CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
QUALIFICAÇÃO
DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário


1- A existência de um contrato de trabalho desportivo afere-se pelo modo de execução da actividade e não pela qualificação de "amador ou profissional" com que o Clube rotula o praticante desportivo.
2- Os desportos de equipa como o futebol por norma são exercidos em regime de subordinação jurídica.
3- É de qualificar de contrato de trabalho desportivo o vinculo em que um jogador se obrigou perante um Clube desportivo, mediante acordo escrito assinado pelas partes, a prestar a actividade de futebol por duas épocas, contra pagamento de retribuição periódica (mensal) e certa (1500€), cumprindo indicações da ré, bem como rigorosos horários de trabalho por esta estabelecidos, em locais pré-determinados pela ré, fornecendo esta as refeições, o transporte e os equipamentos de trabalho.
Em caso de despedimento sem justa causa, o jogador, além da indemnização mínima correspondente às “prestações vincendas” que sempre receberia caso o contrato tivesse sido cumprido, tem também direito a indemnização pelos danos superiores que lhe forma causados a título dos danos morais. Estes ficaram provados e atingem gravidade merecedora de tutela legal, além de as circunstâncias apurados no caso demonstrarem uma conduta de lealdade no cumprimento do contrato por parte do jogador que contrasta com a contrária assumida pelo Clube.

Texto Integral


I - RELATÓRIO

AA instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum laboral contra EMP01..., SAD, pedindo que fosse reconhecido que o contrato celebrado entre as partes, válido para as épocas desportivas 2023/2024 e 2024/2025, com início a 01.07.2023 e termo fixado a 30.06.2025, corresponde a um contrato de trabalho desportivo cessado unilateralmente por despedimento ilícito promovido pela Ré que deve, assim, ser condenada a pagar-lhe a quantia global de 41.500,00€, acrescida de juros de mora desde a data de vencimento e até ao pagamento, sendo os vencidos no montante de 650,36€.
Alegou em síntese: em 1/7/2023, celebrou com a ré um contrato de trabalho desportivo, válido para as épocas de 2023/2024 e 2024/2025, com início em 1/7/2023 e termo a 30/6/2025, no âmbito do qual se obrigou a prestar-lhe a atividade de futebolista mediante o pagamento da remuneração global anual líquida de 16.500,00€, a pagar em 11 prestações de 1.500,00€ e ainda do pagamento de prémios mediante a verificação de certos resultados, ou seja, marcação de golos e subida de divisão, tendo prestado tal atividade até ao dia 16/10/2023, data em que foi dispensado pela ré, que lhe declarou que não contava mais com ele para o resto da época desportiva, o que, configurando um despedimento ilícito, lhe confere o direito a haver da ré o montante dos salários que se venceriam até ao termo do contrato, incluindo o subsídio de férias e de Natal, os prémios por golos marcados e bem ainda a quantia de 6.000,00€ a título de compensação pelo danos morais sofridos.
A ré contestou nos seguintes termos: não foi celebrado qualquer contrato de trabalho desportivo com o autor, mas sim um contrato amador, uma vez que o mesmo não é jogador de futebol profissional e não foram observados os requisitos exigidos para a sua celebração, não tendo sido intenção das partes outorgar um tal tipo de contrato, tendo-lhe sido mensalmente paga uma quantia a título de “contrapartida de um compromisso meramente desportivo”. A outorga de um contrato amador e a inscrição como jogador na Federação Portuguesa de Futebol não equivale nem justifica a existência de uma relação laboral, tratando-se meramente de um formalismo para os jogadores poderem competir em representação de uma equipa.
Realizou-se a audiência de julgamento.

Foi proferida a sentença - ora recorrida - com seguinte teor:

“Termos em que decido julgar a ação parcialmente procedente e, consequentemente:
a) reconheço e declaro que o contrato celebrado entre as partes, válido para as épocas desportivas 2023/2024 e 2024/2025, com início a 01.07.2023 e termo fixado a 30.06.2025, corresponde a um contrato de trabalho desportivo;
b) reconheço e declaro que o contrato referido em a) foi cessado unilateralmente por despedimento ilícito promovido pela ré, condenando em consequência a ré a pagar ao autor as seguintes quantias:
1. a quantia global de 34.500,00€, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, calculados desde a data de citação da ré e até ao seu integral e efetivo pagamento;
2. a quantia de 2.000,00€, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, calculados desde a presente data e até ao seu integral e efetivo pagamento;
3. absolvo a ré do demais peticionado pelo autor.
Custas pelo autor e pela ré na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 13% para o autor e 87% para a ré – cfr. art. 527.º, n.os 1 e 2, do CPC.”

*
FOI INTERPOSTO RECURSO PELA RÉ –CONCLUSÕES
[…]
        
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO – sustenta-se que o recurso não merece provimento.
Sem respostas ao parecer.
O recurso foi apreciado em conferência – art. 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR [1]: nulidade de sentença; impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto; qualificação do vínculo jurídico que une as partes; indemnização por danos não patrimoniais.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS

PROVADOS:

