DIREITO DE PREFERÊNCIA
FRACCIONAMENTO DA PROPRIEDADE RÚSTICA
EMPARCELAMENTO
Sumário

Sumário1:
I. Os artigos 1376º e 1380º do CC concretizam «a mesma intenção legislativa de evitar e combater, por razões de ordem económica, a pulverização da propriedade rústica, no propósito de garantir a sua melhor rentabilidade».

II. Atendendo à unidade do sistema jurídico, impõe-se que as questões suscitadas pelo exercício do direito de preferência consagrado no art. 1380º do CC sejam analisadas à luz do conjunto das normas relativas ao regime de emparcelamento e fraccionamento de prédios rústicos e de explorações agrícolas, em que aquele artigo se integra.

III. Nesse exercício, mais do que a satisfação do interesse privado do proprietário confinante em aumentar o seu domínio fundiário, estão em causa, sobretudo, relevantes interesses de ordem pública, de natureza económica e social.

IV. Sendo a unidade económica e produtiva que os terrenos representem o que realmente se procura, é irrelevante a sua identificação matricial ou que a sua extensão, desde que contínua, seja fiscalmente identificada por mais do que um artigo matricial.

V. Não pode deixar de ser tido como inconciliável com o objetivo prosseguido pela lei o exercício da preferência sobre uma só parcela da alienada unidade predial, já constituída como base viável para uma exploração agrícola, ainda que identificada por mais do que um artigo matricial.

Texto Integral

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Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora,

I. Relatório.


AA e BB, intentaram contra CC, DD e EE a presente ação de preferência pedindo:

A. Que seja declarado e reconhecido o direito de preferência dos Autores, na venda outorgada entre os Réus, através do título de compra e venda, lavrado em 25 de Julho de 2022, do prédio rústico, acima identificado em a), e em consequência, ordenar a substituição do Terceiro Réu pelos Autores, como adquirentes, na referida compra e venda;

B. Que seja ordenado o cancelamento da Ap. 4789 de 25.07.2022 relativa ao prédio descrito sob o n.º ...63 da Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóveis de Local 1.


Alegaram para tanto que:


- são donos de um prédio misto que identificaram (a parte rústica inscrita na matriz sob o artigo 63 da secção 1K) com uma área total de 140500 m2 que confina com um prédio que era propriedade dos 1ºs Réus (inscrito na matriz predial sob o artigo 51 da secção K), que tem uma área de 35.000 m2;


- ambos os prédios tem área inferior à mínima de cultura;


- o prédio foi vendido ao 2º Réu;


- não foi dado conhecimento aos Autores do projecto da venda.

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Citados vieram os Réus CC e mulher DD contestar, alegando em resumo, que:


- eram proprietários de três prédios rústicos que identificam (artigo 49º da secção 1K com área de 20.000 m2); artigo 50º da secção 1K com área de 35.250 m2; e artigo 51º da secção 1K com área de 35.000 m2)


- os 3 prédios identificados são todos contíguos entre si e todos tem área inferior à unidade mínima de cultura;


- nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 1376º do Código Civil não eram susceptíveis de ser alienados individualmente, razão pela qual foram vendidos como um único negócio, uno e indivisível;


- caso fossem vendidos em separado, corriam os Réus o risco de não realizar qualquer venda e ficar com 3 prédios sem serem vendidos, o que não pretendiam em caso algum;


- Os Autores apenas pretendem exercer preferência num dos prédios, o que lhes causa prejuízo apreciável e relevante, sendo-lhes licito opor aos Autores, nos termos do artigo 417º do Código de Processo Civil, a preferência pela universalidade do negócio;


- o prédio dos Autores não é destinado à cultura, tratando-se de um prédio misto;


. o adquirente não irá destinar o prédio à cultura;


- a preferência cabia ao prédio descrito sob a ficha 334/20020102 e inscrito na matriz sob o artº12 da secção 1K por ser o que mais se aproxima da unidade de cultura, nos termos do artigo 1380º, n.º 2, alínea b) do Código Civil que foram notificados e não quiseram preferir;


- Os Réus não podem invocar a seu favor a prioridade que resulta do encrave do prédio, pois a mesma é atribuída ao proprietário onerado com servidão de passagem e não o contrário.


Também o Réu EE, citado, contestou, invocando, em síntese, que:


- nunca o presente Réu estaria disposto a adquirir apenas os prédios inscritos na matriz predial sob os artigos 49 e 50 da secção K1


- os Autores estão a pretender exercer o direito de preferência sobre um negócio que nunca existiu – a compra e venda em singelo do prédio inscrito na matriz sob o artigo 51º;


- a operação pretendida pelos Autores consubstancia um fraccionamento não admitido por lei por tal operação consubstanciar o fraccionamento de um terreno apto para cultura em parcela inferior à determinada superfície mínima – ex vi nº1 do artº1376º do Código Civil

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Notificados os Autores para se pronunciarem acerca das exceções de direito material deduzidas nas contestações dos Réus, vieram os mesmos apresentar o requerimento de 07.05.2024, pugnando pela improcedência das exceções.

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Realizada a audiência prévia, foi proferido saneador sentença, no âmbito do qual foi julgada improcedente a exceção de caducidade deduzida, tendo sido julgada manifestamente improcedente a presente ação e, em consequência, absolvidos os Réus dos pedidos contra si formulados.

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Inconformados com a decisão, na parte em que julgou improcedente a ação, dela vieram os Autores interpor recurso, formulando, após alegações, as seguintes “conclusões”:


A. A intervenção do tribunal de recurso assume sempre especial importância, enquanto intervenção de instância superior, que, em seu alto critério, controla o adequado exercício da administração da justiça pelos tribunais inferiores,


B. Essa intervenção assume particular relevo no presente caso, na medida em que está em causa decisão que aplica normas sem para tanto tomar em consideração os parâmetros interpretativos legalmente impostos. Impõe-se, pois, que a maturidade e particular conhecimento do sistema jurídico que pautam os decisores do presente tribunal supra essa falta, em consequência se alterando a decisão recorrida, mediante adoção de uma outra que se afigure compatível com o regime material efetivamente vigente, atentos os critérios aplicativos que o regem, considerando, em particular, a teleologia das normas, a sistemática da sua organização, bem como a coerência e unidade do sistema jurídico.


C. A nível factual foi apurado o seguinte com relevo para a boa aplicação do Direito:


- Os Recorrentes são donos e legítimos proprietários do prédio misto denominado Monte do ..., sito na União de Freguesias de Local 1, cuja área total é de 140,500 m2.


- O Prédio dos Recorrentes tem, pois, uma área total de 14,05 hectares e, em face das características predominantes que nele avultam e sobressaem (montado de sobro ou sobreiral, cultura arvense e dependência agrícola), deve ser qualificado como prédio rústico.


- O Primeiro e Segundo Recorridos eram os legítimos proprietários de três prédios rústicos contíguos, um dos quais é confinante com o Prédio dos Requerentes.


- O Primeiro e o Segundo Recorridos venderam os referidos três prédios ao Terceiro Recorrido, que os comprou.


- Os três referidos prédios, quer individual, quer conjuntamente considerados, têm uma área inferior à área mínima de cultura e também uma área inferior à área do prédio dos Recorrentes.


- Os primeiros Recorridos não comunicaram o projeto de venda aos Recorrentes, não lhes tendo sido dada a oportunidade de exercer o seu direito de preferência sobre o prédio que é confinante com o seu.


- Assim, os Recorrentes intentaram a presente ação de preferência para que o seu direito de preferência fosse reconhecido na venda outorgada entre os Recorridos e, em consequência, fosse ordenada a substituição do Terceiro Recorrido pelos Recorrentes, como adquirentes.


D. O Tribunal a quo decidiu pela improcedência da ação invocando, para o efeito, que sendo os Recorridos proprietários de prédios com área global inferior (9,02 ha) à mínima fixada para aquela zona (48ha), estavam estes impedidos de os vender individualmente, “uma vez que para efeitos do citado n.º 3 do artigo 1376.º do CC, são considerados uma única unidade de exploração económica”.


E. A aplicação das normas jurídicas pressupõe a sua prévia interpretação, sendo que esta deve necessariamente ocorrer de acordo com os critérios estabelecidos na lei, nomeadamente no artigo 9.º do CC.


F. Nas palavras de CASTANHEIRA NEVES “a norma revela-se sempre intencionalmente aberta ou normativamente indeterminada na referência ao caso decidendo – sobretudo por isso carece também ela sempre de interpretação –; e é a interpretação, exigida pela decisão do caso jurídico concreto e a realizar em função do problema normativo-jurídico por ele posto, que irá superar aquela abertura e a sua indeterminação, imputando à norma o sentido jurídico que essa concreta resolução problemática lhe permite reconhecer”, Metodologia Jurídica. Problemas Fundamentais, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coleção Stvdia Ivridica 1, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, p. 146 (negrito e sublinhado da responsabilidade do signatário).


