Sumário:
1. O preenchimento da causa de pedir supõe a alegação do conjunto de factos essenciais que se inserem na previsão abstracta da norma ou normas jurídicas definidores do direito substantivo cuja tutela jurisdicional se pretende.
2. Apenas será inepta, por falta de causa de pedir, a petição que não contenha a alegação dos factos que identificam ou individualizam o direito em causa.
3. Confrontando a alegação do autor com os contratos colectivos aplicáveis pode verificar-se que estão alegados os factos essenciais nucleares para que se possa decidir pela aplicação de cada uma das cláusulas de natureza retributiva que foram invocadas.
4. Saber-se se o autor tem direito a todo o montante peticionado já será julgamento de mérito, que não tem cabimento na apreciação da ineptidão da petição.
5. Visando o autor a condenação da ré a pagar-lhe uma determinada quantia não se pode dizer que falte a indicação do pedido, pois não existem dúvidas sobre o resultado que o autor pretende com a demanda.
6. O Tribunal terá como limite da condenação, de todas e de cada uma das parcelas do pedido, o valor global peticionado e, no caso, este valor global está indicado de forma certa e inequívoca.
7. O ónus de alegação e prova do pagamento de todos os componentes retributivos em conformidade com o que decorre das referidas convenções colectivas caberá à ré.
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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:
I. RELATÓRIO:
I.A.
AA, autor na acção comum que intentou contra “MOSCA PORTUGAL, LDA”, veio interpor recurso da decisão proferida em 13/01/2025 pelo Juízo do Trabalho ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., que terminou com o seguinte dispositivo:
“Nesta conformidade e por tudo o exposto, julgo inepta a petição inicial, declarando-se nula a petição inicial e como tal nulo todo o processo, absolvendo-se a Ré da instância.
Custas a cargo do Autor, por ter decaído totalmente (artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC).”.
I.B.
O autor/apelante apresentou alegações que terminam com as seguintes conclusões[[1]]:
“I - Referente às questões suscitadas e considerado todo o processo como improcedente, de que merece reparo, como se referiu da invocada justa causa porquanto há elementos de facto e de direito suficientes para que ação prossiga com toda a normalidade.
II – Veja-se desde o artigo 6 ao 17, o que consta dos mesmos, período temporal concreto, as rubricas do pago e do legal, as remunerações pagas e as legais, os complementos salariais em função da actividade que nem sempre foram corretamente pagos, do complemento salarial das férias, dos subsídios de férias e de Natal, diuturnidade vencida e não paga em tempo, o subsidio de trabalho nocturno, o subsidio tir, atento e por comparação de entre as convenções coletivas de trabalho aplicável, respectivas portarias de extensão e, de do contrato de trabalho individual negociado entre os ora litigantes.
III – Da discriminação negativa em concreto deste motorista e Autor com as mesmas funções e conteúdo funcional, existiam diferenças quer na remuneração base quer no subsídio tir e depois todo as restantes inerentes rubricas, uma vez que havia diferença no cálculo aos respectivos complementos.
IV – E daí este resultado do não processamento devido e liquidado em tempo face a um pagamento mensal processado de forma irregular, o que efectivamente ali acontecia e de que o motorista de pesados e ora Autor reivindicou por diversas vezes junto dos Recursos Humanos e Logística, mas sem qualquer efeito prático.
V – De que o motorista de pesados ora Autor se sentia desmotivado, enfraquecido, desanimado e se questionava do porquê de tal situação, quando toda a razão lhe assistia por direito próprio.
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VI – Compreende-se do porquê, já que abusivamente e contra todos os procedimentos internos, conhecidos do Autor, sabia que tal situação não era com certeza transmitida à gerência e daí ter efectuado a denúncia do contrato de trabalho vigente.
VII – Comunicação esta que fez atempadamente, e mesmo nesta comunicação alertou e solicitou o pagamento de tais diferenças, provenientes do não cumprimento quer do acordo individual formalizado quer das convenções inerentes e aplicáveis ao sector de actividade em que s encontrava inserido.
VIII- Que foram alguns anos seguidos e de alguma bondade permissiva que culminou em abuso, com desconhecimento da entidade empregadora para tais acontecimentos, como deduz.
