas médicas.

AK. No dia 29 de junho de 2021, a autora informou a colaboradora MM de que pelas 15h00m iria receber uma nova colaboradora, vinda de uma resposta social, e que ficaria encarregue de a orientar e ensinar no prazo de 1 hora.

AL. A colaboradora apresentada havia sido cedida pelo Lar de ..., depois da Dr.ª II, do departamento dos Recursos Humanos, ter pedido às Diretoras das valências da instituição, se tinham alguém que pudessem dispensar para ajudar na Endoscopia, dada a premência de auxílio para aquela unidade por escassez de pessoal.

AM. A identificada colaboradora MM explicou à autora que seria complicado ensinar uma nova colaboradora em tão curto espaço de tempo, dado que, por um lado, a Unidade iria ter, àquela hora, duas salas com exames a decorrer e, por outro lado, seria difícil a colaboradora do Lar adaptar-se ao ritmo da Unidade.

AN. Pelas 16h00m, a autora dirigiu-se junto da colaboradora MM, a quem questionou se a nova colaboradora estava apta, ao que aquela respondeu que não lhe conseguiu ensinar tudo o que havia para ensinar em 1 hora e que entendia que a nova colaboradora não estava apta para assumir o turno até ao fim sozinha, considerando que era preferível manter-se para o turno seguinte, de modo a assegurar o serviço, em face da notória impreparação da recente colaboradora na unidade.

AO. A autora replicou que a colaboradora MM não tinha competências e ordenou-lhe que orientasse a nova colaboradora para arrumar 3 cestos de roupa limpa, entregue pela lavandaria, que estavam pousados no chão, sem qualquer proteção e próximos a uma zona contaminada pelos resíduos dos pacientes, tarefa que aquela, de imediato, explicou que não seria possível executar, pois que não lhe seria possível ensinar a fazer isso naquele momento.

AP. A autora virou as costas à colaboradora MM, deixando-a sem resposta e sem saber como proceder.

AQ. Ainda naquele dia, a autora alterou o horário de trabalho das colaboradoras, tendo atribuído folga para o dia seguinte a uma colega da MM, sem aquela o solicitar, e alterado a distribuição de tarefas para esta colaboradora, que, ao invés de ficar responsável pelo recobro no período da tarde, como havia estipulado, ficou escalonada para limpezas, designadamente, desinfeção.

AR. A autora não conversou ou consultou previamente a colaboradora MM acerca da alteração da distribuição de tarefas.

AS. Os relatórios de aptidão da entidade “J...” atestavam, para o efeito, que MM poderia executar tarefas de limpeza e desinfeção.

AT. Também no dia seguinte, a autora recebe na unidade uma nova colaboradora vinda de S. Paio; apresenta à mesma todas as divisões da instituição, fornecendo-lhe o equipamento de proteção individual.

AU. A autora exemplifica à nova colaboradora da unidade que já havia preparado os chás para os pacientes tomarem no fim dos respetivos exames médicos, e mais exemplifica àquela trabalhadora como se preparavam os tabuleiros para cada paciente, mostrando-lhe as correspetivas “boxs” do recobro, mas também como se fazia uma “cama” da maca.

AV. No dia 30 de junho, a colaboradora MM apresentou-se ao serviço na Unidade, para iniciar a atividade escalonada, tendo sido interpelada pela autora, que lhe apresentou uma nova colaboradora para aquela ensinar e orientar.

AW. A colaboradora MM explicou à autora que não poderia instruir a nova colaboradora, pois que a tarefa de ensinar colaboradores seria da autora, enquanto Diretora Técnica e chefe, ao que aquela replicou de forma arrogante que «não era chefe de ninguém» e que estava «a mandar, por isso…»

AX. No decurso da conversa, a colaboradora MM questionou a autora acerca do motivo pelo qual teria de continuar a trabalhar 11 dias seguidos, ao que aquela respondeu que não sabia e que tinha de cumprir o horário.

