PERSI
CASO JULGADO
CASO JULGADO FORMAL
Sumário

Sumário1:
1. O juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu (e que reproduz fielmente a sua vontade) - nem a decisão, nem os fundamentos em que ela se apoia e que constituem com ela um todo incindível.

3. Se o despacho recai unicamente sobre a relação jurídica processual ou, em qualquer momento do processo, decide uma questão que não é de mérito, temos o caso julgado formal - art.º 620º, n.º 1 do CPC.

4. Para o caso julgado, à luz do disposto no art.º 620º, n.º 1, do CPC, releva a disciplina ou ordem no desenvolvimento do processo, tratando-se de decisões que versam sobre os pressupostos processuais ou, em geral, sobre questões que não são de mérito.

6. Se, em violação do preceituado no art.º 620º do CPC, o juiz proferir segunda decisão sobre a mesma questão concreta, seja ela ou não coincidente com a decisão anterior, apenas esta é eficaz, nos mesmos termos em que o n.º 1 do art.º 625º do CPC o impõe quanto às decisões de mérito - a eficácia daquela está prejudicada, ou melhor, paralisada, pela força e autoridade do julgado anterior.

Texto Integral

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Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora,

I. Relatório.


1. Nos autos de execução comum para pagamento de quantia certa que Caixa Geral de Depósitos, S.A. moveu contra AA, BB, CC e DD, para haver daqueles Executados a quantia de € 23 333,22, acrescida de juros, e nos quais se encontra atualmente habilitada na posição de Exequente EE, S.A. (em conformidade com a decisão de 27.09.2020 proferida no apenso B) – notificada do despacho proferido a 05.07.2021 (ref.ª Citius 87262212), convidando-a a “…esclarecer o enquadramento do caso no PERSI e, em caso afirmativo, para vir comprovar o cumprimento do mesmo”, a Exequente veio juntar o requerimento de 23.08.2021, no qual refere que “vem pelo presente remeter aos autos as cartas de PERSI enviadas aos executados BB e AA, bem com da extinção do procedimento por falta de colaboração dos mutuários. Mais se remete aos autos a Certidão Permanente atualizada do imóvel penhorado nos autos.”


Juntou documentos, constituídos por duas cartas dirigidas aos referidos Executados BB e AA:


- Datadas de 18.07.2014, com o seguinte conteúdo:

“(…)Estimado/a cliente,

Por se registar incumprimento na(s) operação(ões) abaixo indicadas:

Moeda: EUR
      N.0 Contrato

      ...985

      ...685

      Dt.Venc.
2014-06-23

2014-05-20

Capital
      124,15

      98,13

Juros
      122,31

      17,72

Comissões
      13,75

      13,75

Despesas
      0,00

      0,00

Montante

260,21

129,60

em que é interveniente, informa-se que, de acordo com o disposto no Art 0 140 do D.L. n o 227/2012, de 25 de outubro, procedemos à sua integração, nesta data, no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), acima referenciado.

Assim, para a resolução da sua situação de incumprimento, e para beneficiar dos direitos consignados no referido Dec-Lei, deverá dirigir-se a uma Agência da Caixa Geral de Depósitos, até ao dia 2014-07-28, apresentando os seguintes documentos comprovativos:

Última Declaração de IRS e respetiva Certidão de Liquidação;

Documentos comprovativos de rendimentos auferidos, nomeadamente a título de salário, remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais.