IX – De que a Ré deveria ter providenciado pela correcção o que não aconteceu ou fez.
X – Como se referiu a discriminação negativa é proibida não só constitucionalmente como legalmente, conforme já indicado e aqui estamos perante um abuso, que não se pode deixar passar sob pena do enriquecimento ilícito à custa do empobrecido motorista de pesados.
XI – De que existem elementos suficientes nos autos para se prosseguir com os mesmos, mas se acaso e, só por mero acaso, é que não foram aceites ou pelo menos explanados estão como não aceites.
XII – De que lhe parece não existir fundamento para sentença proferida no sentido em que o foi pelo tribunal a quo.
XIII – Com o maior rigor e dentro dos parâmetros legais, sem querer obstruir ou impossibilitação do quer que fosse, mas antes pela descoberta da verdade e colaboração.
XIV – Seria inglório tudo ter feito e colaborado, com os elementos disponíveis e baseados nos recibos de remuneração existente e das folhas da segurança social e com base no que o Autor conhecia que foram elaborados aos autos com vista a ser ressarcido pelo trabalho desenvolvido enquanto vinculado por contrato de trabalho subordinado.
XV – Com as mesmas valências, o mesmo tipo de tractor, do mesmo semi-reboque ou equivalente, com o mesmo período de trabalho diário, os mesmos dias de descanso semanal, os mesos dias de folga, os mesmos trajectos ibéricos, ou seja, com o mesmo conteúdo funcional e as remunerações serem diferenciadas negativamente com o estipulado por acordo ou convencionalmente.
XVI – Portanto não se pode aceitar tal decisão por infundada, que merece correcção no sentido de prosseguimento dos autos.
XXVII – Que o tribunal a quo acabou por se basear a sua decisão e daí sentenciar um processo para o arquivo, como se o mesmo ali pudesse parar atribuindo-lhe uma culpa que não a teve nem tem ou suspeição da mesma.
XXVIII – Que mesmo a existir, de que não aceita, existem elementos suficientes de causa de pedir e do pedido associado e devidamente especificados na peça existente para que mesma possa prosseguir e, não ser considerada inepta.
XIX – Porque todos eles constam do pedido e do respectivo mapa elaborado para o efeito.
XX – De que entende que o tribunal a quo, com o devido respeito deveria prosseguir com os elementos existentes e suficientes para levar para julgamento.
XXI - Então resultou, tomou a premissa dessa génese e daí baseada nessa proferiu tudo quanto entendeu, deitou por terra.
XXII – Pelo que se verifica um abuso anormal, excessivo, sem fundamentação, e desproporcional, na medida da comparação com elementos objectivos existentes e suficientes, para prosseguimento do processo.
XXIII – Por todo o exposto e que considerando da existência de elementos suficientes para os autos prosseguirem e chegaram ao confronto da discussão e validação do pedido.
XXIV – Logo não poderá ter consequências nefastas e bastante prejudiciais por tal anomalia processual, impedido de os autos serem julgados.
XXV – Nem das consequências que lhe querem atribuir, já não basta da taxa de justiça que teve que suportar para apelar da decisão / sentença errada dada ao presente processo.
XXVI – Erros existem, mas este é deveras forte e muito prejudicial, retira ao Autor um direito de ser ressarcido do que lhe pertence por direito próprio, do esforço e bom desempenho funcional enquanto motorista de pesados por conta de outrem e nas melhores capacidades e desempenho que como sempre se pautou
XXVII - E tanto assim é que e, enquanto motorista de pesados não foi alvo de qualquer advertência profissional ou sancionatória.
XXVIII – Pelo que o tribunal a quo, com o devido respeito por opinião contrária nos parece ter classificado como inepta uma acção quando a mesma satisfaz os parâmetros legais para o seu bom tremo e julgamento, como se requer.
XXIX – E assim entendeu como principal premissa para destruir toda a petição inicial, amputando-a de todos os seus membros para sua inexistência.
XXX – Logo o tribunal a quo, ao andar por caminho errado destorceu toda a realidade concreta trilhando um caminho que não tem consistência nem corresponde à verdade material.
