CADUCIDADE
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
FACTO INSTANTÂNEO
MUDANÇA DE LOCAL DE TRABALHO
Sumário

Sumário elaborado pela relatora:
I- Se no processo comum laboral os autos fornecerem os elementos necessários ao conhecimento da exceção da caducidade do direito à resolução contratual pelo trabalhador e tiver sido devidamente assegurado o contraditório sobre tal exceção, deve a mesma ser imediatamente decidida no despacho saneador.

II- Para se analisar se o trabalhador cumpriu o prazo de caducidade de 30 dias previsto no n.º 1 artigo 395.º do Código do Trabalho, importa classificar a conduta imputada ao empregador, designadamente importa aquilatar se está em causa um facto instantâneo, um facto continuado ou um facto instantâneo com efeitos duradouros

III- A mudança de local de trabalho, é um facto instantâneo.

IV- Para se aferir se os efeitos deste facto instantâneo são suscetíveis de agravamento com o decurso do tempo, há que analisar se o trabalhador quando tomou conhecimento da mudança do local de trabalho estaria em condições de ajuizar as implicações dessa mudança no devir do contrato.

V- Se as consequências da mudança de local de trabalho não se tornaram cognoscíveis apenas com o passar do tempo, porquanto já eram identificáveis aquando do conhecimento da mudança de local de trabalho, a contagem do prazo de caducidade de 30 dias iniciou-se no momento em que o trabalhador tomou conhecimento da conduta do empregador.

Texto Integral

P.3505/24.4T8STB.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1


I. Relatório


AA intentou ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra Prosegur – Companhia de Segurança, Lda., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia global de € 19.704,23, acrescida de juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.


Alegou, em breve síntese, que foi contratado como trabalhador subordinado da Ré, em 23-10-2003, para exercer as funções inerentes à categoria de Vigilante, mas, por carta datada de 29-06-2023, resolveu o contrato de trabalho com fundamento em justa causa, devido à mudança injustificada do seu local de trabalho, unilateralmente decidida pelo empregador. Na sequência, reclamou o direito a uma indemnização correspondente a três meses de retribuição base. Igualmente se arrogou titular do direito ao recebimento da quantia de € 998,03 pela formação não ministrada e, ainda, da quantia de € 1.701,09 que lhe foi injustificadamente descontada no acerto de contas pela cessação do contrato, a título de falta de aviso prévio, por a Ré ter considerado que a relação contratual cessou por denúncia do trabalhador.


Lograda a tentativa de solucionar amigavelmente o litígio, veio a Ré contestar, invocando a caducidade do direito à resolução do contrato de trabalho e a existência de acordo quanto à mudança de local de trabalho.


O Autor respondeu.


Em 02-12-2024 foi proferido saneador-sentença, contendo o seguinte dispositivo:


«Face ao exposto, julgando a procedência parcial da ação:


1. Condeno a R. a pagar ao A. a quantia global de 998,00 €, acrescida dos juros de


mora, contados à taxa supletiva legal, desde a data da cessação do contrato e até efetivo e


integral pagamento;


2. Absolvo a R. quanto ao demais pedido contra si pelo A.


*


Custas a cargo de A. e R., na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo da isenção de que goza o A., nos termos do disposto no art. 4º, n.º 1, h), do RCP, que, contudo,


não abrange as custas de parte, atenta a exceção contida no seu n.º 7.»


Consigna-se que o valor da ação foi fixado em € 19.704,23.


-


O Autor interpôs recurso da sentença, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões:


«1 – O recurso é interposto da sentença proferida pelo Exmo Senhor Juiz “a quo”, que absolveu a recorrida quase da integralidade dos pedidos formulados pelo A., concluindo pela caducidade do direito do A. de resolver o contrato de trabalho e, também, pela inexistência de justa causa de resolução do contrato de trabalho por facto ilícito e culposo imputável à recorrida.


2 - Em 1 de Outubro de 2022 a recorrida alterou o local de trabalho do A. de Setúbal para Lisboa, sendo que em 3 de Julho de 2023, este resolveu o seu contrato de trabalho, conforme comunicação junta aos autos e transcrita na sentença “sub judicio”.


