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INDÍCIOS
PRISÃO PREVENTIVA
HOMICÍDIO
TENTATIVA
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
Sumário
1. O juízo indiciário sustenta-se em prova séria e é formulado no tempo da aplicação da medida de coacção e não num hipotético futuro, em que outros meios de prova possam ser produzidos. E, não exige uma comprovação categórica e sem dúvida razoável, exigível para a condenação. 2. A imposição da medida de coacção de prisão preventiva é adequada às exigências cautelares que visam minimizar os perigos de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas, de continuação da actividade criminosa. 3. A medida de coacção de prisão preventiva é proporcional à gravidade da conduta criminosa do recorrente (crime de homicídio na forma tentada e crime de detenção de arma proibida) e, igualmente, à sanção que previsivelmente lhe será aplicada dentro da moldura pena de 2 anos e meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses de prisão e pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa 10 até 600 dias. 4. É necessária a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, por não existir outra medida de coacção que, em concreto, permita alcançar o mesmo nível de cautelas face aos perigos demonstrados pelo comportamento do recorrente.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório:
No processo de inquérito com n.º 591/24.0PZLSB, foi proferido despacho a 13/02/2025 pelo Juiz 8 do Tribunal Central de Instrução Criminal que determinou que os arguidos AA e BB aguardem os ulteriores termos do processo sujeitos, além do Termo de Identidade e Residência, à medida de coacção de prisão preventiva.
Inconformado o arguido AA apresentou as seguintes conclusões:
"I. Vem o Arguido indiciado em co-autoria e em concurso real pela prática de 01 (um) crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 2, alíneas e), h) e j) do Código Penal (doravante "CP"), com referência ao disposto no artigo 204.º, n.º 1, als. a) e b) do mesmo diploma legal e, de 01 (um) crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na sua actual redacção. II. Entendemos que, como se deixou demonstrado nas Motivações do presente Recurso, que estamos perante uma verdadeira ausência de necessidade, de adequação e de proporcionalidade, quanto à escolha da medida de coacção aplicada – prisão preventiva. III. Dúvidas não existem que a prisão preventiva, é a medida de coacção mais gravosa e, por esse motivo, deverá ser a última ratio, pelo que, a mesma só deverá ser aplicada quando nenhuma outra se mostre suficiente ou adequada, às exigências cautelares que o caso requer e, ainda, proporcional à gravidade do crime (artigo 193.º, n.º 1, do CPP). IV. Embora a Defesa do Arguido tenha, em sede de primeiro interrogatório de arguido detido, tenha pugnado por uma de coacção não privativa da liberdade, ou, no limite, a aplicação da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com sujeição a vigilância electrónica, tal não foi atendido. V. Embora indicado nas Motivações, não podemos deixar de voltar a indicar, novamente nas Conclusões do presente Recurso, os fundamentos que estão subjacentes à aplicação da medida de coacção de prisão preventiva: "Por um lado, os crimes fortemente indiciados nos autos, quer pela sua própria natureza e extrema gravidade, gravidade essa que resulta desde logo das elevadas molduras penais, quer atendendo aos bens jurídicos protegidos pelos tipos legais em apreço – desde logo das elevadas molduras penais, quer atendendo aos bens jurídicos protegidos pelos tipos legais de crime em apreço – desde logo, a vida e a integridade física das vítimas –, geram um forte alarme social e um grande sentimento de insegurança, acarretando graves consequências de instabilidade social e atentando profundamente contra a paz social, verificando-se assim um perigo concreto de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas a que alude o artigo 204º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal. Por outro lado, apesar de os arguidos serem jovens e se encontrarem social e familiarmente inseridos e de o arguido BB não ter antecedentes criminais de natureza semelhante à dos crimes ora em apreço, a verdade é que tais factos e circunstâncias não dissuadiram os arguidos de praticarem os factos imputados movidos por sentimentos de ódio e de vingança, sendo de recear a repetição de actos de violência, atendendo à rivalidade existente entre o grupo dos CC (conhecido por ...), onde se integram os arguidos, e o grupo do ... (conhecido por ...), onde se integram os ofendidos DD e EE, e considerando a personalidade exteriorizada pelos arguidos, revelando desrespeito pelas vítimas e total desprezo pelas regras sociais, o que permite considerar verificado o perigo concreto de continuação da actividade criminosa a que alude o artigo 204º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal. Acresce que, atendendo ao facto de o inquérito se encontrar, ainda, numa fase embrionária, com diligências de prova ainda por realizar e com os restantes intervenientes por identificar, existe o fundado receio de que os arguidos venham a alertar os outros suspeitos ou tentem ocultar provas, no sentido de frustrar a investigação e o apuramento cabal dos factos, ou venham a interferir com os ofendidos ou a condicionar as vítimas ou as testemunhas quanto à sua versão dos factos no intuito de as demover a depor contra si, pelo que se verifica o perigo concreto de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente, o perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, a que alude o artigo 204º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal. Por último, é elevada a probabilidade de os arguidos se porem em fuga e se eximirem à justiça, tal como o é a probabilidade de lhes vir a ser aplicada uma pena de prisão efectiva em sede de julgamento, por força das fortes exigências de prevenção geral que o caso reclama, o que permite considerar verificado o perigo concreto de fuga a que alude o artigo 204º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal." (…) A ocorrência dos perigos evidenciados nos autos toma manifesta a necessidade de se adoptarem medidas de coacção eficazes, sendo evidente que, estando reunidos os requisitos específicos previstos no artigo 202°, n.º 1, alíneas a), b) e e) do Código de Processo Penal, apenas a medida de coacção de prisão preventiva se mostra ajustada, adequada e necessária às exigências cautelares reclamadas no caso em apreço e proporcional à gravidade dos crimes em causa e às sanções que previsivelmente virão a ser aplicadas aos arguidos em sede de audiência de julgamento, não se bastando as exigências cautelares do processo com a aplicação de qualquer outra medida de coacção, designadamente da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação. Por um lado, não resulta inequivocamente demonstrada nos autos a existência de condições, quer logísticas, quer de apoio humano, para implementar com o mínimo de eficácia a execução da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, garantindo uma efectiva contenção dos movimentos dos arguidos. Por outro lado, tal medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica não se afigura suficiente, nem adequada, nem eficaz para acautelar os aludidos perigos, na medida em que não impossibilitaria a saída dos arguidos da residência, nem impediria que os arguidos prosseguissem a actividade delituosa a partir da sua residência, podendo continuar a deter armas na sua posse e a atemorizar as vítimas." VI. Não obstante, não pode o Recorrente concordar com a aplicação de tal medida de coacção, nomeadamente, com a exposição de que se verifica uma insuficiência de prova que sustentem os indícios indicados, como de resto, se deixou consignado em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido. VII. Analisemos, então, a decisão que se coloca em crise com o presente Recurso: "1 – No dia ... de ... de 2024, pelas 11,40 horas, junto ao n.º 21, da ..., em ..., junto da ... ", seguiam no interior de uma viatura de marca ... modelo ..., com a matrícula ..-..-UF, entre cinco e seis indivíduos, um dos quais o condutor, o suspeito FF, conhecido como "FF ", o arguido AA e o arguido BB, conhecido como "BB ", todos pertencentes ao grupo "...” de … , grupo juvenil rival do grupo "... " do .... 2 – Nessas circunstâncias, através da arma de fogo, do tipo pistola semiautomática (arma de fogo transformada), de calibre 6,35 mm Browning (.25 ACP ou .25 Auto na designação anglo-americana), de marca ..., de modelo ..., de origem …, sem número de série, efectuaram três disparos na direcção de DD, conhecido como "DD " e associado ao grupo "... " do .... 3 – Os disparos danificaram a fachada da referida colectividade e uma viatura que ali se encontrava estacionada. 4 – No dia ... de ... de 2025, pelas 07,00 horas, o arguido AA tinha na sua residência, sita na ..., em ...: 1. um telemóvel da marca ..., modelo ..., com o EID .. , com cartão SIM inserido, da operadora ..., correspondente ao n.º ..., com o código de desbloqueio "... "; ii. uma t-shirt de cor branca, tamanho XL RIP ........2022 CKAY e uma fotografia de um indivíduo negro com a legenda "CC"; iii. Uma balaclava de cor branca. 5 – Os arguidos AA e BB, acompanhados pelo suspeito FF, e de outros dois ou três indivíduos, cuja identidade ainda não se apurou, actuaram em conjunto, no desenvolvimento de um plano previamente traçado, por vingança, de modo despropositado e desproporcional, sem sentido perante o senso comum, e usando meio particularmente perigoso que não permitia qualquer tipo de defesa ou retorsão do ofendido, sabendo que ao dispararem a arma de fogo contra DD com o propósito de o atingir e matar, a sua actuação era adequada a produzir tal resultado, que apenas não ocorreu, por circunstâncias alheias à sua vontade. 