Para obter mais informações sobre o PERSI poderá dirigir-se a uma Agência da Caixa Geral de Depósitos, enviar uma mensagem de correio eletrónico para o endereço caixadirecta@cgd.pt ou consultar www.cgd.pt. Se dispõe do serviço Caixadirecta on-line, as próximas comunicações sobre este tema serão disponibilizadas no mesmo.(…)”

- Datadas de 2.11.2016, com o seguinte conteúdo:

“(…) Estimado/a cliente,

Informa-se que ao abrigo do D.L. n o 227/2012, de 25 de outubro, o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) foi extinto em 2016-11-02, por motivo de:

CLIENTE NAO COLABOROU COM A CGD

Caso tenha créditos noutra Instituição de Crédito poderá ainda recorrer a um mediador de crédito, no prazo de 5 dias, para se manter ao abrigo das garantias do PERSI(…)”

*

2. Foi proferido, a 04.10.2021 (ref.ª Citius 87886532), o seguinte despacho:


“Demonstrado perfunctoriamente o cumprimento do PERSI, e vista a informação registral, deverão os autos prosseguir.


Notifique.


Averigue o Senhor Agente de Execução se está em causa a casa de morada de família dos executados.”


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3. Com data de 07.10.2024, foi proferido despacho (ref.ª Citius 97633055) com o seguinte teor:


“(…)Pese embora se tenha considerado perfunctoriamente demonstrado o cumprimento do PERSI, levantam-se agora dúvidas à signatária sobre a suficiência das razões apontadas para a extinção do PERSI, pelo que se ouça o exequente sobre esta matéria.”.


*


4. Notificada, veio a Exequente, a 30.10.2024, invocar o caso julgado formal constituído pelo despacho datado de 04.10.2021, e alegar que não existem dúvidas de que a Instituição bancária de tudo fez para os executados tivessem a oportunidade de regularizar as dívidas em atraso mediante a sua integração no procedimento PERSI e estes nada fizeram, nunca apresentam a documentação solicitada ou demonstraram algum interesse em resolver a mora existente, tendo sido tal falta de colaboração que motivou a extinção do PERSI.


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5. Foi então proferido despacho de 21.01.2025, com o seguinte teor:


“(…)


Uma vez que a questão foi suscitada, cumpre decidir.


O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, veio instituir o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o PERSI como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras.


No artigo 1.º estabelecem-se os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito designadamente «a regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários», respeitantes aos contratos de crédito referidos no n.º 1 do artigo seguinte.


No artigo 3.º, alíneas a) e c) atribui-se ao cliente bancário o estatuto de consumidor, na acepção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, desde que intervenha como mutuário em contrato de crédito, e o contrato de crédito como o contrato celebrado entre um cliente bancário e uma instituição de crédito com sede ou sucursal em território nacional que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo anterior, esteja incluído no âmbito de aplicação do presente diploma.


No artigo 18.º do citado DL 227/2012, epigrafado de «Garantias do cliente bancário», dispõe-se: «1 ‐ No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de: a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento; b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito; c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual. 2 ‐ Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do número anterior, a instituição de crédito pode: a) Fazer uso de procedimentos cautelares adequados a assegurar a efetividade do seu direito de crédito; b) Ceder créditos para efeitos de titularização; ou c) Ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito. 3 ‐ Caso a instituição de crédito ceda o crédito ou transmita a sua posição contratual nos termos previstos na alínea c) do número anterior, a instituição de crédito cessionária está obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual. 4 ‐ Antes de decorrido o prazo de 15 dias a contar da comunicação da extinção do PERSI, a instituição de crédito está impedida de praticar os atos previstos nos números anteriores, no caso de contratos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e em que a extinção do referido procedimento tenha por fundamento a alínea c) do nº 1 ou as alíneas c), f) e g) do n.º 2 todas do artigo anterior».


