AÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO
ARECT
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
LEGITIMIDADE ACTIVA
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
Sumário

Sumário elaborado pela relatora:
I. Através das alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, aos artigos 2.º e 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, foi alargado o âmbito da aplicação da ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho às situações em que a estipulação de termo num contrato de trabalho vise iludir as disposições que regulam o contrato sem termo e quando o motivo justificativo da duração limitada do contrato seja insuficiente – alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 147.º do Código do Trabalho.
II. Pedindo-se na ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho que seja reconhecida a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e uma pessoa identificada, com início na data indicada, este pedido é perfeitamente inteligível.
III. Se a situação irregular que se visa corrigir por via desta ação respeitar a uma situação em que a estipulação de termo num contrato de trabalho vise iludir as disposições que regulam o contrato sem termo e/ou quando o motivo justificativo da duração limitada do contrato se revele insuficiente – alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 147.º do Código do Trabalho – não há qualquer contradição entre o pedido e a causa de pedir.
IV. O Ministério Público tem legitimidade ativa para interpor a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
V. Se a recorrente impugna a decisão de facto, mas não indica quais os pontos de facto que concretamente impugna, nem a decisão alternativa que pretende, e não menciona as passagens da gravação do depoimento da testemunha em que funda a sua discordância com o decidido, deve rejeitar-se a impugnação de facto.

Texto Integral

P. 1393/24.0T8TMR.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1


I. Relatório


O Ministério Público intentou a presente ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, prevista nos artigos 186.º-K e seguintes do Código de Processo do Trabalho, contra Pingo Doce Distribuição Alimentar, S.A., pedindo que seja reconhecida a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e AA, desde 02-10-2023.


Alegou, em breve síntese, que a Ré contratou AA para trabalhar como operadora de hipermercado/supermercado/loja ajudante, mediante um acordo escrito designado como «contrato de trabalho a termo certo», com a duração prevista para 6 meses. Todavia, a justificação para aposição do termo não é válida, pelo que o contrato deve ser considerado sem termo, ao abrigo do disposto no artigo 147.º, n.º 1, alíneas a) e c), do Código do Trabalho.


Contestou a Ré, invocando a inaplicabilidade da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, o erro na forma de processo, a ineptidão da petição inicial, e a ilegitimidade do Ministério Público. Pugnou, ainda, pela absolvição do pedido atenta a validade do contrato de trabalho celebrado.


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Em 11-01-2025, foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual se apreciou:


- a exceção do erro da forma do processo (na qual se incluiu a invocada inaplicabilidade desta forma de processo especial), decidindo-se pela sua improcedência;


- a nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, que foi julgada improcedente;


- a alegada ilegitimidade do Ministério Público, que soçobrou.


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O processo seguiu para julgamento e, após, foi proferida sentença, contendo o seguinte dispositivo:


«Pelos fundamentos expostos, julga-se a presente ação totalmente procedente, por provada e, em consequência, reconhece-se a existência de um contrato de trabalho sem termo celebrado entre a Ré PINGO DOCE – Distribuição Alimentar S.A. e AA, fixando-se a data do seu início em 2 de outubro de 2023.


*


Valor: 2000€ (cfr. art. 186º-Q, n.º 1 do CPT e art. 12º, n.º 1, al. e) do RCP).


Custas pela Ré


Comunique ao trabalhador, à ACT e ao ISS, nos termos do art. 186.º-O n.º 9 do CPT.


Registe, notifique.»


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A Ré interpôs recurso desta decisão, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões:


«1. A douta sentença recorrida pronunciou-se pelo reconhecimento de existência de contrato de trabalho sem termo relativamente à trabalhadora aí melhor identificada.


2. Nos presentes autos mostra-se igualmente proferido douto despacho saneador que conheceu e indeferiu as exceções alegadas pela Recorrente em sede de Contestação/Oposição, atendendo ao disposto no art. 644.º, n.º 3 do CPC, aplicável ex vi art. 1.º, n.º 2, al. a) do CPT, a decisão proferida em saneador, que não se integre nos números anteriores é recorrível com o recurso da decisão final, o que se fará.


3. A sentença ora em crise incorreu em erro na interpretação e aplicação de Direito, mostrando-se, assim, carecida de retificação.


4. A Recorrente mostra-se condenada em ação especial de reconhecimento de existência de contrato de trabalho, nos termos do disposto no art. 15.º A, da Lei 107/2009 e do disposto nos arts. 186.º K e ss do CPT. Nestes autos o MP atua na qualidade de autor ao abrigo do disposto no art. 186.º K do CPT.