G. O exposto no parágrafo anterior encontra pleno respaldo na célebre fórmula legal, com caráter geral e abstrato, constante do n.º 1 do artigo 9.º do CC onde, com caráter imperativo, se dispõe: “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.”


H. O elemento teleológico – o mesmo é dizer, a razão de ser da norma – destaca-se, assim, enquanto parâmetro interpretativo indispensável a tomar em consideração aquando da aplicação de qualquer norma.


I. Ora, facilmente se depreende que a ratio do n.º 1 do 1376.º do CC é a de impedir que se “desfaçam” prédios de cultura eficientes, isto é, que por via do fracionamento um prédio cuja área era pelo menos igual a uma unidade de cultura (neste caso, 48ha), deixe de ter essa área, transformando-se num prédio menos eficiente.


J. Como evidencia AGOSTINHO CARDOSO GUEDES no Comentário ao Código Civil-Direito das coisas, Universidade Católica Editora, 2021, p. 322, “a norma visa impedir que, através do fracionamento, os terrenos aptos para cultura vejam diminuída a sua rentabilidade. (…) o fracionamento só é proibido nos casos em que as parcelas (ou alguma delas) dele resultantes tenha área inferior à unidade de cultura fixada para cada zona do país”.


K. In casu, os três prédios pertencentes aos Recorridos tinham (isolada e conjuntamente) áreas que ab origine eram inferiores a 48ha, o que só por si impossibilita que seja em consequência da venda que estes se venham a fracionar em parcelas inferiores àquele limite mínimo, já que nunca chegaram a atingir essa área (como mencionado, nem mesmo quando considerados conjuntamente).


L. Não se encontrando, à partida, preenchido esse limite (unidade de cultura) deixa de se aplicar a norma, por impossibilidade de verificação do seu fim: impedir o “desmantelamento” da unidade de cultura, ou seja, inviabilizar que se baixe a área da bitola da unidade de cultura para uma área inferior.


M. O regime legal da proibição de fracionamento não proíbe a venda de partes de terrenos que já estejam abaixo da respetiva unidade de cultura, mas apenas aquelas das quais resulte a divisão de parcelas que respeitavam este limite em parcelas que o deixem de fazer.


N. Em suma, atenta a letra e ratio da lei, preside a esta o objetivo de proibir única e exclusivamente o fracionamento do qual resulte que parcelas com área igual ou superior a 48 hectares (ou seja, terrenos que respeitem a unidade de cultura) passem a ter área inferior a esse número de hectares (ou seja, inferior à unidade de cultura).


O. Como explicam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA em comentário ao artigo 95.º da Constituição «[t]al como a eliminação do latifúndio reclama limites à concentração fundiária, também a eliminação do minifúndio requer a proibição do fracionamento fundiário, para baixo de certos limites” (Constituição da República Portuguesa - Anotada – Vol. I, Coimbra Editora, 2014, p. 1061) (negrito e sublinhado da responsabilidade do signatário).


P. Limites correspondentes à unidade de cultura (48ha, na área geográfica em causa).


Q. Logo, se, como sucede no caso dos terrenos vendidos nos presentes autos, a área dos terrenos já é inferior a esta área, então esta disposição não pode aplicar-se, sob pena de se impor uma restrição desproporcionada ao comércio jurídico entre os cidadãos e os agentes económicos que contraria os mais elementares sentimentos jurídicos, para além, naturalmente, de normas e princípios constitucionais.


R. Ou seja, se, na ponderação de valores que fez aquando da elaboração da norma, o legislador entendeu que se justificava a restrição do comércio jurídico entre os cidadãos e os agentes económicos (e, assim, das normas e princípios legais e constitucionais associados) em homenagem a um valor “maior” (a preservação da área correspondente à unidade de cultura),


S. aquela restrição deixa de ter qualquer suporte (sendo, por isso, necessariamente inaplicável – com a consequente inaplicabilidade da norma) quando esse valor “prioritário” não tem lugar, sendo que esta irrealizabilidade de tal valor assume caráter absolutamente inquestionável (é indubitável que não é possível assegurar, pela proibição de venda de uma parte do terreno, que o imóvel em causa conserve a unidade de cultura quando esse mesmo imóvel não atingia essa área mesmo que não houvesse venda).


T. O n.º 3 do artigo 1376.º do Código Civil preceitua – textualmente – o seguinte: «o preceituado neste artigo abrange todo o terreno contíguo pertencente ao mesmo proprietário, embora seja composto por prédios distintos».


U. Esta norma, como não pode deixar de ser (pois começa por referir «o preceituado neste artigo») é uma norma que se aplica às situações previstas nos número 1 e 2 do artigo 1376.º que tem por epígrafe «Fraccionamento».


V. Sucede que, como ficou claro, o artigo 1376.º não se aplica nos casos de vendas de terrenos ou parcelas de terreno que antes da venda já possuem uma superfície mínima inferior à unidade de cultura aplicável na zona.


W. Logo o número 3 do artigo 1376.º do CC não conhece aplicação no caso sub judice, padecendo de erro de julgamento a sentença recorrida neste particular.


X. Importa também relembrar que tanto o artigo 1376.º como o artigo 1380.º se enquadram na mesma secção (secção VII - Fracionamento e Emparcelamento) dentro do mesmo capítulo (capítulo III - Propriedade dos imóveis) do CC, secção esta cujo objetivo específico é o de promover a existência de prédios cuja área de cultura torne a cultura dos solos o mais eficiente possível.


Y. Para prossecução deste objetivo, o legislador delineou duas vias:


a. Negativa: através da proibição de fracionamento disposta no artigo 1376.º do CC, que visa impedir que as áreas dos terrenos agrícolas se fixem abaixo do limite que o legislador considerou ser o mínimo que garante a sustentabilidade económica das culturas;


b. Positiva: mediante o exercício do direito de preferência por proprietários de terrenos confinantes, conforme indica o art.1380.º do CC, combatendo o minifúndio através da aproximação das explorações à unidade mínima de cultura para cada zona.


Z. O legislador previu o artigo 1376.º, n.º 3 do Código Civil para uma hipótese: aquela em que A, proprietário de um bloco unitário de terrenos pretende vender uma parte (um prédio) desse bloco a um terceiro. Sem mais.


AA. O artigo 1380.º do Código Civil foi concebido para uma outra hipótese: aquela em que B, proprietário, quer aumentar a área efetiva de cultura do seu prédio (que não atinge a unidade de cultura) mediante exercício de preferência sobre prédio contíguo. Sem mais.


BB. No presente caso, dá-se a particularidade de estar em causa a venda de parte (fração) de um bloco de terreno a quem o pretende adquirir em exercício de direito de preferência por titularidade de prédio confinante.


CC. Ou seja, não está em causa uma simples venda de parte de um bloco de terrenos. Nem está em causa um simples exercício de direito de preferência.


DD. No presente caso, está em causa uma situação em que fracionamento e exercício de direito de preferência se entrelaçam.


EE. Ora, não é concebível que duas normas se tenham por aplicáveis ao mesmo caso quando delas decorrem soluções opostas.


FF. Esta situação atípica só se põe neste caso porque, na verdade, ela não quadra com as hipóteses para que o legislador pensou singularmente cada uma delas.


GG. Perante o conflito aplicativo entre estas duas normas (constantes da mesma unidade sistemática do ordenamento jurídico e a que subjaz um comum propósito material de fundo) a qual conceder prevalência?


HH. A fim de resolver a presente esta questão, deverá ser dada prevalência a uma destas vias, isto é, deverá ser aplicada uma destas normas em detrimento da outra.


II. A este título comece-se por explicitar que mesmo se se considerasse aplicável o artigo 1376.º, n.º 3 do Código Civil (contrariamente ao que acima se explicitou entre os pontos E e W) e se proibisse qualquer tipo de fracionamento, sem referência à unidade de cultura – o que apenas em hipótese académica se admite e sem conceder – ainda assim deveria ser reconhecido aos Recorrentes o seu direito de preferência.


JJ. Com efeito, feita a ponderação entre normas, para efeitos de resolução do caso concreto, a solução a adotar terá de ser conforme à Constituição e logo a que conduza à maior eficiência na exploração dos solos, por ser essa a teleologia que subjaz a ambas as normas e, de resto, a toda a secção em que se inserem.


