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ARECT
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
TRABALHO TEMPORÁRIO
Sumário
I – O erro na forma de processo ocorre nos casos em que a pretensão não seja deduzida segundo a forma geral ou especial de processo legalmente prevista. II - Destinando-se o procedimento inspetivo previsto na al. b) do n.º 3 do artigo 2.º e no artigo 15º-A da lei 107/2009 de 14/09, na redação da Lei 13/2023 de 03/04, à fiscalização da legalidade do recurso ao trabalho temporário, não é aplicável, tal procedimento inspetivo e consequentemente não é de instaurar a ARECT, nos casos em que o trabalhador desenvolva a sua atividade ao utilizador/beneficiário através de uma outra figura contratual, que saía fora do âmbito do trabalho temporário e extravase as violações ao prescrito nos art.ºs 175.º e 180.º do CT. III - Carecendo o auto de noticia de fundamento no que respeita à indagação da violação dos artigos 175.º e 180.° do Código do Trabalho, no âmbito do trabalho temporário, não estando assim minimamente comprovada a infração à norma sujeita à fiscalização da respetiva autoridade administrativa sancionada com coima, não podia o Ministério Público ter instaurado a ação especial de reconhecimento do contrato de trabalho, por não ser o meio adequado para obter o efeito pretendido.
Texto Integral
I – RELATÓRIO
O MINISTÉRIO PÚBLICO intentou a presente ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra, EMP01..., ... S.A., com sede na Rua ..., ... ... e pede que seja reconhecida a existência de um contrato de trabalho firmado entre os 49 trabalhadores por si identificados e a Ré, com início na data de admissão de cada um e por tempo indeterminado.
Tal como se alega, em resumo, na decisão recorrida a Ré é responsável pela gestão e tratamento de resíduos urbanos na respetiva área geográfica e, para a prossecução da sua atividade tem somente um quadro de pessoal de cinco pessoas, manifestamente insuficiente para a realização das tarefas e execução da sua atividade. Assim, teve de contratar mão-de-obra com empresas de trabalho temporário, através da elaboração com essas empresas de contratos de utilização de trabalho temporário. Ao longo dos anos de 2017, 2018, 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023, a ré celebrou diversos contratos de aquisição de mão-de-obra com diversas empresas, inicialmente de trabalho temporário e posteriormente de prestação de serviços. Para cumprimento desses contratos celebrados com a ré, essas empresas celebraram com os trabalhadores identificados na petição inicial contratos de trabalho a termo resolutivo incerto. Algumas dessas empresas não são titulares de licença e registo para o exercício da atividade de empresas de trabalho temporário, nem têm quadro de pessoal de recursos humanos qualificados.
Em 5/12/2023 foi realizada ação inspetiva por inspetores da ACT, em local de trabalho pertencente à Ré, tendo esta autoridade identificado um conjunto de trabalhadores que vinham prestando trabalho para a ré de forma permanente e ininterrupta, desde 2017, 2018, 2019, 2020, 2021, 2022, 2023 e 2024. Na sequência de tal visita inspetiva, foi levantado auto de inadequação do vínculo que titula a prestação da atividade – artigo 15º-A n.º 1 da Lei 107/2009 de 14/09, por verificação de que os trabalhadores identificados têm prestado trabalho à Ré através de sucessivos contratos de utilização de trabalho temporário, os quais contêm diversas irregularidades. Foi remetida ao Mº Pº participação por inadequação de vinculo que titula a prestação de uma atividade – art.º 15º-A nº 3 da Lei 107/2009 de 14/09, juntamento com o auto supra mencionado, com vista à propositura da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho por tempo indeterminado.
Os trabalhadores identificados não foram contratados para a realização de um projeto temporário, mas antes, para uma atividade multifacetada ou conjunto variado de funções de cariz constante, necessário, permanente ou, no mínimo, reiterado e prolongado no tempo, e faz parte do objeto social da ré.