AY. A colaboradora MM sentiu-se mal, o que lhe causou tremores, tonturas e vómitos, tendo contactado o seu marido para a levar a uma urgência hospitalar, pois que estava grávida de 20 semanas, situação que era bem conhecida da autora (alterado pelo Tribunal da Relação).

AZ. No dia 30 de junho, a colaboradora NN dirige-se à autora, informando-a acerca da recusa da MM em trabalhar com a mesma.

BA. A autora contacta a Dra. II, na qualidade de responsável pelo Departamento de Recursos Humanos, para que a colaboradora NN lhe transmitisse o acabado de ocorrer, o que assim sucedeu, uma vez que as mesmas conversaram telefonicamente.

BB. Instantes depois, o marido da colaboradora MM, o Sr. OO, dirigiu-se à Unidade, onde pediu à D.ª KK para chamar a autora, para apurar o que havia sucedido.

BC. A colaboradora KK informa a autora que o marido da D.ª MM pretendia falar consigo, ao que a mesma a questionou o que pretenderia tal senhor de si, ao que a mesma respondeu que não sabia o motivo. A autora pediu, então, a essa mesma colaboradora, que o informasse para este aguardar, dado que nesse momento ainda não o poderia receber. Instantes depois, a autora dirige-se para o seu gabinete, mas como é aberta a porta divisória, o marido de MM exigia falar com quem mandava ali, bem como exigia falar com quem punha as colaboradoras a trabalhar onze dias seguidos.

BD. A autora recusou-se a receber o marido da colaboradora MM e, na presença da D. KK, das enfermeiras PP e QQ e, ainda, 3 utentes, que se encontravam na sala de espera, disse, em voz alta, da porta do seu gabinete, que não era responsável por nada, que era uma simples funcionária, que com ela não falava, estava muito ocupada e para resolver o problema na secretaria.

BE. A enf.ª PP, que presenciou o ocorrido, contactou via telefone a Dr.ª DD, a quem reportou que a D.ª MM estava mal, muito nervosa e a chorar.

BF. Posteriormente, também o marido da D.ª MM contactou a Dr.ª DD, tendo exposto tudo o que havia sido transmitido pela autora, designadamente, que aquela lhe havia dito que ali não era nada, não era responsável, era só uma colaboradora e se queria respostas, que ligasse para a secretaria.

BG. No seguimento daquele episódio, a Dr.ª DD dirigiu-se à Unidade, reportou à autora que faltava material na sala de desinfeção, que seria necessário repor, ao que aquela lhe replicou «a chave do armazém está na receção e a colaboradora que vá lá buscar o material».

BH. A coordenadora esclareceu a autora que seria ela a responsável pela reposição do material, como diretora técnica, o que esta negou, tendo replicado que seria apenas responsável pelo controlo de stocks.

BI. A autora não fez a reposição do material, não obstante todos os exames estarem atrasados, devido à situação que causou, tendo sido a coordenadora-geral quem fez a reposição de material, para evitar mais conflito, na presença de utentes.

BJ. Desde que assumiu funções naquela Unidade, a autora procura delegar em terceiros funções que são da sua responsabilidade, como a de elaboração dos mapas de horários e escalas de rotações e a de reposição do stock de materiais.

BK. Na sequência das diligências probatórias realizadas no âmbito do procedimento disciplinar instaurado à autora, concluiu a ré que o seu comportamento culposo, pela sua gravidade e consequências, tornava imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, constituindo assim, justa causa de despedimento, nos termos do disposto no artigo 351.º, números 1 e 2, alíneas a), b), c) e d) e número 3 do Código do trabalho.

BL. A autora tem já antecedentes disciplinares pela prática de factos que constituem violação dos mesmos deveres, designadamente foi objeto de uma sanção disciplinar, em 2020, porque «não realizou o seu trabalho com zelo e diligência devidos, não cumpriu as ordens e instruções da Entidade Empregadora respeitantes à execução ou disciplina de trabalho, não velou pela conservação e boa utilização dos bens relacionados com o trabalho que lhe foram confiados pela Entidade Empregadora, não executou atos tendentes à melhoria da produtividade da Entidade Empregadora, não cooperou para a melhoria da segurança e saúde o trabalho, nem cumpriu as prescrições sobre segurança e saúde no trabalho que decorrem da lei, não cumprindo com a disciplina do trabalho a que está sujeita.»