5. Dispõe o art. 15.º A, da Lei 107/2009, remetendo para o art. 2.º, nºs 3 e 4, e para os arts. 12.º, 12.º A, 147.º, 175.º e 180.º do CT, que caso a ACT, detete situação em que uma pessoa presta atividade para outra, que dela beneficia, com características de contrato de trabalho, sem que o mesmo exista, deverá elaborar participação para o MP para que inicie a ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho.


6. Afigura-se inequívoco ser pressuposto essencial para recurso à ação especial a deteção pela ACT de prestação de atividade de uma pessoa para outra, que dela beneficia, e ausência de contrato de trabalho, mais dispõe o art. 2.º, n.ºs 2 e 3 da Lei 107/2009, que a ACT age quando verificar indícios de falta de comunicação de admissão do trabalhador à Segurança Social, em situações de prestação de serviço enquanto empresário em nome individual, ou como sociedade unipessoal, ou em situações de trabalho temporário.


7. Nenhuma das situações/indícios previstos no art. 2.º, n.ºs 2 e 3 da Lei 107/2009, ocorre na situação de facto da trabalhadora identificada nos autos, inexistindo necessidade de intervenção da ACT e, consequentemente da instauração de qualquer ação pelo MP, tanto mais que resulta de modo inequívoco da douta Petição Inicial, a R. celebrou, com a trabalhadora identificada, contrato de trabalho a termo certo.


8. Soçobrando assim, a possibilidade de recurso à ação especial a qual, sendo procedente, determina a prolação de sentença nos termos do disposto no art. 186.º O, n.º 8 do CPT, que afirma que “a sentença que reconheça a existência de um contrato de trabalho fixa a data de início da relação laboral”, o que nos presentes autos não se mostrava carecido de reconhecimento, mostrando-se a sentença, sub judice, desprovida de utilidade e sem qualquer efeito no vínculo contratual laboral estabelecido entre a Recorrente e a trabalhadora.


9. A Recorrente celebrou com a trabalhadora contrato de trabalho a termo, cumprindo integralmente os requisitos do disposto no art. 141.º do CT, tendo comunicado à Segurança Social a admissão daquela, pelo que dúvidas não subsistem quanto ao vínculo laboral celebrado entre a Recorrente e a trabalhadora, não se vislumbrando que indícios do art. 2.º, n.ºs 2 e 3 da Lei 107/2009, poderão encontrar-se presentes nos autos que justifiquem o recurso à ação especial.


10. Acresce que a necessária conjugação com o art. 12.º A, n.º 10 do CT aponta para o recurso à ação especial pela presunção de laboralidade em prestação de atividade em plataformas digitais, nos termos do art. 12.º A do CT.


11. Face à clareza da redação do art. 12.º A do CT, afigura-se não existir qualquer possibilidade de interpretação que afaste a aplicabilidade do artigo em apreço a pessoas singulares ou coletivas que atuem na área das plataformas digitais.


12. A Recorrente, reconhecidamente, não atua na área das plataformas digitais, estando o seu objeto social devidamente demonstrado e esclarecido nos autos, soçobrando, assim, outro indício/critério que permita o recurso à ação especial.


13. A ação especial tem origem na Lei 63/2013, que teve por escopo: “Instituição de mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado - primeira alteração à Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, e quarta alteração ao Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro”.


14. A este propósito produziu-se já basta jurisprudência no sentido de esclarecer que está em causa o combate aos falsos recibos verdes, veja-se a este propósito o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 5 de Julho de 2015, nos autos de processo n.º 859/14.4T8CTB.C1, que teve como relator, o senhor juiz Desembargador Ramalho Pinto, disponível para consulta em www.dgsi.pt, com o link https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/70a094108ac54c0 380257e45004e7417?OpenDocument, supra transcrito e que aqui se dá por reproduzido.


15. No que respeita ao art. 12.º A do CT, para o qual, atualmente remete o art. 15.º A da Lei 107/2009, resulta do entendimento de aplicação da referida ação especial ao vínculo estabelecido por plataformas digitais, o que supra se afastou definitivamente, afigurando-se assim, plenamente demonstrada, contrariamente ao afirmado pelo douto Tribunal a quo, em sede de despacho saneador, a inaplicabilidade da ação especial para reconhecimento de existência de contrato de trabalho ao caso concreto, não obstante a expressa menção do art. 2.º, n.º 4, da Lei 107/2009.


