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DESPEDIMENTO DISCIPLINAR
MEIOS ILÍCITOS DE PROVA
MEIOS TECNOLÓGICOS DE VIGILÂNCIA À DISTÂNCIA
VIDEOVIGILÂNCIA
Sumário
I. O recorrente está vinculado ao cumprimento dos ónus previstos no art.º 639 do CPC. O incumprimento dos ónus de impugnação da decisão da matéria de facto acarreta a rejeição do recurso nessa parte (art.º 640/1 e 2/b). II. Não há lugar ao conhecimento de pontos da decisão da matéria de facto que se mostram irrelevantes para a decisão final do pleito (art.º 130 do CPC). III. É impossível a subsistência da relação laboral por motivo imputável ao trabalhador quando a respetiva manutenção deixa de poder exigir-se ao empregador, inexistindo outra sanção suscetível de sanar a crise contratual grave aberta com aquele comportamento. IV. É esse o caso quando o trabalhador participa com outros na subtração de bens do empregador, independentemente do valor destes e da ausência de antecedentes disciplinares do trabalhador.
Texto Integral
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.
I.
A) Autor (designado abreviadamente também por A.) e recorrente: AA
Ré (R.): Dia Portugal – Supermercados, SA.
Não tendo havido acordo na audiência de partes, a R. apresentou articulado de motivação do despedimento sustentando os fundamentos que motivaram o despedimento do trabalhador.
O trabalhador apresentou contestação e reconvenção, formulando os seguintes pedidos:
- sejam reconhecidas e declaradas as nulidades do procedimento disciplinar invocadas, com a declaração de ilicitude do despedimento do autor;
- seja considerada procedente, por provada, a reconvenção deduzida e, a ré condenada a indemnizar o autor nos termos do disposto no artigo 391º do Código do Trabalho e a pagar-lhe a quantia total de € 37.775,80, correspondente aos seguintes créditos laborais já vencidos e não pagos e a indemnização por danos morais:
a) Indemnização por danos morais: € 10.000,00;
b) Indemnização por despedimento ilícito: € 23.191,87;
c) Créditos laborais devidos aquando do despedimento e acima melhor descritos: € 583,93 (subsídio de férias correspondente ao trabalho prestado em 2022, férias correspondentes ao trabalho prestado em 2022, proporcional direito a férias do trabalho prestado em 2023, proporcional subsídio de férias correspondente ao trabalho prestado em 2023, proporcional subsídio de natal correspondente ao trabalho prestado em 2023, horas de formação não prestadas nos últimos cinco anos).
- seja a ré ser condenada a pagar ao autor os juros vincendos sob o montante total acima peticionado, a calcular desde a data da sua notificação até total e efectivo pagamento, bem como nas custas judiciais e de parte.
Para tal invoca a nulidade do processo disciplinar, defendendo que assenta, exclusivamente, em imagens captadas no interior e exterior de instalações, obtidas com base num sistema de videovigilância; ora, as câmaras de vigilância não podem ser utilizadas para controlo de qualidade do trabalho ou para instruir procedimentos disciplinares contra os trabalhadores, destinando-se, apenas, a ser usadas para protecção e segurança de pessoas ou em actividades cujas exigências particulares assim o justifiquem; nesse caso, se recorrer a câmaras de videovigilância, o empregador deve informar o trabalhador sobre a sua existência e finalidade, devendo, também, afixar, nas respectivas instalações avisos da existência de câmaras e a implementação de sinalética com símbolo identificativo de câmaras de filmar, o que não sucedia nas instalações onde o A. desempenhava as suas funções; do art.º 21.º do Código do Trabalho (CT) resulta que os meios de vigilância à distância só podem ser usados quando autorizados pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD); o exposto, aliado ao facto de o A. não ter consentido na captação e utilização das suas imagens para qualquer fim, resulta na proibição de as imagens captadas por sistema de videovigilância serem utilizadas para sustentar o despedimento; alega desconhecer se as imagens se reportam às instalações onde prestava as suas funções bem como a identificação das pessoas visionadas, impugnando a autenticidade, genuinidade e teor das imagens utilizadas pela ré para sustentar o seu despedimento. Conclui que as gravações/imagens são um meio de prova ilícito e ineficaz, o que determina a nulidade de todo o procedimento disciplinar.
Sustenta também a nulidade do processo disciplinar, invocando que a ré não possibilitou a respectiva consulta física; solicitou o envio digital, mas apenas lhe foram enviadas as páginas 61 a 77 (nota de culpa com a numeração de 1 a 17), faltando as páginas 1 a 60 e 90 a 109 do processo disciplinar junto com o articulado motivador, documentos que foram introduzidos após a decisão de despedimento; todo o processo disciplinar físico era inexistente, o único elemento que se encontrava disponível para consulta nas instalações da ré eram umas imagens de CCTV e o ficheiro informático correspondente à cópia do procedimento disciplinar aqui em causa; à excepção da Nota de Culpa, todos os demais documentos que se encontravam informatizados não estavam assinados e/ou rubricados, inexistindo qualquer auto de nomeação de instrutor. Tudo isto impossibilitou o pleno exercício de defesa do autor, impedindo-o de confirmar a autenticidade dos documentos que o compõem, das assinaturas nele apostas ou da genuinidade e veracidade de tais documentos.
Por impugnação, refere ter sido contratado ao serviço da ré em 10/03/2009, que sempre cumpriu os seus deveres laborais, nunca tendo praticado qualquer infracção laboral nem sido alvo de procedimento disciplinar; a ré pretende encetar uma restruturação no seu quadro de pessoal, estando a estudar a sua “saída” do mercado Português, com a venda dos supermercados de marca Minipreço; é pretensão da ré reduzir, ao máximo, o seu quadro de pessoal, de forma a tornar a sua compra mais apelativa; tentou “convencer” o autor, e demais colegas deste, a acederem a propostas de acordo de revogação dos seus contratos de trabalho; perante a recusa iniciou processos disciplinares contra todos; na ausência de prova de que o autor se tenha apropriado de bens recorreu à figura da presunção para lhe imputar esses factos, bem sabendo que o autor não praticou os factos de que foi acusado; nega a prática dos factos que lhe são imputados; alega ainda que as condutas imputadas não têm a gravidade que a ré lhes conferiu, não se verificando a impossibilidade de subsistência da relação laboral.
Em pedido reconvencional pugna pela condenação da ré no pagamento de indemnização de antiguidade e das retribuições intercalares, assim como numa indemnização por danos não patrimoniais que alega ter sofrido com o despedimento, para além dos créditos laborais vencidos com a cessação do contrato (férias e subsídio de férias de 2022, proporcionais do ano da cessação do contrato de trabalho e horas de formação).
A ré apresentou resposta, defendendo que para efeitos de consulta para exercício do direito de defesa foi enviado ao autor o processo disciplinar que existia na altura; após a resposta à nota de culpa a ré teve necessidade de juntar aos autos, pelas questões suscitadas, documentação relativa à videovigilância e aos poderes da instrutora; foi também necessário produzir a prova requerida; foi obtido e junto aos autos o parecer da Comissão de Trabalhadores e, por fim, o relatório e decisão final. Portanto, nada foi introduzido no processo após a decisão de despedimento e a ré não era obrigada a notificar ao autor essas partes do processo disciplinar. Respondeu ao pedido reconvencional, defendendo a respectiva improcedência.
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Saneados os autos e efetuado o julgamento o Tribunal a quo julgou:
a) improcedente o pedido de declaração de ilicitude do despedimento do autor e bem assim os pedidos de condenação no pagamento de indemnização em substituição da reintegração, no pagamento de retribuições intercalares e de uma indemnização por danos não patrimoniais, deles absolvendo a ré;
b) parcialmente procedente o pedido reconvencional, condenando a ré no pagamento ao autor da quantia de € 386,01 a título de formação profissional não prestada, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data do despedimento (14/03/2023) até integral pagamento, absolvendo-a do mais peticionado.
