DECISÃO ADMINISTRATIVA
IMPUGNAÇÃO
PROVA TESTEMUNHAL
DECISÃO POR DESPACHO
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
Sumário

A requerida, na impugnação contenciosa da decisão administrativa, faz a indicação de prova testemunhal que pretendia inquirir.
Atento a que essa impugnação se dirigia ao juiz para a fase judicial, tem de entender-se que a requerida pretendia que, para decidir a sua impugnação, se tivesse em atenção o depoimento das referidas testemunhas que expressamente indicou.
Quando a impugnante não responde à notificação que lhe foi dirigida (artº 64º, nº 2 RGCO), em rigor, o juiz não pode desse silêncio extrair que a mesma nem se opõe a que se decida sem julgamento e nem se opõe a que se considere prescindida a prova que indicou.
Com cominação ou sem cominação, ainda que se aceite a oposição tácita com um enquadramento que garanta ainda o respeito pelos princípios do processo penal, que é o vigente, não pode extrair-se da simples não resposta a falta de oposição à decisão sem julgamento.
E se a oposição expressa não suscita dúvidas, a oposição tácita também não devia suscitar, uma vez que pode ser revelada por diversas formas, desde logo com um requerimento em que se venha prescindir da produção da prova indicada, por exemplo.
O que não pode é imputar-se ao silêncio uma consequência que contraria os termos da própria impugnação deduzida. Se foi indicada prova, tanto bastaria, em nosso juízo, para que nem fosse feita a referida notificação, porque sobre a impugnante não pode impor-se o ónus de ter de vir expressamente, contra a impugnação que fez da decisão administrativa, dizer que prescinde dos próprios meios de prova sobre que sustentou essa impugnação.

Texto Integral

Acordam os juízes da 3ª Sec. Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório
Pelo Juízo Local Criminal de Lisboa – J5 – foi proferida Sentença que decidiu do seguinte modo:
(…)
a) Julgo não verificada a prescrição do procedimento contra-ordenaciona.
b) Julgo não verificada a excepção de incompetência da BB.
c) Julgo não verificada a falta de pressupostos para apensação dos processos de contra-ordenação.
d) Julgo não verificada a nulidade do auto de notícia.
e) Julgo não verificada a nulidade decorrente da falta de notificação para o exercício do direito de defesa.
f) Julgo não verificada a nulidade da decisão administrativa.
G) Mantenho a decisão da autoridade administrativa que condenou a AA pela prática de três contra-ordenações, previstas e punidas pelos artigos 12.º, n.º 3, alínea f) e 28.º, n.º1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 01 de Abril, numa coima, aplicada a cada uma das contra-ordenações, no montante de €1.500 (mil e quinhentos euros).
h) Operando o cúmulo jurídico mantenho a condenação da recorrente AA numa coima única no montante de €4.500 (quatro mil e quatrocentos euros).
i) Condeno a recorrente AA no pagamento das custas processuais, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal.
(…)
Inconformada, a Requerida interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
(…)
A) os presentes autos, a Recorrente foi notificada nos termos do artigo 64.º, n.º 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (RGCO), para se pronunciar sobre a possibilidade de o objeto do litígio ser decidido sem a realização de audiência de julgamento, com a advertência de que o silêncio seria interpretado como aceitação tácita dessa forma de decisão.
B) A Recorrente rejeita a interpretação do silêncio como aceitação tácita da dispensa da audiência, invocando os princípios constitucionais do direito ao contraditório e do devido processo legal, conforme o artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
C) A jurisprudência do Tribunal Constitucional, bem como a do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal da Relação do Porto, reitera que a renúncia a direitos processuais, em especial ao direito de ser ouvido, não pode ser presumida, devendo ser expressa e inequívoca. O silêncio da Recorrente não pode, portanto, ser interpretado como aceitação da dispensa de audiência.
D) A Recorrente requer a nulidade da decisão proferida, com o consequente retorno dos autos ao Tribunal de 1.ª instância para a realização de audiência de julgamento.
E) A sentença violou a legislação aplicável, ao afirmar que a BB detinha competência para instruir e aplicar as coimas no caso em apreço, quando a competência exclusiva para fiscalizar, embargar e aplicar as coimas em matérias relacionadas com a ocupação do espaço público pertence ao Município de …, conforme o artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2015.
