CITAÇÃO EDITAL
DILIGÊNCIAS PRÉVIAS
OMISSÃO
EFEITOS
Sumário

I - O facto de ter inviável a citação na morada conhecida, mesmo que esta seja aquela que é referenciada ao citando junto das entidades oficiais, não permite atalhar etapas em direcção à solução da citação edital.
II - Tudo deve ser feito, segundo as circunstâncias do caso, para se tornar possível um efectivo conhecimento do citando relativamente à existência de um procedimento judicial a si dirigido.
III - Havendo contacto com familiares do citando e perante a informação destes de que o citando estará noutro local, é imprescindível tentar obter deles a concretização dessa informação e, se adequado, a interpelação de autoridades policiais, em ordem a conhecer o seu paradeiro e lograr a sua citação pessoal.

Texto Integral

PROC. Nº 4105/24.4T8PRT-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Execução do Porto - Juiz 3



REL. N.º 967
Juiz Desembargador Relator: Rui Moreira
1º Adjunto: Juiz Desembargador: Alberto Eduardo Monteiro de Paiva Taveira
2º Adjunto: Juiz Desembargador: Márcia Portela




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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


1 – RELATÓRIO

Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que AA moveu a BB, veio este opor-se à execução por meio de embargos de executado, pugnando pela extinção da execução, alegando não ter sido citado na acção de onde proveio a sentença dada à execução.
Regularmente notificada, a embargada contestou, pugnando pela improcedência dos embargos. Alegou, entre o mais, que “…o aqui embargante foi citado editalmente, e representado pelo Ministério Público, que contestou a ação, na sequência de este não receber cartas, registadas com aviso de receção, ou sequer atender naquela que era e é a sua morada oficial perante registo civil (fiscal e para efeitos de caixa geral de aposentações).”
Foi dispensada audiência prévia, tendo o tribunal anunciado a sua intenção de decidir imediatamente do mérito dos embargos, o que não mereceu oposição das partes.
Sucessivamente, foi proferida a sentença, agora sob recurso, que concluiu ter sido indevidamente usada a citação edital, na acção de onde proveio a sentença exequenda, assim tendo ocorrido uma falta de citação. Por isso, o tribunal julgou procedentes os embargos e declarou extinta a execução.
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É desta decisão que vem interposto o presente recurso, pela embargada, que o termina alinhando as seguintes conclusões:
I. Nos autos de execução que correm termos por apenso à ação declarativa n.º 4105/24.4T8PRT, foi proferida sentença que julgou procedentes os embargos deduzidos
pelo executado, com fundamento na falta de citação válida na ação declarativa.
II. Entendeu o tribunal a quo que a citação edital realizada no processo declarativo foi indevidamente utilizada por não terem sido esgotadas todas as diligências possíveis, nomeadamente junto das entidades policiais.
III. Salvo melhor entendimento, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento na apreciação da prova e na interpretação do disposto no artigo 236.º do Código de Processo Civil.
IV. O tribunal a quo reconhece expressamente que foram realizadas diligências exaustivas e diligentes, junto de diversas entidades públicas (Segurança Social, Identificação Civil,
Ordem dos Médicos, CRI do Porto), e que se tentou citação pessoal por duas vezes em moradas distintas, tudo devidamente documentado nos autos.
V. Foram deixados avisos e diligenciado contacto com vizinhos e porteiros.
VI. Apurou-se nova morada, cuja citação não foi possível por se tratar, alegadamente, da morada dos pais do Réu. E, na ação declarativa, não obstante o que veio informar a mãe do ali Réu, que o mesmo residia “algures em Lisboa”, a verdade é que a mesma informou ainda que a morada do filho, no Porto, era a Rua ....
VII. O artigo 236.º, n.º 1, do CPC determina que a citação edital deve ser utilizada quando
esgotadas as diligências razoáveis, e não impõe a obrigatoriedade absoluta de diligências junto da polícia ou familiares em todos os casos.
VIII. Exigir diligências adicionais junto de autoridades policiais em situações sem indício
concreto de paradeiro atual extrapola o princípio da razoabilidade e proporcionalidade processual (art. 6.º CPC).
IX. O tribunal exige, todavia, a realização de diligência junto das autoridades policiais, entendendo que só com este procedimento adicional se poderia concluir pela impossibilidade de citação pessoal.
X. Como se referiu o legislador ao prever as entidades a contactar no artigo 236.º, fê-lo de forma não cumulativa, sendo a intervenção das autoridades policiais facultativa e dependente da avaliação judicial de tal necessidade, o que foi corretamente ponderado em momento oportuno.
XI. Exigir a citação por contacto com autoridades policiais como condição sine qua non para a citação edital, em casos onde já foi demonstrado e esgotados outros meios razoáveis e legítimos, equivale a impor ao exequente uma prova diabólica, subvertendo o equilíbrio do processo, contrariando a celeridade processual.
XII. Aliás, tal diligência, face à ausência de conhecimento específico de nova morada, em qualquer parte do país iria culminar numa diligência inútil pois as autoridades policiais
