PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
CITAÇÃO
Sumário

Sumário1:
I. O legislador não veda expressamente a possibilidade de ocorrência de sucessivas interrupções da prescrição no âmbito do art. 323.º do Cód. Civil, pelo que a sua recusa apenas pode ser fundamentada em regras de interpretação que tenham acolhimento no art. 9.º do Código Civil.

II. A citação/notificação efetuada numa ação judicial apresenta um efeito interruptivo permanente, inexistindo qualquer justificação para se considerar que a mesma apenas “pode ser utilizada uma única vez”, designadamente, quando a impossibilidade de prosseguir execução instaurada para cobrança do crédito e respetiva reclamação no âmbito de outros autos, decorra da lei.

Texto Integral

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Processo n.º 2056/23.9T8ENT-A.E1


Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Execução do Entrocamento, Juiz1


Recorrente: Hefesto – STC, S.A.


Recorridos: AA e BB.


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Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora,


I. RELATÓRIO.


Por apenso aos autos de execução de para pagamento de quantia certa que “Hefesto – STC, S.A.” moveu contra AA e BB, vieram os referidos Executados deduzir oposição por embargos de executado.


Alegaram, em resumo, em resumo:


- Falta de produção de efeitos dos contratos de cessão de créditos invocados no requerimento executivo em virtude de não lhes terem sido notificados em momento prévio à instauração da execução;


- Falta de integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10;


- Prescrição da totalidade dívida exequenda ou, quando assim não se entenda, pelo menos dos juros relativos aos último cinco anos;


- A tudo acresce que a exequente não alega nem demonstra a taxa de juro aplicável, limitando-se a reclamar o valor de € 217.001,75 a esse título.

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Liminarmente recebida a oposição à execução, veio a exequente/embargada contestar, alegando, por seu turno, e em síntese, que:


- Servindo a citação nos presentes autos para os executados terem conhecimento das cessões de crédito, não existe qualquer fundamento para, com base na ausência da notificação das mesmas, a execução não poder prosseguir;


- O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, não tem aplicação in casu, na medida em que para cobrança do contrato sub judice já havia sido instaurada, em 29-07-1999, a execução n.º 128/1999, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Rio Maior;


- Acresce que a exequente, não sendo uma instituição de crédito, não estaria abrangida pelo âmbito de aplicação do regime instituído pelo citado diploma, uma vez que à data da respectiva entrada em vigor (01-01-2013) já tinha ocorrido a cessão de créditos datada de 2006;


- Além disso, encontram-se registadas várias penhoras a favor de terceiros sobre o prédio objeto de garantia, pelo que não se vislumbra pertinência num procedimento cujo fundamento para a sua extinção plasmado no artigo 17.º, n.º 2, alínea a) se encontraria, à partida, verificado;


- Acresce ainda que a incidência de penhoras sobre o imóvel dado como garantia determina o incumprimento contratual nos termos da cláusula 11.ª do contrato junto com o requerimento executivo, não se concebendo a tentativa de regularização de um crédito vencido, com a implementação do PERSI, quando se verifica que o contrato sempre se manteria em incumprimento;


- No que toca à arguida prescrição, releva de igual modo a anterior instauração da execução n.º 128/1999, sendo que o imóvel que serve de garantia ao contrato em execução nos presentes autos foi penhorado no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...49 (Ap. 7, de 05/04/1999), tendo aí sido apresentada reclamação de créditos em 23-04-2002 para cobrança do contrato sub judice;


- Assim, desde a data do incumprimento (2000) até à data que em que ocorreu a interrupção da prescrição (2002) nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 323.º do CC, não decorreram 5 (cinco) anos;


- O aludido processo de execução fiscal não se extinguiu antes de 27-02-2009, mantendo-se a penhora registada;


- O imóvel foi ainda penhorado no âmbito da execução fiscal n.º ...39 e Apensos, tendo ali sido deduzida reclamação de créditos em 27-12-2012 também para cobrança do contrato sub judice;


- Assim, desde 2009 até à data que em que ocorreu a interrupção da prescrição (2012) nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 323.º do CC, com apresentação de reclamação de créditos no processo ...39 e Apensos, não decorreram 5 (cinco) anos, encontrando-se tal processo activo, pelo menos em 14-03-2022, sendo que a penhora ainda se mantém;


- Desde 2022 até ao quinto dia posterior à data de entrada da presente execução, ou seja, até 2023, não decorreram 5 (cinco) anos;


- Destarte, conclui-se não ter ocorrido a alegada prescrição, nem quanto à dívida exequenda nem quanto a quaisquer juros;


- Por último, a taxa de juro aplicada, de 15,561%, encontra-se identificada no requerimento executivo e resulta da taxa de juro anual de 11,561%, conforme cláusula 4.ª do contrato, acrescida da sobretaxa de mora de 4%.


Concluiu pugnando pela improcedência dos embargos.