Os contratos outorgados entre a Ré e as diversas empresas para aquisição de serviços de mão de obra não são mais do que contratos de utilização de trabalho temporário, os quais não visam a satisfação de necessidades temporárias, mas antes permanentes, duradouras e ininterruptas. E, sendo contratos de utilização de trabalho temporário, não contêm os elementos essenciais do mesmo, nos termos do artigo 177º nº 1 do Código do Trabalho, pelo que o trabalho é prestado ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo.
Os trabalhadores identificados, pelo menos desde 2017, foram alvo de sucessivos contratos, para cumprimento das mesmas funções e nos mesmos postos de trabalho. Os trabalhadores acima identificados ocupam postos de trabalho particularmente perigosos para a segurança ou saúde, violando o disposto no n.º 4 do art.º 175° do C.T. e em algumas situações de alguns trabalhadores, os mais antigos foram ultrapassados os limites da duração dos contratos de utilização de trabalho temporário.
Conclui assim, que tais contratos não preenchem as condições objetivas de recurso a contratos de utilização de trabalho temporário, constantes dos artigos 175.º e al. a) a g) do n.º 2 do art.º 140.º, ambos do Código do Trabalho.
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A Ré contestou, por impugnação e por exceção, invocando a sua ilegitimidade passiva, alegando em resumo que, a reconhecer-se a existência de contratos de trabalho por tempo indeterminado, esse reconhecimento deve afetar os contratos atualmente em vigor, entre os trabalhadores identificados e a empresa que firmou os respetivos contratos de trabalho, que é a verdadeira empregadora dos trabalhadores identificados e não a ré, que não é parte nesses contratos. Mais defendeu que, para execução das suas atribuições de serviço público, limitou-se a conduzir um procedimento de contratação pública para escolha da melhor proposta para a prestação de serviços nos equipamentos ambientais sobre a sua gestão, através do Concurso Público Internacional 05/2023, com vista à “Aquisição de serviços de mão-de-obra, em regime de outsourcing, para a recolha de ecopontos e gestão de ecocentros nos municípios da ... e do ... e exploração do Aterro Sanitário de ...”, tendo sido a empresa “EMP02..., Serviços Lda.” a apresentar a proposta que mais se adequou às necessidades e expectativas da Ré; não sendo esta sociedade, uma empresa de trabalho temporário, não existindo qualquer evidência de que os trabalhadores possam ser incluídos nesse regime legal. Mais esclareceu que a opção pela contratualização de serviços externos tratou-se de uma opção gestionária da Ré ao abrigo de contratação pública em regime de outsourcing, como forma de gestão eficiente dos seus recursos humanos, contratando serviços a empresas especializadas que fornecem a mão-de-obra necessária, no escrupuloso respeito pela legalidade e interesse público.
Findos os articulados, o Tribunal a quo entendeu que o objeto da ação, delimitado pelo pedido e pela causa de pedir extravasava as hipóteses para as quais foi concebida a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho e conheceu do erro da forma de processo, tendo terminando a sua decisão com o seguinte dispositivo: “Perante o exposto, julgo procedente a excepção dilatória de nulidade do processo por erro na forma de processo e, consequentemente, ao abrigo do disposto no artigo 186º-N do Código de Processo de Trabalho, absolvo a Ré EMP01..., ... S.A. da instância. Sem custas. Notifique. Registe. Comunique à A.C.T.
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Atento o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, 305.º, n.ºs 3 e 4, 306.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e 186.º-Q, n.º 2, do Código de Processo de Trabalho, fixa-se o valor da causa em €2.000,00, por se me afigurar inaplicável o critério do artigo 303.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, dado não estarem em causa interesses imateriais e inexistem outros elementos seguros para aferir a utilidade económica do pedido.”