iriam pesquisar as mesmas bases de dados informáticas e concluir por aquela que é a morada do Executado, tal como se entendeu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
processo 9192/18.1T8LSB-A.L1.S1
XIII. O réu não manteve atualizada a sua morada junto das entidades oficiais, incumprindo o dever que sobre si impende nos termos legais e constitucionais de cooperação com a justiça (cf. art. 8.º, n.º 2 do CPC).
XIV. Além disso, não ignora o executado que a morada é o endereço postal físico, livremente indicado pelo cidadão, correspondente ao local de residência habitual, sendo certo que, para comunicação com os serviços do Estado e da Administração Pública, o cidadão tem-se por domiciliado, para todos os efeitos legais, naquele local – cfr. artigo 13.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 7/2007, de 5 de fevereiro, na redação atualmente em vigor:
XV. Esta omissão é facto imputável exclusivamente ao executado, pelo que não pode beneficiar da nulidade que ele próprio originou.
XVI. Permitir que o réu se escuse aos efeitos da sentença apenas por não atualizar a sua morada, quando a exequente esgotou todos os meios ao seu alcance, coloca em causa os princípios da segurança jurídica, boa-fé e lealdade processual.
XVII. Tem sido entendimento pacífico na jurisprudência que, quando esgotadas as diligências razoáveis e proporcionadas, pode ser determinada a citação edital sem necessidade de recurso a autoridades policiais, especialmente quando estas diligências se revelem manifestamente inócuas ou de reduzida probabilidade de sucesso.
XVIII. Neste sentido, vejamos o ensinamento do Tribunal da Relação de Évora, processo
212/14.0TBPTG-A.E1: “Se nas autoridades e serviços indicados no art.º 236.º, n.º 1, Cód.
Proc. Civil, não existe morada actualizada do réu, porque este nunca a actualizou nos diversos serviços, não é necessária a obtenção de informações junto da autoridade policial para se realizar a citação edital.”,
XIX. Assim como o Acórdão do mesmo Tribunal da Relação, processo 359/20.3T8TVR.E1-A, onde se reitera que: “- a morada é o endereço postal físico, livremente indicado pelo cidadão, correspondente ao local de residência habitual, sendo certo que, para comunicação com os serviços do Estado e da Administração Pública, o cidadão tem-se por domiciliado, para todos os efeitos legais, naquele local – cfr. artigo 13.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 7/2007, de 5 de fevereiro; - a inobservância do dever de atualização do domicílio junto dos serviços do Estado coloca o sujeito na contingência de, eventualmente, não ser localizado para efeito de citações judiciais;”
XX. Não se ignora que, há situações em que a parte não pode ser localizada, não obstante diligências levadas a cabo pelo tribunal. Ora, nos processos cíveis – normalmente quando estão essencialmente em causa pretensões de natureza patrimonial e as partes são, para a lei, perfeitamente iguais - o legislador tem de prever mecanismos para evitar que o processo fique parado indefinidamente, à espera de que o demandado seja localizado e chamado ao processo.
XXI. E volvidos meses em que foram ordenadas diversas diligências para o localizar, sem
sucesso.
XXII. E neste caso procurou-se garantir de forma rigorosa a citação da parte, a fim de prosseguir os princípios do contraditório e de acesso ao direito, na vertente da proibição da indefesa, nomeadamente através dos formalismos indicados, tendo funcionado a citação edital como última ratio para que o processo prosseguisse.
XXIII. Isto porque, importa também salvaguardar os princípios de estabilidade, paz e segurança jurídica, bem como a própria celeridade processual, traçando o legislador um limite às tentativas de citação do demandado, limite esse que se retira ou alcança da formação da convicção do julgador quanto à impossibilidade de localização do citando.
XXIV. O recurso final à citação edital permite o prosseguimento do processo, evitando que este se arraste indefinidamente em investigações exaustivas e infindáveis ou que as mesmas se possam reabrir ou efetuar novamente a qualquer momento no decurso do processo, o que poderia ter consequências desestabilizadoras e frustrar assim o alcance da justiça.
XXV. Tendo sido realizadas múltiplas e suficientes diligências para localização do réu, estava preenchido o pressuposto legal para a citação edital.
XXVI. A sentença que decidiu em contrário deve, por isso, ser revogada, por errónea interpretação e aplicação do artigo 236.º do CPC, com a consequente improcedência dos
embargos e prosseguimento da execução.
TERMOS EM QUE, requer a V. Exa. se digne admitir o presente recurso, e, a final, seja revogada a decisão recorrida, julgando-se improcedente a oposição deduzida pelo executado.
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O embargante apresentou resposta ao recurso, concluindo pelo seu não provimento e pela confirmação da decisão recorrida.
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O recurso foi admitido, com subida nos próprios autos e sob efeito devolutivo, como devido.
Cumpre decidir.
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2- FUNDAMENTAÇÃO