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O A. não se conformou e recorreu, concluindo:
a) Não se conforma com a decisão recorrida, a qual padece de erro na apreciação da prova, insuficiência da matéria de facto provada e contradição entre a mesma e a decisão proferida, bem como admissão de meio de prova nulo.
b) Impugnando a matéria de facto constante dos n.ºs 31, 35, 36, 42, 66, 80, 121 e 122 dos Factos Provados (fp) da sentença recorrida e os factos constantes das alíneas b), g), k), n), o) e p) dos Factos não Provados (fnp) da Sentença recorrida.
c) Mais se impugnam os elementos de facto que levaram a que o Tribunal tivesse considerado provada e não provada a matéria constante dos ditos pontos.
d) No que concerne às concretas provas que impõem decisão diversa, o Tribunal praticou ilações e estabeleceu presunções em manifesta violação do disposto no nº 5 do art.º 607º do CPC,
e) Violando a sentença recorrida um dos princípios fundamentais do processo laboral, isto é, a inversão do ónus da prova sobre a verificação da justa causa de despedimento,
f) Porquanto conforme resulta do disposto nos art.º 342º, n.º 1 e 2, e 435º, n.º 1 e 3, ambos do Código Civil, é sobre a entidade patronal que se impõe o ónus da prova sobre a verificação da justa causa e despedimento,
g) Dos meios de prova convocados pelo Tribunal, jamais poderá extrair-se que o comportamento do A. tenha sido ilícito e grave, que comprometesse a impossibilidade de subsistência da relação de trabalho e que entre ambas exista um nexo de causalidade,
h) Apesar de ter considerado que não ficou provado que “O autor fez seus os bens referidos em 31,35 e 36”, vide alínea s) dos Factos Não Provados,
i) Considerou ainda o tribunal que, “de acordo com as regras da experiência comum só podia estar a guardar um dos objectos antes retirados das prateleiras no saco”,
j) E que “não há qualquer outra explicação para este comportamento”,
k) Apesar de ter dado como provado que “É usual os trabalhadores deslocarem-se ao exterior das instalações, a fim de recolherem ou deixarem nas suas viaturas os sacos/mochilas contendo as lancheiras que utilizam para transportar as refeições que consumiam no refeitório existente” - ponto 130 dos factos provados,
l) E não provado que “O autor fez seus os bens referidos em 31, 35 e 36”, alínea s) dos factos não provados.
m) Tendo concluído, para considerar como não provado o ponto s) dos factos não provados, que “a prova produzida foi insuficiente para se concluir que os bens em causa ficaram para o autor. Na verdade, desconhece-se qual foi o destino exacto dados aos objectos retirados da ré após a sua colocação na viatura, se ficou para o autor ou para qualquer um dos elementos que colaborou nos factos ou se foi dividido entre todos”.
n) Mais, ignorou ainda o Tribunal as declarações do Autor, que justificou o facto de andar sempre com um saco, transportando uma coluna, comida, tal como sandes, iogurtes e bolachas, pois precisava de comer várias vezes ao dia,
o) Declarações que foram confirmadas pela testemunha BB, que atestou que aquele costumava transportar consigo os seus pertences, nomeadamente num saco do Minipreço, com a refeição.
p) O Tribunal deu ainda como assente que, caso ocorra a queda de alguma mercadoria, os trabalhadores podem e devem recolher os produtos caídos,
q) E que era usual a presença de motoristas das viaturas que estacionavam no cais das instalações da ré percorrerem os corredores do interior do armazém da ré, bem como utilizarem “porta-combi” para irem buscar caixas no armazém,
r) Como tal existe uma contradição insanável entre os factos dados como provados e não provados e a decisão proferida, o que consubstancia a nulidade da Sentença conforme decorre da alínea c) do nº 1 do art.º 615º do CPC,
s) Bem como uma manifesta insuficiência dos factos provados para justificar a Fundamentação de Facto e de Direito da sentença recorrida, a qual também vai aqui impugnada.
t) Em suma, da matéria e facto provada não decorre que o Autor tenha feito seus os bens melhor identificados nos pontos 31,35 e 36 dos factos provados,
u) Nem que os bens da Ré tenham sido apropriados pelos colegas do Autor,
v) Todavia, mesmo que os colegas do A. tivessem subtraído tais bens das instalações da Ré, o que se não se aceita, mas apenas por mero exercício de direito se equaciona, não ficou provado que os ditos bens tenham sido retirados do armazém,
w) Ou que o Autor tivesse conhecimento de que os seus colegas haviam cometido tal esbulho,
x) Acresce ainda frisar que também não se extrai da conduta do A., bem como da prova produzida, que tenha violado o dever de guardar lealdade,
y) E que o seu comportamento tenha sido ilícito e culposo.
z) Sendo que tal prova, devido à gravidade e consequências que daí resultam para a vida pessoal e profissional do Autor, teria de ser inequívoca,
aa) Não podendo, como o Tribunal o fez, extrair de imagens aleatórias, atos que não viu e que não resultam da prova e da matéria que entendeu dar como provada.
bb) Não obstante, e só por mero dever de patrocínio se equaciona, mas sempre sem conceder, dir-se-á que a conduta do Autor, tal como preconizada pelo Tribunal, nunca seria, em nossa humilde opinião, suficiente para considerar como justificado o despedimento do mesmo,
cc) Não só porque não ficou provado que o Autor fez seus os alegados produtos que a Ré alega terem sido subtraídos,
dd) Os quais, ressalte-se, são de valor diminuto (€. 30.98),
ee) Como, atendendo ao facto de o Autor estar ao serviço da Ré desde 10.03.2009,
ff) Mantendo, sempre, um comportamento exemplar,
gg) Nunca tendo sido alvo de qualquer procedimento disciplinar,
hh) Sendo que da conduta descrita na sentença recorrida também não se pode extrair a impossibilidade da subsistência da relação de trabalho, não se verificando o preenchimento de qualquer um dos pressupostos vertidos no art.º 351º do CT,
ii) Mais, a Mma. Juiz do Tribunal a quo também fundamentou a sua convicção nos relatos das Testemunhas CC e DD, respectivamente Director do Armazém e Chefe do Departamento de transporte no armazém de Alverca, ambos funcionários da Ré,
jj) Ignorando, de forma injustificada, todo o depoimento da Testemunha arrolada pelo Autor, de nome EE, Operador de Armazém e funcionário da Ré,
kk) O qual, de forma isenta, clara e cedível, confirmou que era usual, no turno da noite, os seus colegas fazerem um pouco de todas as tarefas, nomeadamente preparação, expedição, entre outras,
ll) A fundamentação do Tribunal recorrido para justificar não ter sido dado como provados os pontos
n) a p), consistiu no seguinte: “A prova foi também insuficiente para se considerar provado o que consta em n) a p)”.
mm) Apesar de o Autor ter declarado que, desde o seu despedimento apenas trabalhou uma semana numa empresa de trabalho temporário, encontrando-se desde então sem quaisquer rendimentos, sobrevivendo do vencimento da companheira e da ajuda de familiares fora declarado,
nn) E a testemunha BB ter confirmado o teor das declarações do Autor, acrescentando ainda que o companheiro, em resultado do despedimento, está a passar por muitas dificuldades do ponto e vista psicológico e que assim que soube do seu despedimento, ligou-lhe a chorar.
oo) Verificando-se, assim, um manifesto erro de julgamento e que a matéria constante das alíneas n) a p) dos factos não provados terá de ser dada como assente.
pp) Mais, “ (…) A GRAVIDADE DA ACUSAÇÃO DE FURTO EXIGE QUE A MESMA SEJA INEQUIVOCAMENTE DEMONSTRADA PARA QUE POSSA OPERAR COMO JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO”, (Maiúsculas de nossa autoria), sendo que cabe “(…) ao empregador o ónus da prova da justa causa, terá este para provar a existência de um furto alegar e provar a existência de uma perda patrimonial.”, vide ultimo paragrafo e sumário do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 29.09.2021 no âmbito do processo 5999/19.0T8FNC.L1.S1, que poderá ser visualizado in www.dgsi.pt,
qq) Conforme se extrai do procedimento disciplinar instaurado pela Ré, o mesmo assenta, exclusivamente, em imagens, alegadamente captadas no interior e exterior de instalações, obtidas com base num sistema de videovigilância,
rr) Do vertido no art.º 21.º do Código do Trabalho, resulta que os meios de vigilância à distância só podem ser usados quando autorizados pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD),
ss) A Ré não fez prova de que o meio de vigilância existente nas suas Instalações de Alverca havia sido autorizado pela aludida entidade (CNPD),
tt) O que determina a imediata invalidade deste alegado meio de prova,
uu) As imagens captadas pelo sistema de videovigilância não podem ser usadas para controlo do desempenho dos trabalhadores, estando vedadas às áreas de laboração, nomeadamente linhas de produção, armazéns e escritórios,
vv) Sendo que as câmaras de videovigilância também não podem incidir sobre o interior de áreas reservadas aos trabalhadores, designadamente áreas de refeição, vestiários, ginásios, instalações sanitárias e zonas exclusivamente afetas ao seu descanso, tal com decorre do disposto no art.º 19.º, n.º 2, alínea d) da Lei 58/2019.
ww) Os trabalhadores continuam a ter de ser informados sobre a existência do sistema de videovigilância, bem como de todas as questões relevantes quanto ao seu funcionamento,
xx) E as imagens captadas pelo sistema de videovigilância só podem ser utilizadas no âmbito de processo penal e, apenas posteriormente, tal como determina o artigo 28.º da mencionada Lei 58/2019,
yy) Ainda neste seguimento de deturpação do ónus da prova, o Tribunal considerou como não provada a matéria constante na alínea b) da sentença recorrida, isto é, de que “O autor não consentiu na captação e utilização das suas imagens para qualquer fim”, justificando a sua convicção da forma seguinte: “Não foi produzida qualquer prova sobre o que consta em b) dos factos provados”, vide 5º parágrafo da página 23 da sentença recorrida,
zz) Não era o Autor que teria de fazer prova de que não “havia consentido na captação e utilização das suas imagens para qualquer fim”,
aaa) Uma vez que tal ónus incide sobre a Ré, a qual caberia provar que o Autor havia consentido na captação e utilização das suas imagens,
bbb) Razão pela qual a matéria constante da alínea b) dos factos não provados terá, necessariamente, de ser considerada assente,
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ccc) Logo, dúvidas não existem sobre a proibição das imagens captadas pelo sistema de videovigilância da Ré, para efeitos de procedimento disciplinar com intenção de despedimento contra o aqui Autor,
ddd) O que determina a nulidade de todo o procedimento disciplinar e a nulidade da sentença sub judice,
eee) Razão pela qual se entende que a decisão recorrida terá, necessariamente, de ser revogada e, consequentemente substituída de forma a declarar procedente, por provado, o pedido de declaração da ilicitude do despedimento do autor e bem assim a Ré condenada a pagar ao mesmo indemnização em substituição da reintegração, no pagamento de retribuições intercalares e de uma indemnização por danos não patrimoniais.