1. O Autor é jogador de futebol onze e sócio do Sindicato dos Jogadores Profissionais de futebol.
2. A Ré é uma sociedade anónima desportiva que tem por objeto, entre outros, a participação em competições de futebol, a promoção e organização de espetáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de atividades relacionadas com a prática desportiva da modalidade de futebol, competindo a sua equipa de futebol sénior nas competições organizadas pela Federação Portuguesa de Futebol.
3. Na época desportiva 2023/2024 a equipa de futebol da Ré participou nas seguintes provas de cariz nacional, organizadas e tuteladas pela Federação Portuguesa de Futebol: Liga 3 e Taça de Portugal.
4. No dia 01.07.2023, as partes celebraram o acordo escrito anexo à petição inicial como doc. 1, constante de fls. 36 a 37 dos autos, denominado de “contrato amador”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual constam, ademais, os seguintes dizeres:
“(…) 2. O Jogador obriga-se a prestar com regularidade a atividade de futebolista do EMP01... SAD, em representação e sob a autoridade e direção deste, nas épocas desportivas de 2023/2024, com data de início a 01 de julho de 2023 e término a 30 de junho de 2025.
Retribuição
3. Pela prestação acima referida, o  EMP01... SAD obriga-se a pagar ao julgador:
3.1. Nas épocas desportivas de 2023/2024 e 2024/2025, a remuneração global e líquida de €16.500,00€ (dezasseis mil e quinhentos euros) a pagar em 11(onze) prestações mensais, iguais e sucessivas no valor de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros), a primeira a ser paga até ao dia 05 de agosto 2023, as restantes 10(dez) prestações no mesmo dia nos meses subsequentes, até ao dia 5(cinco) do mês seguinte àquele que disser respeito.
Prémios:
A) Jogos (Liga 3/Taça de Portugal)
. Na época desportiva 2023/2024, se o jogador marcar 10 golos na conjugação de competições (Liga 3/Taça de Portugal), terá direito a um prémio de €1.000,00 (mil euros), se o jogador marcar 15 golos na conjugação de competições (Liga 3/Taça de Portugal), terá direito a um prémio de € 1.000,00 (mil euros).
. Na época desportiva 2024/2025, o se o jogador marcar 10 golos na conjugação de competições (Liga 3/Taça de Portugal), terá direito a um prémio de €1.000,00 (mil euros), se o jogador marcar 15 golos na conjugação de competições (Liga 3/Taça de Portugal), terá direito a um prémio de € 1.000,00 (mil euros).
. Na época desportiva 2023/2024, se o jogador subir de divisão terá um prémio no valor de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros). (…)”
5. O Autor exerceu as funções de jogador de futebol nas instalações da ré, cumprindo um horário fixado e determinado por esta.
6. De acordo com o plano de trabalho ordenado pela equipa técnica, no que diz respeito aos horários dos treinos, antes de arrancar as competições oficiais, o Autor tinha treinos bi-diários, das 10h às 12h00, e da parte da tarde, das 15h30 até às 17h.
7. O Autor, nos treinos da parte da manhã, por ordens e instruções da Ré tinha de se apresentar nas instalações do clube até às 08h15, para tomar, juntamente com os seus colegas, o pequeno-almoço estipulado e providenciado pela Ré.
8. Quando os treinos eram da parte da tarde, por ordem e instruções da Ré, o Autor tinha de se apresentar às 15h para se preparar o treino.
9. Quando começou a competição, com jogos oficiais, para diminuir a carga física e aumentar o tempo de recuperação entre jogos e treinos, os treinos passaram a ser apenas da parte da manhã, de 3ª feira a sábado, das 10h às 12h, ocorrendo os jogos, usualmente ao domingo, da parte da tarde, folgando o Autor e os seus colegas no dia a seguir aos jogos, geralmente à 2ª feira, podendo contudo, o plano estar sujeito a alterações por parte da equipa técnica, podendo alguns treinos da manhã passar para a parte de tarde, bem como em algumas situações retomarem o regime de treinos bidiários, tendo que o Autor estar inteiramente disponível para se apresentar fosse qual fosse o horário que a equipa técnica determinasse.
10. O Autor, tal como na pré-época por ordens e instruções da Ré, tinha de se apresentar nas instalações do clube até às 08h15, para tomar, juntamente com os seus colegas, o pequeno-almoço estipulado e providenciado pela Ré.
11. Os treinos decorriam sempre nas instalações da Ré ou instalações que esta determinasse.
12. Todos os treinos eram agendados pela equipa técnica da Ré, em consonância com a administração, sendo o plano de treinos semanal remetido por elementos da sua equipa técnica.
13. O Autor sempre exerceu as suas funções, sujeito às ordens, direção e fiscalização da Ré, tendo participado em todos os treinos e jogos para os quais foi convocado e obedecendo a todas as ordens e instruções que lhe eram dadas, quer fosse a equipa técnica, quer fossem os dirigentes da Ré.
14. A Ré procedia ao pagamento da contrapartida monetária estipulada no acordo referido em 4 através de transferência bancária.
15. A Ré solicitava ao Autor que este passasse recibos verdes declarando os montantes recebidos, tendo este, no dia 21.10.2023, emitido três recibos, no valor líquido de €1.500,00 (mil e quinhentos euros) cada, referentes aos valores devidos por referência aos meses de julho, agosto e setembro.
16. Enquanto membro do plantel, e por determinação da Ré, que o convocava, o Autor participou em 6(seis) jogos oficias, ao seu serviço.
17. Em dias de jogo, por determinação da Ré que assim o exigia, o Autor apresentava-se nas instalações desta, algumas horas antes do jogo, em horário a determinar pela equipa técnica da Ré, para iniciar um período de estágio/ concentração, tendo a obrigação de fazer as refeições em conjunto com o resto da equipa, refeições essas também a cargo da Ré.
18. Quando os jogos eram em casa, o Autor e os seus colegas tinham de almoçar juntos em restaurante determinado pela Ré, com o regime alimentar definido por esta.
19. Quando os jogos eram fora de casa, o Autor, por determinação da Ré, tinha de se apresentar nas instalações do clube para se concentrar com o resto da equipa e equipa técnica, para que as deslocações fossem realizadas em viatura disponibilizada pela Ré, ficando o transporte para os jogos também a cargo desta, bem como as respetivas despesas.
20. Também nos jogos fora de casa, o Autor tinha de, por instruções da Ré, almoçar juntamente com os seus colegas, em local a definir pela Ré, sendo essas refeições a cargo desta, sendo a mesma que definia o plano alimentar.
21. Todos os treinos e jogos eram supervisionados pelo treinador da equipa de futebol da Ré cujas ordens e instruções o Autor estava obrigado a seguir.
22. Com efeito, eram os dirigentes da Ré e o treinador que ordenavam, supervisionavam  e coordenavam a atividade e os horários que o Autor teria de cumprir, treinando este nas instalações e com os instrumentos de trabalho (bolas, aparelhos de treino e equipamentos) fornecidos pela Ré.
23. O Autor estava sujeito à colaboração em estágio/concentrações e em sessões de apuramento técnico, tático e físico, bem como à presença em todas as provas e competições desportivas que a Ré indicasse.
24. No dia ../../2023, num jogo disputado, em casa, contra a ..., a contar para a ... jornada da Liga 3, Série A, 2023/2024, o Autor fraturou o nariz, num lance disputado no decorrer da partida, tendo de ser substituído ao intervalo, dada a gravidade da lesão e as dores que impossibilitavam o autor de continuar em campo.
25. Foi-lhe igualmente comunicado pelo médico que o acompanhou, que para corrigir a irregularidade causada pela lesão nos ossos próprios do nariz seria necessário o recurso a cirurgia.
26. O Autor devido a essa lesão - que carecia de cirurgia para correção da irregularidade dos ossos do nariz, após o trauma - ficou sem conseguir competir, durante alguns jogos.
27. A ré pediu ao Autor para adiar a cirurgia, uma vez que a sua ausência faria com que  a Ré tivesse menos uma opção disponível para jogar e que o seu contributo era importante para a equipa.
28. O autor aceitou adiar a operação de que necessitava, tendo voltado a competir, no dia ../../2023, num jogo disputado contra o ..., a contar para ... jornada, da Liga 3, séria A, 2023/2024.
29. O Autor aceitou competir, mesmo condicionado, jogando de máscara para proteger a zona afetada pela lesão.
30. Em reunião havida no dia 16.10.2023, a Ré, através dos seus responsáveis, comunicou ao Autor que estava dispensado e que não contavam mais com ele para o resto da época desportiva.
31. Na dita reunião, o Autor negou-se a assinar qualquer tipo de acordo de revogação, não obstante a pressão exercida pela ré para que o Autor o fizesse.
32. O autor apresentou-se para treinar na manhã do dia seguinte (17.10.2023) e, após se ter equipado, o autor foi interpelado pelo Sr. BB, diretor desportivo da Ré, que o informou que, atendendo a que o Autor havia sido dispensado pela Ré, estava proibido de treinar ou sequer frequentar as instalações da mesma, tendo exigido que o Autor despisse o equipamento da Ré que levava vestido e o devolvesse no imediato, atendendo a que não era mais jogador da Ré.
33. Em reunião no balneário em que estiveram presentes, para além do Autor, a equipa técnica, todo o plantel e a vice-presidente do clube, CC, foi por esta comunicado, à frente de todos, que o Autor havia sido dispensado, mais alertando que, caso não retirasse o equipamento e o devolvesse, seria alvo de processo disciplinar.
34. Foi entregue ao autor uma declaração, emitida pela administração da Ré, com a data de 17.10.2023, em que esta declarou prescindir dos seus serviços.
35. No dia 24.10.2023, com o apoio do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, o Autor remeteu à Ré, por email, solicitação para que esta, num prazo máximo de 5(cinco) dias, após a data de envio da comunicação, procedesse ao pagamento da indemnização prevista no artigo 24.º da Lei n.º 54/2917 de 14 de julho.
36. No dia 30.10.2023, a Ré respondeu à carta de interpelação, através do email que consta anexa à petição inicial como doc. 12 (fls. 50), cujo teor aqui se dá por reproduzido.
37. A ré dispensou o autor ciente de que o mesmo estava lesionado e a carecer de cirurgia.
38. O Autor jogou vários jogos lesionado ao serviço da Ré sob a condição de que esta agendaria a cirurgia e faria cargo da mesma.
39. Na época desportiva 2020/2021, então ao serviço do Limianos, o autor marcou 19 golos em 17 jogos, na época 2021/2022, tendo jogado uma parte da época no Limianos e outra parte no ..., o Autor marcou um total de 15 golos em 23 jogos e na época 2022/2023, o Autor marcou 12 golos em 31 jogos ao serviço do ....
40. Os prémios por objetivos foram um elemento essencial na negociação do contrato celebrado entre as partes, tendo sido a possibilidade de incrementar o valor acordado a título de vencimento base, mediante o cumprimento de objetivos, que levou o Autor a escolher aceitar a proposta de contrato de trabalho da Ré, em detrimento de outras propostas.
41. A dispensa apanhou o Autor totalmente de surpresa e lesionado.
42. O Autor sentiu-se enganado, desprezado, humilhado e desiludido em relação à atividade que sempre sonhou exercer, a de ser jogador de futebol, tendo-o feito questionar o seu próprio valor, levando-o, inclusive, a pensar desistir de jogar de futebol.
43. A situação provocou ao autor elevada ansiedade, tristeza, provocando igualmente angústia.
44. E ficou sem clube, com grande parte dos planteis já fechados, e com fracas perspetivas de encontrar um clube que lhe oferecesse um contrato com as mesmas condições.
45. E provocou uma paragem abrupta da participação do autor em treinos e jogos, tendo o Autor ficado cerca de um mês e meio sem jogar, o que levou a uma perda de índices físicos, técnicos e até mentais.
46. E apenas conseguiu encontrar, para continuar a jogar futebol, o clube ..., coletividade que milita no Campeonato de Portugal (equivalente à ... divisão das competições nacionais), enquanto a Ré compete numa divisão acima, a Liga 3 (equivalente à ... divisão nas competições nacionais).
47. A ré é um clube com história de participação nas competições profissionais, como a ... e a 2ª liga, e que estava numa divisão que lhe permitiria disputar o acesso à subida à 2ª Liga.
48. O clube ... nunca participou nas ligas profissionais em Portugal.
49. Um atleta tem menor probabilidade de ser observado e valorizado tendo em vista o possível interesse de clubes de maior dimensão, que lhe possam oferecer melhores contratos, quanto mais baixa é a divisão em que este compete.
50. À data referida em 30, o autor tinha 35 anos.
51. Os calendários, refeições e equipamentos são disponibilizados a todos os elementos do plantel.
*
FACTOS NÃO PROVADOS:

Todos os demais factos alegados, designadamente:
A. Na ocasião referida em 33., foi dada ordem ao autor para passar na sede da Ré para assinar o acordo de revogação do contrato celebrado, mais alertando que, caso não aceitasse assinar tal acordo, seria alvo de processo disciplinar.
B. A ré adotou uma conduta por forma a constranger e humilhar o Autor à frente de todos os seus colegas, com o propósito de o intimidar e forçar a assinar um documento com o qual não estava de acordo.
C. A dispensa do autor foi a situação de maior embaraço que o autor viveu na sua vida, tendo-o afetado na sua autoestima, tendo ficado depressivo, com tendência a isolar-se, sem vontade de sair de casa, tendo inclusive vergonha de dizer às pessoas que tinha sido dispensado do clube.
D. E tinha ainda dificuldades em adormecer, por rever vezes sem conta tão marcantes eventos e a pensar como seria o seu futuro profissional, com períodos de grande sofrimento.
E. O Autor ficou quase 2(dois) meses sem jogar.
F. O referido em 46. ocorreu por o autor ter ficado com o rótulo de jogador dispensado.
*
G. O autor não é jogador de futebol profissional.
H. Nunca foi intenção do autor e da ré celebrar um contrato de trabalho desportivo, tendo as partes acordado que o autor seria jogador amador da ré.
I. A ré inscreveu o autor como jogador amador na Federação Portuguesa de Futebol.
***
B) NULIDADE APONTADA À SENTENÇA:

Refere a recorrente nulidade por omissão de fundamentação quanto à matéria de facto que sustenta a decisão.
O vício de nulidade tem os seus fundamentos taxativamente previstos na lei (615º CPC). Abrange, apenas, aspectos formais,  de estrutura e limites da decisão, entre os quais não se encontra a discordância sobre a prova dos factos, nem sobre o direito. Estes respeitam ao recurso.
Segundo o artigo 615º, nº1, CPC, é nula a sentença quando o juiz: “(…)b) - não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;”
A previsão reporta-se a vício de falta de motivação que pode atingir a sentença, exigindo-se que da mesma conste a factualidade que suporta a decisão (bem como a interpretação e aplicação do direito)  - 607º, 3, 4, CPC.
Abarcam-se, aqui, os casos de falta de indicação dos meios probatórios e/ou da sua valoração crítica, dos quais o juiz se socorreu para decidir os factos como provados ou não provados. Exigindo-se que o julgador exteriorize o seu percurso lógico de raciocínio probatório, fazendo a ligação entre as provas que o levaram ao juízo probatório sobre os factos essenciais, segundo todas as várias soluções plausíveis de direito. Esta exposição tem dupla função, destinando-se a convencer o destinatário do bem fundado da decisão probatória reforçando a objectividade do julgador e, por outro lado, permite o seu escrutínio pelas partes e tribunal superior, em caso de recurso.
Conquanto decorra do referido preceito a necessidade de expor em que se baseia a prova, relembramos que a nulidade da sentença por falta de fundamentação apenas ocorrerá quando o tribunal omita totalmente a fundamentação de facto e/ou de direito em que ancorou a decisão de mérito proferida nessa sentença[2]. O que se exige é que a decisão demonstre quais são as suas premissas.
Lida a sentença concluiu-se pela inexistência da apontada falta de motivação quanto aos factos.
Na sentença constam os factos provados e não provados, os meios de prova e o modo como foram valorizados e/ou desvalorizados.
A fundamentação da prova não tem de ser feita facto a facto, sobretudo se referia a aspectos marginais ou não contestados. O que se exige é a exposição sobre o fulcro da questão que divide as partes e está controvertido.
De resto, anota-se uma extensa explicação da prova para a qual se remete, mormente sobre as questões referidas pela recorrente, em especial a intenção das partes aquando da celebração do contrato, a participação do autor em jogos, a lesão sofrida, a dispensa dos seus serviços por parte da ré, etc.
Veja-se por exemplo o seguinte trecho:
“...declarações do autor e do depoimento da testemunha DD, que foi quem, como treinador do ..., declarou ter dado orientações ao clube para proceder à contratação do autor e, como tal, demonstrou um conhecimento direto dos termos da referida contratação, tendo asseverado que, tal como por aquele declarado, ficou verbalmente acordado entre as partes tudo o que de escrito consta do dito documento, tendo ainda sido prometido ao autor que continuaria no clube no exercício de outras funções, após o terminus do contrato, tendo conseguido, com a promessa do pagamento dos prémios por golos marcados, que o autor baixasse o salário pretendido, resultou para o tribunal a firme convicção de que o autor foi efetivamente contratado para exercer futebol a título profissional e não amador, como alegado pela ré, tanto assim que quer o autor, quer as testemunhas inquiridas, quer mesmo o legal representante da ré, admitiram em uníssono que o mesmo prestava a sua atividade de jogador para o clube nas exatas mesmas condições de todos os demais jogadores classificados e contratados pela ré com a referida categoria de profissional...”
“A atividade e posicionamento do Clube ... no mundo do futebol e dos demais clubes pelos quais o autor passou, incluindo antes do ... e após a sua dispensa, foi também unanimemente confirmada quer pelo autor, quer por todas as testemunhas inquiridas, tendo ainda as testemunhas DD, EE e FF confirmado a boa prestação de marcador do autor, nos termos da informação que consta registada nos documentos 5 e 6 anexos à petição inicial, sendo que o autor, de forma não contestada por qualquer outra prova, confirmou ainda o número de jogos que realizou ao serviço do ..., ou seja, 6, anotando-se que a matéria relativa à lesão sofrida pelo autor, e manutenção da atividade em prol do ... apesar da mesma, também buscou confirmação não só nas declarações do próprio, como também no depoimento das testemunhas DD e EE, em total arrimo com o documento médico que consta anexo à petição inicial sob o n.º 7 e com a troca de mensagens que ali consta anexo como doc. 8, documentos que, reitera-se, não foram efetivamente impugnados pela ré quanto aos seus dizeres, tendo as referidas testemunhas confirmado que o autor, com espírito de grande sacrifício, continuou a jogar em proveito do clube apesar daquela lesão que carecia de tratamento.
As circunstâncias em que veio a ser dispensado o autor também buscaram a confirmação unânime na prova que veio a ser produzida em Juízo (anotando-se que a extensão do julgamento se deveu não à efetiva existência de qualquer dissídio a tal respeito, ou mesmo a respeito da forma como era prestada a atividade pelo autor, no que todas as testemunhas/partes acabaram por estar de acordo, mas antes à tentativa de exercer censura à interpretação jurídica/atuação dos corpos dirigentes do Clube), tendo o autor, como as testemunhas GG, EE, HH, II e o legal representante da ré confirmado a dispensa deste em reunião havida no dia 16 de outubro de 2023, para além do que o legal representante da ré admitiu que houve insistência para que o autor assinasse um documento para pôr termo à situação, declarando que nada tinha a receber, tendo ainda confirmado que foi entregue ao autor, no dia 17 de outubro, a declaração que consta anexa à petição inicial como doc. 9.
.... Das circunstâncias em que veio a decorrer a dispensa do autor, ou seja, no âmbito de um plano de reestruturação da ré, que todos declararam estar então a passar por dificuldades financeiras, tanto assim que o próprio autor já tinha uma mensalidade em atraso, e visto que o ingresso/permanência do autor no balneário no dia 17 de outubro veio a verificar-se já após a dispensa que lhe foi pessoalmente transmitida no dia 16 de outubro....”

Improcede a arguição de nulidade.

C ) RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:

O tribunal superior deve alterar a materialidade que sustenta o direito, caso os factos considerados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente imponham decisão diferente – art. 662º do CPC.
 “Impor” é diferente de “admitir ou “possibilitar”, o verbo escolhido aponta para uma exigência superior. A apreciação de que o tribunal da Relação é capaz, objectivamente é mais limitada no que se refere à prova gravada. Não dispõe de imediação. A sua percepção baseia-se na audição, escapando-lhe a leitura que o visual pode proporcionar.
Assim, impõe-se um especial grau de exigência à segunda instância, a qual deve apenas modificar a matéria fáctica caso se evidencie, de modo claro, uma errada valoração. É preciso que se detecte um inquestionável mal julgado e que não haja qualquer dúvida que a resposta deveria ser indubitavelmente outra.
*
A recorrente pretende a alteração dos pontos provados 4, 5, que os pontos provados 42 a 45 e 49 sejam não provados e que seja aditado um ponto omisso (matéria alegada na contestação).
Invoca as declarações do autor e os depoimentos de FF, EE, CC e JJ, esposa do autor.
*
Pontos provados 4 e 5:
Refere que o ponto 4 é manifestamente conclusivo, contendo informação que não deve estar nos factos provados.
Mais refere que o ponto 5 deve ser alterado para “O Autor exerceu as funções de jogador de futebol amador nas instalações da ré, cumprindo um horário fixado e determinado por esta”.
Analisando:
No ponto 4 consta:
“No dia 01.07.2023, as partes celebraram o acordo escrito anexo à petição inicial como doc. 1, constante de fls. 36 a 37 dos autos, denominado de “contrato amador”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual constam, ademais, os seguintes dizeres:
 “(…) 2. O Jogador obriga-se a prestar com regularidade a atividade de futebolista do EMP01... SAD, em representação e sob a autoridade e direção deste, nas épocas desportivas de 2023/2024, com data de início a 01 de julho de 2023 e término a 30 de junho de 2025.
Retribuição
3. Pela prestação acima referida, o  EMP01... SAD obriga-se a pagar ao julgador:
3.1. Nas épocas desportivas de 2023/2024 e 2024/2025, a remuneração global e líquida de €16.500,00€ (dezasseis mil e quinhentos euros) a pagar em 11(onze) prestações mensais, iguais e sucessivas no valor de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros), a primeira a ser paga até ao dia 05 de agosto 2023, as restantes 10(dez) prestações no mesmo dia nos meses subsequentes, até ao dia 5(cinco) do mês seguinte àquele que disser respeito.
Prémios:
A) Jogos (Liga 3/Taça de Portugal)
. Na época desportiva 2023/2024, se o jogador marcar 10 golos na conjugação de competições (Liga 3/Taça de Portugal), terá direito a um prémio de €1.000,00 (mil euros), se o jogador marcar 15 golos na conjugação de competições (Liga 3/Taça de Portugal), terá direito a um prémio de € 1.000,00 (mil euros).
. Na época desportiva 2024/2025, o se o jogador marcar 10 golos na conjugação de competições (Liga 3/Taça de Portugal), terá direito a um prémio de €1.000,00 (mil euros), se o jogador marcar 15 golos na conjugação de competições (Liga 3/Taça de Portugal), terá direito a um prémio de € 1.000,00 (mil euros).
. Na época desportiva 2023/2024, se o jogador subir de divisão terá um prémio no valor de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros). (…)”