Não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC, é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.
No caso, a questão colocada pela apelante redunda na verificação da irregularidade da citação edital do ora executado, na acção comum onde foi proferida a sentença dada à execução.
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O tribunal assentou a sua decisão nos seguintes pressupostos que, constituindo elementos do processo comum onde foi proferida a sentença dada à execução, não mereceram qualquer impugnação por qualquer das partes:
1. AA, intentou a acção declarativa com processo comum contra BB, pedindo que “seja declarada a nulidade do contrato de mútuo celebrado entre a Autora e o Réu e que o Réu seja condenado a restituir à Autor a quantia de € 198.322,19 (cento e noventa e oito mil trezentos e vinte e dois euros e dezanove cêntimos), que inclui capital e juros civis à taxa legal em vigor.”
2. Na petição inicial foi indicada a morada do réu como sendo: Rua ...., Porto.
3. Foi enviada carta registada com AR para a morada referida, tendo vindo devolvida com a indicação de “objecto não reclamado”.
4. Consta do auto constante do processo em 13-10-2022, que foi tentada a citação pessoal através de AE, infrutífera: “CC, Agente de Execução nos autos à margem referenciados, vem dar conhecimento aos autos de que, a aqui signatária, deslocou-se à morada indicada, em diversos dias e horários diferentes, a fim de proceder à citação do citando. Contudo, tal diligência não se pôde concretizar, uma vez que ninguém atendeu ou abriu a porta. Em nova deslocação, no dia 13-04-2022, pelas 20.30h, foi possível apurar junto da vizinha do 2º Esquerdo, que o citando é efectivamente proprietário do imóvel, no entanto, segundo a informação prestada, o mesmo não reside no local e não é visto há muito tempo. Mais informou que no imóvel não reside ninguém. A mesma informação foi prestada pelo vizinho do 1º Esquerdo”.
5. Por despacho proferido no dia 9-5-2022, foi determinado que se efetuassem buscas nas habituais bases de dados para apuramento da morada do réu (art. 236 do Código de Processo Civil).
6. Foram efectuadas averiguações nas bases de dados da SS e IC, tendo surgido apenas a morada que foi referida em sede de petição inicial.
7. No dia 11-05-2022 foi feita no processo a seguinte cota: “Vou tentar a citação do réu na morada infra, por ser do conhecimento destra secretaria que este tem residência nesta. Réu: BB, estado civil: Desconhecido, NIF - ...09, domicílio: Rua ..., ... Porto”.
8. Foi enviada carta registada com AR para a morada referida, tendo vindo devolvida com a indicação de “objecto não reclamado”.
9. Consta do auto constante do processo em 13-10-2022, que foi tentada a citação pessoal através de AE, infrutífera: “No dia 10-10-2022, pelas 11 horas e 50 minutos, a aqui AE deslocou-se à Rua ..., ..., no Porto, a fim de proceder à diligência. Tendo tocado à campainha, ninguém atendeu. Foi deixado aviso informando que a AE se deslocaria novamente ao local no dia 11-10-2022, pelas 19.30h e 20.00h, para realização da diligência. No dia 11-10-2022, pelas 19h30, a aqui signatária deslocou-se ao local, tendo sido atendida pelo intercomunicador do prédio por uma senhora que informou que o “Dr.” não se encontrava em casa. Não quis fornecer qualquer outra informação, não obstante a aqui signatária se ter identificado e informado qual o propósito da diligência. Contudo, foi possível apurar junto do porteiro do prédio, o Sr. DD, que quem reside no local são os pais do citando, o Sr. EE, que são pessoas de idade bastante avançada (90 anos) e que o filho se desloca ao local para visitar os pais. A aqui signatária permaneceu no prédio até às 20h10, a fim de tentar concretizar a citação, mas ninguém compareceu ou abriu a porta”.
10. No dia 19-10-2022, foi junto aos autos declarativos a seguinte carta:




11. Por despacho proferido no dia 25-10-2022, foi determinado que se solicitasse à Ordem dos Médicos que informe qual é a atual morada registada/declarada do médico psiquiatra BB nessa Ordem.
12. A ordem dos médicos informou que a morada em causa seria CRI ... ... PORTO.
13. Por despacho proferido no dia 22-11-2022, foi determinado que e oficiasse ao Centros de Respostas Integradas (CRI) identificado solicitando que “(…) informe se o réu aí exerce funções e, em caso afirmativo, qual é o seu horário. Sem prejuízo de poder vir a ser concretizada a citação pessoal, desde já proceda-se à citação edital”.
14. O CRI identificado respondeu em sentido negativo (em 5-1-2023).
15. Após, o réu foi citado editalmente, tendo o Ministério Público sido citado e apresentado contestação, impugnando os factos por desconhecimento.
16. Foi proferida sentença no dia 29-11-2023, com o seguinte segmento decisório: “Pelo exposto, julga-se parcialmente provada e procedente a presente acção e, em consequência: Declara-se nulo o contrato de mútuo celebrado entre autora e ré no valor de € 147.057,53. Condena-se consequentemente o réu a restituir à autora aquela quantia, acrescida de juros calculados à taxa legal, devidos desde 1 de Julho de 2021 até integral e efectivo pagamento; Absolve-se quanto ao mais o réu do pedido deduzido”.
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Como se referiu supra, estando descritas com precisão as circunstâncias processuais em que decorreram as tentativas de citação pessoal do réu, na acção declarativa de onde proveio a sentença dada à execução, cumpre aferir da adequação da solução então determinada, que foi a citação edital. Em suma, não está em causa qualquer questão relativa ao procedimento da citação edital realizada, mas, a montante disso, se se verificavam os pressupostos de recurso a esse expediente processual.
É útil recordar o regime legal estabelecido a esse propósito. Diz o art. 236º do CPC, no seu nº 1: Quando seja impossível a realização da citação por o citando estar ausente em parte incerta, a secretaria diligencia obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, designadamente, mediante prévio despacho judicial, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres e, quando o juiz o considere absolutamente indispensável para decidir da realização da citação edital, junto das autoridades policiais.
A convocação do réu para a acção declarativa foi empreendida nos termos do art. 228º do CPC, isto é, por via postal. Frustrou-se, porém, esse acto, por não ter sido entregue o expediente, que foi devolvido após não ter sido reclamado.
Não sendo a situação em causa subsumível à previsão do art. 229º (hipóteses de domicílio convencionado), passou a citação a ser tentada por intervenção de agente de execução, nos termos do art. 231º do CPC, na morada conhecida como sua: Rua ...., Porto.
Todavia, a agente de execução não logrou contactar e citar o réu, ora apelado, na morada indicada, tendo obtido e transmitido aos autos informação de que o citando é proprietário do imóvel, mas não reside no local e não é ali visto há muito tempo, sendo que ali não reside ninguém. Porém, pesquisada informação junto de bases de dados oficiais, foi apurada manter ele um tal local como seu domicílio.
Por ter sido obtida informação sobre eventual paradeiro do réu noutro local, foi aí tentada a sua citação pessoal, por agente de execução. A agente responsável apurou que tal local coincidia com a morada dos pais do réu, mas não conseguiu verificar a sua presença nesse local, nem conseguiu concluir a citação. Tendo deixado aviso, foi este devolvido com a carta acima transcrita, que, em suma, nega a possibilidade de o citando ser ali encontrado, afirmando-se que o mesmo residiria algures em Lisboa.
