PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
PODERES DO MINISTÉRIO PÚBLICO
PODER DISCRICIONÁRIO
NULIDADE INSANÁVEL
PROMOÇÃO
Sumário

Por força do princípio da legalidade, o Ministério Público não dispõe de poderes discricionários para não se pronunciar, acusando ou arquivando, sobre crimes descritos nos seus elementos objectivos quer no auto de notícia quer na denúncia apresentada.
Nada dizendo a respeito de um dos crimes comete a nulidade insanável de falta de promoção do processo a que se refere o artigo 119º/b, do CPP.

Texto Integral

Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção Criminal, deste Tribunal:
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I – Relatório:
Considerada que foi, pelo despacho recorrido, a existência de nulidade prevista no artigo 119.º, alínea b) do Código de Processo Penal (CPP), por falta de promoção do processo pelo Ministério Público, vem este recorrer do mesmo.
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II- Factos a considerar:
1. Foi lavrado auto de notícia por detenção, do qual consta, entre o mais, a seguinte descrição factual:
«Por na data, hora e local acima mencionado, quando me encontrava no exercício das minhas funções de serviço de remunerado no Centro Comercial ..., juntamente com a testemunha policial, foi solicitada a nossa presença, na loja ... no piso um (1), onde havia notícia de um individuo do sexo feminino retida por furto.
No local, fui contactado pelo vigilante de serviço, AA (testemunha), vigilante de serviço à loja, que me informou reconhecer a suspeita pela prática de crimes de furto, motivo pelo qual manteve sempre uma postura atenta à mesma.
Informou ainda que no hiato temporal em epígrafe, visualizou posteriormente BB (suspeita), a danificar diversos artigos no interior da loja, tendo de imediato procedido à sua abordagem.
De referir que os mesmos artigos à nossa chegada, estavam na posse de BB (suspeita).
Questionada CC (testemunha), responsável de loja ao momento, que confirmou a danificação dos artigos e a impossibilidade da reposição para venda ao público, motivo pelo qual foram devidamente apreendidos conforme Auto de Apreensão e respetiva Guia de Entrega para a Divisão de Investigação Criminal desta Polícia.
Relativamente aos artigos, perfazem o valor total de 147.86 (cento e quarenta e sete euros e oitenta e seis cêntimos) conforme folha de suporte que se junta.
Confrontada de imediato a suspeita com os factos imputados, fui informado pela mesma que danificou a roupa para conseguir retirar o sistema de alarme que a mesma possui, tentando dessa forma subtrair os referidos artigos.
Pelos factos acima narrados foi a suspeita conduzida ao Posto Policial do ....
Foi em local reservado e que não ofendesse a dignidade e pudor da suspeita, foi a mesma sujeita a uma revista pormenorizada por parte de elemento Policial feminino, não tendo sido encontrado qualquer outro artigo pertencente à loja.
Dado o ilícito narrado, fomos desde logo informados, que a empresa lesada ... (devidamente identificada em campo próprio), se fará representar pelo Sr. DD (testemunha) para formalização de denúncia.
Pelas 13H56, compareceu neste posto policial DD, que, na qualidade de representante legal da empresa ..., munido da respectiva procuração, que se anexa, e que confirmou o desejo de PROCEDIMENTO CRIMINAL contra BB, pelo que lhe foi dada voz de detenção nesse momento. (…)»
2. Foi apresentada denúncia verbalmente pelo legal representante da ofendida, que declarou desejar procedimento criminal contra a arguida, na esquadra e posteriormente foi apresentada nove denúncia por escrito de onde foi feito constar, entre o mais, que: «Para tanto, a denunciada retirou dos expositores os referidos bens integrando-os na sua esfera patrimonial, concretamente, andou na loja com um cesto onde ia colocando os bens, depois de ter arrancado as etiquetas interiores e alarmes dos mesmos, danificando-os, para assim, não fazer disparar os alarmes, aquando da sua saída.»
3. O Ministério Público deduziu acusação, nos seguintes termos:
«1- No dia ... de ... de 2024, pelas 12h00, a arguida dirigiu-se à loja ..., sita no Centro Comercial ..., pertencente à sociedade “..., SA”, com o intuito de se apoderar de quaisquer objectos que aí encontrasse com valor económico.