No artigo 19.º do mesmo Decreto-Lei, sob a epígrafe «Deveres procedimentais» dispõe-se o seguinte: 1 - As instituições de crédito estão obrigadas a elaborar um documento interno que descreva, em linguagem simples e clara, os procedimentos adotados no âmbito da implementação do PERSI. 2 - Sem prejuízo da inclusão de outros elementos informativos, o documento a elaborar pelas instituições de crédito deve, nomeadamente, especificar: a) Os procedimentos para o contacto com os clientes bancários nas várias fases do PERSI; b) Os procedimentos para a recolha, tratamento e análise da informação referente aos clientes bancários; c) As soluções suscetíveis de serem propostas aos clientes bancários em incumprimento; d) As estruturas ou, se for o caso, os prestadores de serviços de gestão do incumprimento responsáveis pelo desenvolvimento dos procedimentos e ações previstas no PERSI, indicando, com o necessário detalhe, as respetivas competências e descrevendo os mecanismos previstos para a sua articulação com outras estruturas ou entidades potencialmente envolvidas nesses procedimentos e ações; e e) Os planos de formação dos trabalhadores a quem sejam atribuídas tarefas no âmbito do PERSI. 3 - As instituições de crédito disponibilizam aos seus trabalhadores o documento referido nos números anteriores de modo a permitir a sua consulta imediata e permanente.


Sob a epígrafe «Processos Individuais», o artigo 20.º prevê o seguinte: 1 - As instituições de crédito devem criar, em suporte duradouro, processos individuais para os clientes bancários integrados no PERSI, os quais devem conter toda a documentação relevante no âmbito deste procedimento, nomeadamente as comunicações entre as partes, o relatório de avaliação da capacidade financeira desses clientes e as propostas apresentadas aos mesmos. 2 - As instituições de crédito devem conservar os processos individuais durante os cinco anos subsequentes à extinção do PERSI.


Por outro lado, no artigo 14.º, n.º 4, do mencionado Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, exige-se que instituição de crédito informe o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro. O significado de tal expressão «suporte duradouro» é dado no artigo 3.º, alínea h), do citado diploma: «qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas».


As partes não divergem que o caso está dentro do âmbito do PERSI.


A lei exige que a integração dos executados no PERSI e a extinção deste sejam devidamente comunicadas aos executados.


No caso, o PERSI foi já considerado perfunctoriamente cumprido.


No entanto, entende-se que a questão poderá ser reapreciada, uma vez que se considera que o carácter perfunctório do cumprimento do PERSI não impede que a questão seja novamente analisada.


Na situação em apreço, ficou apurado que na carta de extinção do PERSI consta apenas que:


«CLIENTE NÃO COLABOROU COM A CGD».


Resta saber se esta indicação, sem referência às razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento, é suficiente para se considerar cumprido o PERSI.


Nesta matéria, entende-se que, e salvo o devido respeito por melhor e superior entendimento, a Relação de Évora já assumiu a posição de que a indicação apurada não é suficiente para se considerar cumprido o PERSI.


De facto, de acordo com o Acórdão da Relação de Évora, de 25-11-2021, no Processo n.º 17026/20.0T8PRT.E1, in dgsi, «1- A extinção do PERSI com o fundamento legal de terem decorrido 91.º dias subsequentes à data da integração do cliente bancário nesse procedimento, não exime a entidade bancária de lhe comunicar, para além daquele fundamento legal, as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento, sob pena de ineficácia da comunicação da extinção do PERSI. 2- A ineficácia da extinção do PERSI impede a entidade bancária de intentar ação executiva contra o cliente bancário tendente à satisfação do seu crédito, por faltar uma condição de admissibilidade da execução, que correspondente a uma exceção dilatória inominada insuprível, de conhecimento oficioso, determinante da extinção da instância executiva caso a mesma tenha sido instaurada. (sumário da relatora).»


Do mesmo modo, nos termos do Acórdão da Relação de Évora, de 24-11-2022, Processo n.º 824/22.8T8ENT.E1, in dgsi, «I. Tendo a instituição bancária indicado genericamente como fundamento legal da extinção do PERSI, o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10, e tendo também indicado genericamente a causa da inviabilidade da manutenção do procedimento, referenciando tão só a falta de colaboração com a instituição de crédito e a falta de capacidade financeira para regularizar a situação de incumprimento, nada de concreto referiu quanto aos fundamentos da extinção do referido procedimento, seja por via da descrição dos factos que a tal determinaram, seja pela concretização dos fundamentos que, no seu entender, a tal levaram. II. Essa forma de comunicação viola a ratio legis do citado diploma, bem como o disposto no artigo 17.º, n.º 3, do mesmo, e artigo 8.º, alínea a), do Aviso n.º 17/2012, do Banco de Portugal, aplicável ao caso dos autos, impedindo os clientes bancários de se defenderem, quer no plano factual, quer no plano legal, caso a entidade bancária venha instaurar procedimento judicial contra os mesmos para cobrança do crédito incumprido. III. A violação do no n.º 3 do artigo 17.º do PERSI nos termos sobreditos, determina a ineficácia da comunicação da extinção do PERSI (n.º 4 do artigo mesmo artigo 17.º), mantendo-se o impedimento de instauração da ação executiva.»