XXXI – Daí o recurso de apelação, para seja revista a decisão / sentença, já que se verificam da existência de elementos suficientes, Autor não rejeira nenhuma das decisões, por entender que não se acautelou a aplicação de uma verdadeira justiça e sua aplicação, como verdadeira aplicação de que se espera lograr.
XXXII - Pelo que em suma merece o devido tratamento e ser, se assim se entender, o Autor notificado de eventual esclarecimento ou de o fazer audiência de julgamento ou acaso se entenda de forma diferente que os autos têm todos os elementos essenciais para prosseguirem o seu percurso normal, que assim deverão ocorrer.
XXXIII – Tudo como requerido, ou seja, a prossecução dos autos, dos elementos que subjaz serem suficientes, como indicado na peça processual / da petição inicial.
XXXIV – Nessa medida, no caso concreto, não se pode concluir pela falta de causa de pedir, não sendo a petição inepta, mas apenas deficiente, impondo-se a revogação do despacho recorrido, com vista à prolação de novo despacho saneador no qual, seja ponderado se as omissões de concretização fáctica que persistem prejudicam definitivamente a procedência das pretensões deduzidas pela A. e, em caso negativo, se determine o prosseguimento dos autos para apreciação de todos os pedidos formulados, praticando os atos necessários para o efeito, ou, em caso afirmativo, se os autos contiverem já todos os elementos necessários para o efeito, se conheça desde logo do mérito relativamente aos pedidos aqui em causa [alíneas a), c) a i) do pedido formulado na petição inicial, cfr Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Proc 1243/24 7T8AVR-A.P!, de 03-02-2025.
XXXV – Face ao Acórdão citado fundamentos existem para que o processo prossiga e, seja revogado a decisão por outra que o permita prosseguir.
Termos em que deverá ser julgada procedente a presente apelação e em consequência
a) - A sentença, desde já revogada na parte objecto de recurso, ou seja, de que os autos contêm elementos suficientes para prosseguirem;
b) Ou ser o Autor notificado para eventuais esclarecimentos adicionais;
ou, caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese académica se admite,
b) - Anulando-se a decisão / sentença prosseguindo os autos no estado em que se encontram, e assim fazendo-se a costumada
JUSTIÇA !”
I.C.
A ré apresentou resposta às alegações, onde conclui: “que se digne confirmar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, e com o douto suprimento de V. Exas., não deve ser concedido provimento ao presente recurso devendo, em consequência, manterem-se o despacho recorrido, como é de Direito e assim se fazendo a costumada Justiça!”
O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, que não mereceu qualquer resposta das partes.
I.D.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.
Após os vistos, cumpre decidir.
As conclusões das alegações de recurso delimitam o respetivo objecto de acordo com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, mas não haverá lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
No caso, apenas se impõe apreciar se é inepta a petição inicial apresentada e se, consequentemente, será de manter o despacho recorrido.
III. FUNDAMENTAÇÃO:
III.A. Fundamentação de facto:
Para apreciação da questão a decidir, pode retirar-se o seguinte do processo:
1. O autor veio propor contra a ré a presente acção declarativa de condenação e terminou com o pedido que se transcreve:
“Termos em que e nos melhores de direito que V.ª Ex.ª doutamente suprirá, deve a presente acção ser julgada precedente por provada e em consequência ser R condenada a pagar o peticionado:
a) Às importâncias apuradas, referente às diferenças de remuneração, desde a admissão até final do contrato de trabalho;
b) Das diferenças nos subsídios de férias e de Natal, enquanto vinculado por contrato de trabalho;
c) Do complemento salarial que não foi pago de acordo com o estabelecido contratualmente;
d) Da diuturnidade vencida a 8 de maio de 2021;
e) Do subsídio de trabalho nocturno irregularmente processado por defeito no valor que lhe competia;
f) Da formação continua não efectuada ou paga, de apela ao pagamento dos últimos três anos.
g) Bem como no pagamento de juros, calculadas sobre as quantias referidas, porquanto o nãp pagamento atempado, resulta em juros, desde a data do seu vencimento até integral pagamento (art 278.º, n.º 2 e 5), do CTrabalho;
h) Bem como das restantes rubricas desde a citação até efectivo cumprimento, à taxa legal;
i) Bem como condenada nas custas de processo, procuradoria e demais encargos processuais.