KK. Ponderação de que resulta que, no presente caso (e nem sempre é assim, como se explicitará infra) prevalece o direito de preferência contido no artigo 1380.º sobre a proibição de fracionamento do n.º 3 do artigo 1376.º. Vejamos.


LL. Note-se, em primeiro lugar, que no artigo 1380.º do Código Civil não se diz que B pode exercer o direito de preferência, salvo se o prédio sobre que se exerce preferência for destacado de um bloco de prédios com área inferior à unidade de cultura que, assim, vê a sua área total reduzida.


MM. E este tipo de salvaguardas correspondem a uma técnica legislativa de uso frequente. Assim, se o legislador tivesse querido criar essa restrição ao exercício do direito de preferência, tê-lo-ia explicitado.


NN. Por outro lado, atendendo ao único critério de “sopesamento” entre normas – a teleologia que lhes subjaz –, verifica-se que, no caso em apreço, deve ser reconhecido o direito de preferência. Com efeito, sendo concedida prevalência ao artigo 1380.º do Código Civil, os Recorrentes exercem o seu direito de preferência, o que significa que se criaria, na esfera jurídica destes, um bloco de prédios, propriedade dos Recorrentes, que formaria uma unidade económica com a área de 17,55ha (14,050ha + 3,5ha), subsistindo, do lado dos Recorridos, uma unidade económica de solo com a área de 5,5 ha (2ha + 3,5ha).


OO. Pelo contrário, caso se concedesse prevalência ao artigo 1376.º do Código Civil, continuaria a existir uma unidade económica de solos com a área total de 9 ha e, do lado dos Recorrentes, uma unidade económica com a área de 14,05ha.


PP. Ou seja, a solução mais compatível com o objetivo essencial do regime – promover o surgimento de prédios que, sob o ponto de vista da correspondente área de cultura, sejam o mais eficientes possível (e sê-lo-ão quanto mais se aproximar da unidade de cultura) – é a que resulta da concessão de prevalência ao artigo 1380.º do Código Civil, aplicando-o, em detrimento da aplicação do artigo 1376.º do mesmo diploma.


QQ. Na verdade, da aplicação do artigo 1380.º do Código Civil resulta o surgimento de um prédio com a área de 17,55ha, ao passo que a aplicação do artigo 1376.º do Código Civil manter-se-ia, apenas, como prédio com maior área, o prédio com a área de 14,05ha.


RR. Ou seja, a aplicação do artigo 1376.º do Código Civil implicaria uma perda de eficiência na cultura dos solos em área correspondente a 3,5 ha, ao passo que a aplicação do artigo 1380.º do Código Civil, geraria, simetricamente, um ganho na eficiência de exploração dos solos correspondente a 3,5ha (3500 m2), o que representa uma diferença de substancial relevo,


SS. cumprindo-se assim, desde logo (pela maior aproximação à área ideal da unidade de cultura), de forma mais intensa (relativamente à solução alternativa), o desiderato do comando constitucional previsto no artigo 95.º da nossa Constituição.


TT. Assim, no presente caso, a forma mais eficaz de combater a existência de minifúndios abaixo da unidade de cultura da respetiva zona é mediante opção pela orientação legal positiva, ou seja, pela consagração e exercício do direito de preferência aos proprietários confinantes que também tenham uma área inferior à unidade de cultura, conseguindo-se assim a expansão da área do terreno confinante, ficando, portanto, mais próximo da área mínima de cultura e do alcance dos objetivos traçados pela Constituição (máxime no artigo 93.º).


UU. Como bem indicam ANTUNES VARELA e PIRES DE LIMA no Volume III do Código Civil Anotado (2ª edição, páginas 271 e 274): «o objetivo do artigo 1380.º é fomentar o emparcelamento de terrenos a minifundiários, criando objetivamente as condições que, sob o ponto de vista económico, se consideram imprescindíveis à constituição de explorações rendíveis. (…) É conferida prioridade ao proprietário que obtiver a área que mais se aproxime da unidade de cultura».


VV. É exatamente isto que se passa no caso dos Recorrentes, já que se lhes tivesse sido dada a oportunidade de preferir e adquirir o prédio rústico confinante com o seu – como é de lei – estaria a ser cumprido o objetivo legal pois os Recorrentes ficariam com um terreno mais próximo da unidade mínima de cultura.


WW. Assim, dúvidas não restam de que o negócio que os Recorrentes pretendem celebrar com os primeiros Recorridos é não só legal, por não ser proibido pelo artigo 1376.º do CC, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, como é o que se revela em maior consonância com a razão de ser do regime, por ser o que mais aumenta o grau de eficiência na cultura dos solos, combatendo de modo mais efetivo o predomínio do minifúndio e criando uma grandeza de área mais próxima de atingir os 48 hectares de área.


XX. De acrescer que, para além de essa solução ser a única que se revela compatível com a teleologia e sistemática do regime jurídico vigente – e essa deve ser a razão primordial do sentido decisório a adotar –, revela-se também compatível com os valores da liberdade de circulação de bens e de celebração de negócios jurídicos em pleno exercício do direito de propriedade, designadamente porque, prevalecendo o artigo 1380.º do Código Civil (não se aplicando, consequentemente, o artigo 1376.º do mesmo diploma) os primeiros Recorridos não ficarão privados de vender os dois prédios sobre os quais não é exercida a preferência.


YY. De resto, a interpretação da normas constantes dos n.ºs 1 e 3 do artigo 1376.º do Código Civil, em conjugação com a constante do n.º 1 do artigo 1380.º do mesmo diploma, no sentido de que devem ser aplicadas as primeiras, em detrimento da última, mesmo quando se encontram verificados os pressupostos nesta consagrados e quando a aplicação da (ao contrário da aplicação das primeiras) conduz a resultado mais coincidente com o propugnado com a teleologia do regime (promoção da criação de unidades de cultura com área mais ampla que a anteriormente existente, assim assegurando mais eficiente exploração da cultura dos solos) afigura-se inconstitucional, por violação dos artigos 93.º e 95.º da Constituição da República Portuguesa, o que ora expressamente se argui.


ZZ. Note-se, aliás, que a aplicação da lei em conformidade com a teleologia da norma é a única metodologia compatível com o princípio da separação de poderes,


AAA. sendo este, por sua vez, base inderrogável do princípio do Estado de Direito em que se alicerça o Estado português.


BBB. O mesmo é dizer que, quando a lei não é aplicada em conformidade com a ratio do preceito legal em causa, se aplica a norma a uma hipótese para que não foi pensada, sobrepondo-se o tribunal ao criador da norma, o mesmo é dizer, convertendo-se o julgador em legislador, em manifesta violação do princípio da separação de poderes e, assim, do princípio do Estado de Direito Democrático.


CCC. Esta é, assim, mais uma das implicações do erro de julgamento de que padece a decisão ora recorrida, o que ora se argui.


DDD. Acresce que, em primeira instância os Recorrentes arguiram expressamente a inconstitucionalidade da norma do artigo 1376.º do CC na interpretação que veio a ser seguida pela sentença recorrida, tendo a sentença recorrida omitido qualquer pronúncia relativamente à inconstitucionalidade assim expressamente arguida.


EEE. Na verdade, no requerimento a fls … dos autos, apresentado a 28 de outubro de 2024 os ora Recorrentes no artigo 7.º expressamente invocaram que «(…) uma interpretação do artigo 1376.º, n.º 1, do CC, no sentido de que a proibição de fracionamento abrange também a venda terrenos ab origine com uma área inferior à área mínima de cultura, padecerá de inconstitucionalidade material por violação dos princípios da autonomia privada e da liberdade contratual ínsitos no princípio da dignidade da pessoa humana e no princípio do Estado de direito material, ambos pilares da nossa Constituição, previstos nos artigos 1.º e 2.º do diploma fundamental, inconstitucionalidade que aqui desde já expressamente se argui.»


FFF. Não obstante a invocada inconstitucionalidade, a sentença recorrida não só não se pronunciou sobre a mesma, como decidiu a contenda aplicando a referida norma.


GGG. Razões pelas quais a sentença recorrida padece, quanto a este aspeto, de nulidade, o que ora expressamente se argui.


Nestes termos e nos mais de direito que Vossas Excelências certamente suprirão, deve o presente recurso e arguição de nulidade ser julgado procedente com as demais consequências legais pois só assim se fará a costumada Justiça!