3 - Na resolução o A. explicou porque suportou os cerca de 9 meses desde que a mudança lhe foi imposta: A agravar, nunca me foi pago, ou proposto pagar, qualquer montante relativo a este acréscimo de custos e horas despendidas na deslocação, o que me causa sérios prejuízos pessoais e patrimoniais.


4 - Mais, conforme alegado nos artºs 14º, 15º, 16º e 17º da P.I., explicou que a sua dependência económica da Ré, a ter ao seu cuidado uma filha menor e a Mãe dependente, que exigiam a sua presença e atenção contínuas. Assim, perante esta sensível situação financeira e pessoal, o A. foi aguentando a situação, até que as circunstâncias se tornaram insustentáveis, até do ponto de vista anímico e psicológico.


5 - Como o processo foi decidido sem julgamento o A. ficou impedido de provar estes factos e aqueles que conexos e acessórios a eles, justificassem o adiamento da resolução e deveriam implicar a conclusão da não caducidade do seu direito a resolução do contrato.


6 - O trabalhador tinha uma antiguidade significativa (20 anos) na maior e melhor empresa de vigilância privada a operar em Portugal, com mais de 6.000 funcionários e em todo o mundo mais de 160.000!!


7 - O trabalhador explicou ter chegado a um nível se saturação que não conseguia ultrapassar, tendo uma filha menor e a sua Mãe com deficiência a ser cargo...


8 - Parece absolutamente humano ele ter tentado manter o posto de trabalho, mas o seu esforço físico e psicológico ter chegado a um limite, a um ponto de não retorno (pela persistência de uma situação imprópria), que não surgiu imediatamente em Outubro de 2022.


9 - Depois, a posição do recorrente tem respaldo na nossa jurisprudência - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21/10/2021, Processo 2284/20.9T8BRG-A.G1, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/06/2024, Processo 2015/22.9T8CTB.C1 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04/04/2022, Processo 3191/20.0T8MTS-A.P1.


10 - Sem margem para qualquer dúvida, a apreciação da exceção da caducidade está diretamente ligada com a apreciação do mérito da causa e consequentemente com a prova a produzir, pelo que necessariamente tinha de ser relegado o seu conhecimento para a decisão final.


11 - Por fim, a questão da resolução não tem tanto a ver com a distância absoluta entre os dois locais de trabalho, mas o tempo e custos da deslocação.


12 - Com a ida para Lisboa para a sede da Ré (na Av. ..., 326), passaria a fazer 40 km e a demorar 45 minutos, nem parece grande diferença e o Senhor Juiz “a quo” até desvalorizou as alterações. Eram mais 20 km por dia, mais 30 minutos por dia, ou seja, mais 400 km/mês e mais 11 horas perdidas em deslocações. Os 400 Km num automóvel que consuma uma média de 7 litros aos 100km, são mais 28 litros de gasolina x 1,70 € = 47,60 €/mês. As portagens passavam a ser de 2,95 € x 2 x 22 dias = 129,80 €


13 - Assim, o A. para Lisboa não poderia ir no seu automóvel, tinha que circular em transportes públicos, que demoravam cerca de 1h30 (x 2)...


14 - Depois, da Baixa da Banheira para Setúbal o trânsito não é significativo, enquanto que a ida para Lisboa era terrífica, com a travessia da Ponte 25 de Abril. Mais, o A. não tinha onde estacionar em Lisboa... que não fosse a pagar valores que rondavam os 2,00 €/hora.


15 - A retribuição mensal líquida do A. era de cerca de 800,00 €, pelo que estas aparentemente pequenas diferenças poderiam ser a dissemelhança entre a vida e a morte (financeira do seu agregado familiar).


16 - O A. foi aguentando... a persistência dos problemas matou a resiliência.


Nestes termos, e nos melhores de Direito, deverá o presente recurso proceder, sendo revogada a sentença recorrida, que deverá ser substituída por Acórdão que ordene o prosseguimento dos autos, tal como supra expresso, assim se fazendo JUSTIÇA!»


-


Contra-alegou a Ré, propugnando pela improcedência do recurso.


-


A 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.


-


Já na Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.


Não foi oferecida resposta.


O recurso foi mantido e mostram-se colhidos os vistos legais.


Cumpre apreciar e decidir.


*


II. Objeto do Recurso


É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).