F) A Recorrente sublinha que a atuação da Junta de Freguesia sem a devida delegação formal de competências do Município é ilegal, sendo esta uma questão de competência, e não de legitimidade processual.
G) A ausência de delegação formal de competências pela Câmara Municipal de … compromete a regularidade do processo e torna ilegítima a atuação da Junta de Freguesia.
H) A sentença desconsiderou o direito da Recorrente à realização das diligências solicitadas, nomeadamente a inquirição das testemunhas indicadas. A recusa dessas diligências sem a devida fundamentação viola os direitos processuais da Recorrente, conforme o artigo 50.º do RGCO e a jurisprudência aplicável.
I) A falta de fundamentação objetiva para a recusa da inquirição das testemunhas configura erro processual grave, comprometendo a regularidade do processo e a imparcialidade da decisão.
J) A omissão das diligências requeridas compromete a regularidade do procedimento, sendo passível de nulidade, conforme os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra e do Supremo Tribunal de Justiça.
K) A sentença ignorou a argumentação da Recorrente quanto à prescrição do procedimento contra-ordenacional, não considerando que os factos ocorreram em 2021 e 2022, e que o procedimento foi iniciado bem após o decurso do prazo de prescrição de um ano, previsto no artigo 27.º, alínea c), do RGCO.
L) A Recorrente contesta a interrupção do prazo de prescrição, uma vez que a notificação das infrações ocorreu de forma tardia e não foi devidamente fundamentada a necessidade de interrupção do prazo, conforme a jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa.
M) A falta de diligências processuais que fundamentem a interrupção da prescrição, juntamente com o facto de o procedimento ter ocorrido após o prazo de prescrição, impõem a extinção do processo, com a consequente absolvição das coimas aplicadas.
N) O procedimento contra-ordenacional deve ser extinto por prescrição, conforme o disposto no artigo 27.º, alínea c), do RGCO, uma vez que o prazo de um ano já se expirou sem a devida interrupção válida do prazo, e sem a fundamentação legal adequada para tal.
O) Em face de todos os pontos expostos, a Recorrente reitera o pedido de nulidade da decisão recorrida, com a devolução dos autos ao Tribunal ad quo, a fim de que seja realizada a audiência de julgamento.
P) Solicita também a revisão da decisão sobre a competência da Junta de Freguesia, com a declaração de nulidade da tramitação do processo, visto que a atuação da Junta não está legalmente legitimada.
Q) Além disso, requer a absolvição das coimas aplicadas, porquanto o procedimento contra-ordenacional se encontra extinto por prescrição, nos termos da lei.
Assim, nestes termos e nos demais de direito que V. Exa., doutamente suprirá, deve dar provimento ao presente recurso, revogando a decisão recorrida e substituindo-a por outra que determina o arquivamento dos presentes autos, para que se faça a habitual Justiça!
(…)
O Ministério Público na primeira instância respondeu ao recurso, sem apresentar conclusões, mas pugnando pela improcedência do mesmo.
***
O recurso foi admitido, com modo e efeito devidos.
Uma vez remetido a este Tribunal, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto apôs o seu Visto.
Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a Conferência.
***
Objecto do recurso
Resulta do disposto conjugadamente nos arts. 402º, 403º e 412º nº 1 do Cód. Proc. Penal que o poder de cognição do Tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o Tribunal está ainda obrigado a decidir todas as questões que sejam de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem a decisão, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 daquele diploma, e dos vícios previstos no artº 410º nº 2 do mesmo Cód. Proc. Penal, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito, tal como se assentou no Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995 [DR, Iª Série - A de 28.12.1995] e no Acórdão para Uniformização de Jurisprudência nº 10/2005, de 20.10.2005 [DR, Iª Série - A de 07.12.2005].
Atenta a natureza específica deste procedimento [contraordenacional] e, conquanto se imponha a aplicação do regime do processo penal, aqueles limites serão atendidos com as necessárias adaptações, desde logo nos termos do disposto no artº 75º do RGCO1 que diz:

Artigo 75º - Âmbito e efeitos do recurso



1 - Se o contrário não resultar deste diploma, a 2.ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.
2 - A decisão do recurso poderá:
a) Alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida, salvo o disposto no artigo 72.º-A;
b) Anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido.