Inconformado, veio o Ministério Público, interpor recurso de apelação, no qual formula as seguintes conclusões que passamos a transcrever: “I – Não existe erro na forma do processo pois, perante o Auto por inadequação do vinculo que titula a prestação de actividade – artº15º-A, n.º1 da Lei n.º107/2009 de 14 de setembro, nos termos do art.º 140º, n.º2, al. a) a g) do Código de Trabalho, foi instaurada a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, a qual se traduz numa ação de mera apreciação positiva que visa obter o reconhecimento e a declaração da natureza laboral de um determinado vínculo jurídico-profissional a partir da data do seu começo ou daquela que se lograr demonstrar nos autos, beneficiando o apuramento de tal realidade da presunção constante do artigo 12.° do C.T., devendo assim os autos prosseguir para audiência de discussão e julgamento, a fim de se apreciar o mérito da causa. Nestes termos e nos que Vossas Excelências suprirão, deverá a presente Apelação ser julgada procedente e assim, ser revogada a sentença absolutória, proferida pelo Tribunal “a quo”, devendo os autos seguir os seus termos, fazendo-se a mais adequada e prudente JUSTIÇA!”
A Ré respondeu ao recurso, concluindo pela sua improcedência.
O recurso foi admitido como apelação a subir imediatamente e com efeito devolutivo.
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, foi dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, tendo o processo sido submetido à conferência para julgamento.
II OBJECTO DO RECURSO
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da Recorrente (artigos 635.º, nº 4, 637.º n.º 2 e 639.º, nº 1, do Código de Processo Civil), coloca-se à apreciação deste Tribunal da Relação uma única questão: apurar se ocorre erro na forma de processo que importa a nulidade de todo o processo.
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
FACTOS PROVADOS:
Os que constam do relatório que antecede a que acrescem os seguintes:
- Entre os anos 2017 a 2023, a Ré EMP01... ..., S.A, procedeu à celebração com empresas distintas de contratos de aquisição de serviços de mão de obra, em regime de outsourcing, para recolha de ecopontos e gestão de ecocentros nos municípios da ... e do ... e exploração do Aterro Sanitário de ....
- Tais empresas por sua vez, para cumprimento desses contratos celebrados com a Ré celebraram contratos a termo resolutivo incerto com diversos trabalhadores identificados na petição inicial para satisfazerem as necessidades temporárias da Ré
- A Ré conduziu o procedimento de contratação pública para escolha da melhor proposta para a prestação de serviços nos equipamentos ambientais sobre a sua gestão, através do Concurso Público Internacional 05/2023, com vista à “Aquisição de serviços de mão-de-obra, em regime de outsourcing, para a recolha de ecopontos e gestão de ecocentros nos municípios da ... e do ... e exploração do Aterro Sanitário de ...”.
- A empresa “EMP02..., Serviços Lda.” foi quem ganhou o concurso tendo apresentado a proposta que mais adequada às necessidades da Ré.
IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO
Doerro na forma do processo
Insurge-se o Recorrente quanto ao facto de a Juiz a quo ter decidido pela verificação do erro na forma do processo, ao ter entendido não ser a ação especial de reconhecimento da existência do contrato de trabalho o meio adequado para apreciar a pretensão do Autor.
Como é consabido o erro na forma de processo ocorre nos casos em que a pretensão não seja deduzida segundo a forma geral ou especial de processo legalmente prevista.
Para tal efeito, há que indagar se existe alguma forma especial de processo prevista, para o tipo de pretensão em apreço;
- não existindo forma especial, é de observar a forma de processo comum legalmente adequada.
Assim, perante a invocação de um determinado direito subjetivo e livremente escolhida pelo autor a pretensão que contra o réu pretende deduzir, deve aquele, de seguida, ajustar a sua estratégia aos instrumentos processuais criados e, de entre eles, escolher aquele que for legalmente o mais adequado, e, desde logo, a forma de processo.
Acresce dizer que a forma de processo é aferível em função do tipo de pretensão formulada pelo autor e não em referência à pretensão que devia ser por ele deduzida.
