Sumário:
A deserção da instância não pode ser decretada se é exclusivamente sobre o Tribunal que recai o ónus de impulsionar o processo perante a frustração das negociações tendentes a alcançar um acordo entre as partes.
I-RELATÓRIO
1. AA e BB, Autores nos autos à margem identificados, em que são Réus CC e outros, inconformados com o despacho proferido em 17 de Fevereiro de 2025 que julgou deserta a instância , dele vieram interpor recurso de apelação que remataram nestes moldes:
1. A extinção da instância por deserção, nos termos do artigo 281º, nº 1, do Código Processo Civil, depende da verificação cumulativa de dois pressupostos, a saber:
- um de natureza objetiva e que se traduz na falta de promoção da atividade processual pelas partes quando sobre estas recaia um ónus de impulso processual decorrente de algum preceito legal:
- outro de natureza subjetiva e segundo o qual tal inércia deve ser imputável a negligência das partes.
2. Significa isto que não releva, para efeitos de deserção da instância, que o processo esteja a aguardar o impulso processual da parte por um período superior a 6 meses, se sobre a parte não recair o ónus específico de promoção da atividade processual.
3. Ora, foi precisamente o que aconteceu nos presentes autos. Refere a Douta Sentença de onde se recorre que:
“Resulta dos autos que, depois de determinada e de cessada a suspensão da instância requerida, as partes foram notificadas para que requeressem o que tivessem por conveniente, no prazo de 10 dias. Decorre ainda dos autos que, nada tendo sido requerido na sequência de tal notificação, no prazo que para o efeito foi assinalado, as partes foram notificadas do seguinte despacho:
“Aguardem os autos impulso processual, sem prejuízo do disposto no art.º 281.º CPC.”“(…) Decorridos que estavam mais de seis meses desde a notificação do referido despacho (“Aguardem os autos impulso processual, sem prejuízo do disposto no art.º 281.º CPC.”), as partes foram ouvidas sobre o elemento subjetivo da sua inatividade, tendo os AA. apresentado a justificação acima referida, ou seja, alegando que, apesar das “várias tentativas e aproximações promovidas pelos Autores e pelo Seu Mandatário no sentido de se obter um acordo entre as partes, tudo se frustrou pela inusitada ausência de qualquer resposta por parte dos RR”.
4. Esquece porventura o Tribunal a quo que o dever de gestão processual e de prevenção obrigaria, no caso vertente, tivesse sido precedido de prévia, a uma advertência judicial impondo um ato concreto e determinado a uma das partes (o que não ocorreu).
5. É, de facto, lícito ao Juiz, ao abrigo do seu poder de gestão processual, impor às partes o dever de impulsionarem os autos.
6. Contudo, para que o Juiz possa impor às partes tal ónus de impulsionarem os autos deve fundamentar devidamente as razões que sustentam a sua decisão, de facto e direito.
7. Acresce que o Despachos anteriores mormente de 29.01.2024 e de 13.11.2023 referem-se sempre “ás partes”.
8. O despacho que se refere ao artigo 281º do CPC (de 16.03.2024) subentende que o mesmo prazo do artigo 281º do CPC se aplica “ás partes” (pois não indica nem Autores nem Réus), e não indica qual o ato a ser praticado e o que o impunha que o ato fosse executado (sob pena de uma verdadeira deserção).
9. O mesmo vale para o Douto Despacho de 12.11.2024 (que antecede a Sentença) e já depois de decorridos os 6 meses previstos no artigo 281º do CPC.
10. Aliás o Douto Despacho de 12.11.2024 refere isso mesmo: “Depois de determinada e de cessada a suspensão da instância requerida, as partes foram notificadas para requerem o que tivessem por conveniente.
11. Nada tendo sido requerido, as partes foram notificadas do seguinte despacho: “Aguardem os autos impulso processual, sem prejuízo do disposto no art.º 281.º CPC.”.
12. Queremos com isto dizer que o facto de, após o decurso do prazo fixado para a suspensão da instância, ter sido proferido despacho segundo o qual os autos ficariam a aguardar o que as partes “tivessem por conveniente, dando conta das negociações encetadas ou pedindo a marcação do julgamento, sem prejuízo do disposto no art. 281º do CPC”, não faz recair sobre as partes qualquer ónus cujo incumprimento determine a extinção da instância, por deserção.