Para tanto, Requer se digne ordenar a citação da R, para audiência de partes, seguindo-se os demais termos até final.”
2. Para tanto alegou o seguinte que se transcreve:
“I – DA LEGITIMIDADE
1. As partes são legitimas.
2. O tribunal é competente, uma vez que o disposto no art. 14.º do Código de Processo do Trabalho (Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de out) dispõe que “1- As acções emergentes de contrato de trabalho intentadas por trabalhador contra entidade patronal podem ser propostas no tribunal do lugar da prestação de trabalho ou do domicílio do autor”.
3. O art. 19.º, do citado diploma, dispõe que “São nulos os pactos ou clausulas pelos quais se pretenda excluir a competência territorial atribuída pelos artigos anteriores”.
4. O Autor (de ora em diante designada por A), reside, no concelho ..., integrado no Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo do Trabalho ..., embora prestasse trabalho, essencialmente Espanha.
5. A Ré (de ora em diante designada por R), é uma empresa que tem como actividade
principal a indústria de transportes terrestres, encontrando-se licenciada para o efeito.
II - RELAÇÃO LABORAL
6. O A foi admitido ao serviço da R, em 8 de maio de 2018, sob a sua direcção, fiscalização e subordinação, por contrato de trabalho a termo certo, a tempo completo, com a categoria profissional de motorista de pesados e, nesta profissão desenvolvendo as tarefas inerentes, de acordo com a Clausula primeira, do contrato de trabalho a termo resolutivo, celebrado a 8 de maio de 2018, cfr doc 1.
7. Que desenvolvia a actividade profissional, conduzindo um veículo pesado de mercadorias, em território nacional e em Espanha, todos os dias úteis e, dias de descanso semanal, cumprindo um horário de trabalho previamente estabelecido, de acordo com o Regulamento (CE) 561/2016, de 15 de março.
8. As relações de trabalho encontram-se abrangidas pelo CCT, para o sector dos transportes rodoviários, inserto no Bte 30/97, Bte 34/2018, com Portaria de Extensão n.º 287/2018, de 24 de out, Bte 45/2019, com Portaria de Extensão n.º 49/2020, de 26 de fev e Bte 5/2023, com Portaria de Extensão n.º 129/2023, de 15 de maio.
9. De que incumpriu ao longo do vínculo contratual, o contrato de trabalho outorgado pelas partes, as cl.ªas 46.º, 51.ª, 60.ª, 61.ª, 63.ª e 64.ª do referido contrato colectivo de trabalho aplicável., cfr doc 2 a 26.
10. Junta igualmente o extrato da Segurança Social, para complementar a falta de recibos que o utor não possui, cfr doc.s 27 a 34.
11. Nem concedeu a respectiva formação continua, como a tal estava obrigada, nos termos do art 131.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2 e art 132.º, n.º 6, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fev.
12. Dos recibos de remuneração, de entre outras rubricas, constam a categoria profissional, a remuneração base, o subsídio tir, subsídio de alimentação, diuturnidade, complemento salarial, subsídio do trabalho nocturno, clausula 61 (CCT), ajudas de custo (nacionais e estrangeiras), para o interesse do objecto da presente acção.
13. De que aquando da celebração do contrato de trabalho a termo resolutivo, as partes outorgantes negociaram a remuneração base de €940,00 e, um subsídio tir, no valor de €529,80, de acordo com a clausula segunda, valores estes convencionados e as partes se obrigaram a respeitar e a cumprir, cfr doc 1.
14. De que o A, por diversas e insistentes vezes chamou à atenção, da responsável pelos recursos humanos de que a remuneração e, o subsídio de tir (vulgo, complemento salarial no estrangeiro, ex-cláusula 74, do CCTT), não estavam a ser liquidados, obtendo como resposta que seria analisado e dada uma resposta, que nunca obteve, cfr, doc 1.