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Realizou-se a audiência prévia, após a qual veio a ser proferido despacho saneador sentença, em cujo decreto judicial se decidiu:


“Na defluência de todo o conspecto fáctico jurídico vindo de calcorrear, decido julgar procedente a excepção peremptória de prescrição e, consequentemente, determinar a extinção da execução que a sociedade “Hefesto – STC, S.A.” propôs contra AA e BB. (…)”


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Inconformada, a Embargada veio interpor o presente recurso de apelação, apresentando, após alegações, as seguintes conclusões:


“I. Para cobrança do contrato sub judice, foi instaurada, em 29/07/1999, a execução n.º ...8/1999, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Rio Maior, conforme Doc. 1 já junto com a Contestação.


II. Também, o imóvel que serve de garantia ao contrato em execução nos presentes autos – prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior sob o n.º ...8 da freguesia de Local 1 – foi penhorado no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...49 (Ap. 7, de 05/04/1999), conforme certidão predial já junta como Doc. 2 com a Contestação, e auto de penhora, que se juntou como Doc. 3 com a Contestação e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.


III. Para cobrança do contrato sub judice, foi então apresentada reclamação de créditos, em 23/04/2002, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...49, que se juntou como Doc. 4 com a Contestação e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.


IV. Assim, desde a data do incumprimento (2000) até à data que em que ocorreu a interrupção da prescrição (2002) nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 323.º do CC, não ocorreram 5 (cinco) anos.


V. O processo de execução fiscal n.º ...49 não se extinguiu antes de 27/02/2009, sendo que o credor hipotecário não recebeu qualquer comunicação de extinção no âmbito deste processo de execução fiscal, mantendo-se a penhora registada, conforme Doc. 2 já junto e Doc. 5 que se juntou com a Contestação e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.


VI. O imóvel foi ainda penhorado no âmbito da execução fiscal n.º ...39 e Apensos, conforme Doc. 6 junto com a Contestação que se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.


VII. Para cobrança do contrato sub judice, foi então apresentada reclamação de créditos, em 27/12/2012, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...39 e Apensos, que se juntou como Doc. 7 com a Contestação e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.


VIII. Assim, desde 2009, até à data que em que ocorreu a interrupção da prescrição (2012) nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 323.º do CC, com apresentação de reclamação de créditos no processo ...39 e Apensos, não ocorreram 5 (cinco) anos.


IX. O processo de execução fiscal ...39 e Apensos, encontrava-se ativo, pelo menos, em 14/03/2022, sendo que a penhora ainda se mantém, conforme Doc. 2 já junto e Doc. 8 que se juntou com a Contestação e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.


X. Assim, desde 2022, até ao quinto dia posterior à data de entrada da presente execução, ou seja, até 2023, não ocorreram 5 (cinco) anos.


XI. A Recorrente apresentou assim a seguinte documentação:


d) Através de Requerimento datado de 10.03.2024, a Recorrente juntou aos autos certidão quanto ao PEF ...39, comprovando, como tinha alegado que apresentou reclamação de créditos em 27.12.2012:





e) No dia 12.04.2024, a Recorrente, juntou aos autos certidão relativa ao processo n.º ...8/1999, que foi instaurado execução contra os Recorridos:





f) Em 04.09.2024 o SF de Rio Maior, em resposta ao ofício enviado pelo Tribunal aquo, responde o seguinte:





XII. Quanto ao PEF .º ...49, veio o SF de Rio Maior, informar que tendo em consideração o tempo decorrido, não tem em arquivo do processo em referência, no entanto, a Recorrente, juntou aos autos com a Contestação, cópia da reclamação apresentada, na qual está aposta a data em que foi recebida pelo SF, ou seja 23.04.2002. Este documento não foi impugnado pelos Recorridos.





XIII. Em sede de audiência prévia, oficiosamente, o tribunal a quo, ordenou que:





XIV. Consta dos autos, que em 18.11.2024, foi junta certidão geral do processo ...8/1999.


XV. Sucede porém que o conteúdo da referida certidão é asbolutamente imperceptível e ilegível.


XVI. A Recorrente desconhecia em absoluto o conteúdo da referida certidão, porque nunca foi notificada, para sobre a mesma se pronunicar, tendo a sentença da qual se recorre baseado a sua decisão, precisamente, no conteúdo daquela, para declarar a prescrição do crédito exequendo.


XVII. Nessa medida, a sentença é nula por excesso de pronúncia, por violação do princípio do contraditório, princípio este com consagração nos artigos 3.º e 4.º do CPC e artigo 20.º, n.º 1 da CRP.


XVIII. Ainda que o processo ...8/1999, tenha findado por deserção e que nessa medida o novo prazo prescricional começou a contar-se de forma instantânea e retroactiva desde o acto interruptivo, ou seja, em 04-08-1999 (sexto dia após a instauração da execução), pelo que se esgotou em 04-08-2004, sempre se diga, que a Recorrente reclamou créditos, no PEF ...49, em 2002, cfr. reclamação de créditos junta pela Recorrente com a Contestação e que não foi impugnado.


