PRESCRIÇÃO
CAPITAL
JUROS
EXECUÇÃO
Sumário

Sumário:
I. A prescrição torna inexigível o pagamento da dívida, prescrita a dívida do capital, nunca mais ela vencerá juros, por isso, ocorrendo a prescrição da obrigação de capital em 30/12/2010, só são devidos os juros moratórios vencidos até à data da prescrição daquela dívida e se quanto a eles não tiver decorrido o prazo de prescrição de 5 anos previsto na alínea d) do artigo 310.º, do Código Civil.

II. Por isso, ocorrendo a prescrição da obrigação de capital em 30/12/2010 e tendo sido instaurada execução em 15/02/2022, mesmo que se considere a citação ocorrida em 20/02/2022 (cfr. art. 323.º, n.º 2, do Código Civil), não se venceram mais juros após essa prescrição.

Texto Integral

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Apelação n.º 223/22.1T8PTG-B.E1

(1.ª Secção Cível)

Relator: Filipe César Osório

1.º Adjunto: Susana Ferrão da Costa Cabral

2.º Adjunto: Ricardo Miranda Peixoto

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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


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I. RELATÓRIO


- Embargos de Executado – Oposição à Execução


1. As partes:


Recorrente – Embargado – Exequente – “CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A.”


Recorrida – Embargante – Executado – AA


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2. Objecto do litígio:


A Executada/Embargante veio por apenso à Execução que contra ela foi intentada por “Caixa Geral de Depósitos, S. A.”, deduzir Embargos de Executado onde pede a extinção da execução, alegando essencialmente que não lhe foi dado conhecimento do incumprimento do empréstimo, em momento prévio à instauração da execução, que o direito de crédito invocado sempre estaria prescrito, nos termos do disposto no art.º 310.º do Código Civil.


A Exequente contestou, alegando, no essencial, que a Executada/Embargante foi notificada da cessão de créditos, na morada conhecida e não se pronunciou quanto à prescrição da dívida.


Realizada a audiência prévia, foi anunciada às partes a intenção do Tribunal de conhecer do mérito da causa, em virtude dos autos disporem dos elementos necessários para tal, apenas a Embargante apresentou alegações de direito.


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3. Sentença em Primeira Instância:


Foi proferida sentença em primeira instância com o seguinte dispositivo [transcrição]:


«Em face do exposto, julgo procedentes, por provados, os embargos de executado deduzidos por AA contra CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA, pela verificação de excepção peremptória de prescrição e, em consequência, determino a extinção da execução contra si pendente, mais se ordenando o levantamento da penhora aí realizada.».


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4. Recurso de apelação da Executado/Embargante/Recorrente:


A Recorrente interpôs recurso de apelação da sentença com as seguintes conclusões [transcrição]:


«a) O tribunal a quo decidiu pela procedência total dos embargos de executado por verificação de excepção peremptória de prescrição, determinando a extinção da execução e ordenando o levantamento da penhora.


b) O tribunal a quo julgou a dívida exequenda prescrita pelo decurso do prazo prescricional de cinco anos,


c) tendo dado como provados o incumprido do contrato em 30.12.2005 e a propositura da ação executiva em 15.02.2022.


d) Entende a recorrente que o tribunal a quo deveria apenas ter julgado prescritas as prestações de capital e juros anteriores a 20.02.2017 e não a totalidade da dívida.


e) A ação executiva deu entrada em 15.02.2022, tendo a executada sido apenas citada em 19.04.2024.


f) A citação da executada em data tão desfasada à da data da propositura da ação deveu-se à existência de penhoras prévias registadas sobre o imóvel que constitui a garantia hipotecária da recorrente que determinaram que a Senhora Agente de Execução proferisse decisão de sustação integral dos autos em 22.07.2022.


g) A citação da executada não se operou nos cinco dias seguintes ao da propositura da ação não por facto imputável à exequente mas sim por facto imputável aos executados que, por força do não pagamento de outras dívidas, desencadearam a penhora do prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o artigo 769 da freguesia de ..., concelho de ... e descrito no registo predial sob o nº 205 daquela freguesia e concelho, garantia hipotecária da ora recorrente.


h) A Sra. Agente de Execução proferiu ainda, em 22.07.2022, decisão de suspensão dos autos por via do óbito do executado BB, facto este também não imputável à ora recorrente e impeditivo da citação da embargante após entrada da ação.