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Os Réus CC e DD contra-alegaram, apresentando a seguinte síntese conclusiva:


A) Os recorrentes insurgem-se contra a douta sentença proferida, pretendendo a sua revogação, invocando em primeiro lugar que o regime legal da proibição de fracionamento não proíbe os prédios que estejam abaixo da respetiva unidade de cultura, mas apenas aqueles dos quais resulte a divisão de parcelas que respeitem este limite em parcelas que deixem de o fazer (conclusão vertida em M);


B) Invocam igualmente que as normas constantes dos artº1376º-nº3 e artº1380º, ambos do Código Civil, abarcando hipóteses diferentes quando aplicáveis no mesmo caso (na situação em que o fracionamento e o exercício do direito de preferência se cruzam), deve prevalecer o artº1380º do Cod. Civil, pugnando pela inconstitucionalidade da interpretação destas duas normas quando no sentido de serem aplicadas as do artº1376º em detrimento do artº1380º;


C) Por fim invocam a nulidade por omissão de pronuncia da sentença, no argumento da inconstitucionalidade da interpretação que veio a ser seguida pelo Tribunal recorrido;


D) É entendimento dos recorridos, que, salvo melhor opinião, não assistirá qualquer razão aos recorrentes nos argumentos invocados, não padecendo a douta sentença de qualquer erro de julgamento ou de nulidade;


E) Assim, consta da sentença os factos dados como provados já anteriormente referidos nas alegações e para os quais respeitosamente se remete e que são os pontos A) a E) da fundamentação de facto.


F) Com base em tal matéria de facto, decidiu o Tribunal Recorrido que «o exercício do direito de preferência nos moldes em que os Autores o exerceram é manifestamente improcedente, uma vez que sempre consubstanciaria fracionamento proibido por lei.», o que atenta a matéria dada como provada, constitui uma decisão correta, coerente com tal matéria e bem fundamentada, quer de facto quer de direito;


G) O regime estabelecido no artº1376º-nº3 do Cód.Civil tem em vista impedir a fragmentação de uma unidade económica constituída por uma exploração agrícola ou um prédio rustico ou vários contíguos, apto para tal, em minifúndios, constituindo uma norma de interesse publico;


H) No caso dos autos o referido regime e o sentido da norma é proteger a unidade de cultura constituída pelos 9,5Ha, que é todo o terreno contiguo, impedindo assim a retirada de área e diminuindo o valor, enquanto unidade agrícola;


I) Não tendo o legislado excecionado tal normativo previsto no artº1376-nº3 do CC para proprietários confinantes, o elemento teleológico ou sistemático da norma não permite colocar a mesma em causa, já que o que se pretende é manter a integridade da unidade económica;


J) A interpretação que os recorrentes fazem, coloca diretamente em causa essa integridade e o sentido do regime instituído diminuindo em 2,5Ha o que antes tinha 9,5Ha, aumentando o seu terreno, mas destruindo o outro, fragmentando o mesmo;


K) Assim, na situação em que os terrenos estejam abaixo da unidade cultura, tal situação não está fora da proibição de fracionamento estabelecida no artº1376º, estando por isso errada a interpretação preconizada pelos recorrentes, mostrando-se a sentença correta não devendo ser revogada;


L) O regime do artº1376º-nº3 e do artº1380º, ambos do Código Civil, não constituem regimes dos quais resulte que a aplicabilidade de um normativo deva prevalecer sobre o outro, dizendo ambos respeito a momento diferentes. O normativo estabelecido no artº1380º só acontece num segundo momento, tendo primeiro que suceder os requisitos estabelecidos no artº 1376º para o fracionamento;


M) Ora não existindo a possibilidade de fracionamento, não resulta, salvo melhor opinião, qualquer conflito aplicativo de normas, designadamente entre estas duas normas (artº1376º e 1380º) uma vez que não existirá o direito de preferência nas condições pretendidas pelos recorrentes (a aquisição apenas de um de três prédios rústicos);


N) A solução pretendida pelos autores e recorrentes não resulta numa aproximação do prédio deles à unidade de cultura pretendida pelo legislador, mas sim à efetiva diminuição de uma outra constituída pelos 3 prédios rústicos, o que o legislador efetivamente não pretendeu;


O) O regime jurídico da estruturação fundiária previsto na lei 111/2015 de 27/8, a portaria 219/2016 de 9 de agosto, e portaria 19/2019 de 15/1, bem como o DL 384/88 de 25/10 (que estabeleceu o novo regime de emparcelamento rural) e ainda os artº1376º e artº1380 do CC, não foram declarados inconstitucionais, como tal a invocada inconstitucionalidade de interpretação sobre a prevalência do artº1376º sobre o artº1380º não se verificará;


P) As questões para efeitos do artº608º-nº2 do CPC para aferir a nulidade a que se refere a d) do artº615º do CPC, e que os recorrentes invocam como omissão de pronuncia sobre a inconstitucionalidade por si invocada, não se confundem com os argumentos, razões ou motivações, nem tal dever de pronuncia se confunde com todas as razões, argumentos de facto ou de direito que tenham sido invocados;


Q) O Tribunal tem o dever de se pronunciar sobre as questões de facto que integram matéria decisória (neste preciso sentido o Acórdão do STJ referido nas presentes alegações e para o qual respeitosamente se remete);


R) Pelo que, salvo melhor opinião, só haverá omissão de pronuncia e consequentemente nulidade [artº615º-nº1-d) 1ªparte do CP de 2013], caso o Tribunal na decisão contrarie o disposto no artº608º-nº2 do CPC, não discriminando os factos que considera provados ou se proferir uma decisão desfavorável á parte, sem ter apreciado todos os objetos e fundamentos pela parte alegados, uma vez que a ação só pode ser julgada improcedente se nenhum dos objetos ou fundamentos puder preceder;


S) Tendo a sentença se pronunciado sobre o que constitui as questões essenciais, estabelecendo os factos que considerou provados, tendo enquadrado a decisão sustentada nos mesmos e proferido a sentença, não se mostra verificada, salvo melhor opinião, a alegada omissão de pronuncia;


T) Além do mais, o pedido de declaração de inconstitucionalidade diz respeito a normas jurídicas e não a decisões que sejam proferidas pelos tribunais;


U) Os recorrentes ao não pedirem a desaplicação da norma, por a considerarem inconstitucional, salvo melhor opinião, não sustentam de forma adequada o argumento da inconstitucionalidade;


Nestes termos e nos demais de direito, atentas as contra-alegações e conclusões aqui apresentadas, deverão improceder na sua totalidade as conclusões apresentadas pelos Recorrentes, confirmando-se a douta sentença e não se dando provimento ao recurso interposto, com o que se fará serena e objetiva justiça!


*


Também o Réu EE contra-alegou, concluindo da seguinte forma:


a) Não tem os Apelantes razão, ao alegarem que a douta sentença recorrida enferma de nulidade, por, por um lado, ter incorrido em erro de julgamento, e, por outro, por omissão de pronúncia;


b) O entendimento dos Apelantes de que o disposto no art. 1376º, nºs 1 a 3 do CC não é aplicável aos prédios que, ab initio, tenham área inferior à unidade de cultura, carece de fundamento, improcedendo manifestamente;


c) Na verdade, a ratio da proibição de fracionamento estatuída pelo art. 1376º do CC é a de evitar a criação de novos prédios rústicos economicamente inviáveis;


d) As explorações que já existem no país com área inferior à unidade de cultura merecem tutela, designadamente, com normas como a contida no nº 3 do art. 1376º CC que, de forma imperativa, proíbe a venda dum prédio que integra, com mais prédios confinantes, uma unidade de exploração ainda assim com área inferior à unidade de cultura;


e) Ou seja, os prédios rústicos aptos para cultura com área inferior à unidade de cultura não são passíveis de novos fracionamentos, caso contrário estaríamos a assistir à pulverização da estrutura fundiária, o que a lei visa evitar;


f) Logo, os três imóveis que o ora Apelado comprou aos co-Apelados em 25-07-2022 não poderiam ser vendidos isoladamente;


g) De igual modo, não têm razão os Apelantes ao entender que existe um conflito aplicativo entre as normas contidas nos arts. 1380º e 1376º do CC, que conduz à prevalência do direito de preferência do confinante sobre a proibição de fracionamento;


h) Este entendimento dos Apelantes carece de fundamento legal: o legislador não previu qualquer situação em que o direito de preferência do confinante deve prevalecer sobre a proibição de fraccionar – proibição essa, como visto supra, que é imperativa.


i) Isto porque, ao contrário do entendimento dos Apelantes, a questão da proibição do fracionamento não se levanta simultaneamente com a questão do direito de preferência;


j) Na realidade, a questão do exercício do direito de preferência teria como pressuposto a possibilidade de alienação dum prédio com área inferior à unidade de cultura, que, no caso em apreço, não se verifica;


k) Ou seja, não existe qualquer conflito entre as normas contidas nos arts. 1376º e 1380º do CC – são normas que visam acautelar situações diferentes, em momentos diferentes.