XIX. Sucede que o Tribunal a quo considerou que não é admissível a sucessão de interrupções prescricionais, o que, s.m.o., não poderá proceder.


XX. Conforme decisão aposta no Acórdão do T.Relação de Coimbra – Processo nº 2990/20.8T8LRA.C1 - Interrupção da prescrição. Efeito interruptivo permanente. Citação/notificação em ação judicial. Anulação da sentença – Tribunal da Relação de Coimbra:


“I-O legislador não veda expressamente a possibilidade de ocorrência de sucessivas interrupções da prescrição no âmbito do art. 323.º do Cód. Civil, pelo que a sua recusa apenas pode ser fundamentada em regras de interpretação que tenham acolhimento no art. 9.º do Código Civil.


II – A citação/notificação efetuada numa ação judicial apresenta um efeito interruptivo permanente, inexistindo qualquer justificação para se considerar que a mesma apenas “pode ser utilizada uma única vez”.”


XXI. Na verdade, o Tribunal a quo não considerou interrompida a prescrição nenhuma vez.


XXII. Os factos interruptivos provêm de acto do credor, por meio de notificação judicial de qualquer acto que exprima a intenção de exercício do direito, ainda que praticado por um representante, legal ou voluntária.


XXIII. Assim, conclui-se não ter ocorrido a alegada prescrição, nem quanto à dívida exequenda, nem quanto a quaisquer juros, porque não decorreu o prazo de 5 anos entre os seguintes atos:


d) A execução n.º ...8/1999, considerando o despacho de extinção por deserção, tem citação de 04-08-1999;


e) No PEF ...49 (Ap. 7, de 05/04/1999), foi apresentada reclamação de créditos em 23/04/2002, processo que não findou antes de 2009, data em que o SF apesar de ter admitido não possuir arquivo do processo, ter expedido passado certidão que atesta que em 30.01.2009 foi concretizada carta precatória. Com efeito, o PEF estava nesta data (30.01.2009) ativo, ou limite findou naquele ano;


f) No PEF ...39 foi apresentada reclamação de créditos em 27.12.2012.


XXIV. Por todo o exposto, deve a presente sentença ser substituída por outra que considere como não prescrita a dívida exequenda.


Termos em que, e nos mais de Direito que V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, doutamente suprirão, deverá o presente Recurso ser julgado procedente, fazendo assim uma vez mais, a costumada JUSTIÇA!”

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Os Embargantes não contra-alegaram.


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No despacho de recebimento do recurso, o Tribunal Recorrido pronunciou-se pela inexistência da invocada nulidade.


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II. QUESTÕES A DECIDIR.


Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, 639º, nº 1, 6’8º, n.º 2. Ex vi do artigo 679º do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, e não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, importa, no caso, apreciar e decidir:


- da nulidade da decisão recorrida;


- se deve ser considerada não prescrita a dívida exequenda.


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III. FUNDAMENTAÇÃO.


III.1. Com interesse para a boa decisão da causa, o Tribunal Recorrido considerou provados os seguintes factos:


1. Por requerimento datado de 19-06-2023 a sociedade “Hefesto – STC, S.A.” propôs contra AA e BB acção executiva para pagamento da quantia global de € 284.815,73 (duzentos e oitenta e quatro mil oitocentos e quinze euros e setenta e três cêntimos).


2. Apresentou, para valer como título executivo, o denominado «CONTRATO N.º ... (COM HIPOTECA)» outorgado em 31-01-1997 entre a então designada “Companhia Geral de Crédito Predial Português, S.A.” e os aqui executados AA e BB.


3. Do respectivo teor, que se tem por integralmente reproduzido, emerge, além do mais, o seguinte:


«(…)





(MONTANTE E FINALIDADE)


--- Nos termos do Decreto-Lei nº. 328-B/86 de 30 de Setembro e demais legislação complementar em vigor, o(s) segundo(s) outorgante(s), adiante designado(s) por "Devedor", solicitou(aram) e obteve(iveram) do Crédito Predial Português, adiante designado por ”IC", um empréstimo de Esc.: 14.000.000$00 (catorze milhões de escudos), no Regime Geral de Crédito, de que se confessa(m) devedor(es), para aquisição do imóvel adiante descrito e hipotecado, exclusivamente destinado a sua habitação própria permanente.





(UTILIZAÇÃO)


--- A quantia referida na cláusula 1ª, é creditada nesta data na conta de depósitos à ordem adiante mencionada.





(PRAZO)


--- O prazo do contrato é de 14 (catorze) anos contados a partir desta data.





(TAXA DE JURO)


--- O capital mutuado vencerá juros à taxa de referência nominal (TRN) praticada pela “IC”, que actualmente é de 10.75% (dez virgula setenta e cinco por cento) ao ano, a que corresponde a taxa de juro efectiva de 11,296% (onze virgula duzentos e noventa e seis por cento) ao ano.