O ponto 4 nada tem de conclusivo. Tal só aconteceria caso se desse como provado não um facto, evento ou ocorrência concreta da vida, constatável pela experiência e/ou ciência, mas sim uma conclusão que deveria ser retirado do verdadeiro facto.
Ora no ponto dá-se como provado que as partes fizeram um acordo com determinados dizeres. Esse é o facto. Saber os termos efectivos em que o autor trabalhava para a ré, de modo regular ou não, sob a sua tutela/subordinação ou não, inserido ou não, é questão diferente, a retirar doutros factos, aliás dados como provados e não contestados pela ré.
Ponto provado 5- “O Autor exerceu as funções de jogador de futebol nas instalações da ré, cumprindo um horário fixado e determinado por esta. “
Pretende a recorrente introduzir que o autor exercia as funções de jogador de futebol “amador”.
O termo é conclusivo. Desconhecemos se o recorrente se pretende referir ao estatuto jurídico desportivo da competição, ou se ao estatuto jurídico laboral do praticante, realidades diversas. Independentemente disso, ambos são conceitos, que terão de ser extraídos de factos, mormente, no segundo caso, do grau de inserção e subordinação do praticante, do pagamento ou não de remuneração, da exclusividade ou preponderância da actividade, etc. Note-se que o ponto integra tema fulcral a decidir, pelo que não nos podemos bastar com alusões genéricas e conceptuais, ainda que com algum entrosamento na linguagem comum.  É preciso mais. De resto existe ampla matéria dada como provada capaz de fazer luz sobre o caso.
Improcede a impugnação destes dois pontos.
*
Os pontos estão ligados aos seguintes não provados e que o recorrente também contesta e pretende que passem a provados:
J. O autor não é jogador de futebol profissional.
K. Nunca foi intenção do autor e da ré celebrar um contrato de trabalho desportivo, tendo as partes acordado que o autor seria jogador amador da ré.
O ponto J, nos termos referidos, é conclusivo, tendo de ser extraído de pontos factuais mais concretos.
Quanto à intenção do autor, e pondo parte os nomes jurídicos que constam do contrato e a natural limitação de um cidadão comum em classificar um contrato (tarefa, aliás, conferida ao tribunal), apenas poderão ser atendidas as condições contratuais concretas que tiveram em mente, mormente se pretendiam a prestação de actividade em regime mais intensivo e exclusivo, se submetida às instruções e organização da ré, mediante pagamento de contrapartida, etc...
Sobre este ponto o que resulta da prova testemunhal é apenas o que coincide com as condições contratuais e com a restante provada noutras alíneas.
O autor nas suas declarações retratou-se como profissional de futebol (“ponta de lança”) independentemente da classificação que lhe dessem, vindo do “...” e sendo convidado pelo então Presidente da ré. Referiu que jogava futebol do mesmo modo que os jogadores que eram pela ré classificados “de profissionais” (mesmo horário, intensidade, equipamentos fornecidos, instruções, etc), e que “os verdadeiros amadores vão ao treino quando querem”.
FF, director desportivo da R em 2023, assistiu às negociações do contrato entre o A e o então Presidente da Ré. O autor foi contratado para duas épocas com “salário acordado” com o Presidente, referindo-se ao autor como “era nosso jogador”. Segundo o que assistiu, no primeiro ano era para passar recibos verdes e no segundo ano “ia ser metido no contrato profissional”. Declarou desconhecer o motivo pelo qual o autor passaria recibos verdes no 1º ano, “não havia diferença nos dois anos, a única diferença era nos recibos verdes”. Acha que depois fariam uma correcção ao contrato. Instado a diferenciar o jogador profissional do jogador amador referiu que estes teriam uma remuneração mais baixa e, caso recebessem algo, tal teria de ser comunicado à Federação. Com interesse referiu que, ao invés, o autor era “dos mais bem pagos”.
EE, jogador de futebol, foi colega do autor no Clube da ré, e noutros clubes, estando na mesma situação que o autor, tendo sido “dispensado” pela ré.
Referindo-se a si próprio, retratou-se como jogador profissional de futebol recebendo na Ré 750€ mensais. Retratou também o autor como um jogador profissional, um “ponta de lança”, tendo todas as obrigações de comparecer ao treino, com horários de trabalho intenso, tendo de estar disponível, com regras para cumprir, sendo dificilmente compatível com qualquer outra actividade. Do seu depoimento não resulta que o autor tivesse intenção de acordar em “jogar futebol como amador”.
KK, é vice-presidente do Clube desde setembro de 2023. Desconhecia por completo a contratação do autor. De resto prestou depoimento pouco claro, repleto de rectificações, desdizendo-se frequentemente, e muito centrado na situação patrimonial débil do clube, com a qual se deparou após entrar para a vice-presidência, e sem contabilidade organizada. No que se refere à distinção entre “jogadores profissionais e amadores”, para a testemunha os primeiros eram os que tinham contrato formal de trabalho desportivo, cerca de 15, já os que não tinham eram “amadores”, que seriam outros 15.
Recorrendo a outros depoimentos, mormente de LL, presidente do Clube, dele depreendemos que a prestação do autor não se distinguia dos ditos “profissionais”. Segundo o presidente, o que distingue o “amador do profissional é a existência de contrato”, “o resto é igual”, excepto remuneração que não recebem, mas sim “ajuda de custo”. Instado sobre o facto de autor passar “recibos verdes”, que não se compagina com “ajuda de custo”, não soube apresentar explicação.
É de manter os pontos como não provados.
***
A recorrente pretende ainda o aditamento do seguinte ponto que alegou nos art.s 11º, 12º e 14º da contestação:
“As regras de trabalho e disciplina aplicáveis ao Autor, bem como a disponibilização de instrumentos e equipamentos para a prática do desporto, identificadas nos factos provados 5 a 14 e 17 a 25, são igualmente aplicáveis a jogadores profissionais e amadores”.
Mais uma vez o ponto é conclusivo no que se refere ao uso das categorias “jogadores profissionais e amadores”.
Ademais, dos depoimentos acima já referidos, entre eles de FF e EE, colhe-se o inverso, sublinhando-se que não foi identificado algum jogador que estivesse no clube e cuja actividade de futebol fosse prestada de modo diferente daqueles jogadores classificados pela ré como ”profissionais”.
Improcede a impugnação.
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Quantos aos pontos provados nºs 42 a 45 e 49º que a recorrente pretende que sejam não provados (danos do autor, pessoais e de desvalorização profissional):
O autor descreveu os danos, que foram confirmados pelo colega e jogador EE, que acompanhou a sua situação pessoal, inclusive quanto ao tempo em que esteve parado e dificuldade de encontrar novo Clube, situação de resto muito aparentada com a sua. Os danos foram ainda confirmados pela testemunha JJ, esposa do autor, que relatou o seu estado anímico (“a surpresa, a desmotivação, revolta, pensou em desistir...).
Improcede a impugnação.
        
D) DIREITO

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente.
Com excepção do valor da indemnização por danos não patrimoniais, as questões de direito que se colocavam estavam totalmente dependentes da alteração da matéria de facto, a saber, e na essência, as relativas à prova da existência de um contrato de trabalho desportivo e danos causados ao autor com a cessação ilícita desse mesmo contrato.
A impugnação foi julgada totalmente improcedente (ficando provado os fundamentos fácticos), pelo que inexistindo questões de direito autónomas, mantém-se a fundamentação da sentença para a qual se remete.
Ainda assim, e não sendo claro que a recorrente assimilou a inexistência de autonomia das questões fácticas e de direito, sempre se repisa o seguinte:

Quanto à qualificação do vínculo contratual:
O contrato de trabalho desportivo é uma subespécie especial regido por normas próprias e, subsidiariamente, pelas normas gerais do contrato de trabalho, conquanto compatíveis com a sua especificidade- 3º, do DL 54/2017, de 14 de julho, doravante RJCTD.
A lei define do seguinte modo o contrato de trabalho desportivo:
Art. 2º RJCTD: ”Para efeitos da presente lei entende-se por: a) “Contrato de trabalho desportivo, aquele pelo qual o praticante desportivo se obriga, mediante retribuição, a prestar atividade desportiva a uma pessoa singular ou coletiva que promova ou participe em atividades desportivas, no âmbito de organização e sob a autoridade e direção desta”
Nesta definição, adaptada ao desporto, estão presentes os três traços habitualmente citados para definir qualquer contrato de trabalho: 1- obrigação do trabalhador prestar uma actividade; 2- pagamento pela empregadora de uma remuneração; inserção do trabalhador em organização e sob autoridade de outrem (subordinação jurídica).
Veja-se neste sentido as noções legais de direito civil e laboral:
Art. 1152º CC” Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.”