16. A referida remissão do n.º 4 do mencionado artigo não encontra, qualquer suporte processual na ação especial prevista no art. 186.º K do CPT, porquanto, como supra se deixou explanado, nenhum efeito útil da sentença a proferir, nos termos em que a mesma se encontra prevista se retiram para o pedido em apreço. Nem o poderia fazer em face da especificidade da ação especial para reconhecimento de existência de contrato de trabalho, num caso em que o mesmo já existe.


17. A discussão da validade do termo aposto não encontra qualquer sustentação na ação especial, sequer os meios de prova se compadecem com a tramitação específica, ou se confundem com a demonstração da existência de contrato de trabalho, que a Recorrente expressamente reconhece existir, tendo cumprido com todas as obrigações legais. Revelando-se, assim, a ação especial prevista no art. 186.º K do CPT, incompatível com o tipo/forma de processo utilizado.


18. Em face do supra exposto, não se mostra a ação especial para reconhecimento de existência de contrato de trabalho o meio processual adequado ao objetivo da ação em apreço, porquanto o pedido reconduz-se à discussão da validade ou invalidade do termo aposto no respetivo contrato de trabalho e não sobre a existência, ou não, de vínculo laboral sustentado em contrato de trabalho entre as partes.


19. Ao lançar mão da ação especial o MP beneficia por um lado de uma ação urgente, e especial, e por outro, atendendo à tramitação especial coarta uma diligência essencial do processo comum, qual seja a realização de audiência de partes e a consequente tentativa de conciliação.


20. A discussão da validade do termo não cabe, nem se adequa à tramitação especial e urgente da ação prevista nos arts. 186.º K e ss do CPT. Pelo que ocorrendo erro na forma de processo e não se afigurando possibilidade do aproveitamento dos atos já praticados, em função da diferente tramitação processual e pressupostos de demonstração factual diversos para a existência de contrato ou debate sobre a validade do termo, deveria o douto Tribunal a quo ter determinado a absolvição da Recorrente do pedido por nulidade dos autos.


21. Lançar mão de meio processual especial com vista à declaração de existência de contrato de trabalho, afirmando a sua existência, torna o pedido ininteligível, o que determina a necessidade de declaração de ineptidão da petição inicial e sua consequente nulidade.


22. Conforme decorre do art. 186.º, n.º 2, als. a) e b), do CPC, aplicável ex vi art. 1.º, n.º 2, al. a) do CPT, diz-se inepta a petição inicial na qual seja ininteligível o pedido ou a causa de pedir, ou em que o pedido esteja em contradição com a causa de pedir, nesse sentido, veja-se o Acórdão da Veneranda Relação de Lisboa, proferido em 23 de Novembro de 2023, nos autos de processo n.º 643/22.1T8LRS.L1-2, que teve como relator o senhor juiz Desembargador José Manuel Monteiro Correia, disponível para consulta em www.dgsi.pt, com link de acesso https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/34e9995f35fa3c0880258a7b0038d002?OpenDocument, supra transcrito e que aqui s dá por integralmente reproduzido.


23. Mal andou o douto Tribunal a quo, ao indeferir a exceção alegada na qual se pugnou pela invalidade da douta Petição Inicial com fundamento de ininteligibilidade e contradição na circunstância de na mesma se pedir o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, afirmando-se ab initio a existência de tal contrato de trabalho. Não se vislumbrando nexo lógico em pedir o reconhecimento de existência de algo cuja existência se reconhece.


24. Muito menos se mostrando inteligível lançar mão de uma ação especial cujo pressuposto essencial é a inexistência de um vínculo laboral sustentado num contrato de trabalho, afirmando a existência do mesmo.


25. Nos autos foi igualmente indeferida a exceção de ilegitimidade do MP alegada pela Recorrente, crendo-se que também aqui se verifica erro na interpretação e aplicação do Direito, porquanto os presentes autos foram instaurados ao abrigo do disposto no art. 186ºK do CPT, que determina a legitimidade, e mesmo a obrigação, do MP instaurar ação especial para reconhecimento de existência de contrato de trabalho.


26. A discussão da validade do termo, não se encontra prevista na ação especial, reitera-se, não obstante a aparente remissão do art. 2.º, n.º 4 da Lei 107/2009. Não se encontrando a discussão de cláusulas contratuais de contrato de trabalho válido, celebrado entre privados, no escopo da ação especial.