BM. A autora, em 2018, já havia sido alvo de um despedimento, cuja ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento correu termos sob o n.º 4780/18.9..., do Juízo do Trabalho deste mesmo Tribunal de ..., e que resultou na reintegração imediata da trabalhadora, por transação datada de 15.02.2019 e sentença datada de 18.02.2019.

BN. Em 4 de janeiro de 2019, altura em que se encontrava a decorrer os termos da referida ação judicial, tomou posse a atual Mesa Administrativa da ré.

BO. A atual Mesa Administrativa da ré, porque pretendia, efetivamente, adotar uma postura de mudança, como sinal da sua benevolência, conversou com a autora, tendo sido possível obter um entendimento entre as partes quanto ao desfecho daquele processo judicial.

BP. Foi na sequência desse entendimento que foi celebrada a transação, que veio depois a ser homologada por sentença, fazendo constar, entre o demais, que acordavam em “manter válido o contrato de trabalho entre ambas celebrado”, sendo que a ré reintegraria a autora nos seus quadros de pessoal, “retomando o vínculo laboral preexistente”.

BQ. A autora retomou a sua atividade em fevereiro de 2019, no Lar Rainha ..., resposta social da ré.

BR. Já a autora se encontrava a desempenhar funções na Casa de Repouso de ..., foi-lhe instaurado procedimento disciplinar pela ré, tendo sido remetida a competente nota de culpa com intenção de despedimento por justa causa e sem direito a indemnização, prosseguidos os normais trâmites do procedimento disciplinar, a ré decidiu pela aplicação de uma repreensão registada.

BS. A autora, que havia sido suspensa no âmbito do procedimento disciplinar, retomou, então a atividade de Direção Técnica na Casa de Repouso de ..., o que sucedeu em fevereiro de 2020.

BT. A 13-04-2021, na reunião da Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia de ..., a propósito da visita inspetiva da ACT, foi aprovada a instauração de procedimento disciplinar laboral contra a autora.

BU. O processo disciplinar aqui em apreço foi iniciado em 01.07.2021, cuja nota de culpa foi notificada à trabalhadora em 26.07.2021, que culminou em despedimento.

BV. A autora remeteu ao ACT, através de comunicação eletrónica datada de 24.11.2020, a mensagem que passamos a transcrever:

“Exmo. Sr. Diretor do Centro Local

Eu, AA sou funcionária da Santa Casa da Misericórdia de ..., desde 2020, e tenho sido constantemente colocada em situações humilhantes e vexatórias pela entidade patronal.

De modo resumido, e reportando me aos últimos factos, a entidade patronal no ano passado instaurou-me uma suspensão ao trabalho, alegando que tinha recebido muitas queixas de colaboradores sobre mim. O desfecho desta sanção foi advertência escrita. Retomei o meu posto de trabalho na Casa de Repouso de ... em 17 de Fevereiro de 2020, como diretora técnica deste Lar. Em meados de Março devido ao estado de pandemia, fui empurrada para regime de teletrabalho. Estando eu em teletrabalho solicitaram me para ir colaborar na reabertura da unidade de endoscopia - no antigo hospital ..., sito na Rua ..., em Maio.

Nunca em momento algum encarei, nem me foi dito, que esta colaboração seria uma mudança definitiva de local de trabalho. Encarei esta situação como transitória. Nunca fui esclarecida das reais tarefas que necessitaria de exercer, mas sempre mostrei interesse em colaborar e ser prestável nas tarefas que solicitavam.

Desde Maio até Novembro, fazendo tarefas, que implicaram mudanças substanciais na minha qualificação profissional, desviando-me das funções para a qual fui contatada,

Decidi expor este meu descontentamento ao Sr. Provedor, ao fim destes 7 meses e foi me dito que eu fui para este local definitivamente. Fiquei surpreendida, pois em momento algum quis abdicar das minhas funções. Sinto que estão a exercer sobre mim um rebaixamento de funções, pois as tarefas diretivas passaram a ser administrativas. Pretendo exercer funções para as quais fui contratada e de acordo com as minhas aptidões.