A taxa anual efectiva (TAE) calculada nos termos do Decreto-Lei nº. 220/94, de 23 de Agosto é de 11,561% (onze virgula quinhentos e sessenta e um por cento) ao ano.


(…)





(JUROS DE MORA)


--- Quando uma prestação não for paga no seu vencimento, todo o montante em dívida bem como as despesas que lhe acrescerem, nos termos deste contrato, ficarão sujeitos ao pagamento de juros moratórios calculados à taxa máxima contratual, acrescida da sobretaxa de 4% (quatro por cento) ao ano, sem prejuízo da "IC" poder executar a hipoteca ora constituída.


(…)





(PAGAMENTO DO EMPRÉSTIMO)


--- O empréstimo será pago em 168 (cento e sessenta e oito) prestações mensais e sucessivas, a primeira com vencimento um mês após esta data, sendo neste momento o montante de cada uma das prestações de Esc.: 161.517$00 (cento e sessenta e um mil, quinhentos e dezassete escudos).


--- § Único: - O "Devedor” declara ter tomado conhecimento de todas as prestações através do respectivo mapa de desenvolvimento do empréstimo, que lhe foi oportunamente apresentado.


(…)


11ª


(ALIENAÇÃO, ONERAÇÃO OU ARRENDAMENTO)


--- O "Devedor", sem expressa autorização da "IC", não poderá alienar, efectuar contratos de promessa de alienação, de oneração ou arrendamento, total ou parcial, bem como criar ou provocar qualquer acontecimento que modifique ou perturbe o domínio ou a posse do imóvel hipotecado, sob pena de automática e imediatamente se vencerem todas as suas obrigações e dívidas perante a "IC", pelas taxas de juro máximas por ela praticadas.


(…)


19ª


(CONSTITUIÇÃO DE HIPOTECA)


--- Para garantia de todas as responsabilidades assumidas nos termos do presente contrato, juros e todas as demais despesas inerentes, o "Devedor” constitui hipoteca(s), de que já foi feito o respectivo registo provisório pela inscrição C-1, por apresentação 02/960912, à taxa de 11,572%, na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior, sobre o(s) seguinte(s) imóvel(is): Prédio misto, descrito sob o nº...8, da freguesia de Local 1, na mencionada Conservatória. Inscrito na matriz rústica sob o artº ...10/Secção 0 a 010 e omisso mas pedida a sua inscrição, na parte urbana.


(…)».


4. No requerimento executivo a exequente alegou o seguinte:


«A) Da legitimidade da Exequente:


A Companhia Geral de Crédito Predial Português, S. A. (que também usava a denominação “Crédito Predial Português, S. A.”) procedeu à alteração da firma para “Banco Santander Totta, S. A.” (…).


Por escritura pública datada de 03/04/2006, o “Banco Santander Totta, S. A.” (BST) cedeu o crédito que detinha sobre os executados, e todas as garantias acessórias a ele inerentes, à “Atlantis Investment Properties LLC” (…).


A referida cessão incluiu a transmissão de todos os direitos, garantias e acessórios inerentes ao crédito cedido, designadamente da hipoteca constituída sobre o prédio infra identificado.


Por sua vez, em 16/05/2006, a “Atlantis Investment Properties LLC” cedeu o crédito que detinha sobre os executados, e todas as garantias acessórias a ele inerentes, à “Atlantis Investments STC, S. A.” (…).


A referida cessão incluiu a transmissão de todos os direitos, garantias e acessórios inerentes ao crédito cedido, designadamente da hipoteca constituída sobre o prédio infra identificado.


Dos contratos, e respetivos documentos complementares anexos, constam o crédito constituído pelos Executados, para garantia do qual foi constituída hipoteca sobre o prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior sob o número ...8 da freguesia de Local 1, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...3, e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...10, secção O a O10, da referida freguesia registada sob a Ap. 2, de 12/09/1996 (…).


Encontrando-se efetuados os respetivos registos de transmissão junto da Conservatória do Registo Predial de Rio Maior, sob a Ap. 2600 e Ap. 2642, ambas de 26/01/2012 (…).


A “Atlantis Investments STC, S. A.” alterou a sua designação social para “Hefesto STC, S.A.” (…).


O que faz com que a aqui Exequente seja a atual titular do crédito sub judice.


B) Do crédito exequendo:


Em 31/01/1997, no exercício da sua atividade creditícia, a “Companhia Geral de Crédito Predial Português, S. A.” celebrou com os Executados AA, e mulher BB, um Contrato de Mútuo com Hipoteca, pelo montante de Esc. 14.000.000,00, correspondente a € 69.831,71 (sessenta e nove mil oitocentos e trinta e um euros e setenta e um cêntimos), quantia que receberam e de que se confessaram devedores (…).