Se a forma de processo empregue não for apropriada ao tipo da pretensão deduzida, ocorre o vício processual de erro na forma de processo; se a forma de processo seguida se adequar à pretensão formulada, mas esta não for conforme aos fundamentos invocados, estaremos, quando muito, perante uma questão de mérito conducente à improcedência da ação.
Quanto às consequências do erro na forma de processo: nos termos do artº. 199º do Cód. Proc. Civil, o erro na forma de processo importa apenas a anulação dos atos que não possam ser aproveitados para a forma estabelecida na lei, devendo o juiz mandar seguir, sempre que possível, a forma legalmente prescrita, com o aproveitamento dos atos já praticados, desde que não se traduzam em diminuição das garantias do réu, e a realização dos atos estritamente necessários ao normal prosseguimento da instância.
Nesta medida, o erro na forma do processo só importará em anulação de todo o processo, como exceção dilatória determinativa de absolvição do réu da instância, nos casos em que a própria petição inicial não possa ser aproveitada para a forma de processo adequada, nos termos conjugados dos artºs. 199º, nº 1; 288º, nº 1, al. b); 493º, nº 2, e 494º, al. b), todos do Cód. Proc. Civil.
Por fim, o art.º 265º-A do Cód. Proc. Civil, consagrando o princípio da adequação formal, impõe que o juiz, oficiosamente, ouvidas as partes, ajuste às especificidades da causa a tramitação processual legalmente prevista com as necessárias adaptações.
De retorno ao caso dos autos e tendo presente a pretensão formulada pelo Ministério Público temos por certo que esta visa o reconhecimento pelo Tribunal da existência de contrato de trabalho firmado entre os 49 trabalhadores e a Ré, com início na data de admissão de cada um e por tempo indeterminado, com fundamento no recurso a contratos de utilização de trabalho temporário, em violação dos arts 175º, ns.°1 e 4 do C.T. e alíneas a) a g) do n.º 2 do 140° do CT.
Resolvendo-se a questão do erro na forma do processo em face do pedido formulado na ação em confronto com o fim a que, segundo a lei, o processo especial se destina, averiguemos do objetivo do processo especial de reconhecimento do contrato de trabalho.
A ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, surgiu com a alteração ao Código de Processo do Trabalho introduzida pela Lei n.º 63/2013, de 27.08 e está inserida no Título VI do Código de Processo do Trabalho, referente aos processos especiais, encontrando-se regulada nos artigos 186.º-K a 186.º-R. Trata-se de uma ação de cariz publicista que resulta da atividade da Autoridade para as Condições do Trabalho e visa instituir “mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado” (cfr. art. 1.º). Esta ação é desencadeada pelo Ministério Público (cfr. artigo 186.º-K, n.º 1, do CPT), após participação da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT). Tem uma tramitação simplificada, cujo objeto consiste em apurar a factualidade relevante para qualificar o vínculo existente, e caso se reconheça a existência de um contrato de trabalho fixa a data do início da relação laboral, como impõe o n.º 8 do art.º 186.º-O do Código de Processo do Trabalho.
Com a entrada em vigor da Lei n° 13/2023 de 03/04, foram alterados os artigos 2° e 15°-A da Lei n° 107/2009 de 14/09.
Por via dessa alteração, o referido art.º 2º, sob a epígrafe “Competência para o procedimento de contraordenações”, passou a ter a seguinte redação: “(...) 3 - A ACT é igualmente competente e instaura o procedimento previsto no artigo 15.°-A da presente lei, sempre que se verifique a existência de características de contrato de trabalho, nomeadamente: a) Nos termos previstos no n.°1 do artigo 12° e no n.°1 do artigo 12.°-A do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.° 7/2009, de 12 de fevereiro, incluindo nos casos em que o prestador de serviço atue como empresário em nome individual ou através de sociedade unipessoal; e b) Em caso de indício de violação dos artigos 175° e 180° do Código do Trabalho, no âmbito do trabalho temporário. 4 - O procedimento referido no número anterior é igualmente aplicável nas situações previstas nos n.°s 1 e 2 do artigo 147° do Código do Trabalho.”.