Acresce ao facto que no dia 4 de Novembro fui para teletrabalho e em 23 de novembro fui chamada para retomar o trabalho presencial - teletrabalho suspenso, alegando que não estava a cumprir as minhas funções, que o teletrabalho não permitia executar as mesmas.

Retomei o trabalho presencial nesse mesmo dia, fazendo tarefas administrativas e de armazenamento de materiais requisitados.

Agradeço da Vossa parte uma ação inspetiva no sentido de verificar a situação a que tenho sido submetida, sem a minha concordância. Considero que tem havido ação persecutória sobre o meu trabalho e tentativa de me despedir, como em 2018 me fizeram e somente em instâncias jurídicas foi possível a minha reintegração laboral.

O meu contacto telefónico é (…). Estou ao Vosso dispor para esclarecer outras informações que considerarem pertinentes.

Acresce ainda informar que sou sócia do Cesp de ..., e que também já informei desta situação em que me encontro.”

BW. Antes de 23-03-2021, a tarefa de realização de escalas de trabalho, ao contrário da elaboração e afixação de horário de trabalho dos colaboradores das suas respetivas respostas sociais, vinha a ser exercida pela enfermeira JJ.

BX. A enfermeira JJ, por motivo de gravidez, em junho de 2021, entra em situação de baixa.

BY. Foram devidamente elaboradas e afixadas as escalas atinentes ao mês de junho (nesta situação, em virtude da baixa médica da enfermeira responsável, foram as mesmas refeitas/retificadas pela autora para o período remanescente) e as escalas atinentes ao mês de julho (nesta situação, as escalas foram integralmente elaboradas pela autora para todo o período), ambas respeitantes ao ano de 2021.

BZ. Os cateteres 20G sempre foram pedidos com carácter mensal, dada a sua preferência de utilização, por comparação à alternativa dos cateteres 22G.

CA. Competia à A., conforme indicações do responsável pelas compras, RR, até ao dia 23 de cada mês, requisitar o material necessário, de modo ao mesmo estar disponível até ao dia 10 do mês seguinte; o que assim foi cumprido pela mesma.

CB. A autora não se encontrava ao trabalho na data de 20.06.2021, por corresponder a um domingo (descanso semanal obrigatório).

CC. A autora, desde o ano de 2004, tem vindo a exercer as funções inerentes à categoria profissional de Diretora Técnica de Estabelecimento, em diferentes valências sociais de apoio à Terceira Idade, a saber: no Centro de Solidariedade Humana Prof. ...; na Unidade de Cuidados Continuados; na Casa de Repouso de ...; no Lar Rainha ... e na Casa de Repouso de ....

CD. A elaboração dos mapas de horários pressupunha a informação prévia do departamento dos Recursos Humanos, relativamente à identificação de todos os trabalhadores, respetivas cargas horárias e horários específicos a serem efetuados.

CE. A autora foi encaminhada pela sua médica de família para a especialidade de psicologia, a fim de ser devidamente acompanhada.

CF. A tarefa de realização de escalas de rotações vinha de facto a ser exercida pela Sr.ª Enf.ª JJ, porque a autora não elaborava tais documentos corretamente.

CG. Só após a intervenção da Dr.ª GG, ... e Mesária do pelouro da saúde, é que a situação ficou regularizada, porque se decidiu que seria a Sr.ª Enf.ª JJ a cuidar da elaboração desse documento.

CH. A Sr.ª Enf.ª entrou em situação de baixa médica em junho de 2021, motivo pelo qual a autora voltou a assumir a elaboração de tais documentos.

CI. Desde o mês de junho de 2021, a autora providenciou pela criação de um documento, para uso autónomo de cada área/departamento de trabalho (recobro, desinfeção e higienização), de modo a serem identificados, de forma mais expedita, os produtos a requisitar, mas fornecia aos colaboradores o material em quantidades inferiores às que haviam sido requisitadas.