27. A ação especial tem por base a prossecução de interesses de carácter público, pelo MP, no exercício da sua função de garante da legalidade, com tal ação prossegue-se fins de interesse e ordem pública, nomeadamente, como resulta da Lei 63/2013, a “Instituição de mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado”. Tanto assim é que o trabalhador não é parte na ação, sendo o seu interesse, na mesma, irrelevante para o instaurar e desfecho da ação. Neste sentido, o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 5 de Julho de 2015, supra citado e transcrito, e para o que aqui releva, os pontos II a IV, supra transcritos e que aqui se dão por reproduzidos.


28. Dúvidas não subsistem que o titular da legitimidade na ação especial em apreço é o MP, porém, a ação especial não prevê a discussão da validade do termo aposto no contrato de trabalho.


29. Ao encontrarmo-nos totalmente fora do âmbito da ação especial, forçoso será concluir que passamos ao carácter privado da relação contratual estabelecida entre trabalhador e empregador, ambos privados. Não existindo, sequer se identificando nos autos que a trabalhadora tenha manifestado intenção, interesse ou consentido na ação instaurada pelo MP.


30. O CPT prevê expressamente, no art. 5.º A, em que situações o MP se encontra dotado de legitimidade para agir por si e no exercício das suas funções de garante da legalidade. Fora das situações expressamente previstas a legitimidade do MP depende do exercício de patrocínio judiciário em representação da parte. Ora, inexistindo nos autos qualquer demonstração de pedido de patrocínio por parte da trabalhadora, forçoso será concluir não dispor o MP de legitimidade processual para a ação.


31. Consequentemente, nos termos do disposto nos arts. 576.º, n.º 2 e 577.º, al. e) do CPC, aplicáveis, ex vi art. 1.º, n.º 2 al. a) do CPT deveria o douto Tribunal a quo ter conhecido e considerado procedente a exceção de ilegitimidade, absolvendo a Recorrente da instância com as legais consequências.


32. Ao indeferir todas as exceções alegadas pela Recorrente, desconsiderando assim os fundamentos das mesmas incorreu a douta sentença, ora em crise, em erro na interpretação e aplicação do Direito, termos em que se requer a revogação da mesma e sua substituição por outra que conheça das exceções com as legais consequências.


33. Dos depoimentos prestados e da própria “Motivação da Matéria de Facto” crê-se que o douto Tribunal a quo deveria ter dado por provada a factualidade descrita pela testemunha da Recorrente, e, consequentemente concluído pela improcedência da ação em apreço.


34. Decorrência do que vem sendo dito afigura-se forçoso concluir pela necessidade de revogação da douta sentença ora em crise e sua substituição por outra que absolva a Recorrente, com as legais consequências.»


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Contra-alegou o Ministério Público, propugnando pela improcedência do recurso.


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A 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.


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O processo subiu à Relação e o recurso foi mantido.


Foi elaborado o projeto de acórdão e colhidos os vistos legais.


Cumpre, em conferência, apreciar e decidir.


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II. Objeto do Recurso


É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).


Em função destas premissas, cumpre apreciar as seguintes questões:


1. Se ocorreu erro de direito na apreciação das exceções invocadas.


2. Impugnação da matéria de facto.


3. Da alegada adequação do termo aposto no contrato.


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III. Matéria de Facto


A 1.ª instância julgou provados os seguintes factos:


1. A Ré PINGO DOCE – DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR S.A. dedica-se à atividade de comércio a retalho com o CAE 47111 – Comércio a Retalho em Supermercados e Hipermercados;


2. No dia 2 de outubro de 2023 a Ré admitiu ao seu serviço AA mediante escrito particular intitulado “Contrato de Trabalho a Termo Certo” constante de fls. 14 a 29, com o seguinte teor, além do mais que aqui se dá por reproduzido:


(…)


1.ª


(Objeto e funções)


O(A) Segundo(a) Contraente é admitido(a) ao serviço da Primeira Contraente com a categoria profissional de Operador de hipermercado/supermercado/loja Ajudante, de acordo com o estabelecido no instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável, a fim de desempenhar as funções inerentes à mesma e/ou outras, desde que compatíveis com as suas qualificações e/ou habilitações.


2.ª


(Local de trabalho)


1- O(A) Segundo(a) Contraente exercerá as suas funções em qualquer estabelecimento da Primeira Contraente, situado no Distrito de Santarém.


2 - No início da execução do presente contrato, a atividade do(a) Segundo(a) Contraente será realizada na loja ... sita em ..., N° 1, ... ....