Para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações emergentes do empréstimo, os Executados constituíram a favor do “Crédito Predial Português, S. A.”, hipoteca sobre o prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior sob o número ...8 da freguesia de Local 1, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...3, e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...10, secção O a O10, da referida freguesia registada sob a Ap. 2, de 12/09/1996 (…).


Encontrando-se efetuados os respetivos registos de transmissão junto da Conservatória do Registo Predial de Rio Maior, sob a Ap. 2600 e Ap. 2642, ambas de 26/01/2012 (…).


O mencionado empréstimo foi concedido pelo prazo de 14 (catorze) anos, sendo reembolsado em 168 (cento e sessenta e oito) prestações mensais e sucessivas, de capital e juros, e nas demais condições constantes da escritura supra mencionada (…).


Sucede que, apesar de instados para o respetivo pagamento, os mutuários faltaram ao pagamento das prestações contratadas e devidas, não tendo pago as prestações que se venceram a partir de abril de 2000, pelo que o banco mutuante considerou o crédito vencido.


O pagamento não se presume e a falta de pagamento de qualquer das prestações implica o vencimento de toda a dívida - Cfr. Artigos 781º e 817º do Código Civil.


Assim são devidas à Exequente, por efeito do mencionado contrato as seguintes quantias:


Capital ......................................... 60.720,00 €


Juros ………………………………………… 217.001,75 €


Despesas……………………………………. 7.093,98 €


Total ............................................ 284.815,73 €


A este valor, acrescem os juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento, calculado sobre o correspondente capital em dívida, conforme mencionado supra, à taxa de 15,561%.


(…)».


5. Ao requerimento executivo foram anexadas cópias de ambos os contratos de «CESSÃO DE CRÉDITOS» invocados e cujos teores se têm por reproduzidos na íntegra.


6. Ambos os executados foram citados para a execução em 02-08-2023.


7. Em 29-07-1999 a então designada “Companhia Geral de Crédito Predial Português, S.A.” instaurou contra os também aqui executados AA e BB execução hipotecária que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Rio Maior sob o n.º ...8/1999 e na qual apresentou para valer como título executivo o mesmo contrato mencionado em 2 e 3 supra.


8. No correspondente requerimento executivo alegou, para além do mais, que «[o]s executados não cumpriram com as obrigações a que se comprometeram e assumiram e não efectuaram o pagamento da prestação vencida em 28.02.99, nem das subsequentes».


9. Por despacho ali proferido em 12-01-2001, e com fundamento na circunstância de os autos «encontrarem-se há mais de um ano a aguardar o impulso processual da Exequente», foi a instância declarada interrompida nos termos do artigo 285.º do Código de Processo Civil então vigente.


10. Tal despacho foi notificado à Ilustre mandatária da exequente por ofício registado em 17-01-2001.


11. Em despacho ali ulteriormente proferido em 14-12-2007 fez-se constar «que a presente instância já se extinguiu por deserção».


12. Tal despacho foi notificado à Ilustre mandatária da exequente por ofício registado em 28-12-2007.


13. O imóvel identificado no contrato mencionado em 2 e 3 supra foi penhorado no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...49 que correu termos contra o aqui executado AA.


14. Em 23-04-2002 a então designada “Companhia Geral de Crédito Predial Português, S.A.” deduziu em tal processo reclamação de créditos tendo por base o mesmo contrato mencionado em 2 e 3 supra e alegando, para além do mais, «que o executado deixou de liquidar pontualmente as suas obrigações para com a ora reclamante desde 30 de Abril de 2000 e desde então não pagou qualquer montante para amortização da quantia em dívida».


15. O imóvel foi ainda penhorado no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...39 e Apensos que correu termos contra o aqui executado AA, tendo tal penhora sido registada através da Ap. 7 de 05/04/1999.


16. Em 27-12-2012 a aqui exequente “Hefesto - STC, S.A.” deduziu em tal processo reclamação de créditos tendo de igual modo por base o contrato mencionado em 2 e 3 supra e alegando, para além do mais, que «[o]s ora Reclamados faltaram ao pagamento das prestações contratadas e devidas ao Banco Mutuante, não tendo pago as prestações que se venceram a partir de 30 de Abril de 2000, apesar de instados para os respectivos pagamentos».


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III.2. Factos não provados


Com interesse para a causa, o Tribunal Recorrido não elencou qualquer facto não provado. *


III.3. Da nulidade da decisão recorrida.


A Recorrente invoca a nulidade da decisão recorrida por excesso de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por violação do princípio do contraditório, princípio este com consagração nos artigos 3.º e 4.º do CPC e artigo 20.º, n.º 1 da CRP, por entender que constando dos autos, que em 18.11.2024, foi junta certidão geral do processo ...8/1999, o conteúdo da referida certidão é absolutamente imperceptível e ilegível e a Recorrente desconhecia em absoluto o conteúdo da referida certidão, porque nunca foi notificada, para sobre a mesma se pronunicar, tendo a sentença recorrida baseado a sua decisão, precisamente, no conteúdo daquela, para declarar a prescrição do crédito exequendo.