15. O mesmo chamamento efectuou junto do responsável pela logística, mas também sem sucesso.
16. Continuando a gerência a proceder ao pagamento de valores inferiores ao que estava efectivamente acordado, causando-lhe um prejuízo imediato e a aceitação de mudança de entidade patronal, só se concretizou atendendo à oferta dos valores ínsitos no contrato de trabalho e, não por qualquer outra razão.
17. .Assim conforme mapa elaborado e tendo por base a retribuição mensal, incluindo a diuturnidade, complemento salarial, subsídio de trabalho nocturno e premio tir constata-se que os pagamentos efectuados ficavam aquém do liquidado, pelo que se elaborou o corresponde mapa de apuramento, apurando todos os valores mensais que se encontravam em desconformidade.
18. Assim verifica-se um débito a favor do A, no montante de €27.241,15 (vinte e sete mil duzentos e quarenta um euro e quinze cêntimos).
19. O valor apurado teve em conta, valores pagos por excesso que foram tidos em conta, no cálculo do apuro final.
20. Um dos pontos essenciais foi tido em conta a actualizações da diuturnidade, do complemento salarial e, do subsídio de trabalho nocturno, bem como dos complementos aquando do pagamento dos subsídios de férias e de natal e formação continua que não foi concedida durante a vigência contratual pelo que a R não efectuou a actualização de acordo com a convenção colectiva aplicável ao sector de actividade já referenciada.
21. A cessação do contrato de trabalho foi promovida pelo A, avisando, por escrito e com o tempo previamente de 60 dias, terminando contrato de trabalho a 5 de março de 2023, cfr art 400.º, n.º 1, do CTrabalho
22. Tendo efectuado a referência devida para que fossem apurados os valores em divida, mas mais uma vez e sem sucesso.
III – Da Citação Urgente
23. Conforme se referiu a cessação do contrato de trabalho, por iniciativa do trabalhador verificou a 5 de março de 2023.
24. Cujo prazo de prescrição de um ano se inicia a 6 de março de 2023, podendo o tempo obrigatório não ser o suficiente e, daí ser a única forma de interromper o prazo de prescrição.
25. Requer que, acaso seja necessário que se proceda à citação urgente da R., evitando assim a prescrição.”
3. Foi designada audiência de partes e, nesta diligência, fizeram-se representar as partes, mas não se logrou alcançar qualquer acordo.
4. Apresentada contestação pela ré, esta invocou expressamente a ineptidão da petição inicial dizendo, em suma, que o autor não concretizou quais os valores que reclama por cada uma das rúbricas dos créditos laborais que enumera no seu pedido, quais as remunerações pagas pela ré que considera que não estão correctas e quais as razões por que considera que cada uma dessas remunerações pagas são incorrectas (artigo 6.º da contestação), não discriminou, à luz de cada um dos instrumentos coletivos de trabalho que invoca como sendo aplicáveis à relação laboral que manteve com a Ré, quais as remunerações e valores que entende serem-lhe devidos (artigos 7.º e 8.º da contestação), que é impossível à Ré saber a proveniência do valor, sendo o indicado “mapa de apuramento”, vertido no artigo 17.º da P.I. absolutamente ininteligível (artigo 9.º da contestação) e que na petição inicial não estão concretizadas as remunerações pagas pela ré que o Autor considera que não estão correctas, os motivos que permitam entender por que considera que cada uma dessas remunerações pagas são incorrectas e os valores que considera serem os correctos, por cada uma das rúbricas dos créditos laborais que enumera no seu pedido (artigo 13.º da contestação).
5. Por despacho de 6/05/2024 o Tribunal recorrido convidou o autor a responder, expressamente, a essa excepção.
6. No prazo indicado, o autor nada fez.
7. Por despacho de 4/06/2024, por entender que a notificação dirigida ao Ilustre mandatário do autor “não tinha evidência de leitura”, o Tribunal recorrido determinou a repetição da notificação.
8. O autor nada fez.
9. Por despacho de 2/07/2024, o Tribunal recorrido convidou o autor a apresentar petição inicial aperfeiçoada.
10. O autor nada fez.
11. Por despacho de 24/09/2024 foi o autor, novamente, convidado a apresentar petição inicial aperfeiçoada “sob pena de indeferimento total ou parcial da ação, em sede de saneador”.