6 – A actuação dos arguidos AA e BB e dos restantes suspeitos revela frieza de ânimo e crueldade, tendo actuado por motivos fúteis. 7 – Os suspeitos detinham uma arma de fogo com as respectivas munições, conhecendo bem as suas características, não tendo qualquer autorização para os adquirir e possuir, bem sabendo que não tinham licença de porte de arma e que a detenção e uso dos mesmos não lhes era permitida, sendo tal conduta punida por lei. 8 – Agiram, assim, os arguidos AA e BB, o suspeito FF e os restantes suspeitos que os acompanhavam, de forma concertada, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e criminalmente punidas por lei penal." – com destaques nossos. VIII. Sendo de salientar, que nenhum objecto apreendido em casa do Recorrente tem qualquer correspondência com os que defluem do relato das testemunhas ou da factualidade que motivou a sua presença em sede de primeiro interrogatório judicial. IX. Bem como, a prova que foi apresentada ao Arguido antes de se proceder ao seu interrogatório, foi a seguinte: "i. Comunicação De Notícia Do Crime de fls. 22-24; ii. Documentos, de fls . 25; iii. Autos de diligência, de fls. 29 a 30, 282 e 310 a 311; iv. Autos de inquirição de fls. 31-33, 108-110, 126 -130; v. Ficha de Registo Automóvel de fls. 36 a 38; vi. Auto de Notícia, de fls. 142-144; vii. Relatório de Exames Periciais de fls. 51-66, 165-171; viii. Folha de Suporte de fls. 97; ix. Autos de visionamento, de fls. 98-100, 126-127; x. Auto de Informação de fls. 124-125; xi. Auto de apreensão, de fls. 145-146; xii. Cópia do Auto de notícia por Detenção (Processo n.º 62/24.5..., de fls. 247-250; xiii. Autos de Busca e Apreensão de fls. 256 -261, 289, 293-294, 314-316, 319-320; xiv. Reportagem Fotográfica de fls. 295-299; xv. Auto de Reconhecimento de Pessoas, 304-306; xvi. E-mail do LPC Exame Pericial, de fls. 336-337;" X. Considera do Recorrente que, decorrente das suas características físicas, não estaria o mesmo "apto" a poder movimentar-se com a agilidade constante da prova indiciária – não sendo credível que o Arguido conseguisse entrar e sair do veículo indicado, com a rapidez e fluidez aí descritas. XI. Quanto ao depoimento da testemunha GG – testemunha ocular da prática do crime – não reconheceu o Recorrente, nem indicou qualquer característica que nos conduza à conclusão de que o Arguido estivesse no local, nas circunstâncias de modo e lugar descritos na factualidade indiciária. Concretamente, a testemunha GG estava a beber uma cerveja no exterior do café e assistiu à chegada do veículo automóvel onde alegadamente transportava os autores dos disparos, não identificou o AA, nem descreveu ninguém com as suas características. Mas mais, esta testemunha diz que os disparos foram efectuados do interior do veículo, contrariando assim a versão constante do depoimento do Ofendido DD. XII. Não existem quaisquer imagens ou fotogramas onde conste o Recorrente (e note-se, em nenhum dos autos que foram dados a conhecer ao Arguido). XIII. Como indica em X. destas Conclusões, a testemunha DD, supostamente o alvo dos disparos estaria no exterior do café, apenas foi interrogado em ...-...-2024, 01 (um) mês e meio depois!!! XIV. E, como referido, em contradição com o depoimento da testemunha GG, este afirmou que os disparos foram efectuados fora do carro, que teriam saído da viatura quatro indivíduos, vestidos de preto, com capuz e um negro com uma balaclava com a inscrição … na zona do nariz e, só se veriam os olhos. E, sem que consigamos perceber a razão de ciência do seu depoimento, o mesmo afirma que quanto à arma que efectuou os 10 (dez) disparos a mesma seria ou uma 6,35mm, ou uma 7,65mm. XV. Na óptica do Recorrente, é muito importante salientar e destacar a questão relacionada com o reconhecimento fotográfico. Da lista de documentos que foram disponibilizados ao Arguido, concretamente de fls. 295 a 299 e 304 a 306, nenhum deles diz respeito ao resultado do reconhecimento pessoal ou fotográfico do aqui Recorrente. Senão, vejamos, XVI. Um dos identificados suspeitos terá sido um individuo de nome FF (retractado na fotografia número 5) e, ou outro, auto número 2, que identifica a fotografia número 2, nada é correcta e necessariamente identificado como sendo o Recorrente AA. XVII. Mas, de forma inexplicável – e, recordemos que igualmente contrariamente ao outro auto de reconhecimento fotográfico – a fls. … (algumas das cópias na altura fornecidas pela secretaria tinham os números de folha cortados, não sendo possível efectuar a sua correcta menção) – em ... de ... de 2024, pelo Sr. Inspector da Polícia Judiciária, OO, é redigido um auto de informação com o seguinte teor: "Faço constar nos presentes autos que, na sequência das declarações prestadas pelo ofendido DD, o mesmo reconheceu positivamente 2 (dois) indivíduos como autores dos factos que teriam como intuito vitima-lo. Dos aludidos reconhecimentos fotográficos resultou a confirmação como suspeito (…). Ademais, resultou ainda a identificação de AA, nascido a .../.../2003, filho de HH e de II e portador (…). Torna-se imprescindível referir que o aludido indivíduo se encontra referenciado por esta Polícia como testemunha no processo que teve origem na morte do jovem JJ, investigado sob o NUIPC 138/22.3... Assim e cf. Auto de Informação de ... de ... de 2024, a aludida identificação reforça a ideia de que os presentes factos serão represálias cometidas pelo grupo de CC, como retaliação pela morte de JJ." – com destaques nossos. XVIII. Aqui chegados, coloca-se a questão de saber se, a destacada observação expressa pelo Senhor Inspector da Polícia Judiciária valerá nos dois sentidos, isto é, será que, não podemos também concluir, que a identificação dos suspeitos não foi efectuada, não por terem sido reconhecidos, mas por represálias, por serem pessoas próximas de grupos rivais? XIX. E, serão adequadas as observações do Senhor Inspector, fazendo menção que o aludido indivíduo está referenciado como testemunha no processo que teve origem na morte do outro jovem? Mas mais, contendo este auto de informação a identificação de duas pessoas – o FF e o AA – a qual dos dois se refere? XX. Sendo de referir que, já não seria a primeira vez que o Recorrente tem a qualidade de Arguido num determinado processo e, posteriormente, foram os autos arquivados quanto a ele, tudo conforme se demonstra dos documentos juntos sob os números 1 e 2. XXI. O princípio da segurança e da liberdade encontra-se plasmado em vários diplomas, designadamente, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual consagra de várias passagens à liberdade individual: "artigo 1.º, "todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos..." Artigo 3.º "todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal" Artigo 9.º "ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado" Artigo 13.º "toda a pessoa tem direito a livremente circular..." XXII. Do mesmo modo, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no seu artigo 5.º, consagra também que "toda a pessoa tem direito à liberdade e à segurança. Ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos seguintes (…)". É, pois, o primado da liberdade sobre a segurança. XXIII. Também a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 27.º, estatuí o Direito à Liberdade, cuja privação tão excepcional, tem acolhimento constitucional no artigo 28.º, n.º 2 e 3. E, daquela que é a enumeração dos casos em que pode existir privação de liberdade, mormente a prisão preventiva, estabelece que é excepcional, não sendo decretada ou mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei – Cfr. artigo 28.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, o que equivale a dizer que estamos perante a consagração constitucional do princípio da subsidiariedade da prisão preventiva. XXIV. Cremos ser de unânime entendimento, que a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, chegue a ser "dissuasora" da vontade de mudança de rumo, do próprio Arguido porquanto, este estará está rodeado de reclusos mais velhos, muitos deles reincidentes em condutas criminosas. E, é – ou deveria ser – ponto assente que todo e qualquer Arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado de sentença que o condene, conforme estatuído no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, sendo a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, a mais gravosa prevista na lei, de carácter excepcional. XXV. Nessa senda, somos de opinião que, atendendo ao Princípio supra enunciado, bem como ao plasmado nos artigos 27.º e 28.º, ambos da Constituição da República Portuguesa e, na estatuição legal nos artigos 191.º a 193.º do Código de Processo Penal, o Arguido viu violado o seu direito fundamental à liberdade, por considerar que a prisão preventiva que lhe foi imposta é injusta, desadequada e desproporcional. XXVI. A nossa jurisprudência tem sido no sentido de que, tal medida de coacção, só deve ser aplicada em última ratio, precisamente em obediência ao comando contido no artigo 28.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e, a mesma só será admissível, quando se verificarem os requisitos e pressupostos nos artigos 202.º e 204.º do Código de Processo Penal. XXVII. Acresce que, não se verificam preenchidos os pressupostos do artigo 204.