Mas não lhe assiste razão, como se consignou no despacho de recebimento de recurso, pois conforme se alcança do teor da acta da audiência prévia documentada na ref.ª 98144850 de 18-11-2024, foram nessa sede facultadas às Ilustres mandatárias das partes cópias da certidão judicial em causa, nada tendo sido requerido relativamente à mesma, seguindo-se as


alegações orais com vista ao anunciado conhecimento do mérito dos embargos.


Por estas razões, sem necessidade de maiores considerações, se julga improcedente a invocada nulidade da sentença recorrida.


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III.4. Da prescrição do crédito exequendo.


Estatui-se no n.º 1 do artigo 298º do Código Civil que "estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição".


Ensina Manuel de Andrade2 que “ (…) o fundamento específico da prescrição reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos, o torna (o titular) indigno da protecção jurídica (“dormientibus non succurrit ius)”. Num plano que chama de secundário, refere ainda o mesmo Professor que são também invocadas como razões para justificar o instituto a “certeza ou segurança jurídica”; a “protecção dos obrigados, especialmente os devedores, contra as dificuldades da prova”; e o exercício de uma “pressão ou estímulo educativo sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício.”


O Tribunal Recorrido considerou, fundadamente, aplicável, em termos que merecem acolhimento, o prazo de cinco anos decorrente do artigo 310.º, alíneas d) e e), do Código Civil, razão pela qual aqui nos dispensamos de reproduzir as razões da aplicabilidade de tal prazo, pois que a questão a decidir se prende antes com as regras relativas à interrupção da prescrição.


Dispõe a este respeito o artigo 323.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, que «[a] prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente» (n.º 1), sendo que «[s]e a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias» (n.º 2).


Por outro lado, de harmonia com o artigo 326.º, n.º 1, também do Código Civil, «[a] interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 3 do artigo seguinte».


Acresce que o artigo 327.º, de cujos n.ºs 1 e 2 do mesmo diploma estatui, com relevo para a situação em análise, o seguinte:


«1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.


2. Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo.(…)» (destacado nosso).


Pode, pois, suceder que a causa interruptiva seja permanente, isto é que dure por um lapso de tempo mais ou menos longo, findo o qual se inicia o novo período de prescrição. É o que sucede quando a interrupção da prescrição é causada pela citação, explicitando-se no citado nº 1 do artigo 327º que o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo.


Nos casos de desistência, absolvição e deserção da instância ou se ficar sem efeito o compromisso arbitral, o nº 2 do artigo 327º do Código Civil estabelece um desvio a esta regra, estatuindo que nessas situações o novo prazo de prescrição começa a contar-se desde a interrupção, nos termos do artigo 326º do Código Civil, ou seja tem efeito interruptivo imediato.


Explicando a questão, escreve-se no Acórdão do TRL de 15-09-20223, que:


“(…) decorre do art. 327º do CC que “o efeito interruptivo da prescrição nem sempre é instantâneo; isto é, nem sempre determina, imediatamente, o início de um novo prazo de prescrição. Antes pode prolongar-se por um período de tempo mais ou menos longo, findo o qual se inicia o novo período de prescrição (como na hipótese de actos interruptivos judiciais – cf. artigos 323º e 324º) (Cf. Ana Filipa Pais Antunes, Prescrição e Caducidade…cit., pág. 284).


Pois bem, como resulta do nº 1 do preceito, se a interrupção da prescrição é causada pela citação (notificação ou acto equiparado, ou compromisso arbitral) as demoras ou atrasos no processo em curso não oneram o titular do direito: não se inicia novo prazo prescricional enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo, ou seja, enquanto não estiver definitivamente decidido o litígio (Cf. Vaz Serra, Prescrição extintiva e caducidade, BMJ nº 106, pág. 248).


No entanto, o nº 2 do artº 327º do CC estabelece um desvio a esta regra, nos casos de desistência, absolvição e deserção da instância ou se ficar sem efeito o compromisso arbitral; nestas situações o novo prazo prescricional começa a correr, rectius, contar-se desde a interrupção da prescrição nos termos do artº 326º. “Nestes quatro casos, a eficácia da interrupção é instantânea.” (Cf. Ana Filipa Pais Antunes, Prescrição e Caducidade…cit., pág. 285 – sublinhado e realce nosso). Ou seja, nestas situações previstas no nº 2 do artº 327º “…o novo prazo de prescrição começará a contar-se desde a interrupção, nos termos do artigo anterior.” (Pires de Lima, Antunes Varela, CC anotado, vol. I, 3ª edição, pág. 291).


A solução consagrada no nº 2 do artigo tem, previsivelmente, o efeito pernicioso de conduzir ao preenchimento do prazo prescricional antes de ser intentada uma nova acção, em particular nas hipóteses de direitos subjectivos sujeitos a um prazo curto de prescrição. (Cf. Ana Filipa Pais Antunes, ob. cit., pág. cit.).”.