Art. 11º do CT” Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.”
Assim sendo, o que diferencia o contrato de trabalho desportivo é a especificidade da prestação que é a prática desportiva. O contrato de trabalho abrange qualquer actividade, o desportivo restringe-se a esta última acabada de referir.
Há que separar conceitos que vêm sendo misturados pela recorrente, quais sejam os de jogador profissional e de jogador amador.
Ao direito laboral importa apenas as condições concretas em que a actividade é exercida e não a qualificação dada pelas partes ao contrato, no caso “contrato amador”. Consoante o modo de execução da actividade desportiva, assim esta poderá ser classificada de subordinada/laboral ou de autónoma.
Assinale-se, também, que nem todos os desportistas, ainda que profissionais, exercem a actividade ao abrigo de contratos de trabalho, podendo fazê-lo ao abrigo de outros, como de prestação de serviço, mormente nos casos de modalidades individuais como o boxe, actividades radicais, ténis ou golfe.
Como refere João Leal Amado, Contrato de Trabalho Desportivo, 2019, Almedina, pág. 17 “a figura do praticante/trabalhador subordinado é, pelo contrário, característica dos chamados desportos de equipa (futebol, basquetebol, andebol, voleibol, hóquei, râguebi, etc.) Com efeito, pode dizer-se que o âmbito natural da subordinação, no trabalho desportivo, coincide com desportos de equipa”.
O praticante desportivo que exerce o desporto a troco de retribuição e em regime de subordinação jurídica é, em termos laborais, um praticante desportivo profissional. Mais uma vez, o que importa é a forma de execução da actividade desportiva, ao contrário do que parece entender a recorrente.
Dito isto, para a prova do contrato de trabalho usam-se tradicionalmente indicadores demonstrativos daquilo que a jurisprudência e doutrina têm apontado como traço característico do contrato de trabalho, qual seja a subordinação jurídica, entendida como a sujeição da actividade prestada pelo trabalhador a parâmetros importantes ditados pelo empregador, que assim gere, conforma e delimita a execução do trabalho.
Para facilitar a tarefa de qualificação, pela jurisprudência foi sendo utilizado o denominado “método indiciário”, inventariando-se uma grelha de indícios demonstrativos de subordinação jurídica, entre eles a existência de local e horário de trabalho estabelecido pelo empregador, a remuneração regular e certa, a sujeição do prestador da actividade a ordens e instruções, o fornecimento dos instrumentos de trabalho pelo empregador, a exclusividade do trabalhador e o dever de não concorrência, a pessoalidade no relacionamento que obsta a que trabalhador se faça substituir por um terceiro, a sujeição a sanções, e outros indicadores secundários como a dependência económica, e regimes fiscais e de segurança social.
Reconhecendo-se as dificuldades do método indiciário, o legislador foi mais longe e criou presunções legais destinadas a objectivar e facilitar a prova do tipo de vínculo. Assim, verificados que estejam pelo menos dois indícios, presume-se a laboralidade da relação, competindo à parte contrária demonstrar que, apesar disso, em virtude de outros factores, o trabalho é prestado em regime de auto e não hetero-determinação.
Esta presunção é aplicável ao contrato de trabalho desportivo. A norma em causa refere:
Art. 12º CT: ” 1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
                                                         ***
Da matéria provada resulta, de forma abundante e inequívoca, a verificação de quatro indicadores que fazem funcionar a presunção de existência de contrato de trabalho, a saber a existência de horário de trabalho, de local de trabalho, o pagamento de retribuição regular e certa e o fornecimento de instrumentos de trabalho.
Competia a ré ilidir a presunção, o que não fez, não estando provado qualquer indicador de autonomia.
Diga-se que, ainda que o autor não beneficiasse de uma presunção legal, a prova da existência de contrato de trabalho seria facilmente alcançada com recurso ao supra referido método indiciário, conforme resultada dos pontos provados 4 (condições contratuais, entre elas o dever de prestar a actividade de futebolista sob a autoridade e direcção da ré, bem como pagamento de retribuição regular e certa ), 5 a 10 e 12 (horários de trabalho minuciosamente regulamentados), 11, 16 e 16(locais de trabalho determinados pela ré), 13, 16, 21 a 23 (inúmeras instruções emitidas pela ré), 14 e 4 (retribuição regular mensal e certa), 17º e 18 (outros indicadores de inserção, como locais a comparecer e refeições fornecidas pela ré), 19º (fornecimento de transporte e pagamento de despesas de transporte), 18 e 20 (fornecimento de refeições), 22 (fornecimento pela ré de instrumentos de trabalho, como equipamentos, bolas e aparelhos de treino).
Diga-se que se há acções em os factos são parcos exigindo esforço para interpretação do vínculo, esse não será seguramente o caso dos autos, onde tudo é concordante no sentido da laboralidade, desde os termos acordados até à prática contratual, sendo irrelevante o “rótulo” de “contrato amador” que figura no documento escrito. As partes são livres de moldar livremente o conteúdo do contrato, mas não de classificarem, elas próprias, o contrato, tarefa que resultará antes da aplicação da lei.
Uma palavra para referir que não obsta à classificação do contrato como sendo de trabalho desportivo o facto de a ré não o ter registado - 7º, 1, 11º, a, b, d, RJCTD. O registo, conquanto seja um dever fulcral a cargo da entidade empregadora, não é condição de validade do contrato de trabalho desportivo. Este não se esgota na competição, compreende o direito ao treino e actividades preparatórias. A lei apenas exige a celebração do contrato por escrito com assinatura de ambas as partes, o que foi cumprido com as menções requeridas na norma:
(6º RJCTD )
....2 - O contrato de trabalho desportivo só é válido se for celebrado por escrito e assinado por ambas as partes.
3 - Do contrato de trabalho desportivo deve constar: a) A identificação das partes, incluindo a nacionalidade e a data de nascimento do praticante; b) A identificação do empresário desportivo que tenha intervenção no contrato, com indicação da parte que representa, ou a menção expressa de que o contrato foi celebrado sem intervenção de empresário desportivo; c) A atividade desportiva que o praticante se obriga a prestar; d) O montante e a data de vencimento da retribuição, bem como o fracionamento previsto no nº 4 do artigo 15º, caso o mesmo seja decidido pelas partes; e) A data de início de produção de efeitos do contrato; f) O termo de vigência do contrato; g) A menção expressa de existência de período experimental, quando tal for estipulado pelas partes, nos termos do artigo 10º; h) A data de celebração.”)
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Assim sendo, concluindo-se pela natureza laboral do vínculo entre autor e ré, a cessação do mesmo por acto unilateral do Clube equivale a despedimento ilícito, com as consequências de pagamento de indemnização pelo valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo, conforme mencionado na sentença, e nesta parte não impugnado.
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Quanto aos danos não patrimoniais:
Questiona ainda a recorrente o facto de o tribunal, além da indemnização referente às chamadas “retribuições vincendas”, ter atribuído uma indemnização de 2000€ por danos não patrimoniais.
Existe normativo a permitir a fixação de indemnização em valor superior àquele que o jogador receberia caso o contrato se cumprisse, sempre que se comprove que sofreu danos de montante mais elevado.
Essa norma refere:
(24º “Responsabilidade das partes pela cessação do contrato)
1 - Nos casos previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo anterior, a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente deve indemnizar a contraparte pelo valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo.
2 - Pode ser fixada uma indemnização de valor superior ao que resulta da aplicação do número anterior, sempre que a parte lesada comprove que sofreu danos de montante mais elevado.”