CJ. De acordo com o artigo 27.º do Compromisso da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de ..., “Compete à Mesa Administrativa representar a Misericórdia, incumbindo-lhe designadamente: (...) g) Contratar e gerir os recursos humanos da Misericórdia, nomeadamente contratando, suspendendo ou demitindo empregados e servidores da Irmandade, estabelecer os seus horários, condições de trabalho e exercer sobre eles o necessário poder disciplinar, de harmonia com as normas estatutárias e as legais aplicáveis”.

CL. Na data de 07.06.2021, reuniram-se na Direção de Serviços para as Relações Profissionais nas Regiões Norte e Centro da Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT), no ..., as representantes da Santa Casa da Misericórdia de ..., do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP) e da própria DGERT, no âmbito da prevenção de conflitos, sendo que o caso específico da A. foi devidamente denunciado pelo CESP, em nome desta trabalhadora. (aditado pelo Tribunal da Relação).

CM. Na data de 22.07.2021, voltaram a reunir tais entidades, sendo mais uma vez frisada a situação laboral da trabalhadora, que o CESP representava enquanto sua associada. (aditado pelo Tribunal da Relação)

CN. No seguimento da participação apresentada pela trabalhadora, a ACT promoveu inclusivamente três ações inspetivas nas instalações da Santa Casa da Misericórdia de ..., levadas a cabo pela Sra. Inspetora SS, nas seguintes datas: 19.03.2021, 26.03.2021 e 30.04.2021. (aditado pelo Tribunal da Relação)

De Direito

A única questão que se discute no presente recurso é a de apurar se existiu justa causa para o despedimento disciplinar de que a Autora e ora Recorrida foi alvo. Importa ter presente que a justa causa para este efeito consiste em um “comportamento culposo do trabalhador, que pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho” (n.º 1 do artigo 351.º do Código do Trabalho, doravante designado por CT). O despedimento disciplinar é, como qualquer sanção disciplinar, sujeito ao critério de decisão previsto no artigo 330.º, n.º 1 do CT, devendo, por conseguinte, ser “proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator”.

A trabalhadora é acusada de ter violado os deveres de obediência, de zelo e diligência (e de ter atuado em violação da boa fé) e de urbanidade. Analisemos estas acusações para aquilatar do seu fundamento.

Começando pela violação do dever de zelo e diligência ela resultaria dos factos AF, AG, AH e AI: a trabalhadora não respondeu a uma chamada telefónica e a um sms de um trabalhador que não podia comparecer ao serviço num sábado, nem a uma chamada feita às 8h00 da manhã do seu dia de descanso, um domingo. Sublinhe-se, em todo o caso, que a trabalhadora até respondeu na manhã desse mesmo dia, pelas 11h00 (facto AI). Não está provado no processo que a trabalhadora tivesse alguma especial obrigação de disponibilidade ou prontidão, mas sugere-se que por exercer cargo de direção teria de estar disponível para atender qualquer chamada, aparentemente mesmo às 8h00 da manhã do seu dia de descanso. É evidente que um tal entendimento, fora de genuínos casos de força maior, esvaziaria por completo o direito ao descanso, cabendo ao empregador, que aliás foi avisado pela trabalhadora da situação de falta de pessoal, criar mecanismos que propiciem uma resposta útil sem violar o direito ao descanso. Entende-se, por isso mesmo, que não há aqui qualquer violação do dever de zelo ou diligência.

Numa das Conclusões do recurso refere-se a violação do dever de diligência também a outro propósito, isto é, relativamente aos factos BG e BH, mas serão analisados relativamente à alegada violação do dever de obediência.