º do Código de Processo Penal, tendo-se por afastado o perigo de fuga porquanto, o Arguido, aqui Recorrente, nunca antes fugiu, nunca saiu do radar da investigação, nem pensa fugir. Logo, por este motivo não é de se lhe aplicar esta medida de coacção. XXVIII. No mais, sempre se dirá que, sempre teríamos de estar perante um perigo concreto, não bastando a mera probabilidade de fuga, alicerçada em presunções genéricas e abstractas e, não se aceita que esta possibilidade, seja aduzida apenas pela gravidade do crime. XXIX. E, somos igualmente de o mencionado perigo de perturbação do inquérito ou no decurso do inquérito, igualmente não se verifica, isto porque, não basta a mera probabilidade de o Arguido vir a prejudicar a investigação. É, pois, necessário, que se demonstre efectivamente esse perigo, demonstrado pela prática de factos que indiciem a actuação do mesmo, com esse objectivo e, que não existam outros meios obstar a essa perturbação. XXX. Vejamos, a esse propósito, o que bem nos ensina Germano Marques da Silva, in Manual de Processo Penal II, Editorial Verbo, 1993, quando afirma que, "Os abundantes meios de que dispõem hoje as autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal para investigar os crimes e sobretudo a sua utilização diligente e inteligente são em geral bastantes para obstar a que o arguido possa por si perturbar o decurso do inquérito ou da instrução do processo." XXXI. O caso em apreço nos nosso autos, não obstante estarmos perante uma investigação em curso, é indubitável que deles já constam e foram recolhidos meios de prova, uma vez que os factos datam de ... e o Arguido, que sempre esteve à vista de todos, foi detido em ... de ... de 2025, 09 (nove) meses depois, não se vislumbra que o mesmo possa perturbar a recolha dos outros meios de prova. XXXII. Do mesmo, no que ao perigo de continuação da actividade criminosa concerne, diremos que nenhum indício existe sobre a potencialidade de cometimento deste tipo de crime por banda do Arguido e, como defende o Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte II. Edit. Noticias, 1993, falamos do que deve ser um elevado grau de probabilidade, não a mera possibilidade. XXXIII. Defendendo ainda o mesmo Autor, quanto às medidas de segurança, que o Juiz "aplicará a medida se tiver alcançado a convicção da probabilidade de repetição; não a ordenará se estiver convencido de que a repetição é possível, mas não provável; como igualmente a não ordenará, de acordo com o principio in dubio pro reo; se tiverem persistido no seu espírito dúvidas inultrapassáveis quanto à probabilidade de repetição.". XXXIV. De salientar que o Arguido nunca esteve preso por crime de idêntica ou diversa natureza e, como atrás se referiu, o único verdadeiro e real indício com que o mesmo foi confrontado em que o seu nome constava, foi na nota informativa redigida pelo Senhor Inspector da Polícia Judiciária. XXXV. O Recorrente é de opinião que a privação da sua liberdade, ainda que preventivamente, determinará como consequência, a existência de prejuízos irreparáveis, designadamente, por estar afastado da sua família e sujeito a uma formação intensiva na escola do crime que é o estabelecimento prisional onde se encontra recluso, rodeado de outros homens, maioritariamente mais velhos. XXXVI. E, consideremos que ao inserir o Arguido no meio criminal, que obedecendo a valores e princípios próprios, é capaz de influenciar e perverter os objectivos pretendidos com a aplicação da medida de coacção ao Arguido, afastando-o, cada vez mais, do comportamento que dele é esperado. XXXVII. No mesmo sentido, podemos ler Germano Marques in lições de Processo Penal, vol. II, pp 244 e seguintes, que o grau de maturidade de uma Democracia, afere-se pelo maior respeito pela liberdade individual na aplicação das medidas de coacção, máxime da prisão preventiva. O mesmo equivale a dizer que, o Princípio da Liberdade deve sobrepor-se ao da Segurança (limites à prisão constantes no artigo 27.º, da Constituição da República Portuguesa). XXXVIII. Reiteramos que, a prisão preventiva, como medida gravosa e privativa, é excepcional, subsidiária e precária (Cfr. artigos 28.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e 202.º, nº1 alínea a), do Código de Processo Penal). E, mesmo que se entendesse ser mais adequada uma medida de privação de liberdade – e não qualquer outra – a obrigação de permanência em na habitação prevista no artigo 201.º do Código de Processo Penal seria também um meio idóneo – como de resto, pois requerido pela Defesa do aqui Recorrente. XXXIX. Face ao exposto e, atendendo à não verificação dos pressupostos enumerados no artigo 204.º do Código de Processo Penal, conjugado com o estatuído nos artigos 32.º, n.º 2, 27.º, n.º 2 e o 28.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa, e com os artigos 191.º a 193.º e 202.º, todos do Código de Processo Penal, normas estas que se consideram violadas, deve a medida de coacção de Termo de Identidade e Residência, a única a ser mantida. XL. Na data dos factos pelos quais o Recorrente viu aplicada a medida de coacção mais gravosa, o mesmo tinha 21 (vinte e um) anos de idade, pelo que, em abstracto, deverá ser precisamente nessa perspectiva de jovem, que o mesmo deverá ser encarado. Havendo, por isso, a necessidade de proceder à sua ressocialização, incutindo-lhe princípios e valores. XLI. Por tudo quanto vem sido dito, considera o Recorrente que a medida de prisão preventiva aplicada ao Arguido, mostra-se verdadeiramente desproporcional, isto porque, o conceito de proporcionalidade da medida de coacção, deve ser aferido, não só à luz da gravidade dos crimes, mas também das exigências de política criminal acolhidas pelo ordenamento jurídico português, não se esquecendo nunca, que "as medidas cautelares são impostas em função da situação pessoalíssima de cada arguido". XLII. No caso dos nossos autos, quanto ao AA, a medida de coacção de prisão preventiva, mostra-se também completamente desadequada da exigência cautelar de ressocialização do Arguido. E, obviamente, desnecessária, pois, salvo o devido respeito, que é muito, a aplicação ao Recorrente da medida de obrigação de permanência na residência, sujeito a vigilância electrónica, seria suficiente e bastante para assegurar a não continuação da actividade criminosa e o perigo de fuga, ainda que, cumulativamente houvesse necessidade de vir a ser aplicada a obrigação de não contactar com determinas pessoas, conforme prevê o artigo 201.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. XLIII. Concluindo-se que, no caso do Recorrente, a medida de permanência na habitação não só se mostrava (e mostra) suficiente, como mais satisfatória das exigências cautelares, do que a própria prisão preventiva, nomeadamente por evitar que o Arguido tenha contacto com população delinquente. XLIV. Estando a mãe do Arguido totalmente disponível para prestar o seu consentimento e acolher o Arguido, seu filho, em sua casa, dando o respectivo consentimento nos termos do disposto no artigo 4.º, da Lei 33/2010, de 2 de Setembro, e para os efeitos do disposto no artigo 201.º do CPP. XLV. Sendo ainda de destacar que, o Arguido não reside em nenhum dos Bairros indicados como problemáticos. Pugnando-se assim, a final, Com o elevado respeito que já se afirmou ser muitíssimo e, fazendo-se um juízo de ponderação consentâneo com o artigo 193.º do Código de Processo Penal e com o artigo 18.º da nossa Lei Fundamental, decidir-se pela substituição da medida de coacção aplicada de prisão preventiva, por uma menos gravosa, como a medida de obrigação de permanência na residência, sujeito a vigilância electrónica, em estrito respeito pelo cumprimento dos princípios inerentes à aplicação das medidas de coacção".
O Ministério Público apresentou resposta, tendo concluído pela improcedência do recurso e para tal formulou as seguintes conclusões:
"I. A ... de ... de 2025, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detidos foi aplicada ao arguido AA, ora recorrente, a medida de coacção de prisão preventiva; II. Face aos factos que lhes eram imputados, e, bem assim, a gravidade dos ilícitos em causa, foi determinado que o arguido aguardasse os ulteriores termos do processo sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva, por só esta poder ao forte perigo de continuação da actividade criminosa, e bem assim de perturbação da tranquilidade da e da ordem públicas e perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; III. O arguido encontra-se fortemente indiciado da prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, perpetrado contra o ofendido DD, dois crimes de detenção de arma proibida, dois crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, perpetrados contra os ofendidos KK e EE; IV. A prova da factualidade imputada ao arguido resulta da ampla prova recolhida nos autos – depoimentos prestados pelos ofendidos, as buscas e as apreensões efectuadas e imagens de videovigilância; V. Não se nos levantam dúvidas quanto à proporcionalidade da medida de prisão preventiva, quando aplicada a crimes desta natureza. Já quanto à necessidade, é a única capaz de remover eficazmente os perigos que se fazem sentir no caso em concreto, nomeadamente o intenso perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, e de perturbação da tranquilidade e ordem públicas, de continuação da actividade criminosa; VI. Da conjugação da prova produzida resultam os factos considerados fortemente indiciados pelo Mmo. Juiz de Instrução constantes do auto de interrogatório judicial; VII. Vem o arguido requerer a alteração da medida de coacção aplicada de prisão preventiva nomeadamente para proibição de ausência de território nacional, proibição de contactos ou OPH; VIII. Ponderou o Tribunal e concluiu que tais medidas não se revelam adequadas nem eficazes contra os perigos acima enunciados; IX. Face ao que supra foi referido, conclui-se que qualquer outra medida de coacção não salvaguarda de forma eficaz os perigos que se fazem sentir no caso em concreto; X. Pelo exposto, o arguido, ora recorrente deverá aguardar os ulteriores termos do processo sujeito a prisão preventiva, em virtude de se manterem inalterados os pressupostos que a determinaram".