E o citado art.º 15º-A, sob a epígrafe “Procedimento a adotar em caso de inadequação do vínculo que titula a prestação de uma atividade em condições correspondentes às do contrato de trabalho”, passou a ter a seguinte redação:
“1 - Caso o inspetor do trabalho verifique, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, a existência de características de contrato de trabalho, nos termos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 2.º, lavra um auto e notifica o empregador para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação, ou se pronunciar dizendo o que tiver por conveniente. (…)”.
Esta ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho tem subjacente o procedimento prévio previsto no citado art.º 15º-A, no qual, tendo sido verificada a existência de características de contrato de trabalho, nos termos previstos nos nºs 3 e 4 do art.º 2º, e na falta de regularização da situação pela entidade empregadora, a ACT remete a participação dos factos para os serviços do Ministério Público, para fins de instauração de ação.
Ou seja, esta ação tem na sua base uma verificação prévia por parte da ACT, no âmbito das suas competências atribuídas por lei, da existência de indícios de uma situação de qualificação legalmente proibida, com o objetivo da subtração da relação em causa ao regime laboral, causando-se, com isso, prejuízo ao trabalhador e ao Estado.
Como se refere na decisão recorrida a propósito das alterações introduzidas pela Lei n.º13/2023 de 03/04 sofridas por esta ação: “Inicialmente, visava o combate aos designados falsos recibos verdes, isto é, ao falso trabalho autónomo, abrangendo, apenas, as situações em que, sob a aparência de uma prestação de trabalho autónomo, verificava-se a existência de características típicas de contrato de trabalho, designadamente as contempladas na presunção de laboralidade estabelecida no artigo 12º do Código do Trabalho aprovado pela lei 7/2009 de 12 de fevereiro. Com a denominada Agenda do Trabalho Digno, o procedimento inspectivo previsto no artigo 15º-A da lei 107/2009 de 14/09 foi estendido ao combate à precariedade laboral decorrente do abuso da contratação a termo e do trabalho temporário, em que já não está em causa a qualificação do vínculo como contrato de trabalho, mas, antes, a fiscalização da legalidade do recurso ao contrato de trabalho a termo ou ao trabalho temporário.”
Ora, decorre do auto de inadequação do vínculo levantado pela ACT (cfr. doc. 132) e da participação do mesmo ao Ministério Público (doc. 134), cujos fundamentos estão reproduzidos na p.i. que no caso está em causa a situação prevista na al. b) do nº 3 do artigo, ou seja, a violação do disposto nos artigos 175.º e 180.º do Código do Trabalho.
O artigo 175.º do Código do Trabalho, sob a epígrafe, “Admissibilidade de contrato de utilização de trabalho temporário”, prescreve o seguinte: 1 - O contrato de utilização de trabalho temporário só pode ser celebrado nas situações referidas nas alíneas a) a g) do n.º 2 do artigo 140.º e ainda nos seguintes casos: a) Vacatura de posto de trabalho quando decorra processo de recrutamento para o seu preenchimento; b) Necessidade intermitente de mão-de-obra, determinada por flutuação da actividade durante dias ou partes de dia, desde que a utilização não ultrapasse semanalmente metade do período normal de trabalho maioritariamente praticado no utilizador; c) Necessidade intermitente de prestação de apoio familiar directo, de natureza social, durante dias ou partes de dia; d) Realização de projecto temporário, designadamente instalação ou reestruturação de empresa ou estabelecimento, montagem ou reparação industrial. 2 - Para efeito do disposto no número anterior, no que se refere à alínea f) do n.º 2 do artigo 140.º, considera-se acréscimo excepcional de actividade da empresa o que tenha duração até 12 meses. 3 - A duração do contrato de utilização não pode exceder o período estritamente necessário à satisfação da necessidade do utilizador a que se refere o n.º 1. 4 - Não é permitida a utilização de trabalhador temporário em posto de trabalho particularmente perigoso para a sua segurança ou saúde, salvo se for essa a sua qualificação profissional. 5 - Não é permitido celebrar contrato de utilização de trabalho temporário para satisfação de necessidades que foram asseguradas por trabalhador cujo contrato tenha cessado nos 12 meses anteriores por despedimento colectivo ou despedimento por extinção de posto de trabalho. 6 - Constitui contra-ordenação muito grave imputável ao utilizador a violação do disposto no n.º 4.