l) De igual modo improcede manifestamente o entendimento dos Apelantes de que a aplicação das normas contidas no cit. art. 1376º, nº1 a 3 do CC em detrimento do disposto no art. 1380º Id. é inconstitucional por violação do disposto nos arts. 93º e 95º da CRP;


m) Ora, nem o regime o regime jurídico da estruturação fundiária preconizada pela Lei 111/2015 de 27/8, quer a portaria 219/2016 de 9 de agosto, nem a portaria 19/2019 de 15/1, nem ainda o decreto-lei que estabeleceu o novo regime do emparcelamento rural (DL 384/88 de 25/10), e por fim os artº1380 ou artº1376 do CC, foram declarados inconstitucionais;


n) Não tendo tais normas sido declaradas inconstitucionais, improcede manifestamente a interpretação pretendida pelos Apelantes, de que é inconstitucional fazer prevalecer as normas do artº 1376º sobre as do artº1380º;


o) Em face do exposto, resulta evidente que o Tribunal a quo fez uma correcta interpretação e aplicação do direito, não tendo havido qualquer erro de julgamento, pelo que não merece a douta sentença recorrida qualquer censura.


p) De igual modo, a douta sentença recorrida não padece de nulidade por omissão de pronúncia, por não ter conhecido da questão da inconstitucionalidade suscitada pelos Apelantes;


q) Em primeiro lugar importa esclarecer que os Apelantes não invocaram a inconstitucionalidade de qualquer norma, nem peticionaram a sua não aplicação por a norma ser inconstitucional;


r) Limitam-se a arguir a inconstitucionalidade da interpretação que o Tribunal a quo fez do art.1376º do CC;


s) Para além de que, no seu req. datado de 28.02.2024, os Apelantes fundamentam a inconstitucionalidade daquela interpretação na violação dos princípios da autonomia privada e da liberdade contratual, para agora, em sede de alegações de recurso, a fundamentarem na violação do disposto nos arts. 93º e 95º da CRP;


t) Ora, para efeitos de invocação e fiscalização da constitucionalidade, só releva a inconstitucionalidade das normas, não da interpretação que os tribunais fazem das normas – v. art. 70º, Lei nº 28/82, de 15.11;


u) Por outro lado, por aplicação conjugada dos arts. 615º, nº 1, al. d) e 608º, nº 2 CPC, só haverá nulidade da sentença, se o Tribunal a quo não conhecer das questões temáticas centrais, isto é, as que integram matéria decisória, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções - neste sentido v. Ac. STJ de 27.11.2024 e Ac. Trib. Rel. Porto de 20.05.2024, ambos disponíveis em www.dgsi.pt;


v) Ora, inconstitucionalidade da interpretação que o Tribunal a quo fez das normas contidas no art. 1376º, nºs 1 a 3 do CC invocada pelos Apelantes não consubstancia uma questão temática central, não passando dum simples argumento invocado pelos AA Apelantes para fazerem valer a sua pretensão;


w) Logo, o facto do Tribunal a quo não se ter pronunciado acerca do argumento jurídico alegado pelos Apelantes da inconstitucionalidade da interpretação que aquele fez da norma contida no art. 1376º, nºs 1 a 3 do CC, não consubstancia omissão de pronúncia, para efeitos de nulidade da sentença.


x) Em face do exposto, não existe omissão de pronúncia quanto ao argumento invocado de inconstitucionalidade, não padecendo a sentença de qualquer nulidade.


y) Em qualquer caso, sempre o pedido formulado pelos Apelantes de ser declarado e reconhecido o seu direito de preferência na venda outorgada entre os RR, do prédio rústico inscrito na matriz sob o art. 51º da Secção 1K, teria de improceder;


z) Isso, porque os Apelantes pretendem preferir num negócio que nunca existiu;


aa) Nunca os co-Apelados propuseram a compra e venda em separado de qualquer dos prédios objecto da escritura, nem o Apelado alguma vez se dispôs a tal, pois só tinha interesse em adquirir todo o conjunto predial, como se veio a verificar;


bb) Assim, a haver algum direito de preferência dos Apelantes – que, cfr. visto supra, não existe -, aquele teria sempre de ser exercido sobre a venda global dos três prédios em conjunto, e não só sobre apenas um deles;


cc) Em qualquer caso, ainda que existisse tal direito de preferência, os Apelantes não depositaram o preço total da venda conforme o disposto no art. 1410, nº 1 do CC impõe, pelo que não se encontra reunido um pressuposto essencial para o procedimento da presente acção, tendo o pedido formulado pelos Apelantes de improceder.


Nestes termos,


Do que consta dos autos, atentas as atentas as contra-alegações e conclusões aqui apresentadas, bem como das contra-alegações e conclusões apresentadas pelos co-Apelados, às quais se adere, dando-as aqui por reproduzidas, e do que doutamente será por V. Exas suprido, deverão improceder na sua totalidade as conclusões apresentadas pelos Recorrentes, confirmando-se a douta sentença apelada e não se dando provimento ao recurso interposto, com o que se fará JUSTIÇA!


*


II. Questões a decidir.


Como é sabido, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões apresentadas, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC).


Assim, tendo presentes as alegações do Recorrente, as questões a decidir no recurso são as seguintes:


- Das nulidades imputadas à sentença;


- Da verificação dos pressupostos do direito de preferência.


*


III. Fundamentação.


III.1. Fundamentação de facto.


O Tribunal Recorrido considerou provados, com interesse para a boa decisão da causa, os seguintes factos:


A) Os Autores são donos e legítimos proprietários do prédio misto denominado Monte do ..., descrito na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóveis de Local 1 sob o n.º ...42, com a área total de 140500m2, área coberta de 158,8 m2 e área descoberta de 140341,2 m2, sito em Monte do ..., União das Freguesias de Local 1, e inscrito na matriz sob o artigo n.º ... da Secção n.º 1K, da referida freguesia, resultante da anexação dos prédios ..., e a parte urbana inscrita na respectiva matriz urbana sob os artigos ... da União das Freguesias de Local 1 (cfr. certidão predial e matricial junto com a petição inicial).


B) O 1 Réu era o proprietário de três prédios rústicos, que por escritura de 25-07-2022, vendeu ao 2º Réu, com o consentimento da Ré mulher:


a. o prédio rustico denominado “...”, sito em ..., inscrito na matriz sob o artigo 49º da sec.1K e descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob a descrição ...20, da União de Freguesias de Local 1, com a área de 20 Há (20.000m2) pelo valor de € 20.000,00;


b. O prédio rustico denominado “...”, sito em ..., inscrito na matriz sob o artigo ...50 da sec. 1K e descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob a descrição ..., da União de Freguesias de Local 1, com a área de 3,5, pelo valor de € 26.500,00;


c. O prédio rustico denominado “...”, sito em ..., inscrito na matriz sob o artigo... da sec. 1K e descrito na Conservatória do Registo Predial deLocal 1 sob a descrição ...63, da União de Freguesias de Local 1, com a área de 3,5 Há (35.000m2), pelo valor de € 26.500,00 (cfr. escritura de compra e venda);


C) Na escritura pública de compra e venda declararam as partes nele outorgantes que “não é o representado pela primeira outorgante, proprietário de nenhum outro prédio rústico confinante com os imóveis objecto deste acto bem como declara que os imóveis rústicos identificados em A), B) e C) são confinantes entre si.


D) Os prédios objecto da compra e venda são todos contíguos entre si (cfr. planta cadastral junta com a petição inicial).


E) O prédio dos Autores confina com o prédio com o artigo 51 da secção 1K vendido e comprado pelos Réus.

*

III.2. Da nulidade da sentença.


Insurgem-se os Autores contra a decisão recorrida, à qual assacam o vício previsto na al. d) do nº1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil, o que fundamentam na circunstância de o Tribunal não se ter pronunciado acerca da inconstitucionalidade da norma do artigo 1376.º do CC na interpretação que veio a ser seguida pela sentença, que alegam ter arguido.


Os Réus pronunciaram-se pela inexistência de qualquer nulidade.


Atentemos no que dispõe o artigo 615º do Código de Processo Civil:


“Artigo 615.º


Causas de nulidade da sentença


1 - É nula a sentença quando:


a) Não contenha a assinatura do juiz;


b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;


c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;


d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;


e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.


2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.


3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.


4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”.


Como é sabido, as nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, distinguindo-se assim de hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito, ou seja, as nulidades da sentença encontram-se taxativamente previstas no artigo 615.º do CPC e reportam-se a vícios estruturais ou intrínsecos da decisão, também, designados por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.


Para que se verifique a nulidade por omissão de pronúncia, prevista na al. d), do nº 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil, invocada pelos Apelantes, tem que resultar da decisão que o Tribunal deixou de apreciar uma questão que devesse ter apreciado, questões essas pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes.