Posto isto,
A requerida, nas conclusões do recurso, fixa o objecto de apreciação requerida nas seguintes questões:
- ao interpretar o silencio do requerida à notificação feita para permitir a decisão sem julgamento, o Tribunal praticou um acto nulo;
- a decisão violou a lei ao considerar que a competência para a prática de actos que se indica é da ... quando, se facto, pertence ao Município de ...;
- o que se invoca é a ilegalidade da acção da Junta que é questão de competência da mesma e não a sua legitimidade processual;
- a decisão desconsiderou o direito da requerente a indicar prova, o que não fundamentou e violou os direitos de defesa da visada;
- a decisão não conheceu da prescrição do procedimento contraordenacional que, de facto, se mostra prescrito.
***
Fundamentação
O Tribunal recorrido tratou as questões, e no que aqui releva, na decisão do seguinte modo:
(…)
Da prescrição do procedimento contra-ordenacional
A recorrente alegou a prescrição do procedimento contra-ordenacional.
Cumpre apreciar e decidir.
Determina o artigo 28.º, n.º1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril, que “1 - Sem prejuízo da punição pela prática de crime de falsas declarações e do disposto noutras disposições legais, constitui contraordenação: a) A emissão de uma declaração a atestar o cumprimento das obrigações legais e regulamentares, ao abrigo do disposto na alínea f) do n.º 3 do artigo 12.º, que não corresponda à verdade, punível com coima de (euro) 1.000,00 a (euro) 7.000,00, tratando-se de uma pessoa singular, ou de (euro) 3.000,00 a (euro) 25.000,00, no caso de se tratar de uma pessoa coletiva;”
O artigo 27.º-A e o artigo 28.º, ambos do Regime Geral das Contra-ordenações, prevêem as causas de suspensão e de interrupção do prazo de prescrição.
A recorrente foi condenada pela prática de três contra-ordenações, previstas e punidas pelos artigos 12.º, n.º3, alínea f) e 28.º, n.º1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 01 de Abril, numa coima, aplicada a cada uma das contra-ordenações, no montante de €1.500, e numa coima única no montante de €4.500.
O prazo de prescrição da contra-ordenação é de 3 anos.
Os factos em causa nos autos datam de ... de ... de 2021, ... de ... de 2021, ... de ... de 2022.
A fls. 6 a 9 (aviso de recepção assinado a 10 de Novembro de 2021), 86 a 89 (com aviso de recepção assinado a 17 de Dezembro de 2021) 126 e seguintes foi a recorrente notificada, por carta registada com aviso de recepção, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 50.º, do Regime Geral das Contra-ordenações.
Esta notificação interrompeu decurso do prazo de prescrição (cfr. artigo 28.º, n.º 1, alínea c), do Regime Geral das Contra-ordenações), que reiniciou a respectiva contagem.
A fls. 146 e seguintes consta a decisão da autoridade administrativa, que foi notificada à recorrente por carta de 11 de Outubro de 2023, sendo a assinatura constante do aviso de recepção datada de 20 de Outubro de 2023 (cfr. fls. 157).
Também os autos de contra-ordenação foram remetidos ao Ministério Público e deram entrada nos serviços em 31 de Janeiro de 2024 (Cfr. fls.1 e 184) e o recurso de contra-ordenação foi recebido a 16 de Outubro de 2024 (cfr. fls. 190).
Verificamos pois que desde a data de cada um dos factos e ponderando as causas de suspensão e de interrupção da prescrição verificadas in casu, ainda não decorreu, na totalidade o prazo de prescrição.
Pelo exposto, improcede a invocada prescrição do procedimento contra-ordenacional.
*
Da incompetência da Junta de Freguesia
Alega a recorrente que, competindo a fiscalização das regras em matérias de ocupação da via pública aos Municípios, a Junta de Freguesia não tem “legitimidade” para o levantamento e tramitação do processo de contra-ordenação.
Cumpre apreciar e decidir.