Inconformado o arguido BB apresentou as seguintes conclusões:
"1. O despacho recorrido viola os artigos 193º e 204º do CPP. 2. Os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade impõem que não se aplique a medida de coacção de prisão preventiva. 3. Termos em que deve ser revogado o douto despacho recorrido que aplicou a prisão preventiva".
O Ministério Público apresentou resposta, tendo concluído pela improcedência do recurso e para tal formulou as seguintes conclusões:
"I. A ... de ... de 2025, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detidos foi aplicada ao arguido BB, ora recorrente, a medida de coacção de prisão preventiva; II. Face aos factos que lhes eram imputados, e, bem assim, a gravidade dos ilícitos em causa, foi determinado que o arguido aguardasse os ulteriores termos do processo sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva, por só esta poder ao forte perigo de continuação da actividade criminosa, e bem assim de perturbação da tranquilidade da e da ordem públicas e perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; III. O arguido encontra-se fortemente indiciado da prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, perpetrado contra o ofendido DD, dois crimes de detenção de arma proibida, dois crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, perpetrados contra os ofendidos KK e EE; IV. Não se nos levantam dúvidas quanto à proporcionalidade da medida de prisão preventiva, quando aplicada a crimes desta natureza. Já quanto à necessidade, é a única capaz de remover eficazmente os perigos que se fazem sentir no caso em concreto, nomeadamente o intenso perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, e de perturbação da tranquilidade e ordem públicas, de continuação da actividade criminosa; V. Da conjugação da prova produzida resultam os factos considerados fortemente indiciados pelo Mmo. Juiz de Instrução constantes do auto de interrogatório judicial; VI. Vem o arguido requerer a alteração da medida de coacção aplicada de prisão preventiva nomeadamente para proibição de ausência de território nacional, proibição de contactos ou OPH; VII. Ponderou o Tribunal e concluiu que tais medidas não se revelam adequadas nem eficazes contra os perigos acima enunciados; VIII. Face ao que supra foi referido, conclui-se que qualquer outra medida de coacção não salvaguarda de forma eficaz os perigos que se fazem sentir no caso em concreto; IX. Pelo exposto, o arguido, ora recorrente deverá aguardar os ulteriores termos do processo sujeito a prisão preventiva, em virtude de se manterem inalterados os pressupostos que a determinaram".
Os autos subiram a este Tribunal e nos mesmos o Ministério Público elaborou parecer em que conclui pela improcedência do recurso.
Uma vez que o parecer adere às razões fundamentos da resposta não houve (nem tinha de haver) cumprimento do disposto no artigo 417.º n.º 2 do Código Processo Penal.
Os autos foram a vistos e a conferência.
2. Âmbito do recurso e identificação das questões a decidir
O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º n.º 2 do Código Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr., Acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/1995, Diário da República, Série I-A, de 28/12/1995 e artigos 403.º n.º 1 e 412.º n.º 1 e n.º 2, ambos do Código Processo Penal).
Inexistindo questões de conhecimento oficioso que importe decidir e face ao teor das conclusões da motivação apresentadas, nos presentes autos as questões a apreciar respeitam:
A – Quanto ao recorrente AA:
- a existência de fortes indícios da prática dos crimes imputados ao recorrente;
- à existência dos pressupostos de aplicação de medida de coacção de prisão preventiva;
- à substituição da medida de coacção de prisão preventiva pela medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica.
B – Quanto ao arguido BB:
- à existência dos pressupostos de aplicação de medida de coacção de prisão preventiva.
3. Fundamentação
O despacho recorrido tem o teor que segue.
"Indiciam fortemente os presentes autos os seguintes factos concretamente imputados aos arguidos AA e BB: I – Relativamente ao processo principal n.º 591/24.0PZLSB 1 –No dia ... de ... de 2024, pelas 11,40 horas, junto ao n.º 21, da ..., em …, junto da ...", seguiam no interior de uma viatura de marca …, modelo …, com a matrícula ..-..-UF, entre cinco e seis indivíduos, um dos quais o condutor, o suspeito FF, conhecido como "FF", o arguido AA e o arguido BB, conhecido como "BB", todos pertencentes ao grupo "..., grupo juvenil rival do grupo "..." do .... 2 – Nessas circunstâncias, através da arma de fogo, do tipo pistola semiautomática (arma de fogo transformada), de calibre 6,35 mm … (…. na designação anglo-americana), de marca ..., de modelo …, de origem …, sem número de série, efectuaram três disparos na direcção de DD, conhecido como "DD" e associado ao grupo "..." do .... 3 – Os disparos danificaram a fachada da referida colectividade e uma viatura que ali se encontrava estacionada. 4 – No dia ... de ... de 2025, pelas 07,00 horas, o arguido AA tinha na sua residência, sita na ..., em ...: i. um telemóvel da marca ..., modelo ..., com o EID ..., com cartão SIM inserido, da operadora ..., correspondente ao n.º ..., com o código de desbloqueio "..."; ii. uma t-shirt de cor branca, tamanho XL RIP ........2022 CKAY e uma fotografia de um indivíduo negro com a legenda "CC"; iii. Uma balaclava de cor branca. 5 – Os arguidos AA e BB, acompanhados pelo suspeito FF, e de outros dois ou três indivíduos, cuja identidade ainda não se apurou, actuaram em conjunto, no desenvolvimento de um plano previamente traçado, por vingança, de modo despropositado e desproporcional, sem sentido perante o senso comum, e usando meio particularmente perigoso que não permitia qualquer tipo de defesa ou retorsão do ofendido, sabendo que ao dispararem a arma de fogo contra DD com o propósito de o atingir e matar, a sua actuação era adequada a produzir tal resultado, que apenas não ocorreu, por circunstâncias alheias à sua vontade. 6 – A actuação dos arguidos AA e BB e dos restantes suspeitos revela frieza de ânimo e crueldade, tendo actuado por motivos fúteis. 7 – Os suspeitos detinham uma arma de fogo com as respectivas munições, conhecendo bem as suas características, não tendo qualquer autorização para os adquirir e possuir, bem sabendo que não tinham licença de porte de arma e que a detenção e uso dos mesmos não lhes era permitida, sendo tal conduta punida por lei. 8 – Agiram, assim, os arguidos AA e BB, o suspeito FF e os restantes suspeitos que os acompanhavam, de forma concertada, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e criminalmente punidas por lei penal. II – Relativamente ao processo apenso n.º 1422/24.7PLSB 9 - No dia ... de ... de 2024, pelas 18,14 horas, na ..., na via pública junto ao parque de estacionamento do estabelecimento ..., da ..., um grupo de 4 (quatro) indivíduos, fazendo parte integrante do mesmo o suspeito FF, o arguido BB e dois suspeitos, cuja identidade ainda não se apurou, todos pertencentes ao grupo juvenil ..., efectuaram, pelo menos, 3 (três) disparos, com recurso a arma de fogo, de tipo pistola semiautomática (arma de fogo transformada), de calibre 6,35 mm … (…. na designação anglo-americana), de marca ..., de modelo …, de origem …, sem número de série, na direcção dos ofendidos KK e EE, pertencentes ao grupo juvenil do .... 10 – É sobejamente conhecida a rivalidade entre os grupos juvenis ... e .... 11 – Nas circunstâncias de tempo e lugar, o suspeito FF e o arguido BB, acompanhados por outros dois indivíduos, estacionaram a viatura da marca ..., modelo ..., de matrícula ..-ZX-.., na qual se deslocavam. 12 – Após os 4 (quatro) indivíduos saíram da viatura e caminharam em direcção aos ofendidos KK e EE. 13 – De imediato, o suspeito FF empunhou uma arma de fogo, de características não concretamente apuradas e gritou o nome do ofendido EE, chamando a atenção do ofendido KK. 14 – De seguida, o suspeito FF ordenou ao arguido BB que disparasse contra os ofendidos. 15 – Em acto contínuo, o arguido BB retirou da sua cintura a arma de fogo referida, correndo em direcção aos ofendidos e efectuou um primeiro disparo na direcção do ofendido KK, um segundo disparo na direcção do ofendido EE e um terceiro, novamente, na direcção do ofendido KK. 16 – O arguido BB trajava um fato de treino (casaco e calças), de cor preta, com riscas brancas, da marca .... 17 – O suspeito FF trajava um par de chinelos, de cor azul, com três riscas brancas na zona do peito do pé, da marca .... 18 – No dia ... de ... de 2024, no âmbito do processo n.º 62/24.5SULSB, foi apreendida ao arguido BB a arma de fogo, de tipo pistola semiautomática (arma de fogo transformada), de calibre 6,35 mm … (… na designação anglo-americana), de marca ..., de modelo …, de origem ---. 19 – No dia ... de ... de 2025, pelas 07,00 horas, o arguido BB tinha na sua residência, sita na ...: i. um casaco da marca adidas, de cor preta com riscas brancas nas mangas e logotipo branco de tamanho S; ii. um par de calças de fato de treino, da marca adidas, de cor preta com riscas brancas nas mangas e logotipo branco de tamanho M; iii. um par de ténis da marca LL, de cor preta e cinzento, de tamanho 39; iv. um telemóvel da marca ..., modelo ..., cor cinza, com o IMEI ... e IMEI2 ..., contendo o cartão SIM da ... com o n.