É o que decorre também do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que estabelece que que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.


Assim, a nulidade de sentença, por omissão de pronúncia, só ocorre quando o julgador deixe de resolver questões que tenham sido submetidas à sua apreciação pelas partes, a não ser que esse conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras questões antes apreciadas.


Na verdade, não se verifica omissão de pronúncia quando o não conhecimento de questões fique prejudicado pela solução dada a outras e o dever de pronúncia obrigatória é delimitado pelo pedido e causa de pedir e pela matéria de exceção.


E também não há omissão de pronúncia quando a matéria, tida por omissa, ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada, competindo ao tribunal decidir questões e não razões ou argumentos aduzidos pelas partes2.


A sentença recorrida foi proferida nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 595º, nº 1, al. b) e nº 3, do Código de Processo Civil.


O Tribunal Recorrido configurando a ação como uma ação de preferência, através da qual os Autores pretendiam ver reconhecido o direito de preferir no contrato de compra e venda relativamente ao prédio em causa (um dos três objeto do contrato de compra e venda), celebrado entre os Réus, ponderou que mesmo a provarem-se os demais factos que os Autores alegaram, a respetiva pretensão mesma não poderia proceder nunca, por a tanto obstar o regime do fracionamento e emparcelamento dos prédios rústicos previsto no artigo 1376ºdo Código Civil, designadamente nos números 1 e 3 do mesmo, a cuja interpretação procedeu, enquadrando-o no regime mais amplo de normas imperativas que visam o emparcelamento dos prédios rústicos “de molde a favorecer a sua exploração económica”, que considerou aplicáveis ao caso, afastando, pois, qualquer inconstitucionalidade das mesmas.


Reconheceu que assistiria aos Autores o direito a preferir na totalidade da venda, provado que estivesse que a estes não tinha sido comunicado o projeto da venda e facultado prazo para preferir, e que a improcedência da pretensão decorre o exercício do direito de preferência nos moldes em que o foi, relativamente a apenas um dos prédios.


E considerou, consequentemente, prejudicado, o conhecimento das demais questões colocadas.


Apurar se o Tribunal errou ao julgar improcedente a pretensão dos Autores constitui questão que se prende com o mérito da decisão, que apreciaremos de seguida, e não com a regularidade formal da sentença.


A sentença não enferma, pois, de nulidade por omissão de pronúncia.


Concluímos desta forma pela não ocorrência da invocada nulidade da sentença recorrida, soçobrando, nesta conformidade, e nesta parte, a apelação interposta.


*


III.3. Da apreciação jurídica.


Estando em causa o conhecimento imediato do pedido deduzido pelo autor ou pelo réu, em sede de despacho saneador, em razão da viabilidade ou inviabilidade da pretensão daquele, importa não esquecer que, como explicam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa3 a “antecipação do conhecimento de mérito pressupõe que, independentemente de estar em jogo matéria de direito ou de facto, o estado do processo possibilite tal decisão, sem necessidade de mais provas”, designadamente quando “seja indiferente para qualquer das soluções plausíveis a prova dos factos que permaneçam controvertidos: se, de acordo com as soluções plausíveis da questão de direito, a decisão final de modo algum puder ser afectada com a prova dos factos controvertidos, não existe qualquer interesse na enunciação dos temas da prova e, por isso, nada impede que o juiz profira logo decisão de mérito”.


Do mesmo modo “se o conjunto dos factos alegados pelo autor (factos constitutivos) não preenche de modo algum as condições de procedência da acção, torna-se indiferente a sua prova e, por conseguinte, inútil o prosseguimento da acção para audiência final”.


Como é sabido, o incumprimento definitivo da obrigação de preferência, confere ao preferente preterido meios de tutela que, nos casos em que existiu já alienação do objeto sobre que incide o direito da preferência, consiste na ação de preferência prevista no artigo 1410º do Código Civil.


No caso dos autos, os Autores, invocando a respetiva qualidade de titulares de prédio confinante com o prédio em causa, invocam o direito de preferência previsto no artigo 1380º do Código Civil para sustentarem o pedido de reconhecimento do direito a preferir no negócio, e a consequente substituição do Terceiro Réu pelos Autores, como adquirentes, na referida compra e venda.


Preceito que estabelece que “os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante”.


Colhem-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01.03.20184 os contornos e a evolução recente do regime relativo ao fracionamento/emparcelamento de prédios rústicos, quadro jurídico à luz do qual importa analisar o presente litígio.


Ali se pode ler-se:


“(…)O conjunto de dispositivos que integram a seção VII do capítulo III, título II, livro III, do Código Civil sob a epígrafe "Fracionamento e emparcelamento de prédios rústicos" tem o seu antecedente histórico na Lei n.º 2116, de 14 de Agosto, que regulou igualmente a matéria do fracionamento e emparcelamento de prédios rústicos.


Visa este complexo normativo a finalidade económica e social de reordenamento da propriedade fundiária, com o objectivo de os terrenos aptos para cultura terem (ou não deixarem de ter) uma dimensão mínima (unidade de cultura) adequada a uma exploração economicamente viável.


Assim, do mesmo passo que se proíbe o fracionamento dos terrenos em parcelas de área inferior à unidade de cultura fixada para cada zona do País (artigo 1376.º), permite-se o emparcelamento com vista a abolir os factos consumados que não respeitem a unidade de cultura (artigo 1382.º).


Todavia, no que respeita ao princípio de proibição de fracionamento – único que agora interessa analisar – contempla o Código as exceções previstas no artº. 1377.º, excluindo desta proibição os terrenos que se destinem a algum fim que não seja o da cultura [al. a)]; os casos em que o adquirente da parcela resultante do fracionamento seja proprietário de terreno contíguo ao adquirido, desde que a área da parte sobrante do terreno fracionado corresponda, pelo menos, a uma unidade de cultura [al. b)] e se o fracionamento tiver por fim a desintegração de terrenos para construção ou retificação de estremas [al. c)].


Tratam-se de exceções que, na lógica do sistema, encontram justificação no facto de, nestas situações, deixar de relevar o interesse da exploração agrícola.


Por sua vez, prescreve o art. 1379.º do C. Civil[2] que:


« 1 – São anuláveis os actos de fraccionamento ou troca contrários ao disposto no artigo 1376.º (…).


2 – Têm legitimidade para a acção de anulação o Ministério Público (…).


3 – A acção de anulação caduca no fim de três anos a contar da celebração do acto (…)».


Assim, de acordo com o nº 1 da base I e nº 2 da base XXXIII da citada Lei nº 2116, o art. 1º da Portaria n.º 202/70, de 21/04, fixou a área de unidade de cultura, em hectares (ha), para as diversas Regiões de Portugal continental, com referência aos tipos de cultura agrícola dos terrenos, classificando-os, para tal efeito, em terrenos de sequeiro e terrenos de regadio, subdividindo estes em terrenos de cultura arvense e terrenos de cultura hortícolas.


Segundo o quadro constante daquela Portaria, as unidades de cultura fixadas para a região de Setúbal, onde se integram os prédios em causa, são:


i) - para os terrenos de regadio arvenses – 2,50 ha;


ii) – para os terrenos de regadio hortícolas – 0,50 ha;


iii) – para os terrenos de sequeiro – 7,50 ha.


Posteriormente, reconhecendo-se que o regime jurídico do emparcelamento e do fracionamento da propriedade rústica definido pela Lei nº 2116, de 14 de agosto de 1962, não lograra obter os resultados visados, o Dec.-Lei n.º 384/88, de 25-10[3], revogou esta lei, e, com o objectivo de tornar a agricultura mais competitiva e tornar o nível de vida dos que trabalham no sector rural mais próximo dos padrões dos que desenvolvem a sua actividade noutros sectores, veio, nesta matéria, «aperfeiçoar e ampliar os mecanismos reguladores do fraccionamento de prédios rústicos e de explorações agrícolas», estabelecendo:


No seu art. 19.º, nº 1 que «Ao fraccionamento e à troca de terrenos com aptidão agrícola ou florestal aplicam-se, além das regras dos artigos 1376.º e 1379.º do Código Civil, as disposições da presente lei»;


No seu art. 20.º, nº1 que «A divisão em substância de prédio rústico ou conjunto de prédios rústicos que formem uma exploração agrícola e economicamente viável só poderá realizar-se:


a) – Para efeitos de redimensionamento de outras explorações, operada nos termos da presente lei;


b) – Para reconversão da própria exploração ou se a sua viabilidade técnico-económica não for gravemente afectada;


c) – Se da divisão resultarem explorações com viabilidade técnico-económica;


d) – Se do fraccionamento não resultar grave prejuízo para a estabilidade ecológica»;


E, no seu art. 21.º, nº 1, que «Os limites mínimos de superfície dos prédios rústicos, designados por unidades de cultura, e os limites mínimos das explorações agrícolas serão fixados para as diferentes regiões do País e, dentro destas, para as zonas em que se verifiquem particulares condições económico-agrárias e sociais mediante decreto regulamentar, a publicar no prazo de um ano a contar da entrada em vigor do presente decreto-lei».