Remata pedindo que o recurso seja julgado procedente, sendo reconhecidas e declaradas as invocadas nulidades, os erros de julgamento e de apreciação da prova, tudo com a consequentemente revogação da sentença recorrida e a substituição da mesma em conformidade com o acima exposto, considerando totalmente procedente a acção interposta pelo recorrente.
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A R. contra-alegou, pedindo a improcedencia do recurso e concluindo:
A) A Douta Sentença de fls._, com a Ref.ª Citius 159092787, datada de 20/03/2024 e aqui objecto de recurso, não merece qualquer reparo ou censura;
B) A matéria de facto é inatacável por dois motivos: i) princípio da livre apreciação da prova e; ii) os factos dados como assentes e não assentes são os que resultam da prova produzida;
C) O Recorrente pode discordar do Tribunal a quo, mas para poder impugnar a matéria de facto teria de ter alegado e demonstrado existir “manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto”;
D) É manifesto que o Recorrente não cumpriu o ónus que lhe era imposto e como tal, estando factualmente assente que o mesmo furtou/ajudou a furtar bens da empresa – independentemente de ter ficado com os bens ou não – a única conclusão jurídica que se pode retirar é que o seu despedimento foi absolutamente lícito e não merece qualquer reparo;
E) Por fim, sobre a ilicitude da prova de CCTV, remete-se para o que já foi alegado e fundamentalmente para o que já consta na Douta Sentença a quo;
F) Parecendo-nos óbvio que a R. cumpriu todos os deveres legais que tinha – designadamente afixando o aviso com o dizer previsto na lei – e que só por má-fé ou desespero pode o Recorrente vir agora dizer que não sabia que existiam câmaras de videovigilância quando só pela visualização das imagens de CCTV se vê que o mesmo e o seu grupo não só sabiam que existiam como sabiam quais as “zonas cegas”, conhecimento que utilizaram para executar o seu plano criminoso de subtração de bens à Recorrida;
G) E parece-nos óbvio que não sendo necessária autorização por parte da CNPD desde 2019 – e ainda que a Recorrida tenha autorização – não tinha de fazer prova da sua existência e, caso o Digníssimo Tribunal considerasse que era, no mínimo teria de ser notificada para juntar esse documento;
H) Termos em que apenas se pode concluir que nenhum dos vícios indicados pelo Recorrente poder ser assacado à Sentença em crise, devendo nessa conformidade o presente recurso ser negado qualquer provimento.
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A DM do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da confirmação da sentença.
O A. respondeu ao parecer.
Foram colhidos os competentes vistos.
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II
A) É sabido e tem sido jurisprudência uniforme a conclusão de que o objecto do recurso se limita em face das conclusões insertas nas alegações do recorrente, pelo que, em princípio, só abrange as questões aí contidas, como resultado aliás do disposto nos artigos 635/4, 639/1 e 2, 608/2 e 663 do CPC.
Deste modo o objeto do recurso consiste em saber se:
a) há lugar a alteração da decisão de facto;
b) há nulidade da sentença e do procedimento disciplinar, nomeadamente por recurso aos meios de vigilância;
c) não existe justa causa de despedimento.
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A) Das nulidades
Argui o recorrente designadamente a nulidade da sentença por contradição entre os factos provados e não provados e a decisão, vício que reconduz ao disposto no art.º 615, n.º 1, alínea c), do CPC.
Dispõe o referido preceito, aplicável “ex vi” do art.º 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho, que é nula a sentença quando, além do mais, “[o]s fundamentos estejam em oposição com a decisãoou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”. Para que se verifique esta causa de nulidade, necessário é que os fundamentos estejam em oposição com a decisão, isto é, que os fundamentos nela invocados devam, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença expressa (cfr. J.A. Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol 5º, p. 141). Há contradição entre os fundamentos e a decisão quando na fundamentação da sentença o juiz segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente. Ou seja, a oposição será causa de nulidade da sentença “quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta” (Cfr. José Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª edição, Coimbra, Julho de 2017, p. 736).
Refere-se o recorrente em especial ao facto de não ter sido provado que “o autor fez seus bens referidos em 31, 35 e 36 dos factos assentes” (al. s dos não provados), e a decisão proferida, a qual confirmou o despedimento considerando designadamente, em sede de motivação, que o autor “colaborou com 2 colegas … na ocultação e transporte desses bens para o exterior das instalações, dessa forma contribuindo para a sua subtração a ré e subsequente apropriação por aqueles ou por terceiros (desconhece-se o destino dos bens), bem sabendo que o faziam contra a vontade da sua proprietária. O autor não podia ignorar a censurabilidade da sua conduta e com a mesma não só lesava a sua empregadora na exata medida do valor dos bens retirados, como contribuía para desmerecer, futuramente, a confiança até então em si depositada”
A decisão não se funda, porém, no facto de o trabalhador se ter apropriado de produtos da ré, mas de ter, em conjugação com outros indivíduos, retirado bens da empregadora que se encontravam no armazém desta (referindo-se mesmo aos factos provados n.º 22 a 91), factos no seu conjunto suscetíveis de constituir um ilícito penal de furto, dos quais resultou para a empregadora um prejuízo de, pelo menos, 30,98 €.
Para que esta nulidade se verifique importa que os fundamentos conduzam necessariamente a decisão diversa (neste sentido cfr., por todos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.5.2008: "A decisão tem como antecedentes lógicos os fundamentos de direito (premissa maior) e os fundamentos de factos (premissa menor), não podendo o sentido da decisão achar-se em contradição ou oposição com os fundamentos, o que sucede sempre que na construção da sentença os fundamentos expressos pelo juiz, necessariamente, haveriam de conduzir a uma solução de sentido antagónico: a proposição final (conclusão) revela-se incompatível com as proposições logicamente antecedentes (fundamentos), o que traduz um vício de raciocínio").
Não é esse o caso: a sentença não afirma que o A. fez seus os bens subtraídos, mas que colaborou na sua subtração.
Não se vê, pois, contradição entre os fundamentos referidos e a decisão de confirmar o despedimento pela empregadora que acarrete a nulidade da sentença.
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Não se vislumbra qualquer outra possível nulidade, sendo que a argumentação do autor que apenas poderá colher em sede de erro na aplicação do direito (o que se verá adiante).
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Da matéria de facto
A matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal da Relação nas situações contempladas no n.º 1 do art.º 662º do CPC: se os factos tidos por assentes ou a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre (art.º 607.º, n.º 5, do CPC), segundo o qual “O juiz (…) aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (…)”. Ou seja, ao juiz cabe apreciar livremente as provas, sem constrangimentos nomeadamente quanto à natureza das provas, decidindo de harmonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido.
O art.º 640 CPC estabelece os ónus que impendem sobre quem recorre da decisão de facto, sob pena de rejeição do recurso (art.º 640/1 e 2/a):
- especificar os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados (nº 1, alínea a);
- especificar quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida (nº 1, alínea b);
- a decisão que, no seu entender, deve ser tomada sobre as questões de facto impugnadas (n.º 1, al. c).
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O A. impugna, como se viu, as respostas dadas aos n.º 31, 35, 36, 42, 66, 80, 121 e 122 dos factos provados e às alíneas b), g), k), n), o) e p)1 dos factos não provados.
Chame a atenção a D.M. do Ministério Público que a impugnação dos factos provados bem como a das alíneas b), g) e k), dos não provados não cumpre os ónus de impugnação, pelo que não deve ser admitida.
Respondo o autor que cumpriu os ónus, mas ainda que assim não seja não há lugar à rejeição mas simplesmente ao convite ao aperfeiçoamento do recurso.
Vejamos.
Compulsando as alegações e as conclusões do recurso do autor, não vislumbramos quais as respostas pretendidas pelo recorrente.