º ... e respectiva capa preta com os dizeres "…" e "…". 20 – No dia ... de ... de 2025, pelas 07,00 horas, o suspeito FF tinha na sua residência, sita na ...em ...: i. um carregador de uma arma de fogo; ii. um par de chinelos, de cor azul, com três riscas brancas na zona do peito do pé, da marca .... 21 – Os 4 (quatro) indivíduos, do qual faziam parte do grupo o suspeito FF e o arguido BB, actuaram em conjunto, no desenvolvimento de um plano previamente traçado, por vingança, de modo despropositado e desproporcional, sem sentido perante o senso comum, e usando meio particularmente perigoso que não permitia qualquer tipo de defesa ou retorsão do ofendido, sabendo que ao dispararem a arma de fogo contra os ofendidos EE e KK com o propósito de os atingir e matar, a sua actuação era adequada a produzir tal resultado, que apenas não ocorreu, por circunstâncias alheias à sua vontade. 22 – A actuação do arguido BB e dos suspeitos FF e restantes que o acompanhavam revela frieza de ânimo e crueldade, tendo actuado por motivos fúteis. 23 – Os referidos indivíduos, do qual faziam parte do grupo o suspeito FF e o arguido BB, detinham arma de fogo com as respectivas munições, conhecendo bem as suas características, não tendo qualquer autorização para os adquirir e possuir, bem sabendo que não tinham licença de porte de arma e que a detenção e uso dos mesmos não lhes era permitida, sendo tal conduta punida por lei. 24 – Os referidos indivíduos, do qual faziam parte do grupo o suspeito FF e o arguido BB agiram de forma concertada, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal. 25 – O arguido BB é solteiro. 26 – O arguido BB vive com os pais e a irmã. 27 – A namorada do arguido BB encontra-se grávida de 4 (quatro) meses. 28 – O arguido BB é distribuidor e vendendor, auferindo mensalmente a quantia de € 900,00 (novecentos euros). 29 – Como habilitações literárias, o arguido BB possui o 9º ano de escolaridade. 30 – Do certificado de registo criminal do arguido BB consta averbada uma condenação, por sentença proferida no âmbito do processo sumário n.º 818/21.0PLLRS, do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Loures – Juiz 2 – do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal. 31 – O arguido AA é solteiro. 32 – O arguido AA vive com a mãe. 33 – O arguido AA encontra-se actualmente desempregado, vivendo de rendimentos auferidos de trabalho por si realizado na .... 34 – Como habilitações literárias, o arguido AA possui o 8º ano de escolaridade. 35 – Do certificado de registo criminal do arguido AA constam averbada a seguinte condenação: - no âmbito do processo sumário n.º 34/22.4PALRS, do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Loures – Juiz 1 – do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, por sentença transitada em julgado em 2 de Maio de 2022, pela prática de um crime de detenção de arma proibida. * Os arguidos optaram por exercer o seu direito ao silêncio relativamente aos factos que lhes são imputados nos autos, tendo apenas prestado declarações quanto à sua situação pessoal e condição económica. A forte indiciação dos factos supra assinalados resulta assim dos meios de prova constantes dos autos, maxime, – relativamente ao processo principal n.º 591/24.0PZLSB: a comunicação de notícia do crime de fls. 22-24; o documento de fls. 25; o auto de diligência de fls. 29 a 30, 282 e 310 a 311; os autos de inquirição de fls. 31 a 33, 108 a 110 e 126 a 130; a ficha de registo automóvel de fls. 36 a 38; o auto de notícia de fls. 142-144; o relatório de exames periciais de fls. 51 a 66 e 165 a 171; a folha de suporte de fls. 97; os autos de visionamento de fls. 98 a 100 e 126 a 127; o auto de informação de fls. 124 a 125; o auto de apreensão de fls. 145 a 146, a cópia do auto de notícia por detenção do processo n.º 62/24.5... de fls. 247-250; os autos de busca e apreensão de fls. 256 a 261, 289, 293 a 294, 314 a 316 e 319 a 320; a reportagem fotográfica de fls. 295 a 299; o auto de reconhecimento de pessoas de fls. 304 a 306 e o e-mail do Laboratório de Polícia Criminal, com exame pericial, de fls. 336-337; - relativamente ao processo apenso n.º 1422/24.7PLSB: o auto de notícia de fls. 7 a 8; o relatório de inspecção de fls. 9 a 10, 83 a 89 e 97 a 99; o auto de diligências de fls. 2 a 7; a comunicação de notícia de crime de fls. 13 a 14; as cópias de fls. 17 a 22; as folhas de suporte de fls. 24 e 105 a 106; os autos de apreensão de fls. 25, 30 a 31, 90 e 103; o auto de inquirição de fls. 27 a 29 e 33 a 36; os autos de visionamento de fls. 41 a 74, 107 a 119 e 125 a 126; o auto de exame e avaliação de fls. 91; a ficha de registo automóvel de fls. 136 e a informação DAE/PSP de fls. 140-141. Tais elementos probatórios, conjugados entre si e com as regras da experiência comum e da normalidade social, inculcam ao Tribunal a convicção de que existem fortes indícios da prática por parte dos arguidos dos factos supra elencados. Para a formação da convicção do Tribunal foram, desde logo, determinantes os depoimentos prestados pelos ofendidos DD (cfr. fls. 108 e seguintes dos autos principais), e KK (cfr. fls. 33 e seguintes dos autos apensos), que souberam relatar, de forma clara, segura e consistente, os factos fortemente indicados nos autos, tendo o ofendido DD efectuado o reconhecimento fotográfico do suspeito FF e do arguido AA (cfr. fls. 108, 109, 112 e 113 dos autos principais) e o ofendido KK o reconhecimento fotográfico do suspeito FF e do arguido BB (cfr. fls. 304 dos autos principais e fls. 33, 34, 37 e 38 dos autos apensos). Assumiram também particular relevância as buscas e as apreensões efectuadas, designadamente das munições recolhidas nos locais de ocorrência dos factos (cfr. fls. 145 e 146 dos autos principais e fls. 5 a 14, 20 e 90 dos autos apensos), em conjugação com os autos de exame e avaliação (cfr. fls. 45 dos autos principais e fls. 6, 15, 22 e 91 dos autos apensos) e os relatórios de exame pericial (cfr. fls. 51 a 66, 165 a 171 e 336 dos autos principais), com especial enfoque para o exame pericial de balística constante de fls. 336 e seguintes, que conclui que a arma apreendida na posse do arguido BB no dia ... de ... de 2024 é a arma de fogo usada pelo mesmo na execução dos disparos de arma de fogo efectuados nos dias ... de ... de 2024 e ... de ... de 2024. Também contribuíram para sustentar a forte indiciação dos factos os autos de apreensão de imagens de videovigilância (cfr. fls. 25, 27, 30 e 103 dos autos apensos) e os autos de visionamento de conteúdos multimédia (cfr. fls. 41 e 73), nos quais é possível visualizar a actuação dos suspeitos, designadamente do suspeito FF e do arguido BB, bem como as indumentárias por estes utilizadas, em conjugação com os depoimentos das testemunhas MM e GG (cfr. fls. 31 e seguintes e 128 e seguintes dos autos principais) e de NN (cfr. fls. 27 e seguintes dos autos apensos) e com as informações prestadas pela Polícia da Segurança Pública da secção de armas e explosivos, dando conta que os arguidos não são titulares de qualquer licença de uso e porte de arma. Os factos em apreço estão relacionados com criminalidade de grupos juvenis, com origem na rivalidade existente entre o grupo dos CC (conhecido por ...) e o grupo do ... (conhecido por ...) e, tendo em conta a perigosidade das armas utilizadas, a sucessão e a direcção dos disparos efectuados e a proximidade em que se encontravam os ofendidos, é manifesto que a intenção dos arguidos era efectivamente tirar a vida aos visados. O nível de preparação e premeditação da conduta dos arguidos, o facto de a actuação dos elementos do grupo ser realizada de forma repentina, com vários intervenientes, de forma dissimulada para não serem reconhecidos e com recurso ao uso armas de fogo, criando um efeito surpresa nas vítimas, inculca ao Tribunal a convicção de que os arguidos agiram no âmbito de um plano previamente acordado, que lhes permitiu coordenar todos os meios de acção e assim contribuir para a realização conjunta dos factos fortemente indiciados. Os factos relativos à situação pessoal e condição económica dos arguidos assim resultaram das declarações por estes prestadas perante o Tribunal. A factualidade respeitante aos antecedentes criminais dos arguidos foi atestada pelo teor dos certificados de registo criminal constantes dos autos. * Os factos fortemente indiciados respeitantes ao processo n.º 591/24.0PZLSB são susceptíveis de integrar a prática pelos arguidos AA e BB, em co-autoria material e em concurso real, dos seguintes crimes: - um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, perpetrado contra o ofendido DD, previsto pelos artigos 131º e 132º, n.º 2, alíneas e), h) e j) do Código Penal, e punível com pena de prisão de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias a 16 (dezasseis) anos e 8 (oito) meses; - um crime de detenção de arma proibida, previsto pelo artigo 86º, n.º 1, alínea c) do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, 23 de Fevereiro, e punível com pena de prisão de 1 (um) a 5 (cinco) anos ou com pena de multa até 600 (seiscentos) dias; Os factos fortemente indiciados respeitantes ao processo apenso n.º 1422/24.7PLSB são susceptíveis de integrar a prática pelo arguido BB, em co-autoria material e em concurso real, dos seguintes crimes: - dois crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, perpetrados contra os ofendidos KK e EE, previstos pelos artigos 131º e 132º, n.