Dito de outra forma, o jogador terá sempre direito, automaticamente, ao limite mínimo que a lei concede e que corresponde ao denominado período de “frustração contratual” (que se assume ser o dano sofrido).
Mas, a este pode acrescer outro, conforme refere João Leal Amado, ob cit., pág. 150, se, por exemplo ” ...o despedimento sem justa causar danos superiores ao praticante (por ex. danos morais), este poderá ser ressarcido desses mesmos danos...Ponto é - agora sim, diferentemente do que sucede com o nº 1 do preceito - que  a parte lesada comprove que sofreu tais danos de montante mais elevado do que a importância correspondente às retribuições vincendas “- negrito nosso.
Ora, sendo as retribuições vincendas destinadas a indemnizar o dano mínimo corresponde ao período de frustração, tendo-se comprovado que sofreu um dano não patrimonial, o prejuízo total sofrido será necessariamente mais elevado.
A propósito da indemnização por danos não patrimoniais referiu-se na sentença:

“..... em direito laboral, haverá direito à indemnização com fundamento em danos não patrimoniais se o trabalhador provar que sofreu danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – cfr. art. 496.º, n.º 1, do Código Civil.
No caso, apurou-se que, mercê do despedimento, o autor sentiu-se enganado, desprezado, humilhado e desiludido, tendo padecido de elevada ansiedade, tristeza e angústia, para além do que, sendo jogador de futebol, perdeu índices físicos, técnicos e até mentais.
Ora, o rebate assim sofrido pelo autor não se tratam das meras contrariedades próprias de um despedimento, mas sim de relevantes danos psicológicos cuja reparação incumbe à ré uma vez que se apurou que praticou um ato voluntário e ilícito, ou seja, procedeu ao despimento ilícito do autor, violando dessa forma os deveres a que contratualmente estava vinculada para com o autor, nos termos da relação de trabalho que entre ambos se estabeleceu, pois que assumiu manter a relação contratual por certo prazo, tendo sido tal despedimento a causa dos danos assim sofridos pelo autor, estando assim verificados todos os pressupostos para a sua responsabilização pelos prejuízos causados ao autor (cfr. arts. 323.º, n.º 1, e 393.º, n.º 2, alin. a), do Código do Trabalho, e art. 24.º, n.º 2, da Lei n.º 54/2017).
Resta fixar o valor da indemnização a atribuir ao autor.
Para o cálculo do valor destes danos, diz-nos o art. 496.º, n.º 4, do Código Civil, que deve o tribunal proceder equitativamente, tendo em conta as circunstâncias referidas no art. 494.º, ou seja, o grau de culpa do agente, a situação económica deste e a do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Há que atentar que a satisfação ou compensação por danos morais não é uma verdadeira indemnização no sentido equivalente ao dano, isto é, de valor que reponha as coisas no estado anterior à lesão, tratando-se apenas de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que este, sendo apenas moral, não é suscetível de equivalente.”

Concordamos na essência.
Na ponderação do cálculo do dano, acrescentamos em especial o grau de culpa do agente (ré) e as demais circunstâncias do caso (496º, 4, 494º, CC) relacionados com o facto de o autor, pouco antes do despedimento, se ter lesionado ao serviço do Clube (fractura do nariz) e de, não obstante, a pedido da ré, ter adiado a cirurgia, jogando apesar de lesionado, e sob o compromisso de a ré a custear.
Vejam-se os factos ilustrativos que isolamos para melhor análise:

“24- No dia ../../2023, num jogo disputado, em casa, contra a ..., a contar para a ... jornada da Liga 3, Série A, 2023/2024, o Autor fraturou o nariz, num lance disputado no decorrer da partida, tendo de ser substituído ao intervalo, dada a gravidade da lesão e as dores que impossibilitavam o autor de continuar em campo.
27- A ré pediu ao Autor para adiar a cirurgia, uma vez que a sua ausência faria com que a Ré tivesse menos uma opção disponível para jogar e que o seu contributo era importante para a equipa.
28- O autor aceitou adiar a operação de que necessitava, tendo voltado a competir, no dia ../../2023, num jogo disputado contra o ..., a contar para ... jornada, da Liga 3, séria A, 2023/2024.
29- O Autor aceitou competir, mesmo condicionado, jogando de máscara para proteger a zona afetada pela lesão.
30 - Em reunião havida no dia 16.10.2023, a Ré, através dos seus responsáveis, comunicou ao Autor que estava dispensado e que não contavam mais com ele para o resto da época desportiva.
37- A ré dispensou o autor ciente de que o mesmo estava lesionado e a carecer de cirurgia.
38 - O Autor jogou vários jogos lesionado ao serviço da Ré sob a condição de que esta agendaria a cirurgia e faria cargo da mesma.”

Ou seja, além de os danos terem gravidade suficiente para merecer a tutela legal e decorrerem de acto ilícito da ré, a conduta de colaboração do autor no cumprimento do contrato contrasta sobremaneira com a do Clube que se desprendeu do vínculo, além de ilicitamente, sem atender a mínimos deveres de lealdade e de boa fé no cumprimento das obrigações contratuais - 406º CC e 126º, 1, CT.
O montante de indemnização fixado não merece correção, é moderado e adequa-se ao dano.
Do exposto decorre, simultaneamente, e sem necessidade de maior explicação, a falta de razão da recorrente quando invoca má fé ou abuso de direito por parte no autor, que se limita a exercer de forma normal direitos que lhe são conferidos por lei.
É de manter o decidido.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em não conceder provimento ao recurso interposto pela ré, mantendo-se a decisão recorrida
Custas a cargo da recorrente.
Notifique.
5-06-2025

Maria Leonor Barroso
Francisco Sousa Pereira
Vera Sottomayor


[1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s salvo as questões de natureza oficiosa.
[2] Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito de Processo Civil, vol. II, 2ª ed.p. 435-6.