13. A questão da deserção coloca-se, portanto, ao nível da imputação do não andamento processual e, mais especificamente, na determinação do ónus de impulsionar os autos no momento em que estes estagnaram (se das partes ou do tribunal).
14. Ora, seguindo os critérios expressamente acolhidos na citada jurisprudência, o impulso processual é, em primeiro lugar, da parte quando uma norma legal especificamente o estabeleça.
15. É inquestionável, no caso em apreço, que tal norma legal não existe.
16. A questão, no caso, é que o Juiz a quo proferiu um despacho, após ter determinado o fim da suspensão da instância, determinando que os autos ficassem a aguardar pronúncia das partes, sem prejuízo das regras de deserção da instância…
17. Cumpre ao Juiz (art 6 do CPC) dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação.
18. Numa exegese muito direta dir-se-ia que, estando os autos em fase de marcação de audiência prévia e incumbindo ao Juiz o seu agendamento, este deveria ter promovido o andamento da instância e/ou removido o obstáculo que se verificava.
19. A lei não só permite, como impõe, ao Juiz, ao conduzir o processo ativamente, que avalie, em cada momento, os atos adequados ao seguimento da instância e, neste caso, o tribunal, não o fez ou não o fez em termos claros (“as partes”).
20. No contexto dos autos, que lhe era lícito conferir às partes esse dever de impulsionar os autos (ambas as partes e não só os Autores como faz crer a Sentença de que se recorre)
21. Tal dever não foi conferido, todavia, de forma clara e invocando o disposto no referido princípio de gestão processual (adjuvado pela adequação formal).
22. Não sendo clara tal invocação pelo Tribunal (Despachos anteriores de 29.01.2024, de 13.11.2023 e de 16.03.2024), subsiste uma margem de dúvida, que ultrapassa o limiar do aceitável à luz do processo equitativo e da confiança, sobre se as partes, especialmente a parte ativa. Ante essa dúvida, não se pode dizer que as partes incumpriram alguma obrigação de dar impulso aos autos que lhes tenha sido legitimamente atribuída pelo Juiz do processo, com isso afastando a situação de uma deserção da instância legalmente sustentada (cf. art.º 281.º CPC).
23. Quer isto dizer, em conclusão, que a decisão recorrida deve ser substituída por outra que ordene o seguimento dos autos, com agendamento de audiência prévia.
24. Ora, o facto de ter sido proferido despacho a determinar que os autos ficassem a aguardar “impulso processual sem prejuízo do disposto no artigo 281º, nº 1 do CPC”, por si só, não faz recair sobre as recorrentes qualquer ónus cujo incumprimento determine a extinção da instância, por deserção.
25. Analisando, o alcance do despacho que determinou que os autos ficassem a aguardar «o seu impulso processual pelo prazo máximo de seis meses previsto no artigo 281º, nº 1 do Código do Processo Civil”, impõe-se sublinhar que, nas circunstâncias dos autos, não se pode extrair deste mesmo despacho os efeitos que o Tribunal sentenciou…
26. Isto porque, nas circunstâncias dos autos, não havia qualquer fundamento para o Tribunal de 1ª Instância considerar a instância parada e determinar que os autos ficassem a aguardar impulso processual por parte dos interessados, pelo que a alusão que naquele despacho foi feita ao previsto no art. 281º do CPC revela-se sem conteúdo na medida em que o prosseguimento da instância não estava dependente em exclusivo de qualquer impulso processual por parte dos Autores.
27. Daí ser de concluir, que, no caso dos autos, o não prosseguimento do presente processo durante um período superior a 6 meses não resulta do incumprimento, por parte dos recorrentes, de um ónus de impulso processual, não lhe sendo, por isso, imputável (muito menos, a título de negligência).
28. A nível doutrinal é reconhecida a intenção do legislador de eliminar os fatores de morosidade da justiça, encurtando em seis meses o prazo de inércia das partes, mas sem o sacrifício, em primeira linha, do princípio do contraditório, evitando-se, nomeadamente, decisões surpresas
29. Segundo a doutrina maioritária, o escopo principal do princípio do contraditório «é a influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo».