Este entendimento alicerça-se no artigo 17.º, n.º 3, do Regime do PERSI, nos termos do qual «3 - A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.»


Na verdade, entende-se que o exequente não esclarece convenientemente, com a comunicação de extinção do PERSI apurada, as razões pelas quais não considerada viável a manutenção do procedimento, não estando, pois, respeitando o artigo 17.º indicado, o que determina a ineficácia da extinção do PERSI, nos termos do n.º 4 do referido artigo.


Assim sendo, é forçoso concluir que o exequente/embargado não evidenciou, conforme lhe competia, o cumprimento do PERSI relativamente ao executado, designadamente a extinção do PERSI, sendo que este procedimento, configurando uma condição objectiva de procedibilidade da acção executiva, conduz à procedência de excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e conduz à absolvição da instância de todos os executados, tudo conforme resulta da conjugação das disposições legais contidas nos artigos 18.º, n.º 1, alínea b) e 21.º, do Decreto-lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro e artigos 576.º, n.º 1, 2, 577.º, 578.º e 573.º, n.º 2, parte final, do Código de Processo Civil.


Pelo exposto, e decidindo:


Face ao exposto, declara-se evidenciada a excepção dilatória inominada por falta de cumprimento do PERSI relativamente aos executados, e, subsequentemente, absolve-se os mesmos da instância, determinando a extinção da execução com o consequente levantamento, após trânsito, de quaisquer penhoras realizadas no processo de execução (artigo 732.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).(…)”


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6. Inconformada com o assim decidido, a Exequente interpôs o presente recurso de apelação, apresentando, após alegações, a seguinte síntese conclusiva:


“(…)


1. Por sentença de 30/01/2025, o tribunal a quo decidiu declarar a excepção dilatória inominada por falta de cumprimento do PERSI;


2. Esta sentença foi proferida, depois do mesmo tribunal, ter proferido despacho judicial, em 04 de Outubro de 2021, em sentido contrário, a considerar o PERSI cumprido;


3. As sentenças tem o mesmo valor jurídico que os despachos judiciais e depois de transitados em julgado não podem ser retratadas;


4. Um dos valores fundamentais do direito é o da segurança das decisões judiciais, consubstanciada no instituto do trânsito em julgado;


5. Com a sua actuação, o tribunal a quo voltou atrás no despacho que considerou o PERSI cumprido, numa flagrante e chocante violação do artigo 580.º CPC;


6. A sua actuação compromete a segurança no tráfego do comércio jurídico na medida em que coloca em causa a previsibilidade, confiança e estabilidade nas relações jurídicas;


7. Para evitar tal actuação dos tribunais, o legislador incluiu no ordenamento jurídico português, a norma jurídica da excepção do caso julgado, previsto no artigo 580.º CPC;


8. O objectivo do legislador será garantir a previsibilidade das normas jurídicas, estabilidade das leis e decisões judiciais, bem como a clareza das regras que governam as relações comerciais;


9. O Tribunal «entendeu» sem justificar, que poderia reapreciar novamente a questão do PERSI, questão essa que já tinha apreciado há 4 anos, e cujo despacho já transitou em julgado;


10. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 13111/17.4t8lsb.l1.s1, de 07/11/2019, relator Bernardo Domingos quando refere: « Existe «identidade de pedido quando o efeito prático-jurídico pretendido pelo autor em ambas as acções é substancialmente o mesmo.»