Em função destas premissas, importa analisar e decidir se o tribunal a quo errou ao conhecer no despacho saneador da exceção da caducidade do direito à resolução contratual.


*


III. Matéria de Facto


A 1.ª instância julgou provados os seguintes factos (que não foram impugnados):


1. O A. foi contratado como trabalhador da Ré, em 23 de Outubro de 2003, para diversos postos de trabalho de vigilante na Câmara Municipal de Cascais.


2. Desempenhou, sob as ordens, direção e fiscalização da R. as funções inerentes a Segurança Privado, com a categoria de Vigilante.


3. O seu último salário ilíquido ao serviço da R. foi de 864,96 €, acrescido do respetivo subsídio de refeição diário, no valor de 6,68 €.


4. O A. desempenhou as suas funções em Lisboa e em Setúbal.


5. O A. ficou sujeito a um período normal de trabalho de 8 (oito) horas diárias e 40 (quarenta) horas semanais, com o horário que foi sendo fixado pela sua entidade patronal, em escalas mensais unilateralmente fixadas pela R.


6. Por carta datada de 29 de Junho e rececionada pela R. em 3 de Julho de 2023, o A. comunicou à R. a resolução do seu contrato de trabalho, quando se encontrava a laborar na delegação da Prosegur, sita em Lisboa, pelos seguintes fundamentos:








7. O A., trabalhava há cerca de 8 anos na delegação em Setúbal da R.


8. O A. reside na Rua 1, ... Baixa da Banheira.


9. A 01/10/2022, R. decidiu alocar o A. ao serviço na sua delegação em Lisboa.


10. Nessa data, o A. tinha ao seu exclusivo cuidado, uma filha menor e a sua mãe, idosa, doente e de parcos rendimentos.


11. A R., no acerto de contas finais, descontou ao A. a quantia de 1.701,09 €, por conta do pré-aviso de 60 dias não observado por este.


12. A R é uma sociedade comercial que, dentro do seu objeto social, tem como atividade a prestação de serviços de segurança privada a terceiros clientes, designadamente a prestação de serviços de vigilância humana e de receção, monitorização e resposta a sinais de alarmes.


13. Foi aplicada ao A. por parte do superior hierárquico para efeito de pronúncia, a aplicação das seguintes sanções disciplinares:


- Repreensão Registada, que passou a constar do processo individual, aplicada no dia 03 de outubro de 2022, em função do incumprimento registado no dia 15 de agosto de 2022;


- Repreensão Registada, que passou a constar do processo individual, aplicada no dia 03 de outubro de 2022, em função do incumprimento registado no dia 25, 26, 27 e 28 de agosto de 2022.


14. A diferença da distância, em kms entre a residência do A. (Baixa da Banheira) a Setúbal da R, comparativamente, com a distância entre a mesma residência do A. à sede da R. em Lisboa (Avª ...), é de, respetivamente, 8 km.


15. A distância tempo da residência do A. até Setúbal, são 27 minutos de carro, e 52 minutos de transportes públicos, e da residência do A. até à sede de Lisboa da R., são 36 minutos de carro e 1 hora e meia de transportes públicos.


16. Através do contrato de trabalho firmado entre A. e R. foi estabelecido:





*


IV. Enquadramento jurídico


Conforme referimos supra importa apreciar e decidir se o tribunal a quo errou ao conhecer no despacho saneador da exceção da caducidade do direito à resolução contratual.


Analisemos, pois.


Os presentes autos seguem a forma de processo comum, mostrando-se aplicáveis as normas constantes dos artigos 51.º a 78-º-A do Código de Processo do Trabalho e, subsidiariamente - por remissão prevista no artigo 1.º, n.º2, alínea a), do mesmo diploma - as normas do Código de Processo Civil


Da conjugação dos artigos 61.º e 62.º do aludido compêndio legal, resulta inequívoco que o se o processo contiver todos os elementos necessários e a simplicidade da causa o permitir, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, o juiz, findos os articulados, pode, de imediato, julgar procedente alguma exceção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer, ou decidir do mérito da causa.


A caducidade do direito à resolução contratual constitui uma exceção perentória, uma vez que impede o efeito jurídico dos factos alegados pelo autor – artigo 576.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.