Estatui o artigo 12.º, n.º1, alínea g), e n.º2, da Lei n.º 56/2012, de 08 de Novembro, que “1 - Além das competências próprias de que dispõem, nos termos da legislação em vigor, nomeadamente no artigo 34.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, alterada pela Lei n.º 5- A/2002, de 11 de janeiro, pelo Decreto-Lei n.º 268/2003, de 28 de outubro, pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, e pela Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de novembro, e sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, as juntas de freguesia do concelho de ... passam a ter ainda as seguintes competências próprias: g) Atribuir licenças de utilização/ocupação da via pública, licenças de afixação de publicidade de natureza comercial, quando a mensagem está relacionada com bens ou serviços comercializados no próprio estabelecimento ou ocupa o domínio público contíguo à fachada do mesmo, licenças de atividade de exploração de máquinas de diversão, licenças para recintos improvisados e licenças de atividades ruidosas de caráter temporário que se encontrem previstas nos regulamentos municipais e nos termos aí consagrados, e cobrar as respetivas taxas aprovadas em Assembleia Municipal; 2 - As juntas de freguesia do concelho de … têm ainda competência para a fiscalização, o processamento das contraordenações e a aplicação das coimas e das sanções acessórias relativas às competências próprias referidas no número anterior, nos termos dos respetivos regimes jurídicos setoriais.”.
Considerando que estão em causa nos autos três contra-ordenações, previstas e punidas pelos artigos 12.º, n.º 3, alínea f) e 28.º, n.º1, alínea a) e n.º4, ambos do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 01 de Abril, por factos ocorridos na ... no Município de …, a Junta de Freguesia da ... tem competência para os presentes autos de contra-ordenação.
Importa referir que se trata de uma questão de competência e não de legitimidade processual.
Pelo exposto, improcede a invocada incompetência da Junta de Freguesia para a tramitação dos presentes autos de contra-ordenação.
*
(…)
Da falta de inquirição da testemunha
A recorrente invocou a nulidade da decisão administrativa por omissão de diligências probatórias.
Cumpre apreciar e decidir.
Estatui o artigo 50.º, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, que “Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.”.
De acordo com o disposto no artigo 54.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, “2 - A autoridade administrativa procederá à sua investigação e instrução, finda a qual arquivará o processo ou aplicará uma coima.”.
Determina o artigo 120.º, n.º2, alínea d), do Código de Processo Penal, que “2 - Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais: d) A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.”.
Uma das formas de exercício de direito de defesa é através da indicação de meios de prova que no entender da recorrente podem infirmar ou impor uma diferente valoração dos factos e que considere indispensáveis para poder defender, de forma válida e eficaz, a sua posição.
A questão que se coloca é, porém, a de saber se a entidade administrativa está ou não obrigada a realizar as diligências de prova requeridas pela sociedade recorrente (v.g. inquirir as testemunhas por aquela arroladas).
A resposta a dar ao enunciado problema não tem sido pacífica sendo certo que analisando as posições em confronto verifica-se que nenhuma sustenta a obrigatoriedade absoluta (isto é, sem possibilidade de indeferimento das mesmas por parte da autoridade administrativa) de realização das diligências probatórias requeridas, assentando a divergência de entendimentos essencialmente na necessidade ou não de fundamentar a não realização de tais diligências.
Com efeito, para os partidários da não obrigatoriedade de realizar diligências requeridas pela arguida a posição da entidade administrativa na fase administrativa é em tudo semelhante à do Ministério Público em sede de inquérito pelo que detendo aquela o poder de direcção do processo pode “praticar ou não praticar os actos de investigação e as diligências probatórias que entender adequados aos fins do processo contra-ordenacional e, designadamente, de não realizar as diligências requeridas pelo arguido, à imagem e semelhança do que sucede com o Ministério Público quando dirige o inquérito criminal”1 (nota no original).
Sustentam igualmente que a audição de testemunhas não constitui um acto imposto por lei pelo que nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal, nem o procedimento nem a decisão administrativa são nulas por preterição daquela diligência- cfr. neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09-01-2012, Processo n.º 623/10.0T2OBR.C1, disponível in www.dgsi.pt
Para quem entende que a autoridade administrativa está obrigada a realizar as diligências requeridas pela arguida, ancora a sua posição no direito de defesa previsto no artigo 50.º, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, sustentando que o mesmo significa o direito de intervir no processo de contra-ordenação apresentando provas ou requerendo diligências.