11. No caso em concreto, da análise do artigo 580.º CPC e da jurisprudência uniformizadora do Supremo Tribunal de Justiça não restam dúvidas que estamos perante, excepção de caso julgado;


12. Quando a mesma relação jurídica é submetida sucessivamente a apreciação jurisdicional, e de essa mesma relação já ter sido, enquanto objecto processual perfeitamente individualizado nos seus aspectos subjectivos e objectivos, anteriormente apreciada jurisdicionalmente, mediante decisão que transitou em julgado;


13. A excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplique as decisões sobre idêntico objecto processual, e principalmente que contrarie decisão já proferida anteriormente;


14. O tribunal a quo com as suas sentenças de 31/01/2025 e de 04/10/2021, versa sobre o mesmo objecto, mesma causa, e mesmos sujeitos são contraditórias entre si;


15. Por tudo o exposto, considera-se como normas violadas o artigo 580.º CPC e jurisprudência uniformizada pela Supremo Tribunal de Justiça;


16. A sentença de 31/01/2025 ainda refere que foi infringido o artigo 17.º n.º 3 DL. 227/2012, de 25 de Outubro;


17. A Instituição de Crédito fundamentou o motivo da extinção PERSI, na medida em que referiu que os executados não colaboraram e entregaram a documentação necessária para análise das suas condições financeiras para integração PERSI;


18. Demostrado provado a não colaboração dos executados no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados pela instituição de crédito, foi extinto o procedimento PERSI. (artigo 17.º n.º 2 alínea d) PERSI).


19. Deverá improceder a sentença, por falta de fundamentação legal.


PELO EXPOSTO, DEVERÁ SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA, COM OS FUNDAMENTOS EXPOSTOS, DEVENDO VOSSAS EXCELÊNCIAS, SENHORES DESEMBARGADORES, FAZENDO UMA VEZ MAIS ACOSTUMADA E ESPERADA JUSTIÇA!”


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7. Não foram apresentadas contra-alegações.


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II. Questões a decidir.


Sendo certo que o objeto do recurso se delimita pelas conclusões das alegações do apelante (cf. artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil), importa apreciar e decidir se:


1. Se se constituiu caso julgado formal sobre o despacho proferido no processo de execução a 04.10.2021;


2. Se, em caso de resposta afirmativa à questão precedente, o despacho recorrido viola o caso julgado constituído pelo aludido despacho;


3. Se, em caso de resposta negativa à questão anterior, a comunicação de extinção de PERSI remetida pelo Exequente ao Executado cumpre todos os requisitos previstos pelo n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10.


4. Se, no caso de resposta negativa à questão anterior, ocorre exceção dilatória inominada insanável, determinante do indeferimento liminar da ação executiva fundada em crédito abrangido pelo referido PERSI.


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III. Fundamentação.


III.1. Fundamentação de facto.


Para a decisão do presente recurso relevam os factos relativos ao processamento dos autos que constam do relatório supra


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III.2. Fundamentação jurídica.


A Apelante insurge-se contra a decisão recorrida por entender que o despacho recorrido viola o caso julgado produzido pelo despacho proferido em 04.10.2021, que, tendo considerado “perfunctoriamente” cumprido o PERSI, determinou o prosseguimento dos autos.


Vejamos.


Em face do disposto no artigo 14.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 227/2012, não sofre dúvidas o entendimento expresso em numerosos arestos dos Tribunais Superiores de que a integração de cliente bancário no PERSI é obrigatória sempre que se mostrem verificados os seus pressupostos, e que a falta de integração do devedor no PERSI pela instituição de crédito, a omissão da informação devida, ou a ausência de comunicação da extinção do procedimento, constituem violação de normas de caráter imperativo.