12. O autor nada fez.
13. Por despacho de 4/11/2024 o Tribunal recorrido proferiu despacho que terminou com a seguinte decisão: “convidam-se as partes a querendo e no prazo de 10 dias, exercerem o contraditório, visto se afigurar que a petição inicial é inepta, por ininteligibilidade da causa de pedir (artigo 186.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) do CPC).”
14. As partes nada disseram.
15. Foi, então e em 13/01/2025, proferida a decisão recorrida.
Nos termos do artigo 186.º, do Código de Processo Civil (aplicável ao caso dos autos por via do que se dispõe no artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho), será nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
E a petição será inepta quando: a) falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; b) o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; c) se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
No caso concreto, está em apreciação a ineptidão com fundamento na alínea a), do n.º 2, do referido artigo 186.º do Código de Processo Civil: a possibilidade de, na petição inicial apresentada pelo autor e ora recorrente, faltar ou ser ininteligível a indicação do pedido e da causa de pedir.
Decorre dos artigos 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, que na petição inicial deve o autor expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir. E a causa de pedir deverá ser entendida, nos termos do artigo 581.º, n.º 4, do mesmo diploma, como o facto jurídico de que procede a pretensão deduzida.
Nas palavras de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa[[2]], a opção legislativa pela teoria da substanciação da causa de pedir implica para o autor a necessidade de articular os factos dos quais deriva a sua pretensão, constituindo-se o objecto do processo e, por arrastamento, o caso julgado apenas sobre os factos integradores dessa concreta causa de pedir. Foi esta a opção do legislador de modo que o preenchimento da causa de pedir, independentemente da qualificação jurídica apresentada, supõe a alegação do conjunto de factos essenciais que se inserem na previsão abstracta da norma ou normas jurídicas definidores do direito substantivo cuja tutela jurisdicional se pretende.
Será, por isso, inepta a petição que não contenha a alegação dos factos que constituem a causa de pedir: ou seja, dos factos que identificam ou individualizam o direito em causa (nas palavras dos autores citados: os factos essenciais nucleares). Já quando a petição apenas não contenha os factos que, não sendo individualizadores, se revelam imprescindíveis para que a acção proceda, por também serem constitutivos do direito invocado (factos essenciais complementares) será uma petição deficiente, a carecer de convite ao aperfeiçoamento (e que, se não acatado, poderá levar à improcedência da pretensão).
Por outro lado, como refere Abrantes Geraldes[[3]], a causa de pedir deverá ser intelegível: o autor deve expor com clareza os fundamentos da sua pretensão, considerando-se inepta a petição que se apresente em termos obscuros ou ambíguos, por forma a impedir a apreensão segura da causa de pedir. Integram-se neste vício as situações em que os factos apresentados não tenham qualquer relevância jurídica ou aquelas em que se torna impossível saber a proveniência do direito invocado. Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24/04/2012 (processo n.º 2281/11.5TBGMR.G1[[4]]), a petição inicial é inepta por ininteligibilidade quando os factos e a conclusão são nela expostos em termos de tal modo confusos, obscuros ou ambíguos que não possa apreender-se qual é o pedido ou a causa de pedir.
Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/11/2022 (processo n.º 118395/21.4YIPRT.L1-2[[5]]) a ideia primordial, no que concerne à figura da ineptidão da petição inicial, é a de impedir o prosseguimento de uma acção viciada por falta ou contradição interna da matéria ou objeto do processo e que mostre, desde logo, não ser possível um correcto, coerente e unitário acto de julgamento. Por outro lado, na perspetiva das partes, o instituto da ineptidão da petição inicial existe para evitar que o réu fique impedido de exercer cabalmente o contraditório por não conhecer as razões fácticas que alicerçam o pedido do autor.
No caso vertente, parece claro que, embora de um modo muito deficiente, o autor alegou que celebrou contrato de trabalho com a ré (artigo 6.º da PI) e que este durou entre 8/05/2018 e 5/03/2023 (artigo 21.º da PI). Mais alegou o autor que acordou com a ré uma determinada retribuição mensal (artigo 13.º da PI, composta por remuneração base e subsídio TIR) e que, efectivamente prestou a sua actividade como motorista afecto ao transporte ibérico (artigo 7.º da PI), pelo que estão alegados os factos essenciais nucleares que fazem surgir o seu direito à retribuição.