Por outro lado, o artigo 180.º, sob a epígrafe “Admissibilidade de contrato de trabalho temporário”, prescreve seguinte: 1 - O contrato de trabalho temporário só pode ser celebrado a termo resolutivo, certo ou incerto, nas situações previstas para a celebração de contrato de utilização. 2 - É nulo o termo estipulado em violação do disposto no número anterior, considerando-se o trabalho efectuado em execução do contrato como prestado à empresa de trabalho temporário em regime de contrato de trabalho sem termo, e sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º 3 - Caso a nulidade prevista no número anterior concorra com a nulidade do contrato de utilização de trabalho temporário, prevista no n.º 2 do artigo 176.º ou no n.º 5 do artigo 177.º, considera-se que o trabalho é prestado ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo, sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º
Daqui resulta inequívoco que a verificação da inadequação do vínculo, limita-se aos casos em que, estando perante um contrato de utilização de trabalho temporário e de um contrato de trabalho temporário, assumidos pelas partes outorgantes, se verifiquem fortes indícios de violação dos requisitos substantivos do recurso ao contrato de utilização de trabalho temporário e ao contrato de trabalho temporário, ou seja, quando se recorre à utilização destas figuras contratuais fora do quadro da satisfação de necessidades temporárias e não duradouras da empresa, ou para postos de trabalho particularmente perigosos. Só nestas se impõe que o inspetor do trabalho levante auto de inadequação do vínculo, com vista à conversão do vínculo do prestador de trabalho temporário em contrato de contrato de trabalho sem termo. Só nestas situações não ocorrendo a regularização do vínculo, é que é enviada participação ao Ministério Público que, instaura a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho sem termo entre o trabalhador temporário e a empresa utilizadora (nos casos de violação do artigo 175º) ou a empresa de trabalho temporário (nos casos de violação do artigo 180º).
Tal como refere assertivamente o tribunal a quo, “De fora ficam outras situações de invalidade, como as decorrentes da cedência ilícita de trabalhadores a que se refere o artigo 173º ou de vício de forma a que se referem os artigos 177º e 181º, todos do Código do Trabalho. De fora ficam, ainda, todas as situações em que está em causa a própria qualificação do contrato celebrado entre o beneficiário da actividade e a empresa “cedente”, com quem o trabalhador já mantém, pelo menos formalmente, um vínculo subordinado.”
Em suma, destinando-se o procedimento inspetivo previsto na al. b) do nº 3 do artigo 2º e no artigo 15º-A da lei 107/2009 de 14/09, na redação da Lei 13/2023 de 03/04, à fiscalização da legalidade do recurso ao trabalho temporário,não é aplicável, tal procedimento inspetivo e consequentemente não é de instaurar a ARECT, nos casos em que o trabalhador desenvolva a sua atividade ao utilizador/beneficiário através de uma outra figura contratual, que saía fora do âmbito do trabalho temporário e extravase as violações ao prescrito nos art.ºs 175.º e 180.º do CT.
No caso em apreço, resulta da factualidade apurada que nem a Ré, nem os 49 trabalhadores, nem a empresa para a qual prestam a sua atividade se vincularam mediante contrato de trabalho temporário ou mediante contrato de utilização de trabalho temporário. Ao invés, a Ré contratou ao longo dos anos empresas externas, parceiros, para a substituir e executar determinado serviço que não pode ou não quer realizar internamente, ou seja, delegou funções a empresas especializadas, a fim de otimizar os seus recursos.