É sabido que as respostas à matéria de facto podem ser de 4 tipos: positiva (provado), negativa (não provado), restritiva (provado apenas que … ) ou explicativa (provado que … ).
É por isso que o art.º 640, n.º 1, alínea c), do CPC, impõe que o recorrente indique “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
O n.º 1, porém, diz mais: que recorrente indicará o que pretende “sob pena de rejeição”.
Daqui se extrai que não há lugar a aperfeiçoamento, ao contrário do que ocorre com o previsto para o recurso de direito (art.º 639, n.º 3).
O princípio da proporcionalidade não impõe o convite ao aperfeiçoamento; pode levar, sim, ao conhecimento quando, sendo a impugnação simples e entendendo-se claramente aquilo que recorrente pretende, ao direto conhecimento do recurso.
Não é, porém o que que ocorre, já que são postos em crise vários pontos das respostas, sobre os quais o recorrente tece considerações várias, mas sem que seja claro aquilo que pretende.
Desta sorte não é admissível o recurso da decisão da matéria de facto nesta parte (ou seja, das respostas dadas aos n.ºs 31, 35, 36, 42, 66, 80, 121 e 122 dos factos provados e às alíneas g) e k) dos factos não provados).
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O mesmo não se passa no que toca à matéria das al.s b), n), o) e p).
Com efeito, das al.s ll) e oo) das conclusões e do art.º 82 das alegações resulta que o autor pretende que a factualidade contida nas alíneas n, o e p, seja dada por provada, o mesmo resultando, quanto à al. b), da al. bbb) das conclusões e do art.º 112 das alegações.
É assim questão susceptível de ser conhecida.
Quanto à al. b) dos factos provados, a sentença considerou não provada a matéria porquanto sobre ela não se fez qualquer prova.
O A. impugna a resposta seguindo a seguinte lógica:
- al. b) refere que “o A. não consentiu na captação e utilização das suas imagens para qualquer fim”;
- era à R. que incumbia provar o consentimento do autor;
- não o tendo feito, provou-se o contrário (que não há consentimento).
Esta lógica oferece o flanco à crítica.
Em primeiro lugar, a ausência de prova de um determinado facto positivo não acarreta a prova do seu contrário; simplesmente esse facto positivo tal não pode ser dado por assente.
Em segundo lugar, a ré não tem o ónus da prova de um facto impeditivo; a R. invoca o direito a resolver a relação jurídico-laboral com fundamento em justa causa; ao trabalhador, que no caso é aquele contra quem a invocação é feita, incumbe provar que não autorizou a gravação, nos termos do disposto no art.º 342/1, CCivil (convergindo cfr., por todos, o ac. desta RL de 13-05-2025, no proc. n.º 25480/24.5T8LSB.L1-7: “Tal como resulta do art.º 342º, nº 2 do CC, e estando em causa um facto extintivo do direito do requerente, é ao requerido que incumbe a sua alegação e prova).
Destarte, improcede o recurso nesta parte.
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No que toca à factualidade contida nas al. n) o) e p), reportando-se às consequências do procedimento disciplinar e do despedimento, e não ao despedimento propriamente dito, relegamos o seu eventual conhecimento para momento posterior, uma vez que se reporta às consequências do alegado despedimento ilícito, apenas sendo útil e cognoscível caso se vislumbre a suscetibilidade de vir a ser declarada a ilicitude do despedimento, nos termos do principio da economia dos atos processuais (art.º 130 do CPC).
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Termos em que não se admite o recurso da decisão da matéria de facto quanto aos factos dados por provados na sentença, indicados pelo recorrente, e quanto à factualidade contida nas al. g) e k) dos factos não provados, por o recorrente não cumprir os ónus de impugnação; e se julga improcedente o recurso quanto à factualidade contida em b).
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São estes os factos dados por provados na sentença:
1. No dia 06/01/2023, o autor foi suspenso preventivamente, nos termos e com os fundamentos expressos na comunicação junta a fls. 1 do processo disciplinar (junto como documento 1 com o articulado motivador do despedimento), cujo teor se dá por reproduzido, tendo o autor recusado a assinar a carta de suspensão preventiva.
2. Através de auto de ocorrência datado de 13/01/2023 FF, Directora de Recursos Humanos e superior hierárquica do autor com competência disciplinar, foi informada da existência de indícios de ilícitos disciplinares por ele praticados, conforme folhas 9 a 13 do processo disciplinar.
3. Por ter considerado que os factos e provas até ao momento reunidas eram suficientes para a instauração de um procedimento disciplinar, foi ordenado o início do mesmo, ficando encarregue de instruir o procedimento disciplinar GG, conforme resulta do procedimento interno em vigor.
4. Foi elaborada a nota de culpa junta a fls. 61 a 77 do processo disciplinar, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a qual foi enviada ao autor, via correio registado com aviso de recepção, no dia 01/02/2023, por ele recebida em 06/02/2023.
5. Em 17/02/2023, o autor apresentou resposta à nota de culpa, conforme folhas 81 a 89 do procedimento disciplinar, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
6. Na sequência de junção da nota de culpa, foram juntas ao processo disciplinar as fotografias de fls. 90-101 e a procuração de fls. 102-109 do processo disciplinar.
7. Em 24/02/2023 foram inquiridas as testemunhas arroladas pelo trabalhador, conforme autos de inquirição de fls. 117-122 do processo disciplinar.
8. A ré solicitou o parecer prévio previsto no artigo 356.º, n.º 5, do Código do Trabalho à Comissão de Trabalhadores, a qual se pronunciou nos seguintes termos:
(IMAGEM 1)
9. A instrutora do processo elaborou o relatório final junto a fls. 138-158 do processo disciplinar, cujo teor se dá por reproduzido.
10. Em 10/03/2023 a ré proferiu a decisão junta a fls. 137 do processo disciplinar, de aplicar ao autor a sanção disciplinar de despedimento com justa causa sem direito a compensação ou indemnização, com base no relatório final, a qual foi recebida pelo autor em 14/03/2023, nos seguintes termos:
11. Tal decisão foi comunicada à comissão de trabalhadores por mensagem de correio electrónico de 14/03/2023.
Da ré e relação contratual com o autor
12. A ré é uma sociedade comercial cujo objecto consiste na exploração de supermercados, quer através da exploração própria, quer pelo fornecimento de bens e serviços em regime de franchising.
13. Possui actualmente apenas uma insígnia afecta aos seus supermercados, a insígnia Minipreço, os quais se dedicam à venda a retalho maioritariamente de produtos de 1.ª necessidade como alimentos, produtos de higiene, limpeza, etc.
14. Com excepção de algumas lojas apelidadas de “Family”, os estabelecimentos são caracterizados por terem uma área comercial reduzida e situada em zonas urbanizadas de acesso pedonal fácil por parte dos consumidores.
15. A empresa realiza o seu objecto através da exploração de inúmeras lojas, possuindo actualmente 224 lojas na zona norte (que inclui a região do grande Porto), 256 lojas na zona centro (que inclui a região da grande Lisboa) e 28 lojas no sul (concentradas na sua maioria no Algarve e Alentejo).
16. O autor foi contratado pela empresa em 10/03/2009, tendo-lhe sido atribuída a categoria profissional de Operador de Armazém B.
17. Foi progredindo dentro da empresa até em 10/03/2012 lhe ser atribuída a categoria profissional de Operador de Armazém A.
18. Em 22/12/2022 exercia as suas funções no armazém de Alverca da DIA, sito em … Alverca do Ribatejo.
19. As funções de Operador de Armazém são as previstas no CCT aplicável (CCT entre a APED - Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição, a FEPCES - Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritório e Serviços e Outros) e implicam fazer recepção, armazenagem e expedição de mercadoria, bem como conduzir máquinas, gruas de elevação e empilhadores.
20. O autor não tem antecedentes disciplinares.
21. No Código de Ética da DIA PORTUGAL constam as seguintes regras:
“Na DIA todos cumprimos as normas, tanto as externas (leis e regulamentos), como as internas, plasmadas nas nossas políticas e procedimentos, e devemos, em todas as circunstâncias, cumprir com as normas aplicadas à nossa actividade profissional.”
“Somos pessoas rigorosas, profissionais e leais à empresa. Fazemos o melhor uso dos activos e recursos que a DIA coloca à nossa disposição, tendo sempre presente que a sua utilização se limita a actividades estritamente profissionais”.
“Protegemos os nossos Ativos e utilizamos os nossos recursos apenas para fins puramente profissionais e em benefício da nossa Empresa. A nossa obrigação de proteger o Grupo DIA inclui a moeda ou o numerário, a mercadoria que vendemos ou os recursos que a Empresa nos disponibiliza.”
Dos factos imputados ao trabalhador
22. (12) No passado dia 22/12/2022, cerca das 01h34 (relógio CCTV) HH, II, JJ, KK e o autor encontravam-se ao serviço no acima referido armazém da DIA.