A sua apreciação insere-se no conhecimento sobre o mérito da causa – cf. Recursos no Novo Código de Processo Civil, de António Abrantes Geraldes, Almedina-2013, p. 152.


Cita-se, a propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-04-2024 (Proc. n.º 200/22.2T8MCN.P1.S1), acessível em www.dgsi.pt:


«I – A decisão sobre a procedência ou improcedência de uma exceção perentória constitui conhecimento do mérito da causa para efeitos da previsão do nº 1 do artigo 671º do Código de Processo Civil (independentemente do prosseguimento da lide), habilitando por isso a interposição do recurso de revista.»


É, assim, indubitável que o tribunal a quo poderia conhecer da invocada exceção da caducidade no despacho saneador, desde que os autos comportassem os elementos necessários para o efeito, a simplicidade da causa o permitisse e tivesse sido assegurado o direito ao contraditório sobre a aludida exceção.


Neste sentido, cita-se o Acórdão da Relação de Guimarães de 21-10-2021 (Proc. n.º 2284/20.9T8BRG-A.G1), consultável em www.dgsi.pt:


«I- O despacho saneador destina-se, além do mais, a conhecer imediatamente do mérito da causa e, consequentemente, de alguma exceção perentória deduzida, por razões de economia processual, sempre que o estado da causa o permitir, sem necessidade da produção de mais provas.»


Vejamos, então.


Em concreto, ou seja nos autos, após o oferecimento da contestação, na qual foi alegada a caducidade do direito à resolução do contrato de trabalho e a existência de acordo quanto à mudança de local de trabalho, foi prolatado despacho, em 07-10-2024, com o seguinte teor:


«Considerando que a R. se defende por exceção perentória de caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho, podendo, eventualmente, o tribunal conhecer dessa questão em sede de despacho saneador, e não tendo data próxima disponível em agenda para a realização de audiência prévia – momento onde, na falta de articulado de resposta, o contraditório seria exercido (art. 3º, n.º 4, do CPC, e art. 60º, n.º 5, do CPT) –, adequando formalmente o processo, e em ordem a assegurar o exercício do contraditório, entendo conceder ao A. o prazo de 10 dias para que, querendo, se pronuncie quanto à arguida exceção.


De igual modo, e uma vez que a R. se defende por exceção, ao alegar que a mudança de local de trabalho/posto de trabalho resultou do acordo das partes (não tendo sido uma decisão unilateral do empregador), deve, ainda, o A. aproveitar este ensejo, para se manifestar quanto àqueles factos impeditivos da formação do direito de que se arroga.


Face ao exposto, e nos termos do disposto no art. 3º, n.º 3, do CPC, notifique o A. para, em 10 dias, querendo, se pronunciar quanto às arguidas exceções perentórias de caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho e de existência de acordo entre A. e R. na mudança do local de trabalho/posto de trabalho.»


Resulta, pois, manifesto que o tribunal a quo informou da possibilidade de vir a conhecer a exceção da caducidade invocada no despacho saneador, tendo convidado o Autor a exercer o contraditório em relação à mesma.


O Autor exerceu o contraditório.


Após, foi proferida a decisão recorrida.


Importa, assim, apreciar se os autos forneciam os elementos necessários para a apreciação da caducidade do direito à resolução do contrato de trabalho.


É consabido que o contrato de trabalho pode cessar por iniciativa do trabalhador com fundamento em justa causa - artigos 340.º, alínea g), e 394.º do Código do Trabalho.


A resolução do contrato com fundamento em justa causa tem de ser comunicada ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos – artigo 395.º, n.º 1, do Código do Trabalho.2


Este prazo de 30 dias assume-se como um prazo de caducidade – cf. Acórdão da Relação de Coimbra de 14-06-2024 (Proc. n.º 2015/22.9T8CTB.C1), consultável em www.dgsi.pt.


Conforme escreveu Joana Vasconcelos em anotação ao artigo 395.º, in Código do Trabalho Anotado, de Pedro Romano Martinez e outros, Almedina, 2020, 12.ª edição, pág.910:


«A observância pelo trabalhador dos requisitos de natureza procedimental previstos no n.º 1 do presente preceito – forma escrita, indicação sucinta dos factos que em seu entender são de molde a constituir justa causa (…) e prazo – constitui condição de licitude da resolução, pois dela depende a atendibilidade dos factos invocados para justificar a imediata cessação do contrato.»