º 2, alíneas e), h) e j), do Código Penal, cada um deles punível com pena de prisão de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias a 16 (dezasseis) anos e 8 (oito) meses, e - um crime de detenção de arma proibida, previsto pelo artigo 86º, n.º 1, alínea c) do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, 23 de Fevereiro, punível com pena de prisão de 1 (um) a 5 (cinco) anos ou com pena de multa até 600 (seiscentos) dias. O crime de homicídio qualificado integra o conceito de criminalidade especialmente violenta previsto no artigo 1º, alínea l) do Código de Processo Penal. * Cumpre decidir se se verificam em concreto os requisitos gerais de aplicação de uma medida de coacção, para além do Termo de Identidade e Residência, previstos no artigo 204º do Código de Processo Penal. Por um lado, os crimes fortemente indiciados nos autos, quer pela sua própria natureza e extrema gravidade, gravidade essa que resulta desde logo das elevadas molduras penais, quer atendendo aos bens jurídicos protegidos pelos tipos legais de crime em apreço – desde logo, a vida e a integridade física das vítimas -, geram um forte alarme social e um grande sentimento de insegurança, acarretando graves consequências de instabilidade social e atentando profundamente contra a paz social, verificando-se assim um perigo concreto de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas a que alude o artigo 204º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal. Por outro lado, apesar de os arguidos serem jovens e se encontrarem social e familiarmente inseridos e de o arguido BB não ter antecedentes criminais de natureza semelhante à dos crimes ora em apreço, a verdade é que tais factos e circunstâncias não dissuadiram os arguidos de praticarem os factos imputados movidos por sentimentos de ódio e de vingança, sendo de recear a repetição de actos de violência, atendendo à rivalidade existente entre o grupo dos CC (conhecido por ...), onde se integram os arguidos, e o grupo do ... (conhecido por ...), onde se integram os ofendidos DD e EE, e considerando a personalidade exteriorizada pelos arguidos, revelando desrespeito pelas vítimas e total desprezo pelas regras sociais, o que permite considerar verificado o perigo concreto de continuação da actividade criminosa a que alude o artigo 204º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal. Acresce que, atendendo ao facto de o inquérito se encontrar, ainda, numa fase embrionária, com diligências de prova ainda por realizar e com os restantes intervenientes por identificar, existe o fundado receio de que os arguidos venham a alertar os outros suspeitos ou tentem ocultar provas, no sentido de frustrar a investigação e o apuramento cabal dos factos, ou venham a interferir com os ofendidos ou a condicionar as vítimas ou as testemunhas quanto à sua versão dos factos no intuito de as demover a depor contra si, pelo que se verifica o perigo concreto de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente, o perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, a que alude o artigo 204º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal. Por último, é elevada a probabilidade de os arguidos se porem em fuga e se eximirem à justiça, tal como o é a probabilidade de lhes vir a ser aplicada uma pena de prisão efectiva em sede de julgamento, por força das fortes exigências de prevenção geral que o caso reclama, o que permite considerar verificado o perigo concreto de fuga a que alude o artigo 204º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal. A verificação dos aludidos perigos, enquadráveis nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 204º do Código de Processo Penal, impõe a aplicação aos arguidos de uma medida de coacção, para além do Termo de Identidade e Residência. A aplicação das medidas de coacção obedece aos princípios da legalidade, necessidade, adequação e proporcionalidade. De acordo com o disposto no artigo 193º do Código de Processo Penal, as medidas de coacção a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas, sendo que a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção. Os princípios constitucionais da excepção e da necessidade de qualquer medida privativa da liberdade, atenta a natureza de medida gravosa, conferem-lhe o carácter de meio excepcional e subsidiário, que se restringe aos casos em que as restantes medidas de coacção se mostrem inadequadas e insuficientes, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 27º, n.º 3 e 28º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e 193º, n.º 2 do Código de Processo Penal. A ocorrência dos perigos evidenciados nos autos torna manifesta a necessidade de se adoptarem medidas de coacção eficazes, sendo evidente que, estando reunidos os requisitos específicos previstos no artigo 202º, n.º 1, alíneas a), b) e e) do Código de Processo Penal, apenas a medida de coacção de prisão preventiva se mostra ajustada, adequada e necessária às exigências cautelares reclamadas no caso em apreço e proporcional à gravidade dos crimes em causa e às sanções que previsivelmente virão a ser aplicadas aos arguidos em sede de audiência de julgamento, não se bastando as exigências cautelares do processo com a aplicação de qualquer outra medida de coacção, designadamente da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação. Por um lado, não resulta inequivocamente demonstrada nos autos a existência de condições, quer logísticas, quer de apoio humano, para implementar com o mínimo de eficácia a execução da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, garantindo uma efectiva contenção dos movimentos dos arguidos. Por outro lado, tal medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica não se afigura suficiente, nem adequada, nem eficaz para acautelar os aludidos perigos, na medida em que não impossibilitaria a saída dos arguidos da residência, nem impediria que os arguidos prosseguissem a actividade delituosa a partir da sua residência, podendo continuar a deter armas na sua posse e a atemorizar as vítimas. * Face ao exposto, ao abrigo do preceituado nos artigos 191º, 192º, 193º, 194º, 195º, 196º, 202º, n.º 1, alíneas a), b) e e) e 204º, n.º 1, alíneas a) b) e c), todos do Código de Processo Penal, determino que os arguidos AA e BB aguardem os ulteriores termos do processo sujeitos, além do Termo de Identidade e Residência, à medida de coacção de prisão preventiva".
3.1. Do mérito do recurso.
A – Quanto ao recorrente AA:
Da existência de fortes indícios da prática dos crimes imputados ao recorrente.
O recorrente colocou em causa a existência de fortes indícios da prática dos crimes que lhe foram indiciariamente imputados no despacho recorrido.
O saudoso Senhor Juiz Conselheiro Clemente Lima, relator do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08/01/2003, proferido no processo 0096353, sumariou este aresto afirmando que "a expressão fortes indícios da prática do crime (…) inculca a ideia da necessidade de que a suspeita sobre a autoria ou participação no crime tenha uma base de sustentação segura, que essa suspeita assente em factos de relevo que façam acreditar que eles são idóneos e bastantes para imputar ao arguido essa responsabilidade. O que não invalida o entendimento de que a expressão utilizada pelo legislador porventura não constituirá mais do que uma injunção psicológica ao juiz, no sentido de uma maior exigência na ponderação dos dados probatórios recolhidos acerca do crime assacado ao arguido. Assim, quando a Lei fala em fortes indícios pretende exigir uma indiciação reforçada filiada no conceito de provas sérias"1.
Para Paulo Pinto de Albuquerque fortes indícios são "as razões que sustentam e revelam uma convicção indubitável de que, de acordo com os elementos conhecidos no momento de prolação de uma decisão interlocutória, um facto se verifica. Este grau de convicção é o mesmo que levaria à condenação se os elementos conhecidos no final do processo fossem os mesmos do momento da decisão interlocutória"2.
E, Simas Santos e Leal Henriques defendem que a suspeita sobre a autoria ou participação no crime não pode estar "assente num qualquer estrato factual, mas antes em factos de relevo, que façam acreditar que eles são idóneos e bastantes para imputar ao arguido essa responsabilidade, sob pena de se arriscar uma medida tão gravosa como esta em relação a alguém que pode estar inocente ou sobre o qual não haja indícios seguros de que com toda a probabilidade venha a ser condenado pelo crime imputado"3.
Esta concepção dogmática alastra pela jurisprudência, designadamente no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21/02/2017, proferido no processo 92/15.8GAPRL-B.E1, relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro António João Latas, sustenta-se que "Existem indícios fortes, nomeadamente para efeitos da aplicação de Prisão Preventiva (art.º 202º do CPP), quando constem dos autos elementos de prova que sustentem e revelem a convicção de que um facto se verifica no momento da decisão. Este grau de convicção é o mesmo que levaria à condenação se os elementos conhecidos no final do processo fossem os conhecidos no momento em que é proferida a decisão interlocutória"4.