23. (13) Na referida hora e localização, HH e II recolheram uma arca isotérmica vazia e seguiram em direcção à porta da câmara frio positivo (temperatura baixa, mas acima de zero) - (cerca das 01:34).
24. (14) HH e II entraram para a câmara de frio positivo - (cerca das 01:35).
25. (15) HH saiu da máquina em direcção – a pé – à recepção de frio positivo - (cerca das 01:35).
26. (16) HH contactou LL (operadora de armazém) na recepção de frio positivo e ambos dirigiram-se para um porta combis estacionado em frente à porta de acesso à câmara do congelador - (cerca das 01:35).
27. (17) HH e II entraram na câmara do congelado no porta combis com a arca isotérmica vazia - cerca das 01:36).
28. (18) Nesse momento, LL encontrava-se a arrumar as arcas isotérmicas junto do corredor 34 - (cerca das 01:36).
29. (19) LL regressou à recepção do frio positivo e seguiu para arrumar um porta combis de frio positivo - (cerca das 01:36).
30. (20) HH e II seguiram para o corredor 044 já na câmara de congelados - (cerca das 01:36).
31. (21) HH saiu do porta combis e, agachando-se, recolheu uma caixa na localização 44 (n.º de corredor) 102 (localização) 00 (altura), no corredor 44 e colocou a caixa, com o código 173720 (Sapateira), dentro da arca (cerca das 01:36), a que corresponde a seguinte imagem e talão do valor de venda do artigo à unidade:
(IMAGEM 2)
(IMAGEM 3)
32. (22) Pararam mais à frente na localização 44-145-01 e HH gesticula para o seu colega - (cerca das 01:37).
33. (23) A máquina entrou no corredor 043 - (cerca das 01:38).
34. (24) A máquina saiu da câmara do congelado pelo portão junto ao cais 24 - (cerca das 01:38).
35. (25) HH e II saíram da câmara do congelado e seguiram pela recepção do frio positivo, transportando na arca duas caixas de produto, uma do código 173720 (Sapateira) e outra do código 261563 (Polvo Limpo 2-3 Kg’s) - (cerca das 01:39), a que corresponde a seguinte imagem e talão do valor de venda do artigo à unidade: 36.
(IMAGEM 4)
(IMAGEM 5)
(26) Dentro da arca estavam duas caixas de mercadoria, uma do código 173720 (Sapateira Coz. 600/800 gramas) e outra do código 261563 - (cerca das 01:39).
37. (27) A máquina foi estacionada junto do gabinete do frio - (cerca das 01:39).
38. (28) Após a manobra, HH deixou a máquina sem arca isotérmica na recepção do fluxo tenso e seguiu para junto do gabinete do frio - (cerca das 01:39).
39. (29) HH chegou junto da passagem para a recepção de fluxo tenso; surge um carregador (trabalhador) de uma transportadora – (cerca das 01:40).
40. (30) II desviou a desviou a máquina – (cerca das 01:40).
41. (31) O porta combis foi novamente colocado junto do gabinete do frio por HH e II - (cerca das 01:40).
42. (32) A arca isotérmica não poderia ser deixada naquela zona com mercadoria congelada lá dentro, pois não era a zona pré-definida para tal, podendo colocar em causa a integridade do produto.
43. (33) HH e II seguiram pela recepção do fluxo tenso no porta combis sem arca isotérmica - (cerca das 01:41).
44. (34) HH e II entraram na câmara de frutas e verduras (“FV”) pela recepção de FV - (cerca das 01:41).
45. (35) HH e II saíram da câmara da FV e seguiram para o seco - (cerca das 01:42).
46. (36) HH e II passaram junto da bancada da expedição - (cerca das 01:42).
47. (37) HH e II dirigiram-se, ainda fardados, à MM (subchefe de área) que estava dentro do gabinete da expedição - (cerca das 01:42)
48. (38) II saiu da zona do gabinete e HH fica na bancada da expedição - (cerca das 01:43)
49. (39) II voltou ao porta combis e, antes de arrancar, gesticula para HH aparentando estar a comunicar algo - (cerca das 01:43).
50. (40) II chegou à zona de filmagem (plástico) de paletes e gesticula para o autor, AA, aparentando estar a informar de algo - (cerca das 01:44).
51. (41) II e o autor AA seguiram na mesma máquina em direcção à bancada da expedição - (cerca das 01:45).
52. (42) II e o autor AA chegaram junto da bancada de expedição - (cerca das 01:45).
53. (43) JJ juntou-se-lhes - (cerca das 01:45).
54. (44) HH juntou-se-lhes - (cerca das 01:45).
55. (45) HH saiu de junto do referido do grupo e chegou KK - (cerca das 01:46).
56. (46) O grupo seguiu integralmente na mesma máquina - (cerca das 01:46).
57. (47) II, AA, JJ e KK seguiram todos na máquina em direcção ao frio - (cerca das 01:46).
58. (48) Os quatro elementos entraram na câmara da fruta - (cerca das 01:47).
59. (49) Os quatro elementos percorrem a câmara da fruta, sem qualquer paragem - (cerca das 01:47).
60. (50) Os quatro elementos entraram na recepção do fluxo tenso pela recepção da FV - (cerca das 01:47).
61. (51) Os quatro elementos chegaram junto do gabinete do frio e deixaram o porta combis na recepção fluxo tenso - (cerca das 01:47).
62. (52) Os quatro elementos entraram no gabinete do frio - (cerca das 01:47).
63. (53) No canto inferior direito da imagem nota-se movimento de alguém a circular entre o gabinete do frio e a zona cega - (cerca das 01:48).
64. (54) No canto inferior direito da imagem nota-se movimento de alguém a circular entre o gabinete do frio e a zona cega - (cerca das 01:49)
65. (55) JJ vem da zona junto ao gabinete do frio e entra na recepção fluxo tenso, tendo voltado a entrar no gabinete do frio - cerca das 01:50)
66. (56) A farda de JJ vinha insuflada com algo extra no seu interior - (cerca das 01:51).
67. (57) II saiu do gabinete seguido de KK, AA (este já com o casaco debaixo do braço) - (cerca das 01:51).
68. (58) Por último saiu JJ - (cerca das 01:51).
69. (59) Os quatro seguiram no porta combis em direcção à recepção FV - (cerca das 01:51).
70. (60) Os quatro efectuaram a manobra de inversão de marcha - (cerca das 01:51).
71. (61) Os quatro elementos entraram na câmara da FV pela recepção FV - (cerca das 01:51).
72. (62) Os quatro elementos percorreram a camara da fruta, sem qualquer paragem - (cerca das 01:51).
73. (63) Os quatro elementos saíram da câmara da FV e seguem para a zona do seco - (cerca das 01:52).
74. (64) Os quatro elementos passaram pelo corredor de preparação 109 - (cerca das 01:52).
75. (65) Os quatro elementos passaram pela zona de filmagem das paletes - (cerca das 01:52).
76. (66) A máquina chegou à zona da rampa de acesso ao exterior - (cerca das 01:53).
77. (67) O autor AA e JJ dirigiram-se à zona da manutenção - (cerca das 01:53).
78. (68) JJ passou para a zona da manutenção - (cerca das 01:53).
79. (69) No canto inferior direito da imagem nota-se movimento de JJ a sair da zona da manutenção - (cerca das 01:53).
80. (70) O autor AA dirigiu-se para um canto, de costas para a câmara, mostra-se a guardar um objecto não identificado dentro de um saco - (cerca das 01:53).
81. (71) II e o KK saíram pelo portão de acesso ao exterior - (cerca das 01:53).
82. (72) O autor AA voltou-se de novo para a imagem e pegou no casaco que estava “embrulhado” em cima da máquina, colocou debaixo do braço e seguiu para o exterior em conjunto com o JJ - (cerca das 01:53).
83. (73) Os quatro elementos desceram pela rampa de acesso ao exterior - (cerca das 01:53).
84. (74) Os quatro elementos saíram da zona das paletes LPR (parque exterior das paletes vermelhas vazias) e dirigiram-se para uma viatura - (cerca das 01:54).
85. (75) Uma viatura não identificada foi desbloqueada por piscar de luzes - (cerca das 01:54).
86. (76) A viatura foi aberta por presença de zona iluminada - (cerca das 01:54).
87. (77) A zona iluminada desapareceu - (cerca das 01:55).
88. (78) Verifica-se um piscar de luzes novamente, dando indicação da viatura a fechar - (cerca das 01:55).
89. (79) Os quatro elementos voltaram para a zona das paletes LPR - (cerca das 01:56).
90. (80) Os quatro elementos subiram pela rampa de acesso ao exterior - (cerca das 01:57).
91. (81) Os quatro elementos voltaram a entrar no armazém, montaram-se no porta combis e seguiram em direcção à zona de expedição - (cerca das 01:57).
92. (82) KK saiu da máquina e ficou a conversar com outro trabalhador - (cerca das 01:58).