Complementarmente, o Dec.-Lei n.º 103/90, de 22/03, veio estatuir:


No seu art. 45º, que «1 – A divisão a que se refere o artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro, só se pode realizar sob parecer favorável da respectiva direcção regional de agricultura, emitido a requerimento do interessado.


2 – Decorridos 30 dias sem que o parecer a que se refere o número anterior seja emitido, considera-se para todos os efeitos a existência de parecer favorável.


3 – Verificada a situação prevista no número anterior, a direcção regional de agricultura respectiva deve, a pedido dos interessados, passar de imediato certidão comprovativa de tal facto.»;


No seu art.º 47.º que «1 – São anuláveis os actos de fraccionamento ou troca de terrenos com aptidão agrícola ou florestal que contrariem o disposto no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro.


2 – Têm legitimidade para a acção de anulação o Ministério Público, a DGHEA ou qualquer particular que goze de direito de preferência no âmbito da legislação sobre o emparcelamento ou fraccionamento.


3 – O direito de acção de anulação caduca decorridos três anos sobre a celebração dos actos referidos no n.º 1.


4 – A DGHEA tem igualmente legitimidade para a acção de anulação a que se refere o artigo 1379.º do Código Civil»;


E, no seu art. 53.º, que «Enquanto não foram fixadas as unidades de cultura nos termos do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro, mantém-se em vigor a Portaria n.º 202/70, de 21 de Abril».


Quer isto dizer que, à luz deste regime jurídico, a sanção civil para a violação da proibição contida no art. 1376º do C. Civil, não só é a mera anulabilidade (cfr. nº1 do citado art. 1379º), como os negócios que as infrinjam só são impugnáveis dentro de um prazo bastante curto (cfr. nº 3 do art. 1379º e nº 3 do art. 47º, do Dec.-Lei n.º 384/88), pelo que decorrido o prazo de 3 anos a contar da celebração do ato, a violação da lei deixa de relevar seja para que efeito for.


Todavia, em 27 de agosto de 2015, entrou em vigor a Lei nº 111/2015 de 27 de agosto[4] (cfr. art. 65) que, tendo como objetivo criar melhores condições para o desenvolvimento das atividades agrícolas e florestais, de modo compatível com a sua gestão sustentável nos domínios económico, social e ambiental, através da intervenção na configuração, dimensão, qualificação e utilização produtiva das parcelas e prédios rústicos, veio definir o regime jurídico da Estruturação Fundiária, revogando os Decretos -Leis n.ºs 384/88, de 25 de outubro e 103/90, de 22 de março.


E, no que diz respeito aos limites ao fracionamento dos prédios rústicos, veio também reforçar o impedimento dos atos jurídicos que contrariem os limites da unidade de cultura, estabelecendo:


No seu art. 48.º que


«1 - Ao fracionamento e à troca de parcelas aplicam-se, além das regras dos artigos 1376.º a 1381.º do Código Civil, as disposições da presente lei.


2 - Quando todos os interessados estiverem de acordo, as situações de indivisão podem ser alteradas no âmbito do emparcelamento rural ou da valorização fundiária, pela junção da área correspondente de alguma ou de todas as partes alíquotas, a prédios rústicos que sejam propriedade de um ou de alguns comproprietários.


3 - Da aplicação do disposto nos números anteriores não podem resultar prédios com menos de 20 m de largura, prédios onerados com servidão ou prédios com estremas mais irregulares do que as do prédio original».


No seu art. 49.º que:


«1 - A unidade de cultura é fixada por portaria do membro do Governo responsável pela área do desenvolvimento rural e deve ser atualizada com um intervalo máximo de 10 anos.


2 - As transmissões e a transferência de direitos que se verifiquem no âmbito da execução dos projetos de emparcelamento integral efetivam-se independentemente dos limites da unidade de cultura».


E, no seu art. 59.º, veio alterar disposto no art. 1379º do C. Civil, dando-lhe a seguinte redação:


«1 - São nulos os atos de fracionamento ou troca contrários ao disposto nos artigos 1376.º e 1378.º.


2 - São anuláveis os atos de fracionamento efetuado ao abrigo da alínea c) do artigo 1377.º se a construção não for iniciada no prazo de três anos.


3 - Tem legitimidade para a ação de anulação o Ministério Público ou qualquer proprietário que goze do direito de preferência nos termos do artigo seguinte.


4 - A ação de anulação caduca no fim de três anos, a contar do termo do prazo referido no n.º 2».


Por sua vez, a Portaria n.º 219/2016, de 9 de agosto, publicada ao abrigo do disposto no art.º 4.º, n.º 3 e art.º 49.º da mencionada Lei n.º 111/2015, veio fixar a unidade de cultura a que se refere o art.º 1376.º do Código Civil, estabelecendo (para a mesma zona do País) para os terrenos de regadio 2,5 (hectares) e para o terreno de sequeiro 48 (hectares).(…)”


Acrescente-se que, como se referiu na decisão recorrida, a área mínima de cultura se encontra fixada em 48 ha por via da Portaria 19/2019 de ....


O objetivo prosseguido com o artigo 1380º consiste, pois, em evitar fragmentação excessiva da propriedade rústica, fomentando «o emparcelamento de terrenos minifundiários, criando objectivamente as condições que, sob o ponto de vista económico, se consideram imprescindíveis à constituição de explorações rendíveis» ou de facilitar a extinção de situações que não são as mais consentâneas com a boa exploração económica dos bens, podendo o proprietário do conjunto após o exercício do direito proceder a uma reconversão cultural que de outra forma não teria viabilidade.


Por seu turno, o regime decorrente dos artigos 1376° nºs 1 e 3 e 1379º, segundo o qual, os terrenos aptos para cultura não podem fraccionar-se em parcelas de área inferior à unidade de cultura fixada para cada zona do País, proibição que abrange todo o terreno contíguo pertencente ao mesmo proprietário, embora seja composto por prédios distintos, concretizam «a mesma intenção legislativa de evitar e combater, por razões de ordem económica, a pulverização da propriedade rústica, no propósito de garantir a sua melhor rentabilidade».


O próprio preâmbulo do regime de emparcelamento e fraccionamento de prédios rústicos (DL 384/88) salienta que se pretende orientar, por um lado, «o progresso da agricultura portuguesa» «no sentido aumentar a produção» «em ordem a satisfazer as necessidades do País e a reduzir o volume dos bens importados e, por outro lado, de modo a rendibilizar os meios de produção para que a actividade agrícola aumente a sua competitividade e proporcione à população rural um nível de vida mais aproximado dos padrões verificados noutros sectores de actividade».


Portanto, como se afirmou no Acórdão da Relação de Coimbra de 27.05.20155, que acompanhamos:


“(…)no direito exercido nestes autos, mais do que a satisfação do mero interesse privado do proprietário confinante em aumentar o seu domínio fundiário, estão em causa, sobretudo, relevantes interesses de ordem pública, de natureza económica e social. No actual estádio da nossa cultura jurídica sobre o domínio dos bens, cada vez mais se acentua a função social do direito de propriedade.


É, pois, à luz dos interesses prosseguidos pelo regime jurídico do emparcelamento e (da proibição) do fraccionamento de prédios rústicos, subjacente ao instituto da preferência invocado, que o conteúdo e limites deste terão de ser encontrados, ainda que em articulação com o regime de direito privado, referente aos direitos reais sobre imóveis.


Mas sempre sem olvidar que nos movemos no campo mais vasto do ordenamento da propriedade rústica, pelo que as disposições legais ao mesmo atinentes revestem carácter imperativo, vinculando o Estado e demais entidades públicas, bem como os particulares, uma vez que subjaz às mesmas a protecção de interesses de ordem pública consagrados constitucionalmente [cf. arts. 9º al. e) e 66º nº 2, als. b) e d) da CRP], não podendo, pois, ser ignoradas pelos tribunais.