3 - A Primeira Contraente poderá, a todo o tempo, e unilateralmente, indicar outro local para a realização da prestação de trabalho, desde que no distrito identificado no número 1.


3.ª


(Prazo e justificação)


1 - O presente contrato é celebrado pelo período de 6 meses, tendo início em 02.10.2023 e termo em 01.04.2024.


2 - O(A) Segundo(a) Contraente é admitido(a) nos termos da alínea f) do número 2 do artigo 140º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, com fundamento no acréscimo excecional da atividade da Primeira Contraente, na medida em que, dado o aumento das promoções de diversos produtos, há necessidade de proceder ao reforço do número de colaboradores da loja, estimando-se que esta necessidade perdure pelo prazo definido no número anterior.


4.ª


(Remuneração)


1 - A Primeira Contraente pagará ao(a) Segundo(a) Contraente uma retribuição base mensal e ilíquida de 385,00 Euros (trezentos e oitenta e cinco euros), acrescida de subsídio de férias e de Natal, verbas essas que estarão sujeitas aos descontos legais em vigor.


(…)


5 - Quando seja devido subsídio de alimentação, o mesmo será pago através de vales de refeição, designadamente através de cartão refeição, dando, desde já, o(a) Segundo(a) Contraente o seu acordo a que o meio de pagamento possa ser, por conveniência da Primeira Contraente, unilateralmente alterado por esta.


(…)


5.ª


(Horário de Trabalho)


1 - O período normal de trabalho a que o(a) Segundo(a) Contraente estará sujeito(a) terá, de acordo com o horário fixado pela Primeira Contraente, a duração de 20 horas semanais, distribuídas de Segunda a Domingo, com a duração média diária de 4 horas, com dois dias de descanso semanal.


2 - Por efeito do número anterior, e tendo em conta que o período normal de trabalho é em regra de 40 horas, e de oito horas por dia, o(a) Segundo(a) Contraente prestará o seu trabalho a parcial.


(…)


3. A Autoridade para as Condições de Trabalho tomou conhecimento do contrato mencionado em 2 nas visitas inspetivas que realizou nos dias 19 de dezembro de 2023 e 30 de abril de 2024;


4. A Ré foi notificada nos termos do art.º 15 –A da Lei 107/2009 e não regularizou a situação nos termos indicados pela ACT, ou seja, a conversão de contrato a termo em contrato sem termo.


*


IV. Análise da decisão que conheceu as exceções invocadas


O recurso começa por incidir sobre a decisão que julgou improcedentes as diferentes exceções invocadas pela Ré/recorrente.


Apreciemos.


a) Inaplicabilidade da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho e erro na forma de processo


Sobre estas exceções assim se pronunciou o tribunal a quo (sem menção das notas de rodapé):


«Do alegado erro na forma de processo


A Ré invocou aquilo que designou de “inaplicabilidade da ação especial para reconhecimento da existência de contrato de trabalho”, o que se traduz na invocação de erro na forma de processo, considerando, para tanto, que foi celebrado um efetivo contrato de trabalho (embora a termo) e não se justificava a intervenção da ACT.


Não lhe assiste razão, porém.


Embora se reconheça que a finalidade principal da ação especial em causa é, precisamente, o combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviço em relações de trabalho subordinado, de tal forma que a possibilidade de intervenção do trabalhador (art. 186-L n.º 4 do Código do Processo do Trabalho) apenas lhe permite aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público na Petição Inicial (embora possa apresentar um articulado próprio), sendo mero “assistente” de auxílio do Ministério Público, não podendo pôr termo ao processo por desistência e não tendo legitimidade, sequer, para impugnar, mediante recurso de apelação, a decisão final desfavorável. Trata-se, com efeito, de uma ação de cariz publicista que resulta da atividade da Autoridade para as Condições do Trabalho, com uma tramitação muito simplificada, cujo objeto consiste em apurar a factualidade relevante para qualificar o vínculo existente, e caso se reconheça a existência de um contrato de trabalho fixar a data do início da relação laboral, como impõe o n.º 8 do art.º 186.º-O do Código de Processo do Trabalho. A verdade é que o seu âmbito de aplicação é mais lato do que o mero reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, prevendo-se no artigo 2.º n.º 3 da Lei 107/2009, de 14 de setembro que a ACT é igualmente competente e instaura o procedimento previsto no artigo 15.º-A da presente lei, sempre que se verifique a existência de características de contrato de trabalho, nomeadamente: a) Nos termos previstos no nº 1 do artigo 12º e no nº 1 do artigo 12-A do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro, incluindo nos casos em que o prestador de serviço atue como empresário em nome individual ou através sociedade unipessoal; e b) Em caso de indício de violação dos artigos 175º e 180º do Código do Trabalho, no âmbito do trabalho temporário. E, para o que ora releva, acrescenta-se no n.º 4 que o procedimento referido no número anterior é igualmente aplicável nas situações previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 147º do Código do Trabalho, ou seja, nos casos em que o contrato a termo deve ser considerado contrato sem termo.