93. (83) II, JJ e o autor AA seguiram em direcção à câmara da fruta - (cerca das 01:58).
94. (84) JJ, II e o autor AA entraram na câmara da fruta e voltaram para a câmara F+ - (cerca das 01:58).
95. (85) JJ saiu do porta combis e entrou na câmara TT - (cerca das 01:58).
96. (86) JJ percorreu a camara do fluxo tenso, abriu uma arca e segue em direcção à recepção de fluxo tenso - (cerca das 01:58).
97. (87) O autor AA e II entraram no corredor 032 sentido descendente - (cerca das 01:58).
98. (88) O autor AA saiu do porta combis e entrou para uma localização - (cerca das 01:59).
99. (89) O autor AA saiu da localização e voltou para o porta combis - (cerca das 01:59).
100. (90) II saiu em direcção à zona do gabinete do frio e o autor AA saiu do porta combis em direcção a uma localização no corredor 034 - (cerca das 01:59).
101. (91) JJ, após ter aberto uma arca isotérmica dentro da câmara TT, abriu uma arca isotérmica na recepção TT e procurou algo - (cerca das 01:59).
102. (92) II passou para o gabinete do frio na zona cega - (cerca das 01:59).
103. (93) II passou para o corredor 34 - (cerca das 02:00).
104. (94) II regressou ao porta combis e aguardou pelo autor AA - (cerca das 02:00).
105. (95) O autor AA regressou ao porta combis - (cerca das 02:00).
106. (96) JJ, após ter aberto uma arca isotérmica dentro da câmara TT, abriu uma arca isotérmica na recepção - (cerca das 02:00).
107. (97) JJ saiu da recepção TT e passou para a de frio - (cerca das 02:00).
108. (98) A máquina voltou a desaparecer do plano da imagem - (cerca das 02:00).
109. (99) JJ entrou no corredor 034 vindo da recepção do frio - (cerca das 02:00).
110. (100) Aparece o porta combis vindo do corredor 034 - (cerca das 02:00).
111. (101) Os três elementos entraram no corredor 031 - (cerca das 02:01).
112. (102) JJ saiu da máquina e dirigiu-se a uma localização - (cerca das 02:01).
113. (103) JJ regressou à máquina - (cerca das 02:01).
114. (104) O autor AA saiu da máquina dirigiu-se a uma localização e regressou em três segundos - (cerca das 02:01).
115. (105) Os três elementos saíram da câmara da FV e seguiram para o seco - (cerca das 02:02).
116. (106) Os três elementos chegaram à zona de picagem de ponto e saíram da máquina - (cerca das 02:02).
117. (107) O KK seguiu o autor AA e os trabalhadores JJ e II - (cerca das 02:03).
118. (108) JJ, AA e II subiram as escadas de acesso ao refeitório. (cerca das 02:03).
119. (109) JJ e o autor AA seguem em direcção ao corredor da zona de salas de reunião e II segue para os balneários - (cerca das 02:03).
120. (111) O KK segue em direcção ao corredor da zona de salas de reunião - (cerca das 02:04).
121. (112) Aos referidos trabalhadores não foi atribuída qualquer tarefa de preparação por sistema ou de forma manual dos artigos em causa.
122. (113) Com a conduta descrita foram subtraídos à ré os bens mencionados em 31, 35 e 36, cujo valor ascende a, no mínimo, € 30,98.
123. A ré apresentou queixa-crime contra o autor e outros ao Ministério Público junto do Tribunal
124. No armazém da ré identificado no ponto 18 existia sinalética, publicitando a existência de câmaras de vigilância, nos locais identificados nas fotografias juntas a fls. 90 a 101, designadamente, com os seguintes dizeres: «Para sua protecção este local é objecto de videovigilância» e com a seguinte imagem:
(IMAGEM 6)
125. A instrutora do processo disciplinar tem poderes delegados conferidos pela ré para instruir procedimentos disciplinares.
126. Em 10/02/2023 a mandatária do autor, Dra. NN, remeteu à direcção de recursos humanos da ré mensagem de correio electrónico com o seguinte teor:
«(…) Acuso a recepção dos PD dos trabalhadores OO e II o qual agradeço.
Sou a informar de que fui contactada por mais um trabalhador o Sr. AA, o qual pretende responder à nota de culpa.
Assim, e dado que me desloquei no passado dia 8 de Fevereiro às vossa instalações em alverca e atendendo a que o processo físico era inexistente e dado que o mesmo sucede com todos os trabalhadores, venho pela presente solicitar o envio do PD informático relativamente ao trabalhador AA, remetendo para o efeito procuração forense. (…)».
127. O processo disciplinar foi enviado à mandatária do autor por mensagem de correio electrónico.
128. O autor era conhecido no meio profissional como pessoa responsável, honesta, cumpridora e pontual.
129. A ré pretende encetar uma restruturação no seu quadro de pessoal, estando a estudar a sua “saída” do mercado Português, com a venda dos supermercados de marca Minipreço.
130. É usual os trabalhadores deslocarem-se ao exterior das instalações, a fim de recolherem ou deixarem nas suas viaturas os sacos/mochilas contendo as lancheiras que utilizam para transportar as refeições que consumiam no refeitório existente.
131. Pode acontecer que aquando da utilização dos “porta-combi” ocorra a queda de alguma mercadoria e nessas situações os trabalhadores podem/deve recolher os produtos “caídos”.
132. Era usual a presença de motoristas das viaturas que estacionavam no cais das instalações da ré percorrerem os corredores do interior do armazém da ré sito em Alverca, bem como utilizarem “Porta-Combi” para irem buscar caixas no armazém.
133. Ultimamente, o autor auferia a retribuição base mensal de € 805,00.
134. Nos últimos 12 meses em que desempenhou funções para a ré, o autor auferiu uma quantia mensal a título de prémio por objectivos, cujo valor era variável, e uma vez, no mês de Julho, a quantia de € 11,20 a título de prémio de função, tudo conforme recibos de vencimento juntos como documento 1 da resposta à contestação, cujo teor se dá por reproduzido.
135. O autor tinha um seguro de saúde comparticipado pela ré.
136. O processo disciplinar movido pela ré e a decisão de despedimento causaram no autor um profundo desgosto, sofrimento e uma sensação de injustiça e revolta.
137. No fecho de contas a ré processou e pagou ao autor, para além do mais, as seguintes quantias:
a) a título de férias não gozadas pelo trabalho prestado em 2022: € 1.057,01;
b) a título de subsídio de férias pelo trabalho prestado 2022: € 830,51;
c) a título proporcional de subsídio de férias ao trabalho prestado em 2023: € 167,96;
d) a título de proporcional de férias pelo trabalho prestado em 2023: € 161,00;
e) a título de proporcional do subsídio de Natal pelo trabalho prestado em 2023: € 161,00;
f) a título de compensação de formação: € 510,86.
138. A ré não proporcionou ao autor formação profissional nos últimos cinco anos em que vigorou o contrato de trabalho.
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C) De Direito
Das gravações utilizadas para fundamentar o despedimento
Considera o recorrente que o procedimento disciplinar assenta exclusivamente em imagens obtidas com base num sistema de videovigilância, as quais, nos termos do disposto no art.º 20 do Código do Trabalho não podem ser empregues para controlar o desempenho do trabalhador. O empregador teria de informar o trabalhador sobre a existência de câmaras de videovigilância e a sua finalidade, afixar dísticos nas instalações com a advertência de que o local se encontra sob vigilância de um circuito fechado de televisão, acompanhados da respectiva sinalética, o sistema teria de estar autorizado pela Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), não poderia ser utilizado para controlo do desempenho dos trabalhadores nem estar em áreas reservadas aos trabalhadores (art.º 19/2/d da lei 58/2019) e as imagens só poderiam ser utilizadas no âmbito do processo penal (art.º 28 Lei 58/2019).
Vejamos.
A autorização da CNPD, ou mesmo a notificação desta, actualmente não é necessária, uma vez que o regulamento europeu de proteção de dados (Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27/04/2016, em vigor à data dos factos) não o exige.
Refere a Sr.ª Procuradora Geral adjunta em parecer que
“Os titulares dos dados têm o direito a ser informados sobre a utilização de sistemas de videovigilância. O aviso informativo deve respeitar o previsto no art.º 31.º, n.º 5 e 6, da Lei 34/2013 e no art.º 115.º e no Anexo VIII da respetiva portaria regulamentar.
No contexto laboral, mantêm-se vigentes as condições impostas pelo Código do Trabalho para a vigilância à distância, à exceção da necessidade de solicitar autorização da CNPD, que é incompatível com o RGPD.
Assim, a videovigilância não pode ser usada para controlo do desempenho dos trabalhadores, não devendo, por isso, incidir regularmente sobre estes, o que exclui a abrangência das áreas de laboração, seja em linha de produção, armazém ou trabalho administrativo em escritório.