Um outro expediente, explorando a via profissional do réu, foi igualmente inconsequente.
E foi neste contexto que foi determinada a citação edital.
É um dado adquirido que a utilização da citação edital é um último recurso processual, imposto pela necessidade de assegurar a tutela judiciária a quem invoca ser titular de um direito em crise, mas que o legislador tenta prevenir até ao limite do possível, na consciência de que o prosseguimento do processo nesses condições dificilmente poderá garantir uma defesa eficaz do citando. E isso quer por ser duvidoso que o citando venha a obter um efectivo conhecimento de que foi proposta e prossegue uma acção judicial contra si, assim podendo tratar da sua defesa, quer porque a continuação do seu alheamento em relação ao processo, suprido pela intervenção do MºPº na representação dos seus interesses, dificilmente possibilitará uma defesa mais do que simplesmente formal, por desconhecimento da realidade factual subjacente à acção.
Aliás, basta atentar no caso em apreço para constatar isso mesmo: o MºPº, no desconhecimento da relação contratual que constitui a causa de pedir, limitou-se – compreensivelmente – a impugnar a pretensão da autora, por desconhecimento, sem condições para assegurar mais do que a legalidade formal do processo.
É neste quadro de interesses e de objectivos que se mostra prevista a hipótese de citação edital: um expediente processual a usar em último recurso, depois de se frustrarem todas as outras possibilidades de levar ao réu/demandado o conhecimento da pendência do processo a si dirigido; e que, como tal, não pode ser usado quando ainda se configurem como possíveis quaisquer iniciativas que permitam concretizar a citação pessoal
Na plena consciência de um tal regime, considerou o tribunal recorrido que a utilização da citação edital foi ordenada prematuramente, pois que mais poderia ter sido feito para citar pessoalmente o réu, ora apelado; apontou especificamente a possibilidade de se determinar a intervenção de qualquer autoridade policial, em face da indicação dada pelo pai do réu de que este vivia em Lisboa, ou a actuação, junto dele, para que indicasse a morada completa ou outra forma de entrar em contacto com o réu, seu filho.
E isto não obstante se ter apurado que o citando, apesar da impossibilidade de contacto por via postal ou pessoal na morada indicada pela autora, mantinha como seu domicílio essa mesma morada junto das entidades oficiais verificadas, designadamente a Autoridade Tributária e a de Identificação Civil.
Acontece, porém, que este último dado é completamente inconsequente. Com efeito, a lei processual, designadamente para efeitos de citação, não atribui qualquer relevância especial ao facto de ser tentada e frustrada a citação em morada que corresponda ao domicílio do citando junto de qualquer entidade oficial do Estado, como as referidas no nº 1 do art. 236º do CPC. Não há, para esse efeito, qualquer solução paralela à estabelecida para a hipótese de domicílio convencionado no âmbito de uma relação contratual, como estabelecido no art. 229º, nºs 4 e 5 e 230º, nº 2 do CPC, presumindo-se o conhecimento da citação e admitindo-se a sua eficácia.
Assim, o facto de ter inviável a citação na morada conhecida, mesmo que esta seja aquela que é referenciada ao citando junto das entidades oficiais, não permite atalhar etapas em direcção à solução da citação edital. Diferentemente, mesmo nessa hipótese, tudo deve ser feito, segundo as circunstâncias do caso, para se tornar possível um efectivo conhecimento do citando relativamente à existência de um procedimento judicial a si dirigido.