2. Ali chegada, e em execução de tal desígnio, a arguida retirou dos expositores em que se encontravam, a fim de serem vendidos: 1 blazer, 1 camisa, 1 sweater, 1 par de ténis, 1 par de sapatos, 1 mala mochila, 1 gorro, 2 roupas de baixo, 1 par de meias, 1 cinto, 1 acessório e 2 bijutarias; no valor global de €147,86.
3. Acto contínuo, a arguida – de forma não concretamente apurada – arrancou as etiquetas interiores e os alarmes de tais artigos, danificando-os.
4. De seguida, a arguida introduziu tais artigos no cesto da loja que trazia consigo e encaminhou-se para a saída.
5. Antes de sair do estabelecimento, a arguida foi abordada por um funcionário da loja.
6. A arguida agiu deliberada, livre e conscientemente, com o propósito de se apoderar dos artigos supra mencionados, com vista a fazê-los seus, bem sabendo que estes não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade do seu legítimo dono, apenas não logrando consegui-lo por razões alheias à sua vontade.
7. Mais sabia, a arguida, que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
4- O despacho recorrido contem-se nos seguintes termos:
« Autue como processo abreviado.
DO SANEAMENTO
O Tribunal é competente.
O Ministério Público tem legitimidade para o exercício da acção penal.
QUESTÃO PRÉVIA
Todavia, verifica-se o seguinte.
Nos presentes autos, vem a arguida BB acusada da prática, em autoria material e na forma tentada, de um crime de furto simples, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º e 203.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal.
Compulsados os autos, verificamos que o representante da ofendida apresentou queixa a fls. 5 a 7 contra a arguida, referindo-se no auto que “Compareceu nesta unidade Policial DD, munido de procuração, que lhe confere poderes a nível criminal para desejar procedimento criminal contra a suspeita acima identificada. (…)”.
Assim, a queixa formalizada remete para os factos narrados no auto de notícia.
Analisado o teor do auto de notícia de fls. 1 a 4, constata-se que se refere que “Questionada CC (testemunha), responsável de loja ao momento, que confirmou a danificação dos artigos e a impossibilidade da reposição para venda ao público, motivo pelo qual foram devidamente apreendidos conforme Auto de Apreensão e respetiva Guia de Entrega para a Divisão de Investigação Criminal desta Polícia.”.
Aliás, no facto n.º 3 da acusação pública, lê-se que “Acto contínuo, a arguida – de forma não concretamente apurada – arrancou as etiquetas interiores e os alarmes de tais artigos, danificando-os.”.
Porém, conforme se mencionou supra, a arguida vem apenas acusada pela prática de um crime de furto simples, na forma tentada, sendo que, no que concerne aos factos que poderão consubstanciar a prática de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal, o Ministério Público, certamente por lapso, não se pronunciou, deduzindo acusação ou despacho de arquivamento quanto a este crime.
Tal omissão consubstancia a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea b) do Código de Processo Penal, por falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48.º do mesmo diploma legal, e que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase processual, conforme refere o primeiro normativo referido.
Pelo exposto, declara-se verificada a nulidade prevista no artigo 119.º, alínea b) do Código de Processo Penal, por falta de promoção do processo pelo Ministério Público.
Remeta os autos aos Serviços do Ministério Público. ».
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III - Recurso:
O Ministério Público recorreu, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem:
«a. O despacho judicial recorrido declarou nulidade insanável, nos termos do artigo 119.º alínea b) ambos do Código Processo Penal, por falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48.º do mesmo diploma, concretizando que da conjugação de toda a pertinente factualidade não houve pronúncia quanto ao facto de a arguida ter praticado, além do assinalado crime de furto, o crime de dano.
b. Sucede, porém, que o Ministério Público, enquanto titular da acção penal, após ter apreciado toda a factualidade que constituía o objecto do presente processo, deduziu a acusação contra a arguida qualificando juridicamente os factos, imputando-lhe a prática de um crime de furto, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º e 203.º n.ºs 1 e 2 todos do Código Penal.
c. Ora, se no despacho de acusação proferido pelo Ministério Público não existir pronúncia sobre parte dos factos denunciados (mormente factos que poderiam consubstanciar a prática de um crime de dano), tal não constitui nulidade insanável (“falta de promoção do processo pelo Ministério Público” - artigo 119.º, alínea b), do Código de Processo Penal) que possa ser declarada pelo Juiz no momento do “saneamento do processo” (artigo 311º do Código de Processo Penal), mandando devolver os autos ao Ministério Público para reparar e sanar o vício detectado.