As câmaras também não podem incidir sobre o interior de áreas reservadas aos trabalhadores, designadamente áreas de refeição, vestiários, ginásios, instalações sanitárias e zonas exclusivamente afetas ao seu descanso (art.º 19.º, n.º 2, alínea d) da Lei 58/2019).
Os trabalhadores têm de ser informados sobre a existência do sistema de videovigilância, bem como de todas as questões relevantes quanto ao seu funcionamento. Aplicam-se ao contexto laborai as exigências previstas no artigo 19.0, n.º 1, da Lei 58 2019.
As imagens só podem ser utilizadas no âmbito de processo penal e, apenas posteriormente, ser utilizadas para efeitos de apuramento de responsabilidade disciplinar (artigo 28,0, n.º 4 e 5 da Lei 5812019)”.
Despois de citar o art.º 20 do CT, acrescenta:
“Ora, no caso em apreço, e como resulta da matéria fáctica acima reproduzida, a colocação de câmaras de vigilância no local de trabalho do Recorrente obedecia aos requisitos consignados no n.º 3 do art.º 20.0 do CT, (que estipula que “Nos casos previstos no número anterior, o empregador informa o trabalhador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados, devendo nomeadamente afixar nos locais sujeitos os seguintes dizeres, consoante os casos: «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão» ou «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagem e som», seguido de símbolo identificativo), mostrando-se os trabalhadores informados sobre a existência e finalidade das mencionadas câmaras.
Verificando-se que a colocação das ditas câmaras vigilância tinha por finalidade a protecção de pessoas e bens, não se destinando ao controle da actividade dos trabalhadores, dir-se-á que a utilização das provas resultantes de tais gravações, em sede de processo disciplinar é licita (…)”.
Responde o recorrente que é necessária, invocando outro parecer do Ministério Público que terá sido junto ao processo 1442/23.9T8STR, em que se entendeu designadamente que a sinalética existente (“para sua proteção este local é objeto de videovigilância”) não se confunde com o cumprimento da obrigação de comunicar ao trabalhador do funcionamento do sistema de videovigilância.
O artigo 20 do Código do Trabalho enuncia os pressupostos exigíveis para a utilização de meios de vigilância a distância no local de trabalho (n.º 2 e 3).
Por sua vez, a Lei da Proteção de Dados Pessoais, Lei n.º 58/19, de 8 de agosto, dispõe no artigo 19, relativo a videovigilância, que
1 - Sem prejuízo das disposições legais específicas que imponham a sua utilização, nomeadamente por razões de segurança pública, os sistemas de videovigilância cuja finalidade seja a proteção de pessoas e bens asseguram os requisitos previstos no artigo 31.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, com os limites definidos no número seguinte.
2 - As câmaras não podem incidir sobre:
a) Vias públicas, propriedades limítrofes ou outros locais que não sejam do domínio exclusivo do responsável, exceto no que seja estritamente necessário para cobrir os acessos ao imóvel;
b) A zona de digitação de códigos de caixas multibanco ou outros terminais de pagamento ATM;
c) O interior de áreas reservadas a clientes ou utentes onde deva ser respeitada a privacidade, designadamente instalações sanitárias, zonas de espera e provadores de vestuário;
d) O interior de áreas reservadas aos trabalhadores, designadamente zonas de refeição, vestiários, ginásios, instalações sanitárias e zonas exclusivamente afetas ao seu descanso.
3 - Nos estabelecimentos de ensino, as câmaras de videovigilância só podem incidir sobre os perímetros externos e locais de acesso, e ainda sobre espaços cujos bens e equipamentos requeiram especial proteção, como laboratórios ou salas de informática.
4 - Nos casos em que é admitida a videovigilância, é proibida a captação de som, exceto no período em que as instalações vigiadas estejam encerradas ou mediante autorização prévia da CNPD.
O art.º 28, respeitante às relações laborais, dispõe designadamente:
1 - O empregador pode tratar os dados pessoais dos seus trabalhadores para as finalidades e com os limites definidos no Código do Trabalho e respetiva legislação complementar ou noutros regimes setoriais, com as especificidades estabelecidas no presente artigo.
(…)
4 - As imagens gravadas e outros dados pessoais registados através da utilização de sistemas de vídeo ou outros meios tecnológicos de vigilância à distância, nos termos previstos no artigo 20.º do Código do Trabalho, só podem ser utilizados no âmbito do processo penal.
5 - Nos casos previstos no número anterior, as imagens gravadas e outros dados pessoais podem também ser utilizados para efeitos de apuramento de responsabilidade disciplinar, na medida em que o sejam no âmbito do processo penal.
(…)
Dos factos assentes resulta que os meios de vigilância utilizados não se destinavam a controlar o desempenho profissional do trabalhador.
Também não incidiam sobre áreas subtraídas à recolha de imagens, nomeadamente as reservadas aos trabalhadores. Pelo contrário, a recolha era feita no armazém da ré, onde esta conservava bens sua pertença.
Existia um aviso advertindo quem transitasse pelas áreas vigiadas, e nomeadamente os trabalhadores, que havia recolha de imagens, acompanhada da designação de que para sua proteção este local é objeto de videovigilância”.
Desta sorte, conclui-se que a recolha de imagens era lícita, não violava a reserva de intimidade do trabalhador nem implicando qualquer compressão nos seus direitos desproporcionada em relação ao interesse da autora de proteger os seus bens, pelo que podia ser efectuada e as gravações utilizadas quer no procedimento disciplinar quer para efeitos de prova nestes autos, não existindo, pois, qualquer vício neles daí resultante.
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2. Da justa causa
Como escreve Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais”, Volume II, Almedina, 4.ª Edição - Revista e Atualizada ao Código do Trabalho de 2009, com as alterações introduzidas em 2011 e 2012 -, Dezembro de 2012, páginas 817 e ss., que para que surja uma situação de justa causa para este efeito, é necessário que estejam preenchidos os requisitos do art.º 351.º, n.º 1 do CT (…) de verificarão cumulativa:
- Um comportamento ilícito, grave, em si mesmo ou pelas suas consequências, e culposo do trabalhador (é o elemento subjetivo da justa causa);
- A impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral (é o elemento objetivo da justa causa);
- A verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores, no sentido em que a impossibilidade de subsistência do contrato tem que decorrer, efetivamente, do comportamento do trabalhador (…)
Assim, relativamente ao elemento subjetivo da justa causa é exigido que o comportamento do trabalhador seja ilícito, grave e culposo. (…)
i) A exigência da ilicitude do comportamento do trabalhador não resulta expressamente do art.º 351.º, n.º 1, mas constitui um pressuposto geral do conceito de justa causa para despedimento, uma vez que, se a atuação do trabalhador for lícita, ele não incorre em infração que possa justificar o despedimento. Contudo, a ilicitude deve ser apreciada do ponto de vista dos deveres laborais afetados pelo comportamento do trabalhador (…)
ii) O comportamento do trabalhador deve ser culposo, podendo corresponder a uma situação de dolo ou de mera negligência. Nos termos gerais, será de qualificar como culposa a atuação do trabalhador que contrarie a diligência normalmente devida, segundo o critério do bom pai de família, mas o grau de diligência exigido ao trabalhador depende também, naturalmente, do seu perfil laboral específico (assim, consoante seja um trabalhador indiferenciado ou especializado, um trabalhador de base ou um técnico superior, o grau de diligência varia). Relevam e devem ainda ser valoradas, no contexto da apreciação da infração do trabalhador, as circunstâncias atenuantes e as causas de exculpação que, eventualmente, caibam ao caso.
iii) O comportamento do trabalhador deve ser grave, podendo a gravidade ser reportada ao comportamento em si mesmo ou as consequências que dele decorram para o vínculo laboral (…) A exigência da gravidade do comportamento decorre ainda do princípio geral da proporcionalidade das sanções disciplinares, enunciado no art.º 330.º, n.º 1 do CT e oportunamente apresentado: sendo o despedimento a sanção disciplinar mais forte, ela terá que corresponder a uma infração grave; se o comportamento do trabalhador, apesar de ilícito e culposo, não revestir particular gravidade, a sanção a aplicar deverá ser uma sanção conservatória do vínculo laboral.
(...) Para além destes elementos subjetivos, só se configura uma situação de justa causa de despedimento se do comportamento do trabalhador decorrer a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral - é o denominado requisito objetivo da justa causa. Fica assim claro que o comportamento do trabalhador, ainda que constitutivo de infração disciplinar, não é, por si só, justa causa para despedimento; para que esta surja é necessário que concorram os dois outros elementos integrativos.