A este respeito importa, antes de mais, atender ao objeto do contrato de trabalho tal como acordado pelas partes. Resulta do facto D que a Autora foi contratada para exercer funções atinentes à categoria profissional de «Diretora de Serviços», mormente as seguintes:” estudar, organizar e dirigir, nos limites dos poderes de que está investida, as atividades da instituição; colaborar na determinação da política da instituição; planear a utilização mais conveniente da mão-de-obra, equipamento, materiais, instalações e capitais; orientar, dirigir e fiscalizar a atividade da instituição segundo os planos estabelecidos, a política adotada e as normas e regulamentos prescritos; criar e manter uma estrutura administrativa para explorar e dirigir a instituição de maneira eficaz, colaborar na fixação da política financeira e exercer a verificação de custos”. Trata-se, como se vê, de funções de direção em sentido material e de alto nível – por exemplo, colaborar na determinação da política da instituição – e funções de planeamento e orientação e não funções como executar materialmente a reposição de stocks como lhe foi ordenado pela coordenadora geral (facto BG). Sublinhe-se, de resto, que esta ordem teve lugar no contexto de um ambiente tenso, na sequência do conflito da Autora com a trabalhadora MM (factos AV a BF), na presença de utentes podendo ser interpretada pela Autora como vexatória.

Na Conclusão N do recurso de revista pode, no entanto, ler-se:

“Se o Diretor Técnico é responsável pelo estabelecimento, nessa medida, terá como função assegurar a qualidade e a segurança dos serviços prestados. Parte desse objetivo depende de garantir que os materiais essenciais e necessários ao funcionamento da atividade estejam disponíveis, ainda que a execução física da reposição de stock possa ser delegada ou executada por terceiros, é natural que o Diretor Técnico assuma essa tarefa, sem que isso diminua o seu estatuto, dado que está a atuar em prol da eficiência da unidade de saúde”.

E na Conclusão O:

“Por outro lado, participar na reposição de materiais não deve, nem pode, a nosso ver, ser entendido como uma desvalorização profissional, mas como uma forma de assegurar o bom funcionamento da unidade. Na verdade, a dignidade profissional não é definida pela exclusividade de tarefas diretivas ou de mera gestão, mas pela competência e responsabilidade com que o trabalhador exerce a sua função em todas as dimensões necessárias para o cumprimento da sua atividade, pelo que não vemos como a tarefa de reposição de stocks de material possa implicar uma desvalorização profissional da Autora”.

Em resposta dir-se-á que efetivamente todos os trabalhos lícitos são dignos, mas não é por isso que se pode legitimamente ordenar a um diretor técnico que, por exemplo, limpe o chão das instalações, mesmo invocando a importância de tal limpeza num estabelecimento médico. Não é por acaso que a lei se preocupa em que ao trabalhador não sejam exigidas tarefas que impliquem desvalorização profissional (artigo 118.º, n.º 2) e com a modificação substancial da posição do trabalhador (n.º 1 do artigo 120.º do CT). Acresce que a ordem foi, como já se disse, dada num contexto em que teria quando não a intenção, ao menos o efeito, de vexar ou humilhar a Autora.

Tendo a Autora funções de direção não se vislumbra porque é que não poderia delegar certas tarefas (ver facto BJ), como, designadamente, a tarefa de realização de escalas de trabalho na enfermeira JJ (facto X), sendo certo que acabou por desempenhar essa tarefa pessoalmente.

Existem, outrossim, infrações disciplinares: o atraso que não foi justificado na realização de alguns trabalhos (facto W) e a violação do dever de urbanidade relativamente a uma Colega de trabalho a quem se dirigiu “de forma arrogante” (facto AW), mas tais infrações não justificam, de modo algum, a sanção do despedimento que é claramente desproporcional.

Sublinhe-se, ainda, que a antiguidade não deve ser concebida, como pretende a Recorrente, como uma agravante para efeitos disciplinares.

Face ao exposto há que concluir que não existe justa causa para despedimento, pelo que o mesmo foi ilícito, como bem decidiu o Acórdão recorrido.

2. Decisão:

Negada a revista, mantendo-se o Acórdão recorrido

Custas pela Recorrente

Lisboa, 18 de junho de 2025

Júlio Gomes (Relator)

Paula Leal de Carvalho

Domingos José de Morais