Mais alegou o autor que a remuneração e subsídio TIR não estavam a ser liquidados (artigo 14.º da PI) de forma integral, mas em valores inferiores ao acordado (artigo 16.º da PI).
Nessa parte, por isso, está suficientemente indicada e individualizada a causa de pedir.
O autor não se limitou a pedir o pagamento das diferenças salariais (entre o que foi pago e o acordado) mas introduz no artigo 20.º da PI a questão do pagamento de, nas suas palavras, outros “complementos”: diuturnidades, complemento salarial, subsídio de trabalho nocturno, subsídios de férias e de Natal e formação contínua.
Ora se se atentar no que se dispõe nos Contratos coletivos entre a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias - ANTRAM e outra e a Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações - FECTRANS e outros, pode extrair-se que:
- no CCT publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 34, de 15/9/2018[[6]], além da retribuição (cláusula 44.ª) e a ajuda de custo TIR (cláusula 60.ª), existia a referência ao regime de trabalho para os trabalhadores deslocados (cláusula 61.ª), a complemento salarial (cláusula 45.ª), a diuturnidades (cláusula 47.ª) e a formação profissional (cláusula 78.ª);
- no CCT publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 45, de 8/12/2019[[7]], além da retribuição (cláusula 44.ª), a ajuda de custo TIR (cláusula 64.ª) e a retribuição do regime específico de trabalho dos motoristas (cláusula 61.ª), podem ser devidas, entre outras, diuturnidades (cláusula 46.ª); o complemento salarial (cláusula 59.ª); subsídio de trabalho nocturno (cláusula 63.ª); subsídio de férias (cláusula 51.ª); subsídio de Natal (cláusula 52.ª); e formação profissional (cláusula 85.ª);
- também no CCT publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 5, de 8/02/2023[[8]], além da retribuição (cláusula 44.ª), a ajuda de custo TIR (cláusula 64.ª) e a retribuição do regime específico de trabalho dos motoristas (cláusula 61.ª), podem ser devidas, entre outras, diuturnidades (cláusula 46.ª); o complemento salarial (cláusula 59.ª); subsídio de trabalho nocturno (cláusulas 62.ª ou 63.º); subsídio de férias (cláusula 51.ª); subsídio de Natal (cláusula 52.ª); e formação profissional (cláusula 85.ª).
Confrontando a alegação do autor com os referidos contratos colectivos verifica-se que estão alegados os factos essenciais nucleares para que se possa decidir pela aplicação de cada uma das referidas cláusulas. Saber-se se o autor tem direito a todo o montante peticionado já será julgamento de mérito, que não tem cabimento na apreciação da ineptidão da petição.
Pode dizer-se, por isso, que a causa de pedir existe (no sentido de se terem alegado os factos essenciais nucleares) e é perceptível, por referência aos direitos invocados (pois não se pretende, por exemplo, o pagamento de trabalho suplementar ou nocturno, caso em que seria necessário a alegação de outros factos essenciais, com as horas efectivamente trabalhadas).
De resto, o ónus de alegação e prova do pagamento de todos os componentes retributivos em conformidade com o que decorre das referidas convenções colectivas caberá à ré (e, se necessário, caso estejam alegados os factos essenciais nucleares da excepção do pagamento, poderá/deverá convidar-se a ré a concretizar a alegação dos factos complementares dessa excepção). O autor não tem que provar que não se encontra pago, apenas lhe cabe a prova dos factos constitutivos do direito à retribuição que afirma assistir-lhe, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil (podendo consultar-se neste sentido, entre muitos outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/06/2003, processo n.º 02S3701[[9]] e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/10/2020, processo n.º 4925/17.6T8OAZ.P1[[10]]).
A outra questão a apreciar prende-se, como se aponta a decisão recorrida, na forma como o autor introduziu o pedido.