É conhecida a divergência jurisprudencial no que respeita a saber se a interrupção da prescrição, ainda que tenha por fundamento a citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima a intenção de exercer o direito, uma vez feita, não pode ser repetida.


A este respeito, o Tribunal Recorrido entendeu que tal repetição não pode ocorrer em qualquer situação - ali se entendeu, efetivamente, que a citação, como causa de interrupção da prescrição, só poder ser utilizada uma única vez.


Porém, acerca desta questão escreveu-se no Acórdão da Relação de Coimbra de 05.03.20244, que aqui seguimos de perto:


“(…)Uma primeira nota para se assumir que o legislador não veda expressamente a possibilidade de ocorrência de sucessivas interrupções, pelo que a sua recusa apenas pode ser fundamentada em regras de interpretação que tenham acolhimento no art. 9.º do Código Civil.


A segunda nota para se deixar evidenciado que a solução defendida na decisão recorrida pode conduzir a resultados incoerentes e até irrazoáveis em termos de sentido de justiça, tais como o admitir que a prescrição possa ocorrer na pendência de uma ação judicial e após a citação dos RR[6].


Conhecida a divergência jurisprudencial - de resto esgrimida na decisão recorrida e no recurso e que, como tal, nos dispensamos de reproduzir aqui – entende-se que a resolução desta controvérsia não prescinde da consideração do efeito interruptivo permanente que a citação em ação judicial incorpora.


A este propósito, releva o sustentado no acórdão do STJ de 21.06.2022 (proferido no processo 841.21.... e disponível em www.dgsi.pt) onde se exarou:


É, todavia, particularmente importante para a questão que nos ocupa a distinção entre causas interruptivas de efeito instantâneo e de efeito permanente, duradouro ou continuado: “nas primeiras, no próprio momento em que se realiza o acto interrompe-se a prescrição, mas começa, de imediato, a correr um novo prazo prescricional, enquanto nestas últimas a prescrição interrompe-se durante um certo período de tempo.” (cfr. Comentário ao Código Civil, Fac. De Direito, U. Católica Editora, 2014, Parte Geral, anot. ao art.º 326, p. 775).


Serão de efeito instantâneo a notificação judicial avulsa em que o direito é exercido pelo respectivo titular ou este exprime a intenção de o exercer (aparentemente enquadrável no art.º 323, nº 4, do CC), e o reconhecimento do direito previsto no art.º 325 do CC.


Serão de efeito permanente, duradouro ou continuado a citação, notificação ou acto equiparado em processo pendente e o compromisso arbitral, causas interruptivas a que alude o nº 1 do art.º 327 do CC.


O efeito é permanente, duradouro ou continuado porque o novo prazo prescricional não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo onde se dá o facto interruptivo.


No seu estudo sobre Prescrição extintiva e caducidade, publicado no BMJ 106, fornece Vaz Serra (págs. 248-249) a explicação para a eficácia permanente de algumas causas de interrupção:


“Eficácia permanente têm os actos interruptivos judiciais, dado que dão início a um processo, durante o qual pode admitir-se que o titular não está inactivo (…) A prescrição só recomeçará correr a partir do momento em que transite em julgado a sentença que põe termo ao processo (…). É evidente que, se a sentença julgar improcedente o pedido não há que falar em prescrição, visto que se decidiu não existir o direito. Se, pelo contrário, o julgar procedente, começa, a partir dela novo prazo prescricional.”


Estas causas interruptivas de efeito duradouro ou continuado integram-se em processos nos quais, de alguma maneira, o titular do direito visa termo à sua inércia, pela declaração do direito ou pela sua exigência ao obrigado. Por este motivo, as causas interruptivas com esse efeito, ainda que sucessivas, não podem – como é evidente – ter-se por contraditórias com o já apontado fundamento da prescrição ligado à ideia de certeza ou segurança jurídicas.


Aceita-se, no entanto, que as causas de interrupção de efeito instantâneo não possam suceder-se ou repetir-se, sob pena de com isso se prolongar ou modificar o prazo fixado pela lei para além do que seria razoável.


Todavia, sempre que a nova interrupção pertença a um processo em que o titular do direito quer exercê-lo de algum modo, seja por via de acção declarativa seja por via de uma acção executiva, processo em que a citação tem o efeito de interrupção permanente ou continuada do nº 1 do art.º 327 do CC, não há justificação para se negar a sucessão de interrupções.


É que o legítimo exercício do direito pelo titular supõe necessariamente uma nova interrupção proveniente da citação do demandado. E até correrá novo prazo de prescrição a partir da decisão final transitada para desencorajar nova inércia do titular do direito”.


Em suma, tratando-se de atos permanentes de efeito interruptivo, as citações efetuadas, quer no âmbito do processo 3092/17...., quer no presente, podem relevar para efeitos do disposto no art. 323.º, n.º 1 do Cód. Civil.