Por isso, e atento o preceituado no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do referido diploma, vem sendo reiteradamente afirmado que o cumprimento das obrigações que impendem sobre as instituições bancárias, constitui uma verdadeira condição objetiva de admissibilidade da ação (declarativa ou executiva), configurando o respetivo incumprimento uma exceção dilatória atípica ou inominada, insuprível, e de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (artigo 576.º, n.º 2, do CPC) .


Como tal, a sua apreciação oficiosa, encontra-se abrangida pelo artigo 578º do Código de Processo Civil.


A exceção de caso julgado tem por finalidade evitar a repetição de causas, obstando a que os tribunais possam ser chamados não só a contrariarem uma decisão anterior, como a reeditarem essa mesma decisão, e os seus requisitos de verificação acham-se taxativamente enunciados no artigo 581º do Código de Processo Civil, quais sejam, identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.


A autoridade de caso julgado, por sua vez, pressupõe a decisão de certa questão, que não pode voltar a ser discutida – efeito vinculativo - sendo generalizado entendimento no sentido de não ser necessária, para que a sua operância ocorra, a coexistência dessas três identidades exigidas para a “exceptio”.


Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (art.º 613º, n.º 1 do Código de Processo Civil). É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes (n.º 2). O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos (n.º 3).


Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º (art.º 619º, n.º 1).


As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo (art.º 620º, n.º 1). Excluem-se do disposto no número anterior os despachos previstos no artigo 630º (n.º 2).


Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar (art.º 625º, n.º 1). É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual (n.º 2).O juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu (e que reproduz fielmente a sua vontade) – nem a decisão, nem os fundamentos em que ela se apoia e que constituem com ela um todo incindível.


A razão de ordem pragmática para o referido princípio prende-se com a necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional.


Se o despacho recai unicamente sobre a relação jurídica processual ou, em qualquer momento do processo, decide uma questão que não é de mérito, temos o caso julgado formal – art.º 620º, n.º 1 do CPC.


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No caso vertente, a decisão recorrida foi proferida a 21.01.2025 e absolveu os Executados da instância por considerar verificada exceção dilatória inominada decorrente da falta de cumprimento, pelo Exequente, do preceituado no Decreto-lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, diploma que instituiu o PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento.


Nela se considerou que as cartas de comunicação de extinção do PERSI, remetida aos Executados, não constituíram cabal cumprimento do disposto no artigo 17.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, por não esclarecerem convenientemente as razões pelas quais não foi considerada viável a manutenção do procedimento.


Sucede que sobre a verificação da “condição objetiva de procedibilidade” constituída pelo cumprimento do PERSI pela Exequente, havia sido já proferido nos autos, a 04.10.2021, despacho judicial que, considerando demonstrado “perfunctoriamente” o cumprimento do PERSI, determinou o prosseguimento dos autos. Tal despacho foi proferido na sequência de convite, dirigido à Exequente para se pronunciar acerca do enquadramento do caso no PERSI comprovar o cumprimento do mesmo.


A Exequente juntou, então, as cartas supra mencionadas, pelo que o despacho de 04.10.2021 teve subjacentes as comunicações remetidas pela então Exequente e versou sobre o cumprimento, pela mesma, dos requisitos impostos pelo diploma legal que instituiu o PERSI, considerando “demonstrado perfunctoriamente o cumprimento do PERSI” e determinou o prosseguimento dos autos, obviamente por ter considerado verificada tal condição de procedibilidade da ação executiva, de conhecimento oficioso.


Tem, por isso, o mesmo objeto do despacho recorrido que se debruça, novamente, sobre a questão do cumprimento do PERSI pela Exequente, vindo a concluir, contrariamente ao que havia considerado, que a Exequente não evidenciou tal cumprimento.


Deste modo, há notória identidade do objeto e contradição de julgados entre os dois despachos em apreço, proferidos em distintos momentos do mesmo processo.


Conforme se decidiu num caso de contornos semelhantes no Acórdão desta Secção de 09.04.2025, que aqui seguimos de perto:


“(…)O carácter perfunctório da prova produzida ou da fundamentação, não se confunde com os efeitos da decisão do juiz.


