CONTRADIÇÃO INSANÁVEL ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO
AMBIGUIDADE
OBSCURIDADE
Sumário

Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I – A nulidade por contradição entre os fundamentos da sentença e a decisão, prevista no art. 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil, ocorre quando os fundamentos apontam num sentido e a decisão é tomada em sentido oposto ou, pelo menos, diferente.

II – A contradição entre a matéria de facto e a apreciação jurídica consubstancia um erro de julgamento e não a nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil.

III – Para que se verifique o vício da ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, é fundamental que tal ambiguidade ou obscuridade ocorra na parte decisória da sentença, sendo irrelevantes as obscuridades ou ambiguidades que possam existir na fundamentação da sentença, servindo tal fundamentação apenas para apurar o sentido pretendido quando a parte decisória se revela obscura ou ambígua.

IV – Se a parte decisória da sentença é perfeitamente clara e inteligível para um declaratário normal, não existe qualquer ambiguidade ou obscuridade quanto ao sentido do decidido.

Texto Integral

Proc. n.º 4828/23.5T8STB.E1

Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1





Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:


I – Relatório


O Réu “Banco BPI, S.A.” veio invocar nulidades, nos termos dos arts. 615.º, 617.º e 666.º, todos do Código de Processo Civil, no acórdão proferido em 27-03-2025.


O Réu invocou as nulidades previstas no art. 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil.


O Autor veio responder a tal requerimento, pugnando pelo indeferimento das invocadas nulidades.


Admitido o requerimento, foi ordenada a ida do processo à Conferência.





Por tempestivo, admitiu-se o requerimento de arguição de nulidades, tendo-se enviado o processo, nos termos do art. 666.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, à Conferência.


Em Conferência, procedeu-se à análise do respetivo requerimento.





II – Apreciação jurídica


Entende o requerente que o acórdão proferido padece da nulidade, prevista no art. 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil, por contradição entre a matéria de facto e o decidido quanto à falta de junção do procedimento disciplinar e da nulidade por ambiguidade do decidido quanto à nulidade da sentença por falta de enunciação dos fundamentos de facto em que o Tribunal a quo estribou o seu entendimento de que não foi junto aos autos o procedimento disciplinar com o decidido quanto ao erro de julgamento.


Apreciemos.


Dispõe o art. 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil, que:

1 - É nula a sentença quando:

[…]

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

Quanto à nulidade por contradição entre os fundamentos da sentença e a decisão, para que se mostre verificado o vício previsto no art. 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil, como resulta pacífico na nossa doutrina e jurisprudência, é necessário que os fundamentos apontem num sentido e a decisão seja tomada em sentido oposto ou, pelo menos, diferente.


Conforme resulta dos ensinamentos de Lebre de Freitas em A Acção Declarativa Comum: À Luz do Código de Processo Civil de 2013:2

(…) se na fundamentação da sentença o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição é causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica, ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade.

De igual modo, como bem sustentaram Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil,3 esta nulidade reporta-se “à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. (…) Nestes casos (…), há um vício real de raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”.


Cita-se ainda a este propósito o acórdão do STJ, proferido em 30-05-2013:4

I- A contradição a que a lei impõe o efeito inquinatório da sentença como nulidade, é a oposição entre os fundamentos e a decisão – art.º 668º, nº 1, al. d) do CPC.

II- Porém, para que tal ocorra, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença. Como escreve Amâncio Ferreira «a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (A. Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pg. 56).

III- A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do art.º 668º, ainda nas palavras do citado autor, verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente»

Considera o requerente que existe uma contradição entre a matéria de facto que consta do acórdão proferido e a fundamentação constante desse mesmo acórdão, referindo que o teor de um despacho judicial proferido pela 1.ª instância, referente a uma apreciação, à data efetuada, e da qual se fez expressamente constar “sem prejuízo de uma melhor analise em sede de despacho saneador a proferir”, constitui o entendimento deste Tribunal da Relação, razão pela qual tal entendimento seria contraditório com a fundamentação posterior em que se considerou estarem prejudicados os direitos de defesa do Autor.


Dir-se-á, desde já, que não se deve confundir factos provados com considerações, e não decisões, expressas em despachos judiciais. O que se mostra provado é apenas e tão somente que o referido despacho judicial foi proferido com aquele teor e nada mais.


De qualquer maneira, o que esta nulidade abarca é a contradição entre os fundamentos de facto e de direito com a decisão posteriormente proferida e não uma eventual contradição entre a matéria de facto dada como assente e a apreciação jurídica que sobre aquela assentou, sendo essa a situação que o requerente veio invocar. Neste caso, a existir tal contradição sempre estaríamos perante um erro de julgamento e não a nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão.


Nesta conformidade, improcede a invocada nulidade por contradição.


Relativamente à nulidade por ambiguidade do decidido quanto à nulidade da sentença por falta de enunciação dos fundamentos de facto em que o Tribunal a quo estribou o seu entendimento de que não foi junto aos autos o procedimento disciplinar com o decidido quanto ao erro de julgamento, importa atentar que para que se mostre verificado o vício da ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil, é fundamental que tal ambiguidade ou obscuridade ocorra na parte decisória da sentença, sendo irrelevantes as obscuridades ou ambiguidades que possam existir na fundamentação da sentença, servindo tal fundamentação apenas para apurar o sentido pretendido quando a parte decisória se revela obscura ou ambígua.


Conforme bem referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre:5

No regime atual, a obscuridade ou ambiguidade, limitada à parte decisória, só releva quando gera ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236-1CC e 238-1 CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar.

Em sentido idêntico, cita-se o acórdão do STJ, proferido em 08-10-2020:6

II. - A ambiguidade ou obscuridade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil só releva quando torne a parte decisória ininteligível.

III. - A ambiguidade ou obscuridade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil só torna a parte decisória ininteligível “quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar”.

Apreciemos, então.


Consta da parte decisória do acórdão proferido o seguinte:

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, por ter decaído no recurso (art. 527.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Notifique.

Basta, assim, atentar no teor da parte decisória do acórdão proferido para se constatar que a mesma é perfeitamente clara e inteligível, para qualquer declaratário normal, visto que inexiste qualquer ambiguidade quanto ao sentido do decidido.


Pelo exposto, improcede igualmente a invocada nulidade por ambiguidade.








III – Decisão


Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em declarar improcedentes as invocadas nulidades do acórdão proferido em 27-03-2025.


Custas do incidente a cargo do requerente, por ter decaído (art. 527.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).


Notifique.



Évora, 05 de junho de 2025

Emília Ramos Costa (relatora)

Mário Branco Coelho

Paula do Paço

1. Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Paula do Paço.↩︎

2. 3.ª ed., p. 333.↩︎

3. 2.ª ed., pp. 689-690.↩︎

4. No âmbito do processo n.º 660/1999.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎

5. In Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, p. 735.↩︎

6. No âmbito do processo n.º 5243/18.8T8LSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