d. O poder-dever conferido ao Tribunal a quo pelo artigo 311.º do Código de Processo Penal, de sanear o processo, incluindo o de conhecer de possíveis nulidades e outras questões prévias ou incidentais, incide exclusivamente sobre a acusação que lhe é presente, não podendo estender essa actividade cognitiva a questões que ultrapassem a acusação.
e. Assim sendo, crê-se estar vedado ao Tribunal a quo apreciar quais os factos do processo sobre os quais se deveria ter sido proferido despacho de arquivamento ou de acusação, por força da garantia de estrutura acusatória do processo penal.
f. Razão pela qual entendemos que se impunha que a acusação deduzida fosse recebida, nos termos do artigo 311.º do Código de Processo Penal, e fosse proferido despacho nos termos dos artigos 311.º-A e B, 312.º e 313.º todos do Código de Processo Penal, o que não sucedeu.
Nestes termos e pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência:
- ser revogado do despacho proferido em 1.ª instância, ora recorrido, substituindo- se o mesmo por outro que proceda a exame preliminar e designe data para realização de audiência de discussão e julgamento».
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Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta aderiu à -motivação.
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V- Questões a decidir:
Do artigo 412º/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso, exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso.
A questão colocada pelo recorrente, Ministério Público, é a inexistência de nulidade prevista no artigo 119.º, alínea b) do CPP, por falta de promoção do processo pelo Ministério Público.
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VI- Fundamentos de direito:
A questão que se coloca nestes autos é saber se a falta de dedução de acusação pelo Ministério Público pelo crime de dano constitui, ou não, a nulidade insanável a que se reporta o artigo 119º/b) do CPP, nos termos em que o despacho recorrido decidiu.
Foi lavrado auto de notícia e deduzida queixa crime pela prática pela arguida de tentativa de furto de produtos à venda em determinada loja, depois de lhes ter retirados os alarmes, o que, segundo a auto de notícia, tornou os objectos inaptos à venda ao público e foi deduzida denúncia, primeiro pelo legal representante da ofendida com reporte para o teor do auto de notícia, na esquadra, e depois por escrito, pela própria sociedade ofendida que significa que esta abrangeu todos os factos objectivamente aí narrados.
O Ministério Público limitou a sua acusação ao crime de furto tentado, não obstante ter feito constar da mesma que a arguida arrancou as etiquetas interiores e os alarmes de tais artigos, danificando-os.
Em sede de despacho de recebimento da acusação, o Juiz declarou a nulidade insanável de falta de promoção, prevista no artigo 119º/b) do CPP, por falta de acusação quanto ao crime de dano e não se pronunciando sobre a acusação proferida, determinou a devolução dos autos aos serviços do Ministério Público.
O Ministério Público, no recurso, coloca a questão como sendo uma intromissão nos seus exclusivos poderes de promoção processual, mediante o entendimento de que apenas é legítimo ao Juiz, no âmbito do disposto no artigo 311º/CPP, pronunciar-se sobre as possíveis causas de recusa reportadas ao teor da acusação proferida.
Vejamos (com sublinhados nossos):
Nos termos do artigo 219º/1 e 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP);
«1. Ao Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como, com observância do disposto no número seguinte e nos termos da lei, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática.
2. O Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia, nos termos da lei. a exclusiva titularidade da acção penal pertence ao Ministério Público»;
Nos termos dos artigos 2º, 3º e 4º/1-d) do Estatuto do Ministério Público (Lei 68/2019, de 27 de Agosto) refere-se, respectivamente, que:
«O Ministério Público representa o Estado, defende os interesses que a lei determinar, participa na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exerce a ação penal orientado pelo princípio da legalidade e defende a legalidade democrática, nos termos da Constituição, do presente Estatuto e da Lei».
«1 - O Ministério Público goza de autonomia em relação aos demais órgãos do poder central, regional e local, nos termos da presente lei.
2 - A autonomia do Ministério Público caracteriza-se pela sua vinculação a critérios de legalidade e objetividade e pela exclusiva sujeição dos magistrados do Ministério Público às diretivas, ordens e instruções previstas na presente lei».