Considerando que o intérprete deve atender à unidade do sistema jurídico (cf. art. 9º), esta primeira aproximação ao regime de emparcelamento e fraccionamento de prédios rústicos e de explorações agrícolas serve apenas para registar que essa unidade impõe que as questões suscitadas no recurso sejam analisadas à luz do conjunto das normas relativas àquele regime – em que, obviamente, se integram os artigos correspondentes ao direito de preferência aqui exercido (1380º e 1381º) –, nomeadamente quanto à classificação predial nele contida, afinal o elementar ponto de partida para tal análise.


Ora, se o que se pretende é conseguir que o todo seja mais que a soma das partes, pondo termo à fragmentação e dispersão dos prédios rústicos com o fim de melhorar as condições técnicas e económicas da exploração agrícola ([7]), não pode deixar de ser tido como inconciliável com o objectivo prosseguido um fraccionamento ou parcelamento de uma determinada unidade predial, já constituída como base viável para uma exploração agrícola, ou seja, de um terreno apto para cultura ([8]) e que se mantenha para esse fim, independentemente da sua diversidade, dentro de certos limites.


Realmente, o que se procura é a unidade económica e produtiva que os terrenos representem ([9]), sendo completamente irrelevante a sua identificação matricial e/ou registral. Daí que o legislador não se tenha preocupado em distinguir se qualquer dos terrenos confinantes abrange mais que um artigo matricial, porquanto, uma vez que exista um terreno nas e para as condições indicadas, não interessa que a sua extensão, desde que contínua, seja fiscalmente identificada por mais do que um artigo matricial ([10]).


É certo que a legislação tributária, numa das peculiaridades do nosso sistema, estabelece conceitos especiais neste âmbito: “Dando sequência à anterior legislação de tributação imobiliária, o actual C. do IMI, além de manter em vigor o conceito de «prédio misto» (que carece de fundamento nos termos da lei geral, definida pelos C. Civil) estabelece novos conceitos do que são os prédios rústicos e os prédios urbanos, embora apenas aplicáveis para efeitos fiscais, divergindo dos conceitos anterior e basilarmente instituídos pelo C. Civil, que o antecede em termos temporais, mas, essencialmente, em termos jurídicos” ([11]).


No entanto, se a identidade matricial (de imóveis) tem de ser apurada com base nos documentos dos serviços de finanças, a identidade física do prédio há-de apurar-se pela restante prova produzida, desde logo pela averiguação da existência de um qualquer outro prédio que com aquele possa ser correlacionado. «A inscrição matricial é apenas um elemento de identificação para o recenseamento fiscal dos imóveis, o qual pode até nem existir e nem por isso o prédio deixa de ter existência real» ([12]). Como esclarece o próprio do C. do IMI (art. 12º), «as inscrições matriciais só para efeitos tributários constituem presunção de propriedade», mesmo que estas sejam a forma usual de identificação das propriedades e a base adoptada para qualquer negócio. Aliás, é por esta última razão que alguns proprietários de prédios rústicos constituídos por uma realidade substancial unitária mas fiscalmente identificados por mais do que um artigo matricial mantêm artificialmente esta situação para poderem, se lhes convier, contornar os imperativos decorrentes da proibição do fraccionamento, contando com o eventual laxismo da intervenção dos poderes-deveres impostos pelo art. 1379º ([13]).


De todo o modo, o conceito de prédio para estes casos tem de ser buscado no C. Civil ([14]), a base do direito civil, cujo art. 204º nº 2 determina: «Entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica». Sendo indiferente, para efeitos de qualificação civil, a inscrição matricial, tem sido defendido, neste âmbito, o critério da afectação económica, que pondera o fim do aproveitamento do prédio ou a utilização do terreno.


Por fim, deve considerar-se que a atribuição do mencionado direito de preferência constitui, tal como nos demais casos de preferência legalmente previstos, uma limitação ao carácter tendencialmente pleno do direito de propriedade, no qual se inclui a livre disposição dos bens sobre que o direito incide (art. 1305º) ([15]), bem como uma excepção ao princípio da liberdade negocial, decorrente do da autonomia privada, consagrado no art. 405º. Assim, dada essa sua natureza excepcional ou restritiva, tal direito só pode ser reconhecido quando se concluir, seguramente, que seu exercício satisfaz o escopo que lhe é assinalado pelo regime do emparcelamento e fraccionamento de prédios rústicos e de explorações agrícolas, ou seja, nos termos e dentro dos limites em que se encontra legalmente previsto.


Não é o que sucede neste caso.


Na verdade, os terrenos que os 2ºs RR adquiriram em conjunto à 1ª R ([16]), embora com artigos matriciais diferentes, são todos contíguos, sendo apenas (parte deles) separados ou atravessados por caminhos de acesso quer aos mesmos quer a outros e interpondo-se entre dois deles, desde 1/7/2010, uma estrada que liga a vila à respectiva zona industrial, mas sem hiatos constituídos por prédios alheios.(…)


Assim sendo, da substituição dos 2ºs RR (adquirentes) pelos AA resultaria a ablação, tão-só, de uma parcela de uma unidade predial já constituída como base viável para uma exploração agrícola, com potencial eficácia para a obtenção da rentabilidade visada pelo regime do emparcelamento. E como contrapartida desse fraccionamento, patentemente indesejado pelo legislador, adviria um prédio com a área de, apenas, cerca de 1 hectare, em qualquer caso, muito distante da unidade de cultura fixada e sem que algo indicie que os AA, até agora proprietários absentistas, nele pudessem radicar uma qualquer exploração economicamente rentável para, assim, ser alcançado o objectivo perseguido pela lei.


Por conseguinte, visando o emparcelamento, em geral, estimular os proprietários a promover a fusão dos seus prédios em prédios de áreas maiores, tendencialmente mais rendíveis, no caso, o muito duvidoso êxito da união alegadamente pretendida impor-se-ia à custa dum resultado proibido. Com efeito, a desafectação de uma parcela da unidade predial dos RR, já constituída e com condições para uma exploração agrícola viável, frustraria, em concreto, o relevante instrumento de utilidade pública criado pelo falado regime do emparcelamento e do fraccionamento.


Neste contexto, perante os valores e interesses em presença, não faz qualquer sentido trocar o certo pelo incerto: não deve admitir-se a intervenção de um mecanismo de natureza excepcional que não só não alcançaria o seu próprio escopo, com suficiente margem de segurança, como o seu resultado, qualquer que ele viesse a ser, seria, garantidamente, atingido em detrimento da exploração agrícola dos RR, potencialmente rentável.


Nesses termos, não deve ser reconhecido o direito exercido pelos AA.”


Transpondo as considerações expostas para o caso dos autos, logo se conclui que a pretensão recursiva se encontra condenada a naufragar, pois a desafetação de uma parcela da unidade predial dos Réus, que resultaria da procedência da pretensão dos Autores, constituída pelos três prédios contíguos e com condições para uma exploração agrícola viável, frustraria, em concreto, o relevante instrumento de utilidade pública criado pelo falado regime do emparcelamento e do fracionamento, deixando a parcela (os dois restantes prédios) restante ainda mais longe da almejada unidade de cultura fixada, assim contrariando o escopo da lei.


Por outro lado, a interpretação preconizada pelos recorrentes, de que é inconstitucional por violação dos artigos 93º e 95º da Constituição da República Portuguesa, o entendimento de que as normas constantes do artigo1376º, nº1 a nº3 do Código Civil, devem ser aplicados em detrimento dos do artigo1380º do Código Civil, também não procede.


Na verdade a decisão recorrida prossegue o objetivo de interesse público de fomentar o emparcelamento de terrenos a minifundiários, criando objetivamente as condições que, sob o ponto de vista económico, se consideram imprescindíveis à constituição de explorações rendíveis, objetivo que se sobrepõe ao direito privado invocado pelos Apelantes.


Mais do que a satisfação do interesse privado do proprietário confinante em aumentar o seu domínio fundiário, estão em causa, sobretudo, relevantes interesses de ordem pública, de natureza económica e social.


Resulta, assim, evidente que o Tribunal a quo fez uma correta interpretação e aplicação do direito, não tendo havido qualquer erro de julgamento, pelo que não merece a douta sentença recorrida qualquer censura.


***


IV. Decisão.


Em face do exposto, acordam em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.


Custas pelos Recorrente – artigo 527º do Código de Processo Civil.


Registe e notifique.


*


Évora,


Ana Pessoa


António Fernando Marques da Silva


Filipe Aveiro Marques

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1. Da exclusiva responsabilidade da relatora↩︎

2. cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9/6/2011, proferido no âmbito do Proc. n.º 5/11 acessível em www.dgsi.pt)↩︎

3. Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 696-697↩︎

4. Proferido no âmbito do processo n.º 1011/16.0T8STB.E1.S2, acessível em www.dgsi.pt↩︎

5. Proferido no âmbito do processo n.º 141/11.9TBAMM.C1↩︎