Levando a afirmar, como consta no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29/05/2013, proferido no processo 174/11.5GDGDM-P.P1, relatado pela Senhora Juíza Desembargadora Maria Manuela Paupério, que:
"I – As expressões fortes indícios e indícios suficientes são equivalentes e devem ser entendidas como indícios bastantes, indícios consistentes quer para sujeitar uma pessoa a julgamento quer para a sujeitar a uma medida de coacção. II – Nesse sentido, só são suficientes aqueles indícios que comportem em si uma forte – e não uma ténue ou remota – possibilidade de o arguido vir a ser condenado pelos crimes que lhe são imputados: requer-se a existência de uma convicção fundada, perante os elementos de prova (já) existentes no processo que se aprecia, de que o arguido, futuramente, poderá vir por eles a ser condenado. III – Não se entenderia que outra tivesse sido a intenção do legislador, porquanto, sendo a decisão de deduzir acusação tomada na fase final do inquérito e podendo a medida de coacção de prisão preventiva ser decidida numa fase inicial ou embrionária do processo, exigisse mais neste momento que naquele outro"5.
No entanto, é importante a distinção entre prova indiciária e "indícios suficientes" assinalada no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/11/2022, proferido no processo 297/22.5GAVNO-A.E1, relatado pelo Senhor Juiz Desembargador Edgar Valente, em que sustenta:
"O juízo de prova que devemos efectuar, tendente à aplicação de uma medida de coacção, não é outro senão o que nos poderá permitir (ou não) chegar à "forte indiciação" referida no art.º 202.º, n.º 1, alínea a). É, assim, errado, identificar a chamada prova indiciária (ou indirecta) com a noção de indícios suficientes que a lei utiliza para fundamentar a acusação (art.º 283.º, n.º 1) ou a pronúncia (art.º 308.º, n.º 1): com efeito , enquanto a existência (ou não) destes últimos é o resultado da convicção da entidade decidente relativamente às provas produzidas ao longo do processo até então, visando o seu prosseguimento (ou não), a prova indiciária (ou indirecta) é aquela que não incide sobre os factos a provar (thema probandum) ou a fortemente indiciar mas que, mediante processos lógicos, permite chegar à prova / indiciação forte daqueles: por isso se pode afirmar que este grau de convicção [fortes indícios] deve ser aferido de acordo com os elementos probatórios que existem no momento da prolação da decisão e é o mesmo que levaria à condenação se os elementos conhecidos no final do processo fossem os conhecidos no momento em que é proferida a decisão interlocutória"6.
Voltando ao critério de decisão imanente ao conceito de "fortes indícios", a utilização do conceito de "prova séria" é utilizado no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/11/2022, proferido no processo 435/19.5GESTB-G.E1, relatado pelo Senhor Juiz Desembargador Edgar Valente, da seguinte forma:
"Com fortes indícios o que se pretende é inculcar a ideia de que o legislador não permite que se decrete a medida de coacção de prisão preventiva com base em meras suspeitas, mas exige que haja já sobre a prática de determinado crime uma «base de sustentação segura» quanto aos factos e aos seus autores que permita inferir que o arguido poderá por eles vir a ser condenado e que, por conseguinte, essa base de sustentação deverá ser constituída por «provas sérias», provas que deixem uma impressão já nítida da responsabilidade do arguido objectivadas a partir dos elementos recolhidos"7.
Finalmente, como fronteira da do grau de certeza factual do juízo indiciário necessário à aplicação da medida de coacção da prisão preventiva, no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/02/2023, proferido no processo 1142/22.7JACBR-B.C1, relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro Vasques Osório, salienta-se que:
"I – Os fortes indícios, das alíneas a) a e) do nº 1 do art.º 202º do C.P.P. não equivalem a comprovação categórica e sem dúvida razoável, exigível para a condenação, antes significam que os elementos de prova disponíveis no momento da aplicação da medida suportam a convicção, objectivável, de ser maior a probabilidade de futura condenação do arguido do que a da sua absolvição, ou, noutra formulação, quando deles seja possível inferir como altamente provável a futura condenação do arguido ou, pelo menos, como mais provável, a condenação do que a absolvição ou, ainda, quando impliquem a existência de uma base factual consistente que permita seriamente inferir a possibilidade da condenação. (…).. III – A qualificação dos indícios como fortes, para além da rigorosa ponderação dos elementos de prova disponíveis, depende também do concreto momento processual em que essa ponderação é feita e dos elementos disponíveis nesse momento, podendo essa qualificação modificar-se na sequência do desenrolar da investigação, seja pela aquisição de novos elementos, seja pela degradação dos elementos primeiramente colhidos"8.
Assim sendo, a aplicação da medida de coacção da prisão preventiva pressupõe um juízo indiciário baseado em "prova séria" que comporte a "possibilidade de o arguido vir a ser condenado pelos crimes que lhe são imputados". Este juízo é feito tendo em consideração o próprio momento processual em que a medida de coacção é aplicada e não com base numa projecção hipotética do final da investigação.
No caso em análise, o despacho recorrido motivou o seu juízo indiciário afirmando que:
"Para a formação da convicção do Tribunal foram, desde logo, determinantes os depoimentos prestados pelos ofendidos DD (cfr. fls. 108 e seguintes dos autos principais), e KK (cfr. fls. 33 e seguintes dos autos apensos), que souberam relatar, de forma clara, segura e consistente, os factos fortemente indicados nos autos, tendo o ofendido DD efectuado o reconhecimento fotográfico do suspeito FF e do arguido AA (cfr. fls. 108, 109, 112 e 113 dos autos principais) e o ofendido KK o reconhecimento fotográfico do suspeito FF e do arguido BB (cfr. fls. 304 dos autos principais e fls. 33, 34, 37 e 38 dos autos apensos). Assumiram também particular relevância as buscas e as apreensões efectuadas, designadamente das munições recolhidas nos locais de ocorrência dos factos (cfr. fls. 145 e 146 dos autos principais e fls. 5 a 14, 20 e 90 dos autos apensos), em conjugação com os autos de exame e avaliação (cfr. fls. 45 dos autos principais e fls. 6, 15, 22 e 91 dos autos apensos) e os relatórios de exame pericial (cfr. fls. 51 a 66, 165 a 171 e 336 dos autos principais), com especial enfoque para o exame pericial de balística constante de fls. 336 e seguintes, que conclui que a arma apreendida na posse do arguido BB no dia ... de ... de 2024 é a arma de fogo usada pelo mesmo na execução dos disparos de arma de fogo efectuados nos dias ... de ... de 2024 e ... de ... de 2024. Também contribuíram para sustentar a forte indiciação dos factos os autos de apreensão de imagens de videovigilância (cfr. fls. 25, 27, 30 e 103 dos autos apensos) e os autos de visionamento de conteúdos multimédia (cfr. fls. 41 e 73), nos quais é possível visualizar a actuação dos suspeitos, designadamente do suspeito FF e do arguido BB, bem como as indumentárias por estes utilizadas, em conjugação com os depoimentos das testemunhas MM e GG (cfr. fls. 31 e seguintes e 128 e seguintes dos autos principais) e de NN (cfr. fls. 27 e seguintes dos autos apensos) e com as informações prestadas pela Polícia da Segurança Pública da secção de armas e explosivos, dando conta que os arguidos não são titulares de qualquer licença de uso e porte de arma.".
O recorrente coloca em causa a matéria indiciária relativa à sua autoria na prática do crime de homicídio, na forma tentada, referente aos acontecimentos ocorridos no dia ... de ... de 2024, pelas 11 horas e 40 minutos, junto ao n.º 21, da ..., em Lisboa, junto da ...". Em especial, o reconhecimento fotográfico efectuado pelo ofendido DD em que reconhece o recorrente.
Para este efeito, o recorrente alega que:
"21. Aqui chegados, coloca-se a questão de saber se, a destacada observação expressa pelo Senhor Inspector da Polícia Judiciária valerá nos dois sentidos. Ou seja, será que, não podemos também concluir, que a identificação dos suspeitos não foi efectuada, não por terem sido reconhecidos, mas por represálias, por serem pessoas próximas de grupos rivais? 22. E, serão adequadas as observações do Senhor Inspector, fazendo menção que o aludido indivíduo está referenciado como testemunha no processo que teve origem na morte do outro jovem? 23. Mas mais, contendo este auto de informação a identificação de duas pessoas – o FF e o AA – a qual dos dois se refere? 24. De resto, já não seria a primeira vez que o Recorrente tem a qualidade de Arguido num determinado processo e, posteriormente, foram os autos arquivados quanto a ele, tudo conforme se demonstra dos documentos que ora se juntam sob os números 1 e 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais".
Esta linha de argumentação coloca interrogações, mas não inquina o meio de prova em causa.
Quanto a esta questão, o tribunal a quo motivou o seu juízo indiciário afirmando que "para a formação da convicção do Tribunal foram, desde logo, determinantes os depoimentos prestados pelos ofendidos DD (cfr. fls. 108 e seguintes dos autos principais), e KK (cfr. fls. 33 e seguintes dos autos apensos), que souberam relatar, de forma clara, segura e consistente, os factos fortemente indicados nos autos, tendo o ofendido DD efectuado o reconhecimento fotográfico do suspeito FF e do arguido AA (cfr. fls. 108, 109, 112 e 113 dos autos principais) e o ofendido KK o reconhecimento fotográfico do suspeito FF e do arguido BB (cfr. fls. 304 dos autos principais e fls. 33, 34, 37 e 38 dos autos apensos)".