30. Nestes termos, deve garantir-se a “participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”(Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS,“Introdução ao Processo Civil, Conceito e princípios gerais à luz do novo código”, 3ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013, a págs. 125.)
31. Da tramitação do processo não resulta (e de nenhum Despacho se afere tal) objetivamente evidenciado que os autos ficaram a aguardar a prática concreta de um ato concreto e identificado, de que dependesse o normal andamento do processo, pelos Autores!
32. Mais, o Tribunal a quo não notificou nenhuma das partes, de qual o ato ou impulso concreto que deveria ser dado ao processo em causa.E, verdade seja feita, para a apreciação da situação de negligência da parte, determinativa de extinção da instância, não bastava o mero decurso do prazo previsto na lei ou a singela verificação de uma não atuação.
33. O Tribunal descurou indevidamente, não determinando quando o deveria ter feito, a situação relativamente dúbia e titubeante que rodeou a prolação do despacho onde constava a advertência do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
34. Tudo resumido: a conduta dos recorrentes não integra a figura da negligência relevante e idónea a operar os pressupostos inerentes à figura da deserção da instância.
35. Ainda que assim não fosse;
36. Entendeu o mais recente Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ, de 26.02.2025– disponível em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2025 | DR - que:“I - A decisão judicial que declara a deserção da instância nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil pressupõe a inércia no impulso processual, com a paragem dos autos por mais de seis meses consecutivos, exclusivamente imputável à parte a quem compete esse ónus, não se integrando o acto em falta no âmbito dos poderes/deveres oficiosos do tribunal.II - Quando o Juiz decida julgar deserta a instância haverá lugar ao cumprimento do contraditório, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, com inerente audiência prévia da parte, a menos que fosse, ou devesse ser, seguramente do seu conhecimento, por força do regime jurídico aplicável ou de adequada notificação, que o processo aguardaria o impulso processual que lhe competia sob a cominação prevista no artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.”
(…)“Com efeito, a negligência processual relevante para a deserção da instância pode e deve estar necessariamente espelhada, em termos claros e inequívocos, na própria tramitação processual e na sua singular conformidade com quadro legal aplicável, cuja análise permitirá, com a necessária segurança, concluir que a parte tinha (ou devia ter) naquele caso concreto a consciência de que os autos se encontravam parados à espera da prática do acto processual que lhe competia, tendo ainda a mesma a noção segura e efectiva dos efeitos processuais associados à sua eventual e futura inércia.Ou seja, constitui pressuposto essencial deste instituto o juízo extraído pelo tribunal no sentido de que, com base no que é concretamente revelado pela análise detalhada da tramitação processual e pela atenta e rigorosa tomada em consideração do regime jurídico aplicável ao caso concreto, a parte estava (ou deveria estar naquelas circunstâncias específicas e peculiares) perfeitamente ciente da sua obrigação de agir (não o fazendo), num domínio em que imperam os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade.”
37. Exigindo-se, nesses termos e para este concreto efeito, que os Autores tivessem consciência da obrigação da prática do acto processual e da consequência da sua inércia pelo prazo (mais de seis meses) legalmente fixado, o que não sucedeu, por obscuridade do Tribunal.
38. A decisão recorrida estriba-se numa nulidade insuprível, e violou, o disposto no CPC (fere não só o principio da igualdade das partes - art 4º CPC – como também os princípios da adequação formal e do dever de gestão processual).
Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e a decisão do tribunal a quo ser declarada nula com as legais consequências, como é de JUSTIÇA !
2. Não houve contra-alegações.
3. Considerando que a questão a decidir é simples, passa-se a proferir, ao abrigo do disposto art.º 656º do CPC, decisão singular.
4. O recurso foi admitido com o efeito correcto e modo de subida adequado, sendo que o seu objecto se circunscreve à apreciação, por ordem lógica, das seguintes questões:
1. Se ocorreu fundamento para extinção da instância por deserção;
2. Em caso afirmativo, se a decisão que decretou a extinção da instância deveria ter sido precedida de audição dos apelantes.