Com efeito, os contratos em causa, não causam qualquer prejuízo, quer para os “trabalhadores”, quer para o Estado, à luz do regime das contraordenações laborais, pela singela razão de que estes são trabalhadores subordinados de outra empresa, contratada pela Ré para a aquisição de mão de obra, em regime de outsourcing, para a recolha de ecopontos e gestão de ecocentros nos municípios da ... e do ... e exploração do Aterro Sanitário de ....
Melhor explicitando, no caso está em causa a celebração de diversos contratos de Outsourcing entre a Ré e as diversas empresas que ao longo dos anos foram contratadas por aquela, sendo certo que, no que respeita à empresa a que se encontram atualmente vinculados os trabalhadores, foi mediante concurso publico que esta empresa ganhou a prestação de serviços de mão de obra em regime de outsourcing à Ré.
Ora, o contrato de Outsourcing não se confunde com o Contrato de Trabalho Temporário, já que neste último, tal como na cedência ocasional o poder de direção é, em parte, exercido pelo utilizador, estando os trabalhadores inseridos na estrutura organizativa do utilizador, sendo este quem os coordena e dirige. Enquanto que o outsourcing, que é também uma forma de externalização dos riscos da empresa, o cliente ou tomador dos serviços (empresa) contrata à empresa prestadora de serviços um determinado resultado, atividade ou serviço, mas não exerce qualquer poder de direção sobre os trabalhadores da empresa prestadora de serviços, estes, em regra realizam a sua atividade laboral nas instalações do cliente, mas são dirigidos e orientados pelos seus próprios superiores hierárquicos. O cliente/empresa pode exercer um poder de fiscalização, que não se confunde com o poder de direção.
Assim, e, salvo o devido respeito por outro entendimento, a ACT agiu fora do âmbito da sua competência, ao atuar alegando de forma conclusiva, estar perante situações de trabalho temporário (desprovida da alegação de quaisquer factos materiais e concretos, que a provarem-se permitiriam concluir pela existência de situação de trabalho temporário), quando o que efetivamente está em causa é a concessão de uma prestação de serviços em regime de Outsourcing.
Não estando em causa o trabalho temporário, ou sendo discutível a sua qualificação, consideramos que a ACT carece de competência para instaurar o procedimento previsto no art.º 15º-A da citada Lei, uma vez que este é desprovido de fundamento no que respeita à indagação da violação dos artigos 175° e 180° do Código do Trabalho, no âmbito do trabalho temporário.
Importa realçar, que há lugar ao levantamento do auto de notícia quando, no exercício das suas funções o inspetor do trabalho, verificar ou comprovar, pessoal e diretamente, ainda que por forma não imediata, qualquer infração a normas sujeitas à fiscalização da respetiva autoridade administrativa sancionada com coima, nos termos do disposto nos nºs 1 e 2 do art.º 13º da Lei nº 107/2009 de 14/09, o que nos parece não suceder no caso em apreço.
Daqui resulta que carecendo o auto de noticia de fundamento no que respeita à indagação da violação dos artigos 175.° e 180.° do Código do Trabalho, no âmbito do trabalho temporário, não estando assim minimamente comprovada a infração à norma sujeita à fiscalização da respetiva autoridade administrativa sancionada com coima, não podia o Ministério Público ter instaurado a ação especial de reconhecimento do contrato de trabalho, por não ser o meio adequado para obter o efeito pretendido.
Uma última nota para frisar, que ainda que assim não entendêssemos, atenta a factualidade em causa a presente ação sempre seria de considerar de manifestamente improcedente por não estarem verificados os requisitos que fundamentam a pretensão do Ministério Público, ou seja, não estamos perante uma inequívoca situação de trabalho temporário.
Improcede o recurso, sendo de manter a decisão recorrida.
V - DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso de apelação apresentado pelo Ministério Público e consequentemente confirma-se a sentença recorrida.
Sem custas (cfr. art.º 4.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas Processuais).
Notifique.
5 de Junho de 2025
Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga