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MORTE DO ARGUIDO
CESSAÇÃO DE FUNÇÕES DO DEFENSOR
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
HABILITAÇÃO
CONSTITUIÇÃO OBRIGATÓRIA DE ADVOGADO
FORMALIDADE DA CITAÇÃO
NULIDADE
CONHECIMENTO OFICIOSO
Sumário
1. A extinção do procedimento criminal fundada na morte do arguido acarreta a cessação da intervenção do defensor nomeado, pois deixou de haver arguido carecido de assistência jurídica e ainda não há herdeiro habilitado para prosseguir a instância cível na qualidade exclusiva de demandado civil. 2. É obrigatória a constituição de mandatário judicial no incidente de habilitação quando o valor do pedido de indemnização civil é superior à alçada dos tribunais de primeira instância. 3. Neste caso, a citação levada a cabo no incidente de habilitação será nula se não indicar a necessidade de patrocínio judiciário. 4. A nulidade da citação fundada na preterição da formalidade da indicação da necessidade de patrocínio judiciário é de conhecimento oficioso.
Texto Integral
Decisão Sumária
I - Relatório
1. No âmbito do processo n.º 16/18.0T9VLN, que corre os seus termos no Juízo Central Criminal de Viana do Castelo, foi proferido acórdão, datado de 20.06.2024, que decidiu nos seguintes termos na parte que ora releva (transcrição):
“(…)
Em face do exposto decidem as juízes que compõem o Tribunal Colectivo, julgar a acusação improcedente, por não provada, e, em consequência: 1. Absolver o arguido AA da prática em autoria material e concurso real, de um crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelos artigos 202.º, al. b), e 205.º, n.º 1, e n.º 4, al. b) do Código Penal e de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e), do Código Penal, por referência ao artigo 255.º, al. a) do mesmo diploma, de cuja prática vinha acusado.
(…) 2. Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante BB, improcedente por não provado e, em consequência, absolver os demandados AA e Banco 1... SA do pedido.
(…) 3. Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante BB, improcedente por não provado e, em consequência, absolver os demandados AA e Banco 1... SA do pedido.
(…)”. 2. Inconformado com esta decisão, o assistente BB dela interpôs recurso, pugnado pela condenação criminal do arguido e pela condenação civil solidária do arguido e da sociedade “Banco 1..., S.A.” no pagamento de uma indemnização no valor de € 22.108,92, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, 3. O Ministério Público e a demandada “Banco 1..., S.A.” responderam ao recurso, pugnado pela respectiva improcedência. 4. Por seu turno, o arguido viria a falecer na fase de resposta ao referido recurso 5. Foi proferido despacho judicial nos autos principais a julgar extinto o procedimento criminal em virtude do falecimento do arguido e a determinar o prosseguimento dos autos na parte relativa ao pedido de indemnização civil após a pertinente habilitação. 6. O assistente requereu a habilitação dos herdeiros do arguido e foi proferida sentença julgar habilitada a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do arguido e representada pela sua única herdeira, a sua filha CC 7. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto absteve-se de proferir parecer em sentido próprio em virtude do objecto do processo estar restringido à discussão do pedido de indemnização civil. 8. Efectuado o exame preliminar, entende-se ocorrer circunstância que obsta ao conhecimento do recurso, conforme, de forma sumária, passará a explicitar-se. II - Fundamentação
1. Importa fazer uma breve análise da tramitação efectivamente verificada nos autos principais e no incidente de habilitação que correu por apenso.
O arguido faleceu em ../../2024 quando ainda estava em curso o prazo para responder ao recurso interposto da decisão absolutória.
Este prazo só terminaria em 23 de Outubro de 2024 e o prazo decorrido até à morte do arguido ficou sem efeito em virtude da suspensão da instância cível (art. 275.º, n.º 2, 2.ª parte, do art. 275.º, do CPC).
Foi proferido despacho judicial nos autos principais a julgar extinto o procedimento criminal em virtude do falecimento do arguido e a determinar o prosseguimento dos autos na parte relativa ao pedido de indemnização civil após a pertinente habilitação. Aextinção do procedimento criminal fundada na morte do arguido acarreta a cessação da intervenção da Ilustre Defensora nomeada, pois deixou de haver arguido carecido de assistência jurídica e ainda não há herdeiro habilitado para prosseguir a instância cível na qualidade exclusiva de demandado civil.
O assistente requereu o pertinente incidente de habitação de herdeiros por apenso e a filha menor do arguido – nascida em ../../2009 – veio a ser citada, na pessoa da respectiva progenitora, para, querendo, contestar a habilitação.
O expediente de citação postal em apreço contém a menção “fica advertido de que não é obrigatória a constituição de mandatário judicial”.
Tal indicação está errada, pois o assistente pretendia a condenação solidária dos demandados originários no pagamento de uma indemnização de valor superior à alçada dos tribunais de primeira instância.
O valor do incidente de habilitação em apreço é o do pedido de indemnização civil deduzido pelos assistentes (art. 304.º, n.º 1, do CPC).
Ora, é obrigatória a constituição de advogado nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário, bem como nos recursos (art. 40.º, n.º 1, alíneas a) e c), do CPC).
Em especial, no processo penal, o lesado e o demandado devem fazer-se representar por advogado sempre que, em razão do valor do pedido, se deduzido em separado, fosse obrigatória a constituição de advogado, nos termos da lei do processo civil (art. 76.º, n.ºs 1 e 2, do CPP).
Posteriormente, foi enviada nova carta à citanda a repetir aquela menção e a informar a identidade dos Senhores Advogados intervenientes nos autos, a saber, os Ilustres Mandatários do assistente e do demandado “Banco 1..., S.A.” – e nem sequer uma alusão à Ilustre Defensora que assistira o pai da citanda até ao respectivo falecimento.
Não foi apresentada qualquer contestação ao incidente de habilitação e veio a ser proferida sentença, data de 6 de Março de 2025, a “julgar habilitada a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do arguido e representada pela sua única herdeira, a sua filha CC, nascida a ../../2009, e aqui representada pela sua mãe, DD, para prosseguir os presentes autos os seus trâmites, ocupando a posição processual daquele na presente lide”.
Esta sentença foi notificada à representante legal da habilitada em 13 de Março de 2025.
Esta notificaçãonão foi acompanhada da menção de que o prazo para responder ao recurso pendente iniciar-se-ia com a notificação da sentença.
No dia 14 de Maio de 2025, o Tribunal a quo proferiu despacho a considerar cessada a suspensão da instância e a determinar a subida dos autos a esta Relação.
A demandada habilitada nunca interveio no processo a qualquer título, nomeadamente não apresentou qualquer resposta ao recurso e não constituiu advogado até à presente data.
2. Dispõe o art. 417.°, n.° 6, alínea a), do C.P.P., que, após exame preliminar, o relator profere decisão sumária sempre que alguma circunstância obstar ao conhecimento do recurso.
No caso concreto, impõe-se constar que a citação levada a cabo no incidente de habilitação é nula em virtude de não ter observado as formalidades obrigatórias prescritas na lei, pois não indicou a necessidade de patrocínio judiciário (artigos 227.º, n.º 2, e 191.º, n.º 1, do CPC).
Todavia, no que respeita à preterição das formalidades da citação, dir-se-á, numa primeira abordagem, que a lei adjectiva só impõe o conhecimento oficioso quando não é indicado qualquer prazo para defesa (artigos 196.º, e 191.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC).
Será mesmo assim?
Importa chamar à colação o relevante acórdão da Relação de Lisboa, datado de 13-01-2009 (p. 5479/2008, disponível em www.dgsi.pt), que apreciou uma situação semelhante à dos presente autos à luz das normas equivalentes do anterior CPC e cuja fundamentação se passa a transcrever na parte que aqui releva:
“ Nos termos dos artigos 235º, n.º 2, e 236º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na citação por via postal deve-se incluir, naturalmente se for caso disso, a indicação da necessidade de patrocínio judiciário.
Esta indicação visa evitar que o citando, «por ignorância, venha a intervir em nome próprio, em termos que poderão irremediavelmente comprometer a sua defesa».
Sendo assim no caso dos autos, visto o disposto nos artigos 32º, n.º 1, al. b), 678º, n.º 3, al. a), do Código de Processo Civil, e 57º, n.º 1, do R.A.U., a citação devia ser efectuada com a indicação da necessidade de patrocínio judiciário.
Sucede, como se vê do duplicado constante de fls. 50 da carta expedida para citação do recorrente, como também se vê do duplicado constante de fls. 51 da carta expedida para citação da Ré, que a citação deles não foi feita com a aludida indicação, mas antes com a indicação de não ser obrigatória a constituição de mandatário judicial
Esta indicação não integra qualquer das irregularidades previstas no n.º 1 do artigo 195º do Código de Processo Civil.
Sendo assim não há falta de citação nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 194º, al. a), do Código de Processo Civil.
No n.º 1 do artigo 198º do Código de Processo Civil estão previstas outras irregularidades da citação.
Nele se estabelece que é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas formalidades prescritas na lei distintas das previstas no n.º 1 do artigo 195º do Código de Processo Civil.
No caso em questão na realização da citação, mais do que a omissão da formalidade de indicação da necessidade de patrocínio judiciário, foi feita ao recorrente a indicação precisamente contrária, a errada indicação de não ser obrigatória a constituição de mandatário judicial.
A propósito cabe referir que do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 183/2006, de 8/3/2006, que decidiu julgar inconstitucional, por violação do artigo 20º, n.ºs 1 e 4, da Constituição, a norma do artigo 198º, n.º 2, do Código de Processo Civil quando interpretado no sentido de considerar sanada a nulidade da citação no prazo para apresentar a contestação, quando a secretaria informa a ré, erradamente, de que não é obrigatória a constituição de advogado e esta somente reage quando é notificada da sentença condenatória, consta, além do mais, o seguinte: «a ré, após a citação, reagiu quando foi confrontada com o acto processual imediato que lhe foi notificado, ou seja, a decisão condenatória.
O direito de acesso aos tribunais pressupõe, naturalmente, uma actuação transparente e, dir-se-ia, de boa fé quer das partes quer dos agentes do sistema judicial. Pressupõe, ainda, um acesso informado e esclarecido por parte dos sujeitos que pretendem fazer valer os seus direitos em juízo.
Os erros das partes têm consequências que se repercutem nas respectivas esferas. Os erros dos agentes do sistema judicial não podem repercutir-se na esfera das partes.
Se, através de uma actuação contrária à lei, um funcionário judicial inviabiliza o acesso do particular a uma informação relevante para a sua estratégia de defesa, é natural que se reconheça ao sujeito erradamente informado a possibilidade de reagir assim que se apercebe da situação processual em que se encontra e dos efeitos que entretanto se produziram, sem que tivesse a possibilidade de a eles aceder.».
Nele também se considerou que a sanação dessa nulidade «só deverá, na verdade, ocorrer quando a recorrente tiver as condições indispensáveis para se aperceber que a nulidade teve lugar. É esta a solução adequada ao princípio de um processo justo e equitativo. E é esta a solução que concretiza o direito de acesso aos tribunais exercido num contexto de transparência e de lealdade entre todos os agentes implicados no funcionamento do sistema judicial.».
De todo o modo, ponderando o disposto no n.º 1 do artigo 198º do Código de Processo Civil, não há duvida que com a errada indicação de não ser obrigatória a constituição de mandatário judicial se produziu uma nulidade da citação.
Com efeito no caso dos autos a lei de modo nenhum admite a indicação de não ser obrigatória a constituição de mandatário judicial e é evidente, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 198º do Código de Processo Civil, que a aludida omissão prejudica a defesa.
Basta ponderar, visto o disposto nos artigos 32º, 33º e 34º do Código de Processo Civil, que por princípio não é admissível que a parte pleiteie por si, que por princípio não é admissível que o recorrente intervenha nos autos, desde logo, para apresentar a sua defesa.
Estabelece o n.º 2 do artigo 198º do Código de Processo Civil, que o prazo para a arguição da nulidade da citação é o que tiver sido indicado para a contestação, porém sendo a citação edital, ou não tendo sido indicado prazo para defesa, a nulidade da citação pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo.
No caso dos autos, ponderando por identidade de razão o disposto no artigo 254º, n.º 3, e o disposto nos artigos 144º, n.º 2, e 252º-A, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil, terminou em 3/7/2006 o prazo para apresentação da contestação, sem que o recorrente tivesse o seu patrocínio assegurado.
O recorrente foi citado com a errada indicação de não ser obrigatória a constituição de mandatário judicial e no decurso do prazo da contestação não constituiu advogado e assim não se pode exigir que, no prazo da contestação, o recorrente tivesse reclamado por si da citação com a errada indicação de não ser obrigatória a constituição de mandatário judicial.
Com efeito, se por princípio não é admissível que a parte pleiteie por si, que apresente por si a sua defesa, não é aceitável que precisamente se exija do recorrente que tivesse reclamado da nulidade no prazo da contestação, não lhe pode ser exigível, contra o disposto no artigo 32º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que resolva essa questão de direito no prazo da contestação.
(…)
Transcorrido o prazo da contestação, ponderando o disposto nos artigos 161º, n.º 6, 228º, n.º 1, 1ª parte, e 234º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não é possível concluir que por erro de secretaria o recorrente tenha irremediavelmente comprometida a sua defesa, tenha irremediavelmente comprometida a possibilidade de arguir a nulidade da citação para assim, com a procedência da nulidade em consequência da repetição da citação, obter prazo para a defesa.
Sendo assim não se podendo exigir do recorrente que tivesse reclamado da nulidade no prazo da contestação, como aliás não lhe foi permitido, ficou o recorrente em situação idêntica àquela em que ao citado nem sequer é dado prazo para contestar.
Deste modo, no caso dos autos, não é possível coincidir o prazo de arguição da nulidade com o prazo da contestação, mas antes, por identidade de razão, deve aplicar-se o regime da nulidade da citação por falta de indicação de prazo para a defesa.
Efectivamente, visto o disposto nos artigos 202º e 206º, n.º 1, do Código de Processo Civil, neste regime a nulidade deve ser conhecida oficiosamente logo que dela o tribunal se aperceba, podendo ser suscitada em qualquer estado do processo enquanto não deva ser considerada sanada.
Este regime é «coincidente com o da arguição da falta de citação (artigo 196º).». (…)”.
A fundamentação acabada de transcrever é transponível, mutatis mutandis, para o caso dos presentes autos.
Os artigos 227.º, n.º 2, 196.º, e 191.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC/2013, devem ser interpretados no sentido de que a nulidade da citação fundada na preterição da formalidade da indicação da necessidade de patrocínio judiciário fica necessariamente sujeita ao regime da nulidade da citação por falta de indicação de prazo para a defesa.
Por força da interpretação das referidas normas segundo o princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 20.º, n.º 2, da Constituição, a nulidade da citação em apreço não pode deixar de ser conhecida oficiosamente com todas as consequências em virtude de não se mostrar sanada.
3. Asconsequências desta nulidade da citação são óbvias à luz da tramitação processual concretamente verificada.
Desde logo, importa eliminar o acto nulo praticado nos autos e proceder à citação regular da habilitanda no incidente de habilitação.
Para tanto, impõe-se declarar a nulidade da citação da requerida no incidente de habilitação e anular todos os actos subsequentes, incluindo a sentença de habilitação, o despacho que considerou cessada a suspensão da instância e a remessa destes autos à Relação (art. 195.º, n.º 2, do CPC).
Dito isto, os autos devem baixar de imediato à 1ª instância para a regularização do processado em conformidade com o ora decidido.
Por tal razão, o presente recurso não pode ser imediatamente conhecido por este Tribunal da Relação (art. 417.º, n.º 6, al. a), do CPP). III – Decisão
Pelos fundamentos expostos:
a) Declaro nula a citação realizada no incidente de habilitação; b) Anulo esta citação e todos os actos subsequentes, incluindo a sentença de habilitação, o despacho que considerou cessada a suspensão da instância e a remessa destes autos à Relação; c) Julgo prejudicado o conhecimento imediato do recurso;
d) E determino a baixa dos autos à 1.ª instância para aí prosseguir os termos adequados.
Sem tributação.
*
1. Notifique (incluindo a Ilustre Defensora nomeada nos autos que cessou funções em virtude do arquivamento do procedimento na parte criminal com fundamento no falecimento do arguido). 2. Oportunamente, após a pertinente baixa definitiva na distribuição, remeta os autos à 1.ª instância.
*
Guimarães, 23 de Maio de 2025
(elaborado em computador, revisto e assinado electronicamente)