Naturalmente, porém, a impossibilidade a que alude o art.º 351, n.º 1, do Código do Trabalho, densificando, aliás, o disposto no art.º 53 da Constituição, não é física ou legal, constituindo antes uma inexigibilidade: verifica-se quando nenhuma outra sanção seja susceptível de sanar a crise contratual grave aberta com aquele comportamento, quando seja irremediável a rotura, o que ocorre quando não se possa impor a um “bonus pater famílias”, um “empregador normal”, a manutenção do contrato. Dito de outro modo, quando o interesse do trabalhador na estabilidade laboral, protegido constitucionalmen-te pelo referido art.º 53, deva, ante uma sã valoração, ceder o passo, mercê da sua própria conduta incorrecta, ao interesse do empregador na extinção daquele vínculo (que também não é alheio a valorações constitucionais, nomeadamente em sede de liberdade de empresa); quando, em suma, o comportamento do prestador da actividade faz com que a pretensão da manutenção daquela situação laboral redunde numa insuportável e injusta imposição ao empregador, ferindo exagerada e violentamente a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador. “A gravidade do comportamento (do trabalhador) deve entender-se como um conceito objectivo-normativo e não subjetivo-normativo, isto é, a resposta à questão de saber se um determinado comportamento é ou não grave em si e nas suas consequências não pode obter-se através do recurso a critérios de valoração subjetiva mas a critérios de razoabilidade (ingrediente objetivo), tendo em conta a natureza da relação de trabalho, as circunstâncias do caso e os interesses da empresa”. (…) “Uma vez mais, não é pelo critério do empregador, com a sua particular sensibilidade ou a sua ordem de valores próprios, que se deve pautar o aplicador do direito na apreciação deste elemento, mas pelo critério do empregador razoável (Jorge Leite, cfr. “Colectânea de Leis do Trabalho”, pág. 250).
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A sentença recorrida considerou que, dos factos provados nos pontos 22 a 91, resulta que o autor, agindo concertadamente com outros trabalhadores, no dia 22/12/2022 colaborou na subtração de produtos que se encontravam no interior do armazém da ré, nomeadamente uma caixa de sapateira e uma caixa de polvo, bem sabendo que agiam contra a vontade da sua proprietária e causando a esta um prejuízo não inferior a 30,98 €. “O autor” – acrescenta a decisão recorrida - “colaborou com 2 colegas, que previamente tinham retirado das prateleiras do armazém da ré uma caixa de sapateira e uma caixa de polvo e ocultado numa zona do armazém coberta por câmaras de videovigilância, e com outros colegas que entretanto se lhe juntaram, não ocultação e transporte desses mesmos bens para o exterior das instalações, dessa forma contribuído para a sua subtração à ré e subsequente apropriação por aqueles ou por terceiros (desconhece-se o destino dos bens), bem sabendo que o faziam contra a vontade da sua proprietária”.
Insurge-se o recorrente esgrimindo que não resulta provado que tenha feito seus os bens referidos em 31, 35 e 36. Aliás, o autor andava sempre com um saco transportando comida por carecer de ingerir alimentos várias vezes por dia. Também não se provou, acrescenta, que os referidos colegas se tenham apropriado daqueles bens e nem sequer que o autor tivesse conhecimento, de qualquer modo que os colegas tivessem cometido tal esbulho.
Vejamos.
Resulta dos factos assentes que um grupo de trabalhadores, entre os quais o autor (factos 50 e ss.) retirou uma caixa de sapateira (factos n.º 31 e ss) e outra de polvo limpo (35 e ss.) pertença da ré.
Os trabalhadores referidos não tinham atribuída qualquer tarefa de preparação daqueles artigos (121 e ss.) e com isso causaram à ré o aludido prejuízo.
Desta sorte, mostra-se assente o referido na sentença: os bens foram retirados no âmbito de uma atuação daquele grupo, entre os quais o autor, que não tinha de desempenhar atividades relacionadas com aqueles produtos.
Ora, este ponto reveste grande importância: a subtração de bens do empregador, como também nota a sentença recorrida põe em causa a confiança que necessariamente subjaz à relação laboral. Note-se que o trabalhador é alguém à partida estranho que acaba inserido na organização produtiva do empregador, e como tal a manutenção do vínculo só é exigível enquanto este tiver o concreto dever, em são critério, de confiar no prestador da atividade.
O apuramento do destino dos bens - nomeadamente se o autor queria ou não apropriar-se deles ou de parte deles, ou apenas auxiliava outros - situa-se na sequência ou a jusante desta questão: certamente que é muito grave, do ponto de vista da confiança, a atuação do trabalhador que intenta apropriar-se de bens do empregador; mas também é censurável a atuação daquele que, queira ou não fazer seus tais bens - ou parte deles -, atua no sentido de, com outros, participar na subtração de bens do empregador.
É pacífico que a subtração de bens do empregador constitui motivo de despedimento, independentemente do seu valor e da conduta, porventura até aí isenta de motivos de censura, do trabalhador.
Não colhe, por isso, a argumentação do recorrente de que o valor dos bens em causa é diminuto e que não tem antecedentes disciplinares: uma conduta deste jaez é susceptível de fazer perder a confiança exigível para a subsistência do contrato de trabalho. O trabalhador não podia participar numa atuação orientada à subtração de bens da R., violando tal conduta, de forma ilícita e culposa, o dever de lealdade que deve à entidade patronal.
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Deste modo, existe justa causa de despedimento.
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Assim sendo, voltando agora aos pontos da matéria de facto que o autor impugnou corretamente (al. n) o) e p),), e cuja eventual apreciação foi acima relegada para momento posterior, os quais não se prendem com a justa causa mas com as consequências do despedimento, não há lugar ao seu conhecimento, uma vez que se mostram irrelevantes para a decisão final (já que para tal se impunha que se concluísse pela ilicitude do despedimento), obstando o princípio da economia dos atos processuais ao seu conhecimento (art.º 130, CPC).
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Termos em que improcede o recurso.
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III.
Pelo exposto, o Tribunal julga improcedente o recurso e confirma a sentença recorrida.
Custas do recurso pelo recorrente.
Lisboa, 18 de junho de 2025
Sérgio Almeida
Leopoldo Soares
Maria José Costa Pinto
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1. A sentença recorrida considerou factos não provados com interesse:
a) Nas instalações onde o autor prestava funções não havia avisos sobre a existência de câmaras de videovigilância nem estava implementada sinalética com símbolo identificativo de câmaras de filmar.
b) O autor não consentiu na captação e utilização das suas imagens para qualquer fim.
c) A mandatária do autor, Dra. NN, deslocou-se às instalações da ré em 08/02/2023, sitas em Alverca, a fim de consultar o procedimento disciplinar instaurado ao autor, mas a ré não possibilitou a consulta física do procedimento disciplinar que instaurou contra o autor.
d) Como o procedimento era inexistente, a mandatária foi compelida a enviar a mensagem de 10/02/2023.
e) A ré apenas enviou à mandatária do autor as páginas 61 a 77 do processo disciplinar.
f) O autor desconhece todo o processado entre as páginas 1 a 60 do processo disciplinar.
g) Os documentos numerados entre as páginas as páginas 1 a 60 e entre as páginas 90 a 109 foram introduzidos pela ré após a decisão de despedimento do autor, à revelia e desconhecimento do mesmo.
h) É pretensão da ré reduzir, ao máximo, o seu quadro de pessoal, de forma a tornar a sua compra mais apelativa perante a redução dos encargos fixos, nomeadamente com trabalhadores.
i) A ré tentou “convencer” o autor, e demais colegas deste, a acederem às propostas de acordo de revogação dos seus contratos de trabalho.
j) Perante a recusa do autor, a ré encetou o procedimento disciplinar contra ele, tendo utilizado igual procedimento com os demais colegas do autor, de forma a reduzir encargos financeiros, nomeadamente a título de indemnizações por antiguidade.
k) Nas situações referidas em 131 os trabalhadores tinham autorização para colocar os ditos produtos dentro de um “combi vazio”.
l) O prémio por objectivos correspondia a uma importância média mensal de € 125,00.
m) O autor auferia a quantia mensal de € 11,20 a título de prémio de função.
n) Os juízos e factos imputados ao autor afectaram a sua consideração social junto de colegas de trabalho e amigos, que tiveram conhecimento do teor do procedimento disciplinar e do despedimento.
o) O autor teve de se socorrer do auxílio de familiares e amigos para fazer face às despesas do seu dia-a-dia, nomeadamente com a renda de casa, alimentação, consumos de água, luz, gás, entre outras,
p) Até à presente data não beneficia de subsídio de desemprego.
q) A ré pagou ao autor, aquando do despedimento, a quantia de € 2.888,34.
r) O valor dos bens retirados à ré, com a conduta descrita nos factos provados, ascendeu a € 424,72 (€ 199,87 + € 224,85 = € 424,82), concretamente:
• 1 caixa do produto 261563 - Polvo Limpo 2-3 Kg’s (1cx = 5 Unidades), (PVP Kg = € 15,99) - valor total da caixa = € 199,87);
• 1 caixa do produto 173720 - Sapateira Coz. 600 / 800 gramas (1cx = 15 Unidades), (PVP Unidade = € 14,99), - valor total da caixa = € 224,85.
s) O autor fez seus os bens referidos em 31, 35 e 36.