Ponto é que, à data de cada uma dessas citações, o prazo prescricional ainda não tivesse decorrido.”


No caso dos autos, e perante os factos já assentes, importa ponderar que a falta de impulso processual da Exequente no âmbito da execução (hipotecária) que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Rio Maior, sob o número n.º 128/1999, e determinou, primeiro a interrupção da instância nos termos do disposto no artigo 285º do Código de Processo Civil então vigente (anterior à Lei n.º 41/2013, de 26.06) e depois a deserção da instância, podem não ser imputáveis à Exequente, mas antes decorrer (v.g.) de imposição legal.


Basta pensar que a paragem da execução pode ter sido consequência de existência de penhora anterior do bem penhorado nos autos, designadamente nos autos de execução fiscal referidos nos factos, nos termos do anterior artigo 871º do Código de Processo Civil, que atualmente corresponde ao artigo 794º, n.º 1 do Código de Processo Civil (que atualmente prevê a possibilidade de renovação da execução extinta se vierem a ser identificados outros bens do executado, nos termos do disposto nos artigos 794º, n.º 4 e 850º, n.º 5 do Código de Processo Civil).


Norma que pretende obstar a que em processos diferentes se opere a venda ou adjudicação dos mesmos bens, prevendo, em caso de concurso de execuções sobre o mesmo bem, a sustação daquela execução em que a penhora é posterior.


Nesse sentido apontam os factos vertidos nos pontos 13., 14, 15. e 16. dos factos provados, que demonstram que o crédito exequendo nestes autos foi reclamado nos autos de execução fiscal ali mencionados, por duas vezes, em 23.04.2002 (data anterior ao decurso do prazo de prescrição contado desde a citação no âmbito do processo n.º 128/1999, que, como se refere na decisão recorrida, apenas se completaria em 04.08.2004) e em 27.12.2012.


Não resulta apurado pela primeira instância a data em que os referidos processos findaram, sendo certo que a sucessão de atos da Exequente ao instaurar, primeiro, execução, e depois reclamar o respetivo crédito nas referidas execuções fiscais, não pode ser interpretada como inércia da mesma em exercitar o seu direito, mas antes como manifestação de vontade de exercê-lo.


Pelo que não pode deixar de se apurar se a Exequente não prosseguiu com a cobrança coerciva do seu crédito anteriormente, apenas por força de imposição legal, pois se assim for, será irrazoável, em termos de justiça, que se considere que o prazo de prescrição se completou por não ter impulsionado uma execução (a de 1999), quando estava legalmente impedida de o fazer, por ter de prosseguir a sua pretensão, no âmbito de outros autos.


Impõe-se, por isso, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 2, b) e c) do CPC, a anulação da decisão proferida a este propósito pela 1.ª instância, a fim de, depois de ordenar a produção da prova documental atinente aos processos n.º ...8/1999, n.º ...49 e n.º ...39, referidos nos pontos 7, 13 e 15 dos factos provados, e assegurado o contraditório respetivo, se pronuncie, em nova sentença, quanto à seguinte factualidade:

a. Causa da falta de impulso processual no âmbito do processo n.º ...8/1999, designadamente se o imóvel hipotecado foi penhorado e se a impossibilidade de prosseguimento da execução se deve a penhora do imóvel hipotecado em outra execução, fundamento da interrupção e depois da deserção nessa instância;

b. Admissão da reclamação de créditos apresentada pela ora Exequente ou pela “Companhia Geral do Crédito Predial Português, S.A., no âmbito das referidas execuções fiscais;

c. Eventual venda do imóvel nas mesmas execuções e respetiva data; ou

d. Data do levantamento da penhora sobre o imóvel naqueles autos de execução fiscal, e respetiva notificação à Exequente;

e. Data de extinção das referidas execuções fiscais e respetiva notificação à ora Exequente;

f. Causas do não pagamento do crédito nos processos executivos em que foi reclamado, como supra se mencionou.


*


IV. DECISÃO


Pelo exposto, acordam em julgar a apelação parcialmente procedente, e consequentemente, anular a decisão proferida e determinar a produção de novos meios de prova, com a subsequente elaboração de nova sentença, nos termos, com os fundamentos e objeto referidos em III.


Custas pela parte vencida a final.


Registe e notifique.


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Évora,


Ana Pessoa


Sónia Moura


Ricardo Manuel Neto Miranda Peixoto

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1. Da exclusiva responsabilidade da relatora.↩︎

2. Teoria Geral da Relação Jurídica, Almedina, 1972, V. II, pág.s 445-446.↩︎

3. Proferido no âmbito do processo n. 2970/19.6T8PDL-B.L1-6.; cf. ainda o Acórdão da Relação de Lisboa de 05.11.2024, proferido no âmbito do processo n.º 10695/23.1T8LSB.L1 e toda a jurisprudência no mesmo citada.↩︎

4. Proferido no âmbito do processo n.º 2990/20.8T8LRA.C1↩︎