Se, estando o procedimento a correr na ACT, o empregador não regularizar a situação do trabalhador nos termos pugnados pela Autoridade Administrativa, o expediente é então remetido ao MP, que instaura ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, nos termos dos artigos 186.º-K e seg. do CPT (art. 15.º-A n.º 3).


Na presente ação, com base no expediente remetido pela ACT, o MP pede, precisamente, que seja reconhecida a existência de um contrato de trabalho sem termo entre a Ré e a trabalhadora AA, com início em 2 de outubro de 2023.


Como tal, sem mais considerações, forçoso é concluir pela inexistência de erro na forma de processo.»


Adiantamos, desde já, que o decidido não merece censura.


A Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, alterou os artigos 2.º e 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.


Por via dessa alteração o artigo 2.º passou a ter a seguinte redação:


«1- [...]


2 - [...]


3 - A ACT é igualmente competente e instaura o procedimento previsto no artigo 15.º-A da presente lei, sempre que se verifique a existência de características de contrato de trabalho, nomeadamente:


a) Nos termos previstos no n.º 1 do artigo 12.º e no n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, incluindo nos casos em que o prestador de serviço atue como empresário em nome individual ou através de sociedade unipessoal; e


b) Em caso de indício de violação dos artigos 175.º e 180.º do Código do Trabalho, no âmbito do trabalho temporário.


4 - O procedimento referido no número anterior é igualmente aplicável nas situações previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 147.º do Código do Trabalho.»


Quanto ao artigo 15.º-A, a redação alterada passou a ser a seguinte:


«1 - Caso o inspetor do trabalho verifique, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, a existência de características de contrato de trabalho, nos termos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 2.º, lavra um auto e notifica o empregador para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação, ou se pronunciar dizendo o que tiver por conveniente.


2 - O procedimento é imediatamente arquivado caso o empregador faça prova da regularização da situação do trabalhador, designadamente, mediante a apresentação do contrato de trabalho ou de documento comprovativo da existência do mesmo, reportada à data do início da relação laboral, mas não dispensa a aplicação das contraordenações previstas no n.º 2 do artigo 12.º e no n.º 10 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho.


3 - [...]


4 - [...]»


Extrai-se das citadas alterações que o procedimento previsto no artigo 15.º-A passou a ser aplicável, nomeadamente, às situações em que a estipulação de termo num contrato de trabalho vise iludir as disposições que regulam o contrato sem termo e quando o motivo justificativo da duração limitada do contrato seja insuficiente – alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 147.º do Código do Trabalho.


Deste modo, se a situação irregular do trabalhador, detetada pelo inspetor de trabalho, não for regularizada na sequência da notificação a que alude o n.º 1 do artigo 15.º-A, a ACT remete, em cinco dias, participação dos factos para os serviços do Ministério Público junto do tribunal do lugar da prestação da atividade, acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos, para fins de instauração de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.2


A nova solução legal mostra-se devidamente sintetizada no sumário do acórdão da Relação de Lisboa de 10-06-2024 (Proc. n.º 718/24.2T8LSB.L1-4), acessível em www.dgsi.pt:


«I – Através da Lei nº 13/2023, de 3-4 (inserida na Agenda do Trabalho Digno), o nosso legislador veio alargar o âmbito de aplicação da ação laboral, com processo especial, de reconhecimento da existência de contrato de trabalho (AREC) a outras situações, também, carentes de tutela pública (não obstante incontroversa a existência de um contrato de trabalho): caso haja indiciada violação do regime de contrato de utilização de trabalho temporário (previsto nos arts. 175º e 180º do Código do Trabalho); e caso haja indiciada violação do regime de contratação a termo (previsto no art. 147º do Código do Trabalho;


II – O nosso legislador (em vez de criar um regime autónomo para fazer face a este fenómeno e combatê-lo) aproveitou a existência da ação, com processo especial de AREC e do respetivo regime processual (contido quer no Código de Processo do Trabalho quer na Lei nº 107/2009, de 14-9), ampliando o âmbito, quer destas ações, quer destes dois regimes processuais (contidos no CPT e na Lei 107/2009), nestes enxertando/aditando certas e determinadas normas legais respetivas que têm (necessariamente) de ser lidas e aplicadas à luz de todo o sobredito contexto.»