Não pode pois a autoridade administrativa, sem fundamentar válida e eficazmente a preterição da diligência requerida, deixar de a realizar sob pena de insuficiência do inquérito e consequente verificação da nulidade prevista no artigo 120.º, n.º2, alínea d), do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 41.º, n.º1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas-vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04/07/2007, Processo n.º 0711709, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07/12/2000, Processo n.º 2070/2000, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-04-2014, Processo n.º 108/13.2TBCUB, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Compulsadas as posições enunciadas verificamos que nenhuma sustenta, conforme supra referimos, a absoluta obrigatoriedade de realização de diligências requeridas pela arguida em sede de processo administrativo, podendo a autoridade, desde que o fundamente válida e eficazmente (requisito exigido pela segunda posição), não a realizar.
Sufragamos esta segunda posição porquanto a nosso ver, contrariamente ao que sucede com a acusação, a decisão da autoridade administrativa é uma decisão punitiva que implica a condenação pela prática de um ilícito contra-ordenacional e que pode pôr termo ao processo caso não seja objecto de impugnação. Difere, pois, da acusação deduzida pelo Ministério Público a qual será ainda sustentada em julgamento, onde poderá haver ou não condenação do arguido.
O direito de defesa (v.g. a audição de testemunhas indicadas) em processo de contra-ordenação não pode pois ser preterido sem fundamentação válida e eficaz por parte da autoridade administrativa sob pena de tal se traduzir, a nosso ver, numa insuficiência de inquérito que determina a nulidade (dependente de arguição) prevista no citado artigo 120.º, n.º2, alínea d), do Código de Processo Penal.
Nos presentes autos e em sede de exercício de direito de defesa a recorrente arrolou duas testemunhas, cuja inquirição foi admitida pela autoridade administrativa, tendo sido designada data para a respectiva inquirição e sido determinado que fosse a recorrente a apresentar tais testemunhas (cfr fls. 53 e 65, 105 e 141).
O requerimento para notificação das testemunhas (cfr. fls. 56 e seguintes) foi indeferido (cfr. fls. 61 e seguintes.
Na data designada foi apresentada apenas a testemunha CC, que foi inquirida pela autoridade administrativa, conforme resulta da decisão administrativa e do teor de fls. 68, 108 e 144.
Verificamos, pois, que não se verificou qualquer limitação ao exercício do direito de defesa da recorrente, resultando improcedente a invocada nulidade da decisão ou sequer do procedimento.
Julgo pois não verificada a invocada nulidade nem da decisão nem do procedimento administrativo por falta de audição das testemunhas indicadas pela recorrente em sede de direito de defesa.
(…)
Vejamos, então, na perspectiva desta Relação se merece acolhimento a pretensão do arguido recorrente.
• A alegada nulidade da decisão pela falta de resposta da requerida à notificação e, com isso, a não oposição expressa à decisão por despacho, portanto, prescindindo-se de julgamento:
Vem a requerida dizer que o seu silêncio não pode ser interpretado como prescindindo do julgamento, uma vez que o silencia não pode ter como efeito a privação de direitos.
De facto, o Tribunal a quo ordenou a notificação da recorrente, nos termos e para os efeitos do previsto no artº 64º/2 do DL nº 433/82 de 27/10, no âmbito do qual se prevê que o juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham.
Esta notificação, que pode ser apenas efectuada na pessoa do Mandatário, dá a possibilidade ao requerido e ao Ministério Público de se oporem à decisão por despacho, quando o juiz entenda, no seu critério e cumpridas as exigências respectivas, que está em condições de decidir sem audiência.
Feita essa notificação que se documenta no processo, desde logo com a advertência de que o silencia seria tomado como não oposição, a requerida nada veio dizer.
Vem agora dizer que o seu silêncio não pode ser interpretado como não oposição.
É unânime o entendimento segundo o qual a notificação pode ser feita com os fundamentos com que se fez nestes autos (refª 439333875).
Pelo que não são os fundamentos que estão aqui em causa.
O que está em causa é saber se, por um lado, o silencia serve como não oposição e, segundo, se a notificação deveria ter sido feita nos referidos termos, cominando um valor ao silêncio no sentido em que o apontou.
Vejamos.
A requerida, na impugnação contenciosa da decisão administrativa, faz a indicação de prova testemunhal que pretende inquirir.
Atento a que essa impugnação se dirige ao juiz para a fase judicial, tem de entender-se que a requerida pretendia que, para decidir a sua impugnação, se tivesse em atenção os depoimentos das referidas testemunhas que expressamente indicou.