Isto porque, cabendo ao juiz a faculdade de fazer uma apreciação mais ou menos sucinta da questão a decidir, a lei não lhe confere a prerrogativa de, por sua iniciativa, qualificar como “perfunctórios”, “sucintos” ou “ligeiros”, os efeitos que a mesma produz depois de esgotado o prazo para da mesma ser interposto recurso.


Ou, dito de outro modo: os efeitos do caso julgado resultam expressamente das previsões dos artigos 619.º e 620.º do CPC e não de atribuição feita pelo juiz no próprio despacho / decisão.


Mesmo as decisões proferidas nos procedimentos cautelares com apreciação sucinta ou perfunctória dos respectivos fundamentos são susceptíveis de recurso e formam caso julgado sobre as questões decididas (cfr. alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º e 628.º, ambos do CPC).


Nem podia deixar de ser assim, sob pena de por mera inclusão de uma expressão como “perfunctório” ou outra de significado semelhante, o juiz poder converter os seus despachos / decisões em posições precárias, livremente reversíveis, se e quando entendesse, transformando o processado em algo contingente e incerto, sem garantias de segurança e certeza jurídica para as partes.


Retomando os termos do despacho proferido a 12.01.2022, ao ter considerado que, embora de forma perfunctória, a Exequente cumpriu a demonstração do PERSI com os documentos por esta juntos aos autos, daí retirando a consequência do prosseguimento do processo de execução, a decisão recorrida teve implícito o entendimento de que as cartas enviadas ao Executado preencheram os pressupostos do DL n.º 227/2012, de 25.10, constituindo caso julgado formal sobre a questão adjectiva da verificação dessa condição de procedibilidade.


Sem que tivesse sido interposto recurso do mesmo, constituiu-se, por força do disposto no artigo 620.º do CPC, caso julgado formal com força vinculativa no próprio processo sobre aquela questão processual.


Não pode, por isso, ser contrariado por ulterior reapreciação do cumprimento de tais pressupostos, tendo por referência o conteúdo das cartas que já constam dos autos desde 04.01.2022, momento anterior à prolação do despacho de 12.01.2022.


Assim sendo, o despacho recorrido constitui, verdadeiramente, uma revisão, oficiosa, dos fundamentos jurídicos do despacho que havia sido proferido mais de dois anos antes, em 12.01.2022, transitado em julgado.


Sucede que, com o trânsito em julgado do despacho de 12.01.2022, esgotou-se o poder jurisdicional do juiz quanto à questão apreciada (n.º 1 do artigo 613.º do CPC), sendo que:


- por um lado, a alteração produzida pelo despacho recorrida não constitui a rectificação de um erro material (erro de escrita, de cálculo ou inexactidão decorrente de lapso manifesto revelado pelo texto da decisão anterior) passível de suprimento oficioso (n.ºs 2 e 3 do artigo 613.º e n.ºs 1 e 3 do artigo 614.º, ambos do CPC); e


- por outro, a reforma da decisão por “erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos” carece de ser suscitada pelas partes (alínea a) do n.º 2 e n.º 3 do artigo 616.º do CPC), o que não ocorreu no caso vertente.”


A constatada contradição entre as decisões que a lei não consente, como se expôs, e a circunstância de o primeiro despacho não ter sofrido impugnação, com os inerentes efeitos, importa que no contexto da relação processual, se afirme a figura do caso julgado, à luz do disposto no art.º 620º, n.º 1 citado.


Procedem, pois, as “conclusões” da alegação de recurso.


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IV. Decisão


Pelo exposto, julga-se procedendo a apelação, e consequentemente, revoga-se o despacho recorrido.


Sem custas, por a elas não terem dado causa os Recorridos


Registe e notifique.


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Évora, 05.06.2025


Ana Pessoa


José António Moita


Maria Adelaide Domingos

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1. Da exclusiva responsabilidade da relatora.↩︎