Acresce referir que numa ação em que o trabalhador pede que seja reconhecida a licitude da justa causa de resolução do contrato de trabalho por si operada, apenas são atendíveis os factos que, na comunicação escrita oportunamente endereçada ao empregador, tenham sido invocados pelo trabalhador como fundamento da resolução – cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29-11-2022 (Proc. n.º 1591/18.5T8CTB.C3.S1) e de 29-10-2014 (Proc. n.º 1930/05.9TTPRT.P1.S1), publicados em www.dgsi.pt.


Dito de outro modo, a petição inicial não serve para alegar factos que visem fundamentar a justa causa e que não foram expressamente indicados na carta de comunicação da resolução contratual enviada para o empregador com o objetivo de pôr termo ao contrato – artigo 398.º, n.º 3 do Código do Trabalho.


Posto isto, atentemos ao conteúdo da carta de resolução do contrato remetida ao empregador – cf. ponto 6 da fundamentação de facto.


Resulta do texto da missiva que o trabalhador afirmou que a mudança de local de trabalho da delegação de Setúbal para a sede da empresa em Lisboa, imposta, sem justificação e desde 01-10-2022, pelo empregador, implicou «um acréscimo muito significativo da distância, tempo e custos de deslocação, em viatura própria (…) passando a percorrer distâncias de cerca de 90 Km, em totais de 1h30 horas diárias (total trajeto ida para e regresso de trabalho), quando antes percorria uma distância de cerca de 30 Km, que fazia em cerca de 25 minutos, da minha residência para o meu local de trabalho.»


Mais declarou:


«A agravar, nunca me foi pago, ou proposto pagar, qualquer montante relativo a este acréscimo de custo e horas despendidas na deslocação, o que me causa sérios prejuízos pessoais e patrimoniais.»


Acrescentou também:


«Além destes danos, como vos foi dado conhecimento, tal transferência do meu local de trabalho afeta em larga medida a minha situação pessoal, perturbando de forma drástica a assistência que tenho de prestar à minha filha menor, cujas responsabilidades parentais são exercidas por mim em exclusivo e, ainda, à minha mãe que comigo reside, com variadíssimos problemas de saúde, com uma deficiência e grau de incapacidade atestados de 79%, necessitando de apoio e vigilância continuados.»


Tendo concluído:


«Ora, tais prejuízos pela sua gravidade e consequência também são considerados justa causa de resolução do meu contrato de trabalho.»


A carta de resolução data de 29-06-2023 e foi rececionada pelo empregador em 03-07-2023.


Quid júris?


Infere-se da mencionada carta que o facto que provocou a declarada resolução contratual foi a mudança de local de trabalho para a sede em Lisboa, ocorrida em 01-10-2022, unilateralmente decidida pelo empregador, que implicou um acréscimo de tempo e dispêndio de dinheiro nos percursos entre a residência do trabalhador e o local de trabalho, sem qualquer compensação monetária, e que perturbou «de forma drástica» o exercício das responsabilidades parentais e familiares do trabalhador.


Ora, para se analisar se o trabalhador cumpriu o prazo de caducidade de 30 dias previsto no n.º 1 artigo 395.º do Código do Trabalho, importa classificar a conduta imputada ao empregador, designadamente importa aquilatar se está em causa um facto instantâneo, um facto continuado ou um facto instantâneo com efeitos duradouros – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2025 (Proc. n.º 2015/22.9T8CTB.C1.S1) e Acórdão da Relação de Évora de 13-07-2022 (Proc. n.º 3295/19.2T8STR.E1), ambos consultáveis em www.dgsi.pt.


Se estiver em causa um facto instantâneo e uno, em que há apenas uma conduta executada num determinado momento/data, o prazo de 30 dias inicia-se no momento em que o trabalhador toma conhecimento da conduta.


Estando em causa um comportamento do empregador continuado, isto é que se perpetua no tempo, o prazo de caducidade apenas se inicia quando ocorrer o último ato violador do contrato de trabalho.


Por fim, se tiver ocorrido um facto instantâneo, mas cujos efeitos se prolongam no tempo, o prazo de 30 dias não se inicia no momento do conhecimento da materialidade dos factos, mas quando os mesmos assumem tal gravidade que, no contexto da relação laboral, tornam impossível a subsistência do contrato de trabalho.