1 - Compete, especialmente, ao Ministério Público:
d) Exercer a ação penal orientado pelo princípio da legalidade
Por força do artigo 48º CPP «O Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal, com as restrições constantes dos artigos 49.º a 52.º.»;
Nos termos do artigo 52º/1 do CP «1 - No caso de concurso de crimes, o Ministério Público promove imediatamente o processo por aqueles para que tiver legitimidade, se o procedimento criminal pelo crime mais grave não depender de queixa ou de acusação particular, ou se os crimes forem de igual gravidade.».
Estes são os normativos básicos que definem a autonomia do Ministério Público relativamente ao poder Judicial, dando-lhe competências exclusivas no âmbito da promoção processual, desde que respeitado o requisito essencial de actuação mediante absoluta vinculação a critérios de legalidade e objetividade.
O princípio da legalidade no que concerne à Administração Púbica está definido no artigo 266.º da CRP nos seguintes termos:
«1. A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé».
Os referidos critérios de legalidade definem-se, em termos simples, no que à actuação do Ministério Público concerne, pelo dever de promover a acção penal desde que verificados os indícios mínimos de que da mesma possa resultar a descoberta de um crime ( artigo 262º/CPP) - ou seja, dito ao contrário, o Ministério Público só está isento da obrigação de instaurar e prosseguir processo criminal em casos de manifesta e incontroversa inexistência quaisquer indícios de que foi cometido um crime – e pela obrigatoriedade de dedução de acusação, caso se verifiquem os pressupostos da existência do crime e do seu autor (artigo 283º/CPP).
A autonomia do Ministério Público não equivale à arbitrariedade. Equivale a autonomia para a prática dos actos contidos no âmbito das suas competências, desde que respeitados criteriosamente critérios de estrita legalidade.
A falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nulidade insanável por força do disposto no artigo 119º/CPP, tem que ver com a omissão de abertura do inquérito, a falta de execução de actos necessários e adequados ao exercício da sua função processual, tais como a falta de dedução de acusação em casos de crimes públicos ou semi-públicos, e a falta de promoção do julgamento por todos os crimes denunciados e/ou resultantes da acusação, em processo sumário, abreviado ou sumaríssimo.
O inquérito, nos termos do artigo 262º/CPP compreende «o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação» e «Ressalvadas as excepções previstas neste Código, a notícia de um crime dá sempre lugar à abertura de inquérito».
E, perfilando-se mais do que um crime, o Ministério Público está obrigado a promover imediatamente o processo por aqueles para os quais tiver legitimidade, o que aplicado aos crimes cujo procedimento depende de denúncia, obriga o Ministério Público à promoção do processo por todos os crimes semi-públicos denunciados.
No caso temos uma denúncia por dois crimes cometidos em momentos sucessivos: o dano em determinados objectos, pela retirada dos alarmes, e a tentativa de furto dos mesmos, já danificados.
O inquérito aberto pelo Ministério Público reporta-se necessariamente às duas situações, na medida em ambas constituem tipos de crime autónomos, que tutelam bens jurídicos diferentes e que têm uma relação de continuidade, pelo que não se pode afirmar que haja falta de inquérito.
O que sucedeu é que o Ministério Público, deduziu acusação por uma parte dos factos denunciados e não se pronunciou sobre os demais factos acusados, subsumíveis a um crime de dano - como se lhe impunha pela sujeição ao princípio da legalidade.
Ora, um inquérito termina necessariamente nos termos previstos na lei: por um despacho de arquivamento ou por um despacho de acusação (artigo 276º/CPP).
Significa isto que o Ministério Público tem que se pronunciar sobre todos os crimes que possam ser retirados dos factos acusados e/ou denunciados, seja qual for a forma de processo empregue.
Este princípio aplica-se necessariamente às formas de processo simplificadas, mediante adaptação adequada, o que significa que o Ministério Público só pode promover o julgamento em processo abreviado desde que se verifiquem os requisitos aplicáveis à totalidade do objecto dos autos, ou seja, a todos os crimes denunciados e acusados.
No caso, isso não foi feito.
Vem agora o Ministério Público recorrer dizendo que nada disse com reporte para os factos que configuram um crime de dano, porque considera esse crime contido no crime de furto, na medida em que foi um meio utilizado para a prática deste último.