Ora, no caso dos autos, o que sucedeu foi precisamente que, na sequência da não regularização, pela Ré, dos contratos celebrados nas condições previstas nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 147.º do Código do Trabalho, a ACT remeteu a participação dos factos, acompanhados pelos elementos de prova, para o Ministério Público, a fim deste propor as respetivas ações de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.


Destarte, a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, prevista nos artigos 186.º-K e seguintes do Código do Trabalho, é o meio processual próprio para as concretas situações dos autos.


Bem andou, pois, o tribunal a quo ao julgar improcedentes as exceções analisadas.


b) Ineptidão da petição inicial e ilegitimidade do Ministério Público


Relativamente às invocadas exceções da ineptidão da petição inicial e da ilegitimidade do Ministério Público, pronunciou-se assim o tribunal a quo:


«Da alegada ineptidão da Petição Inicial


Aludiu, igualmente, a Ré à invalidade da P.I. porquanto - alegou -, mostra-se simultaneamente ininteligível e contraditório pedir o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, quando se afirma ab initio a existência de tal contrato de trabalho. (…) Não se vislumbrando nexo lógico em pedir o reconhecimento da existência de algo cuja existência se reconhece.


(…) Muito menos se mostra inteligível lançar mão de uma ação especial cujo pressuposto essencial é a inexistência de um vínculo laboral sustentado num contrato de trabalho, afirmando a existência do mesmo.


Como é bom de ver, a Ré parte de um pressuposto errado, que é o da existência de erro na forma de processo e não atenta que o pedido formulado se reporta ao reconhecimento da existência de um contrato sem termo. Como se expôs supra, inexiste erro na forma de processo e o que o Autor pretende é o reconhecimento de que a justificação indicada para o termo no contrato não é verdadeira, antes tendo tido por fim iludir as disposições que regulamentam o contrato sem termo (art. 147.º n.º 1 al. a) do Código do Trabalho) e que carece de motivo justificativo atendível a celebração do mesmo por seis meses (art. 147.º n.º 1 al. c)), o que tem como consequência, efetivamente, que o contrato de trabalho celebrado seja considerado sem termo.


Nos termos do art. 186.º do CPC, é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial [n.º 1]. E esta diz-se inepta: a) quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; b) quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; c) quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis [n.º 2].


No presente caso, a Ré alegou que a P.I. é inepta, alegadamente, por ser ininteligível o pedido e este estar em contradição com a causa de pedir.


Compulsado o articulado, porém, verifica-se que tal não sucede, já que, sendo peticionado o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho sem termo, no corpo da P.I. são invocados os fundamentos (corretos) de facto e de direito para tal, não havendo qualquer contradição ou ininteligibilidade.


Pelo que improcede a arguida nulidade.


*


Da alegada ilegitimidade do MP.


Partindo do pressuposto de que na ação especial em causa não pode ser discutida a validade do termo aposto no contrato de trabalho, a Ré aludiu, igualmente à ilegitimidade do Ministério Público.


Nesta parte apenas se dirá que sendo o procedimento prévio à ação em causa (art. 15.º-A da Lei 107/2009, de 14 de setembro) também aplicável às situações previstas no art. 147.º n.º 1 e 2 do Código do Trabalho (cfr. art. 2.º n.º 4 da Lei 107/2009, de 14 de setembro) e sendo a legitimidade exclusiva do Ministério Público (cfr. art. 15.º-A n.º 3 da Lei 107/2009, de 14 de setembro e art. 5.º-A al. c) do CPT), a duvida levantada pela Ré não faz qualquer sentido.


*


A forma de processo é adequada e não ocorrem nulidades, exceções ou quaisquer questões prévias e incidentais que cumpra de imediato conhecer com segurança.»


Também, nesta parte, a decisão recorrida não merece reparo.


A invocada ineptidão da petição inicial baseou-se.


- na alegada ininteligibilidade do pedido; e


- na ocorrência de contradição por se formular pedido de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho que já se reconhece existir.