Neste caso, o que releva é, pois, o momento em que o trabalhador fica ciente da gravidade dos factos e, consequentemente, da impossibilidade de subsistência da relação laboral.


No caso sub judice afigura-se-nos que estamos perante um facto instantâneo (mudança de local de trabalho ocorrida em 01-10-2022).


Mas, para se aferir se os seus efeitos são suscetíveis de agravamento com o decurso do tempo, seguindo o Acórdão da Relação do Porto de 17-11-2014 (Proc. n.º 739/12.8TTMTS-A.P1), acessível em www.dgs.pt, há que analisar se o trabalhador quando tomou conhecimento da mudança do local de trabalho estaria em condições de ajuizar as implicações dessa mudança no devir do contrato.


E a resposta parece-nos dever ser positiva.


Seguramente, em 01-10-2022 o trabalhador tomou conhecimento da mudança do seu local de trabalho.


Nessa data, o trabalhador tinha condições para se aperceber das concretas alterações que tal mudança introduziria no seu percurso casa-trabalho. Existem plúrimas fontes de informação sobre distâncias e transportes públicos entre dois locais, acessíveis a qualquer cidadão.3 Conhecendo o consumo médio do seu veículo automóvel também uma operação aritmética seria o meio adequado para calcular o aumento do custo caso se deslocasse em viatura própria. Quanto ao preço dos passes para os transportes públicos, os mesmos também são de fácil e público conhecimento.4


Quanto às responsabilidades parentais e vida familiar do trabalhador, salienta-se que na carta de resolução não é invocada qualquer alteração desde 01-10-2022 ou agravamento da situação pelo decurso do tempo.


Aliás, é o próprio trabalhador que dá a entender que a situação que existia na data em que a carta de resolução é escrita já existia antes, através da utilização da expressão «como vos foi dado conhecimento».


Sintetizando, as consequências da mudança de local de trabalho não se tornaram cognoscíveis apenas com o passar do tempo, porquanto já eram identificáveis aquando do conhecimento da mudança de local de trabalho.


Enfim, estando em causa um facto instantâneo, a contagem do prazo de caducidade iniciou-se no momento em que o trabalhador conheceu o facto (01-10-2022) e terminou decorridos 30 dias após esse momento (31-10-2022).


Sucede que a carta de resolução do contrato foi apresentada em 29-06-2023 e rececionada em 03-07-2023, isto é, 8 meses após o termo do prazo de caducidade.


Aquando da prolação do despacho saneador os elementos necessários ao conhecimento da exceção já constavam dos autos.


A questão a decidir era simples.


O contraditório tinha sido assegurado, como observámos supra.


Assim, o tribunal a quo decidiu, e bem, pela procedência da exceção da caducidade.


Não existe, pois, fundamento que a ação prossiga para a fase de julgamento com vista à produção de prova relacionada com a mencionada exceção.


Consequentemente, resta-nos concluir pela improcedência do recurso.


As custas do recurso devem ser suportadas pelo recorrente, nos termos previstos pelo artigo 527.º do Código de Processo Civil, sem prejuízo da isenção de que goza, nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea h), do Regulamento das Custas Processuais, que, contudo, não abrange as custas de parte, atenta a exceção contida no seu n.º 7.


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V. Decisão


Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.


Custas a cargo do recorrente, sem prejuízo da isenção de que goza, nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea h), do Regulamento das Custas Processuais, que, contudo, não abrange as custas de parte, atenta a exceção contida no seu n.º 7.


Notifique.


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Évora, 5 de junho de 2025


Paula do Paço


Filipe Aveiro Marques


Emília Ramos Costa

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1. Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Filipe Aveiro Marques; 2.ª Adjunta: Emília Ramos Costa↩︎

2. Não aludimos aos prazos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 395.º do Código do Trabalho porque não se aplicam ao caso concreto.↩︎

3. Por exemplo: Google Maps, Via Michelin e Rome2Rio.↩︎

4. Veja-se, por exemplo, o link: https://www.cp.pt/passageiros/pt/consultar-horarios/precos/assinaturas-passes-combinados-intermodais.↩︎