Quer isto significar que o ofendido DD conseguiu visualizar o recorrente e, posteriormente, fazer a sua identificação fotográfica. Não se pode afirmar que se trata de um acervo probatório devastador para a posição processual do recorrente. Este reconhecimento fotográfico se não for seguido de um reconhecimento presencial positivo fica vazio de valor probatório. No entanto, o reconhecimento fotográfico é valioso no momento da aplicação da medida de coacção. E, o depoimento do ofendido DD, acompanhado do reconhecimento fotográfico positivo do recorrente revestem a qualidade de "prova séria". Prova essa que é, por si só e por ora, suficiente para formar um forte juízo indiciário suportando "existência de uma base factual consistente que permita seriamente inferir a possibilidade da condenação". Possibilidade e não a "comprovação categórica e sem dúvida razoável, exigível para a condenação".
Assim sendo, o juízo indiciário efectuado pelo tribunal a quo constitui uma "ponderação é feita e dos elementos disponíveis nesse momento, podendo essa qualificação modificar-se na sequência do desenrolar da investigação, seja pela aquisição de novos elementos, seja pela degradação dos elementos primeiramente colhidos". No entanto, o juízo indiciário é formulado no tempo da aplicação da medida de coacção e não num hipotético futuro, em que outros meios de prova possam ser produzidos e invalidem tal juízo.
Em suma, analisados os meios de prova disponíveis à data da aplicação da medida de coacção, é de afirmar, como fez o tribunal a quo, a existência de fortes indícios da prática pelo recorrente de:
- um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, perpetrado contra o ofendido DD, previsto nos artigos 131.º e 132.º n.º 2 alíneas e), h) e j) do Código Penal, e punível com pena de prisão de 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 (dezasseis) anos e 8 meses;
- um crime de detenção de arma proibida, previsto no artigo 86.º n.º 1 alínea c) do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, 23/02, e punível com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa de 10 até 600 dias.
Da existência dos pressupostos de aplicação de medida de coacção de prisão preventiva.
De acordo com o despacho recorrido, o caso concreto impõe exigências que tenham por finalidade acautelar os perigos de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas, de continuação da actividade criminosa, perturbação do decurso do inquérito e de fuga.
Tais perigos verificam-se no caso do recorrente, embora, com intensidades diversas.
O perigo de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas é intensa, face à ressonância comunitária que origina a prática de crimes com este grau de violência.
O perigo de continuação da actividade criminosa é, também, intenso e concreto. A criminalidade violenta relacionada com o comportamento de grupos organizados em "gangues" é um fenómeno que vem alastrando no tecido social das grandes metrópoles, não sendo imune a tal a área metropolitana de Lisboa.
Os perigos de perturbação do decurso do inquérito e de fuga são os que normalmente se verificam em qualquer tipo de investigação. Com efeito, no caso concreto não existe qualquer indício que aponte para a existência actual e forte de qualquer um destes perigos.
Desta forma, no caso concreto, importa acautelar os perigos de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas, de continuação da actividade criminosa.
Em suma, encontram-se preenchidos todos os requisitos processual que possibilitam a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva.
E, em concreto a aplicação desta medida de coacção é necessária, adequada e proporcional.
Conforme definição alcança pelo Senhor Juiz Desembargador Alfredo Costa no acórdão do Tribunal da Relação de 04/05/2022, proferido no processo 68/22.9JAPDL-A.L1:
"Os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade previstos no n.º 1 do artigo 193.º do Código Processo Penal devem considerar-se conceptualizados da seguinte forma: a. Necessidade: "consiste em que o fim visado pela concreta medida de coacção (…) decretada não pode ser obtido por outro meio menos oneroso para os direitos do arguido", estando essas medidas previstas, em consonância, numa escala de crescente gravidade a partir do TIR, passando por outras não privativas da liberdade até às duas mais graves - a obrigação de permanência na residência e a prisão preventiva -, que "só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção" (cfr. nº 2 daquele preceito), devendo, ainda assim, ser dada preferência à primeira sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares" (cfr. nº 3 do mesmo preceito). b. Adequação: "consiste em que as medidas de coacção (…) devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requerer". c. Proporcionalidade: "consiste em que as medidas de coacção devem ser proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas"9.
Ora, a imposição da medida de coacção de prisão preventiva é adequada às exigências cautelares que visam minimizar os perigos de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas, de continuação da actividade criminosa.
A medida de coacção de prisão preventiva é proporcional à gravidade da conduta criminosa do recorrente (crime de homicídio na forma tentada e crime de detenção de arma proibida) e, igualmente, à sanção que previsivelmente lhe será aplicada dentro da moldura pena de 2 anos e meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses de prisão e pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa 10 até 600 dias.
Finalmente, é necessária a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, por, como se constatará, não existe outra medida de coacção que, em concreto, permita alcançar o mesmo nível de cautelas face aos perigos demonstrados pelo comportamento do recorrente.
Desta forma, é de confirmar a imposição pelo tribunal a quo da medida de coacção de prisão preventiva.
Da substituição da medida de coacção de prisão preventiva pela medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica.
A possibilidade de aplicação ao recorrente da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica foi abordada pelo tribunal a quo, tendo sido expresso que:
"Por um lado, não resulta inequivocamente demonstrada nos autos a existência de condições, quer logísticas, quer de apoio humano, para implementar com o mínimo de eficácia a execução da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, garantindo uma efectiva contenção dos movimentos dos arguidos. Por outro lado, tal medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica não se afigura suficiente, nem adequada, nem eficaz para acautelar os aludidos perigos, na medida em que não impossibilitaria a saída dos arguidos da residência, nem impediria que os arguidos prosseguissem a actividade delituosa a partir da sua residência, podendo continuar a deter armas na sua posse e a atemorizar as vítimas".
A argumentação apresentada no despacho recorrido é válida e consistente.
Com efeito, no caso em análise, a prisão preventiva é a única medida que eficazmente acautela o perigo de continuação da actividade criminosa. Com efeito, sendo premente este perigo de fuga, os meios de reacção da vigilância electrónica não são suficientemente rápidos para prevenir a eventualidade de uma repetição de actos da violência descrita na matéria de facto indiciária.
Enfim, a quebra do ciclo de cobrança de dívidas de sangue em contexto de violência grupal só pode ser efectuada com a reclusão efectiva dos membros mais violentos.
Assim sendo, não é adequada a substituição da medida de coacção imposta ao recorrente.
B – Quanto ao arguido BB:
Da existência dos pressupostos de aplicação de medida de coacção de prisão preventiva.
O recorrente colocou em causa os pressupostos da aplicação da medida de coacção de prisão preventiva. E, fê-lo de forma tão envergonhada que torna o objecto do recurso quase invisível.
No entanto, sempre se dirá que a imposição da medida de coacção de prisão preventiva é adequada às exigências cautelares que visam minimizar os perigos de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente, o perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova e de continuação da actividade criminosa.
A medida de coacção de prisão preventiva é proporcional à gravidade da conduta criminosa do recorrente (crime de homicídio na forma tentada e crime de detenção de arma proibida) e, igualmente, à sanção que previsivelmente lhe será aplicada dentro da moldura pena de 2 anos e meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses de prisão e pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa 10 até 600 dias.
Finalmente, é necessária a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, por, como se constatará, não existe outra medida de coacção que, em concreto, permita alcançar o mesmo nível de cautelas face aos perigos demonstrados pelo comportamento do recorrente.
Desta forma, é de confirmar a imposição pelo tribunal a quo da medida de coacção de prisão preventiva.
4. Dispositivo
Por todo o exposto, acordam os juízes que compõem a 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar não provido o recurso e, consequentemente, manter o despacho proferido.
Custas pelos recorrentes, fixando a taxa de justiça em 3 UC, cada um – artigo 513.º do Código Processo Penal.
Notifique.
Lisboa, 04 de Junho de 2025
Francisco Henriques
Ana Rita loja
Hermengarda do Valle-Frias
_______________________________________________________
1. In, https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/fce432ddf135c48780256cc60040e4d1?OpenDocument.
2. In, in "Comentário do Código de Processo Penal", Universidade Católica Editora, 2ª edição, pág. 331, nota n.º 8 ao artigo 127º.
3. in "Código de Processo Penal Anotado", Editora Rei dos Livros, 2.ª edição, 2004, volume I, página 995.
4. In, https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRE:2017:92.15.8GAPRL.B.E1.FB/ .
5. In, https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRP:2013:174.11.5GDGDM.P.P1.4E/.
6. In, https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRE:2022:297.22.5GAVNO.A.E1.B3/
7. In, https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRE:2022:435.19.5GESTB.G.E1.AF/.
8. In, https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRC:2023:1142.22.7JACBR.B.C1.65/
9. In, https://www.dgsi.pt/Jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/75e299bb16030a688025886e0050256e?OpenDocument.