Ora, entendemos que o pedido formulado é perfeitamente claro e compreensível e, como tal, inteligível.


Percebe-se nitidamente que está pedido o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre a Ré e a pessoa identificada, com início em determinada data (que é expressamente indicada).Não podia ser mais cristalino.


Quanto à apontada contradição, tendo em atenção o que supra se referiu quanto à forma de processo própria e o pedido que tem de ser formulado nesta ação especial, não há qualquer incoerência assinalável que afete a validade da petição inicial.


Para finalizar, é manifesto que da conjugação dos artigos 15.º-A, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, 186.º-K, n.º 1, e 186.º-L, n.º 1, ambos do Código do Trabalho, e 5.º-A, alínea c), do Código de Processo do Trabalho, é o Ministério Público quem tem legitimidade para intentar esta ação especial.


Cita-se, pela relevância, o Acórdão da Relação de Guimarães de 07-10-2021 (Proc. n.º 3835/19.7T8GMR.G1), publicado em www.dgsi.pt:


«O Ministério Público não só tem legitimidade para a propositura da ação, que resulta do artigo 186º-L, nº 1 do CPT, como tem interesse em agir, ainda que desacompanhado do trabalhador, porquanto age na prossecução do interesse público, designadamente de combate à precaridade laboral (…)»


Em conclusão, sufraga-se a decisão que apreciou as exceções analisadas, pelo que o recurso, nesta parte, terá de ser julgado improcedente.


*


V. Impugnação da decisão de facto


Invocando o depoimento prestado pela testemunha BB, afirma a recorrente que deveria ter sido dado por provada a factualidade por esta mencionada, quanto à circunstância de se ter verificado um aumento populacional na área de implementação da loja na qual a trabalhadora prestava o seu trabalho, o que motivou o aumento de clientes.


Do exposto infere-se que a recorrente pretende impugnar a decisão de facto constante da sentença.

Vejamos.

É consabido que a impugnação da decisão da matéria de facto constitui uma prerrogativa do recorrente.

Todavia, o legislador civil (e o legislador laboral, por subsidiariedade de aplicação do regime), sujeitou-a a determinadas condições.


O artigo 640.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, prescreve o seguinte:


1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a. Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b. Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c. A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.


2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b. Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.


3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.


Sobre as exigências/condições impostas por esta norma, refere António Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129: «Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.».


Quanto à consequência prevista para o desrespeito do ónus de impugnação, resulta do citado artigo que é a rejeição do recurso.


Seguindo a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, esta Secção Social entende que para cumprimento do ónus de especificação imposto pelo n.º 1 do citado artigo, devem ser indicados nas conclusões do recurso, que delimitam o objeto do recurso, os concretos pontos de facto que são impugnados, podendo a especificação dos meios probatórios e a indicação da decisão alternativa constar do corpo das alegações – cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27-02-2024 (Proc. n.º 2351/21.1T8PDL.L1.S1) e de 12-05-2016 (Proc. n.º 324/10.9TTALM.L1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt.


Posto isto, apreciemos o caso concreto.


A recorrente não indicou, nas conclusões do recurso, quais os concretos pontos de facto impugnados.


Nas alegações, nada refere sobre a decisão alternativa que pretende ver assumida.


E, no que se refere ao depoimento da testemunha convocada, omite qualquer referência à passagem da gravação em que funda a impugnação.


Em suma, a recorrente não cumpriu o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), pelo que se rejeita a impugnação deduzida.


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VI. Da alegada adequação do termo aposto no contrato


Com base na visada alteração da matéria de facto, concluiu o recorrente que se deveria revogar a decisão recorrida e substituí-la por outra que julgasse adequado o termo aposto no contrato a termo e que, consequentemente, a absolvesse.


Ora, estando o invocado totalmente dependente da procedência da impugnação da decisão fáctica, que foi rejeitada, mais não resta do que confirmar a sentença recorrida na subsunção dos factos ao direito e na consequente decisão condenatória.


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Concluindo, o recurso mostra-se totalmente improcedente.


As custas do recurso serão suportadas pela recorrente – artigo 527.º do Código de Processo Civil.


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VII. Decisão


Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.


Custas do recurso a suportar pela recorrente.


Notifique.


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Évora, 5 de junho de 2025


Paula do Paço


Emília Ramos Costa


Mário Branco Coelho

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1. Relatora: Paula do Paço; 1.ª Adjunta: Emília Ramos Costa; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho↩︎

2. Realce e sublinhado da nossa responsabilidade.↩︎