Para além de a questão ser absolutamente controversa (veja-se o Assento n.º 8/2000, de 04-05-2000, publicado no DR 119, Série I-A, de 23-05-2000, que fixou jurisprudência no sentido de que «No caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 256.º, n.º 1, alínea a), e do artigo 217.º, n.º 1, respectivamente, do Código Penal, revisto pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes») o certo é que o Ministério Público não se pronunciou ou seja, nada promoveu sobre um crime que foi objecto de denúncia e está descrito, nos seus elementos objectivos, na acusação que deduziu. Esta situação reconduz-se a à nulidade insanável, de falta de promoção.
Não obstante estarmos no âmbito do processo abreviado, a obrigatoriedade de aplicação do princípio da legalidade mantem-se. Significa isto que, tendo o Ministério Público entendido que ocorriam os pressupostos desta forma de processo, estava adstrito a pronunciar-se sobre a acusação ou arquivamento quanto ao crime de dano contido nos factos apurados (aliás um dos crimes descrito nas denúncias apresentadas) ainda que qualquer das situações pudesse determinar a alteração da forma de processo.
Não o tendo feito, praticou a nulidade insanável descrita no despacho recorrido.
A questão em causa não tem que ver com a fase processual em que o despacho foi proferido, porque demonstrando os autos uma nulidade insanável ela deve ser conhecida imediatamente, independentemente da fase em que o mesmo se encontra.
O entendimento em causa corresponde ao contido, por exemplo, nos acórdãos tirados nos processos 4760/19.7T9VNG.P1 (Tribunal da Relação do Porto), de 26/10/22 e 5659/17.7T8VIS.C1 (Tribunal da Relação de Coimbra), de 13/6/2018, disponíveis em www.dgsi.pt, podendo ler-se no último que «A nulidade insanável prevista no art.º 119, al. b) do CPPenal – “A falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48.º”, como exemplarmente se consignou no acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra, de 19/02/2014, proc. 154/11.0GBCVL.C1, sendo dele relatora a desembargadora Maria Pilar de Oliveira, considera duas concretas hipóteses, “não só situações omissivas do despacho acusatório quando a lei confere àquele legitimidade para o efeito, mas também os casos em que o MP acusa sem legitimidade, ou seja, fora da previsão do artigo 48.º do compêndio legislativo referido”. No mesmo sentido o acórdão desta mesma Relação, de 22/04/2015, proc. 43/13.4TASBG-B.C1, sendo relator o desembargador Luís Teixeira, onde expressamente se fez consignar: “Da forma como interpretamos o poder/dever de promoção processual do MP, entendemos que o vício de falta de promoção deve ser o mesmo quer nos crimes públicos, quer nos crimes semi-públicos quer nos crimes particulares. Para todos eles existem regras específicas que têm que ser observadas. Se é de entender que nos crimes públicos e nos crimes semi-públicos a falta de acusação pelo MP corresponde a uma falta de promoção processual, logo, constitui a nulidade do artigo 119º, alínea b), do C.P.Penal, também a falta de promoção do MP com vista à dedução de acusação particular pelo assistente, tem de conduzir ao mesmo vício e resultado”.
Decorre do artigo 48º do Código de Processo Penal que a legitimidade para promover o processo penal cabe ao MP, com as restrições dos artigos 49º a 52º, do mesmo diploma. O MP, titular da acção penal, promove-a, oficiosamente, (nos crimes públicos), mediante queixa (nos crimes semipúblicos) e constituição de assistente e dedução que acusação particular (nos crimes particulares).
Havendo notícia e queixa por um crime de natureza semi-pública, o Ministério Público tem o poder-dever de determinar e dirigir o conjunto de diligências que visam investigar a existência desse crime e determinar os seus agentes.
Terminado o inquérito, ao MP cabe, em exclusivo, a legitimidade exclusiva para tomar uma das posições previstas no artigo 276º, nº1 do Código de Processo Penal: de arquivamento (nas modalidades previstas no artigo 277º do Código de Processo Penal) ou de acusação.»
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VII- Decisão:
Acorda-se, pois, negando provimento ao recurso, em manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Sem custas.

Lisboa, 4 /6 /2025
Maria da Graça dos Santos Silva
Carlos Alexandre
Ana Rita Loja