Quando não responde à notificação que lhe foi dirigida, em rigor, o juiz não pode desse silêncio extrair que a mesma nem se opõe a que se decida sem julgamento e nem se opõe a que se considere prescindida a prova que indicou.
Com cominação ou sem cominação, ainda que se aceite a oposição tácita com um enquadramento que garanta ainda o respeito pelos princípios do processo penal, que é o vigente, não pode extrair-se da simples não resposta a falta de oposição.
E se a oposição expressa não suscita dúvidas, a oposição tácita também não devia suscitar, uma vez que pode ser revelada por diversas formas, desde logo com um requerimento em que se venha prescindir da produção da prova indicada por exemplo.
O que não pode é imputar-se ao silêncio uma consequência que contraria os termos da própria impugnação deduzida. Se foi indicada prova, tanto bastaria, em nosso juízo, para que nem fosse feita a referida notificação, porque sobre a impugnante não pode impor-se o ónus de ter de vir expressamente, contra a impugnação que fez da decisão administrativa, dizer que prescinde dos próprios meios de prova sobre que sustentou essa impugnação.
Assim, o Tribunal a quo devia, na falta de resposta da requerida já que fez a notificação nos referidos termos, interpretar o seu silêncio como a não alteração da sua posição vertida na impugnação, ou seja, com a apontada necessidade de satisfazer-lhe a produção da prova que indicou.
Nem a notificação e nem a cominação podem, a primeira, ser interpretada assim e, a segunda, ser feita nos termos em que foi.
Pelo exposto, procede nesta parte o recurso.
A procedência nesta parte do recurso inviabiliza o conhecimento das restantes questões e devolve à primeira instância todas as competências, quer para prosseguir os autos para julgamento, quer para conhecer do restante, designadamente da verificação, ou não, de causas extintivas do procedimento.
Deve, como tal, ser dada procedência ao recurso e devolver-se os autos à primeira instância para que, conhecendo da referida questão, prossiga, ou não, com os autos para julgamento.
Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar provido o recurso, determinando-se a anulação dos termos processuais nos limites do supra exposto, devolvendo-se o processo à primeira instância para que, conhecendo previamente da questão relativa à prescrição, ou não, do procedimento, determine os termos subsequentes do processo de acordo com o decidido supra e para que se remete.
Sem custas.
Notifique.

Lisboa, 04 de Junho de 2025
Hermengarda do Valle-Frias
Ana Paula Grandvaux Barbosa – nos termos da declaração de voto que segue
Rui Miguel Teixeira
Texto processado e revisto.
Redacção sem adesão ao AO

Declaração de voto:
Votei a decisão do Acórdão proferido nestes autos, mas não subscrevemos toda a sua fundamentação aí exarada.
A prescrição do procedimento contraordenacional é uma causa de extinção do processo contraordenacional, impeditiva de que o referido procedimento possa prosseguir.
É verdade que o conhecimento da prescrição do procedimento criminal/contraordenacional é de natureza oficiosa, ou seja, não requer sequer que seja invocada pelas partes, cabendo ao juiz verificar a ocorrência da prescrição.
Mas no caso presente, sucede que tal excepção do procedimento contraordenacional foi apreciada na sentença recorrida proferida na 1ª instância, e a mesma foi expressamente invocada pela recorrente em sede de recurso para esta Relação, constando expressamente da conclusão do seu recurso, cfr aqui se deixa transcrito:
N) O procedimento contraordenacional deve ser extinto por prescrição, conforme o disposto no artigo 27º, alínea c), do RGCO, uma vez que o prazo de um ano já se expirou sem a devida interrupção válida do prazo, e sem a fundamentação legal adequada para tal.
Assim entendemos que a decisão do Colectivo nesta Relação, de reenvio do processo para a 1ª instância, nos termos constantes do Acórdão em referência (por força da verificação de uma nulidade), apesar de em termos substantivos ser correcta, apenas deveria ser proferida, depois de apreciada e decidida a referida excepção da prescrição do procedimento contraordenacional (a qual pela sua natureza, exige ser conhecida com prioridade sobre as demais) e no caso de se concluir ser a mesma improcedente (não concordamos que se relegue esse conhecimento para a 1ª instância, nos termos que ficaram decididos).
Ana Paula Grandvaux Barbosa
_______________________________________________________
1. DL nº 433/82, de 27 de Outubro.