II- FUNDAMENTAÇÃO
5. É o seguinte o teor do despacho recorrido:
“Notificadas as partes para se pronunciarem sobre a extinção da instância por deserção, os AA. alegaram que, apesar das “várias tentativas e aproximações promovidas pelos Autores e pelo Seu Mandatário no sentido de se obter um acordo entre as partes, tudo se frustrou pela inusitada ausência de qualquer resposta por parte dos RR”, que “já não se verificam os motivos de facto e de Direto que ditaram a suspensão da instância”, e que a deserção “não poderá ter lugar, (…) sob pena de se prejudicarem os direitos dos AA. por audiência do impulso processual e diligência dos RR”.
Nos termos do art. 281º, n.º 1, do CPC, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
Resulta dos autos que, depois de determinada e de cessada a suspensão da instância requerida, as partes foram notificadas para que requeressem o que tivessem por conveniente, no prazo de 10 dias.
Decorre ainda dos autos que, nada tendo sido requerido na sequência de tal notificação, no prazo que para o efeito foi assinalado, as partes foram notificadas do seguinte despacho: “Aguardem os autos impulso processual, sem prejuízo do disposto no art.º 281.º CPC.”.
Na sequência da notificação de tal despacho, os AA. limitaram-se a juntar aos autos substabelecimento sem reserva passado pelo I. advogado subscritor da p.i. a favor do I. advogado Dr. DD, o que não se consubstancia em requerimento no sentido do prosseguimento da ação.
Decorridos que estavam mais de seis meses desde a notificação do referido despacho (“Aguardem os autos impulso processual, sem prejuízo do disposto no art.º 281.º CPC.”), as partes foram ouvidas sobre o elemento subjetivo da sua inatividade, tendo os AA. apresentado a justificação acima referida, ou seja, alegando que, apesar das “várias tentativas e aproximações promovidas pelos Autores e pelo Seu Mandatário no sentido de se obter um acordo entre as partes, tudo se frustrou pela inusitada ausência de qualquer resposta por parte dos RR”.
Como refere Miguel Teixeira de Sousa, “a deserção da instância pressupõe um elemento objectivo (falta de impulso do processo pela parte) e um elemento subjectivo (negligência da parte na falta do impulso do processo)” (MTS,CPC, ONLINE: 173).
Sendo que, como ensinam A. S. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in CPC Anotado, vol. I, 3ª edição, pág. 365, “A conduta negligente conducente à deserção da instância consubstancia-se numa situação de inércia imputável à parte (…), ou seja, quando esteja em causa um ato ou atividade unicamente dependente da sua iniciativa …”.
No caso dos autos, afigura-se-nos que, na sequência da notificação do despacho acima citado, era aos AA. que competia promover o andamento do processo, não constituindo o facto de os RR. não terem dado resposta para que fosse alcançado um acordo razão suficiente para se afastar o entendimento de que foi por negligência dos AA. que o processo ficou a aguardar o impulso processual subsequente por período superior a seis meses (impulso que, como se afirmou, não se verificou com a mera junção aos autos de um substabelecimento).
O que é o quanto basta para que se conclua que a instância deve ser julgada deserta, por simples despacho, ao abrigo do disposto no art. 281º, nºs. 1 e 4 do CPC.
Pelo exposto, e sem necessidade de outras considerações, julgo extinta a instância por deserção.
6. Do mérito do recurso
Estatui a alínea c) do art. 277.º do CPC que a instância se extingue com a deserção.
Por seu turno, esclarece n.º 1 do art. 281.º que: “Considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.
Como nos dá conta Paulo Ramos de Faria1 “o instituto da deserção da instância foi introduzido no nosso ordenamento jurídico através do Código de Processo Civil de 1939, pela mão de MANUEL RODRIGUES, tendo logo um conteúdo distinto daquele que tinha a antiga perempção (art. 202.º do CPC de 1876). O fundamento invocado pelo então Ministro da Justiça foi objectivo: não interessa à boa ordem dos serviços que os processos pendam em tribunal, parados indefinidamente. Para além de facilitar a gestão administrativa do tribunal, esta modalidade de extinção da instância promove a celeridade processual –sempre perseguida pelo sistema de justiça –, tendo um claro escopo compulsório. Não assumiu relevo genético o fundamento subjectivo da deserção da instância – a presunção de renúncia à lide (vontade de abandono).