No entanto, não se pode dizer que falte a indicação do pedido, pois não existem dúvidas sobre o resultado que o autor pretende com a demanda: visa o autor a condenação da ré a pagar-lhe uma determinada quantia.
E, tendo presente o artigo 18.º da PI (coincidente com o valor da acção que foi indicado), parece claro que o autor pretende a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 27.241,15€.
Insurge-se a ré pela circunstância de o autor ter elencado uma série de parcelas no pedido, sem concretizar cada uma delas. De resto, na decisão recorrida disse-se que o autor “apenas se limitou a indicar o seu valor global, não concretizando, em qualquer das alíneas do pedido, qual o valor concreto e individualizado de cada uma das parcelas, o que impossibilita o julgador de dar cumprimento ao artigo 609.º, n.º 1 do CPC.”.
A introdução da “tabela” na PI não ajudou a esclarecer a intenção do autor. Apenas se sabe qual o valor pretendido pela formação profissional em falta (total de 940,00€), mas as demais linhas e números desses quadros não permitem chegar a qualquer discriminação detalhada sobre cada uma das reivindicações específicas. Existem várias rúbricas sem identificação, algumas repetições e outras deficiências que tornam difícil a sua compreensão.
No entanto, existe jurisprudência corrente e pacífica (nas palavras de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa[[11]]) no sentido de que “o que releva para identificar a questão jurídica submetida a juízo é o pedido indemnizatório global, funcionando os pedidos parcelares como simples fundamentos daquela pretensão” (nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/03/2007, processo n.º 06B3261[[12]]).
Partindo dessa posição, pode dizer-se que o Tribunal terá como limite da condenação (de todas e de cada uma das parcelas do pedido) o valor global peticionado. E este valor global é, no caso concreto, de indicação certa e inequívoca.
A falta de consideração no pedido do autor de todos montantes já pagos pela ré a título de cada uma das indicadas rúbricas, ou mesmo, a falta de consideração de que o montante acordado no contrato se tratava de montante ilíquido (sujeito aos obrigatórios descontos legais em sede de impostos e contribuições para a Segurança Social) e o montante pago pela ré seria líquido ou, ainda, a falta de consideração dos eventuais descontos legalmente prescritos (como uma penhora, a que se alude num dos documentos apresentados pelo autor) apenas releva ao nível da procedência do pedido global (e, eventualmente, em sede de apreciação de uma possível litigância de má fé), mas não pode dizer-se que falta o pedido ou que este é ininteligível.
Ora, sendo a petição deficiente, impunha-se o convite para se aperfeiçoar a mesma.
De resto, nas palavras de Paulo Ramos de Faria e Nuno de Lemos Jorge[[13]], a crescente utilização do convite ao aperfeiçoamento “é o reflexo da qualidade da articulação dos factos nas ações instauradas perante os nossos tribunais. E à medida que a intervenção do juiz se vai tornando mais assistencialista, menos empenhada se tem revelado a atuação das partes na rigorosa satisfação do ónus de alegação dos factos necessários à procedência da ação ou de uma exceção”.
E essa falta de empenho do autor foi, no caso, bem patente. É que o convite para o aperfeiçoamento da petição já foi feito (despachos de 2/07/2024 e de 24/09/2024). Não se vislumbra, em face da repetida desconsideração da oportunidade que lhe foi concedida, que o autor possa esperar ou exigir novo convite a esse nível (como parece pretender no ponto XXXII das suas conclusões).
Não sendo, no entanto, a petição inepta, apenas se deverá revogar o despacho recorrido (não cabendo a este Tribunal ad quem, em face do objecto do recurso, substituir-se ao Tribunal a quo na análise do mérito da pretensão do autor ou da suficiência da alegação da excepção do pagamento por parte da ré).
Conforme estabelecido no artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a regra geral na condenação em custas é a de condenar a parte vencida. E havendo uma parte vencida não se passa ao critério subsidiário que é o da condenação em custas de quem tira proveito do recurso.
Assim, as custas do recurso ficarão a cargo da ré/apelada.
Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, em conformidade, revoga-se o despacho recorrido de 13/01/2025.
Condena-se a ré/apelada nas custas do recurso.
Notifique-se.