É, afinal, tão só este juízo que cumpre sindicar: o do tribunal recorrido que considerou que, nas concretas circunstâncias, ainda algo mais era possível realizar em ordem a garantir que ao réu era levado o conhecimento da pendência da acção. Foi perante a omissão de tais acções que concluiu pela inadequação da citação edital, a redundar numa falta de citação, segundo o disposto na al. c) do nº 1 do art. 188º do CPC e, subsequentemente, na procedência dos embargos, à luz do disposto no art. 729º, al d), por referência à al. e) do art. 696º, ambos do mesmo diploma.
Sempre na ponderação das específicas circunstâncias da situação sub judice, entendemos não dever divergir do juízo do tribunal recorrido.
Por um lado, como se referiu, é inviável a censura processual do facto de o réu/embargante/apelado se ter alheado da morada que mantém como seu domicílio perante as diversas entidades oficiais. Certo é que não foi conseguida a sua citação na Rua ...., Porto, mas daí não lhe advém qualquer consequência directa, designadamente a de logo ser admissível a sua citação edital. Com efeito, cumpre reconhecer que o legislador não impôs aos cidadãos qualquer ónus, designadamente para efeitos de litigância cível, de actualização de domicílio, pois que o fez apenas, como acima se referiu, em situação contratualizadas que incluíam o estabelecimento de um domicílio convencionado. E esse não é o caso dos autos.
Por outro lado, perante as informações de que o réu tem familiares em local conhecido, de que este mantém contacto regular com esses familiares, seus pais, de que estes informam que o mesmo tem actual residência na região de Lisboa, é forçoso concluir que ele não está numa tal incerteza de paradeiro que se anteveja como inviável conseguir o seu contacto para concretizar a sua citação. Nessas circunstâncias, como referiu o tribunal recorrido, a interpelação directa aos pais do réu, ou a averiguação de circunstâncias passíveis de apurar o seu paradeiro por intervenção de entidades de polícia – que se pretende que não sejam limitadas à recolha de informação junto de basese de dados civis às quais o tribunal também tem acesso - seriam meios possíveis e com um razoável grau de probabilidades de êxito, para se conseguir apurar o paradeiro do citando e concretizar a sua citação. Ao contrário do defendido pela apelante, não se antevê, nestas circunstâncias, que tais operações fossem desproporcionais à relevância do caso e ao interesse de assegurar a convoicação do réu para o processo, ou consabidamente infrutíferas.
O recurso à citação edital na acção de onde provém a sentença dada à execução mostra-se, assim precipitado, por não terem sido reunidos todos os pressupostos previstos no nº 1 do art. 236º do CPC.
Consequentemente, em concordância com o decidido pelo tribunal recorrido, cumpre reconhecer que nessa acção se identifica uma falta de citação, segundo o disposto na al. c) do nº 1 do art. 188º do CPC apta a determinar a procedência dos embargos, à luz do disposto no art. 729º, al d), por referência à al. e) do art. 696º, ambos do mesmo diploma.
Resta, pois, na falta de provimento do presente recurso de apelação, confirmar a decisão recorrida.

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Sumariando:
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3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em recusar provimento ao presente recurso de apelação, confirmando na íntegra a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Reg. e not.









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Porto, 17 de Junho de 2025

Rui Moreira

Alberto Taveira

Márcia Portela