Actualmente, o bom funcionamento burocrático dos serviços poderia ser conseguido através do arquivamento do processo (e do seu encerramento estatístico) com a mera interrupção, figura não prevista no novo Código, pelo que o principal fundamento da deserção da instância residirá hoje no seu efeito compulsório com vista à tutela da celeridade processual.”.
Pressupostos da deserção da instância são: a paragem do processo por mais de seis meses em razão da omissão da parte sobre quem recai o ónus de impulso subsequente do processo em praticar o acto necessário a esse desiderato e que tal omissão lhe seja imputável a título de negligência.
Por conseguinte, estando o processo parado durante mais de seis meses sem que a parte pratique o acto adequado ao seu andamento ou justifique adequadamente a sua “inércia”, esta presume-se negligente.
Evidentemente que a deserção da instância só pode ter lugar quando “tal impasse não possa (não deva) ser superado oficiosamente pelo tribunal. Assim, determina a lei que a paragem do processo que empresta relevo ao decurso do tempo deve ser o efeito, isto é, o resultado (causalmente adequado) de uma conduta típica integrada por dois elementos: a omissão de um acto que só ao demandante cabe praticar (…) Num processo cada vez mais marcado pelo impulso oficioso do juiz (art. 6.º, n.º 1), deverá ser (desejadamente) cada vez mais rara a efectiva ocorrência da deserção da instância, por mais raros serem os actos que só a parte pode (deve) praticar e que importam a paragem do processo. A promoção da habilitação de herdeiros ou a constituição de novo advogado pelo autor, após a renúncia do anterior, são casos emblemáticos de impulso processual que só à parte cabe.”. 2
Revertendo ao caso subjudice, poder-se-á concluir ter ocorrido uma omissão negligente dos Autores em praticar o acto necessário ao prosseguimento da instância?
A resposta não pode deixar de ser negativa.
Era exclusivamente sobre o Tribunal que recaía o ónus de, perante a frustração das negociações tendentes a alcançar um acordo entre as partes, o ónus de impulsionar o processo, designando data para a realização da audiência prévia.
É ao juiz que incumbe retomar oficiosamente a marcha processual ante o fracasso das negociações.
Aliás, nem se entende que impulso seria de exigir dos Autores.
Essa é a questão que o julgador se deve colocar antes de decretar a deserção da instância.
Como se afirma no Acórdão do STJ de 5.7.2018 ( Abrantes Geraldes) : “ (…)O facto de, após o decurso do prazo fixado para a suspensão da instância, ter sido proferido despacho segundo o qual os autos ficariam a aguardar o que as partes “tivessem por conveniente, dando conta das negociações encetadas ou pedindo a marcação do julgamento, sem prejuízo do disposto no art. 281º do CPC”, não faz recair sobre as partes qualquer ónus cujo incumprimento determine a extinção da instância, por deserção.
Em tais circunstâncias, a situação de suspensão da instância considera-se finda depois de decorrido o prazo de suspensão fixado pelo juiz ou o da sua prorrogação, nos termos do art. 276º, nº 1, al. c), do CPC, devendo ser determinado oficiosamente o prosseguimento da ação.”.
Não se pode, pois, concluir que ocorra uma situação de inércia imputável à parte, ou seja, em que esteja em causa um acto ou actividade dependente da sua iniciativa.
A ausência de movimentação do processo por si só não determina a extinção da instância por deserção pois, no caso, não é exigível um acrescido impulso processual por parte dos Autores.
Por isso, a deserção da instância não tem fundamento.
Fica, pois, prejudicada a apreciação da outra questão que deixámos enunciada.
III.DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se o prosseguimento dos autos.
Sem custas, por as partes não lhe terem dado causa.
Évora, 29.5.2025
Maria João Sousa e Faro ( relatora)
________________________________
1. In revista Julgar “on line”2015.↩︎
2. Idem, autor e estudo citados.↩︎