i) Dispõe o nº 2 do art. 323º do C.C. que: “ Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.”,


j) Os factos que levaram à citação da executada somente decorridos quase dois anos após a entrada da execução não são imputáveis à recorrente pelo que o prazo prescricional da dívida exequenda se deve considerar interrompido em 20.02.2022.


k) Em 20.02.2022 apenas estariam prescritas as prestações de capital e juros anteriores a 20.02.2017 e não a totalidade da dívida exequenda como decidiu o tribunal a quo.


l) Por conseguinte, o tribunal a quo errou na aplicação do disposto na alínea e) do artigo 310º e artigo 323º do C.C. ao ter declarado prescrita a totalidade da dívida ao invés de ter julgado os embargos parcialmente procedentes por verificação da prescrição apenas das prestações de capital e juros anteriores a 02.02.2017.».


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5. Resposta


A Recorrida não apresentou contra-alegações.


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6. Objecto do recurso – Questões a Decidir:


- Reapreciação jurídica da causa – Saber se ocorreu a prescrição.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

7. É o seguinte o teor da decisão de facto constante da sentença [transcrição]:


«A) FACTOS PROVADOS


1 No âmbito da sua actividade, a aqui embargada celebrou com BB e AA, em 30.03.2001, o contrato de mútuo com hipoteca com o n.º PT ..., através do qual lhe concedeu o empréstimo da quantia de Eur: 53.870,17€ (documento junto com o requerimento executivo e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos);


2 Tal quantia foi efectivamente entregue e disponibilizada aos Mutuários, que a receberam, tendo o empréstimo por finalidade a aquisição de imóvel para habitação própria e permanente;


3 Por força do referido contrato, os Mutuários confessaram-se devedores da quantia financiada e assumiram, entre outras obrigações, a de restituir à Exequente a quantia emprestada através do pagamento de prestações mensais constantes de capital e juros;


4 Para garantia do pagamento da quantia emprestada ao abrigo do contrato referido, respectivos juros e despesas, os Mutuários constituíram a favor da Exequente hipoteca sobre o prédio urbano, sito na Rua 1 e concelho de ..., inscrito na respectiva matriz urbana sob o art. 420 da referida freguesia, e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 00205, da freguesia de ..., hipoteca essa que se encontra registada na referida conservatória sob a AP. 2 de 2001/02/08;


5 Os Mutuários não cumpriram com as obrigações que assumiram no aludido contrato, nomeadamente, não pagaram, na data dos respectivos vencimentos, nem posteriormente, as prestações a que se obrigaram a realizar para reembolso do capital e juros;


6 Incumprimento este que tendo ocorrido em 30.12.2005, determinou o vencimento antecipado de todas as prestações acordadas;


7 A execução foi intentada a 15 de Fevereiro de 2022;


8 A ora embargante foi citada em 19 de Abril de 2024.


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Os factos considerados assentes resultam do teor dos documentos juntos aos autos, com o requerimento executivo, cujo teor não foi impugnado pelo embargante.».


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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

8. Reapreciação jurídica da causa – Saber se ocorreu a prescrição:


Na presente Apelação, a Recorrente não se insurge contra a factualidade dada como provada, não se insurge contra a aplicabilidade do prazo curto de prescrição de cinco anos e aceita a verificação da prescrição de capital e juros anteriores a 20.02.2017, apenas se insurge contra a verificação da prescrição da totalidade da dívida exequenda como decidiu o tribunal a quo.


Para o efeito, a Recorrente entende que o tribunal a quo deveria apenas ter julgado prescritas as prestações de capital e juros anteriores a 20/02/2017 e não a totalidade da dívida, porque a Executada apenas foi citada em 19/04/2024 mas o incumprimento do contrato ocorreu em 30/12/2005 e a propositura da ação executiva em 15/02/2022, contudo, a realização da citação em data tão desfasada da data da propositura da ação deveu-se à existência de penhoras prévias registadas sobre o imóvel que constitui a garantia hipotecária da recorrente que determinaram que a Senhora Agente de Execução proferisse decisão de sustação integral dos autos em 22/07/2022, portanto, a citação da Executada não se operou nos cinco dias seguintes ao da propositura da ação não por facto imputável à Exequente mas sim por facto imputável às Executadas que, por força do não pagamento de outras dívidas, desencadearam a penhora do prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o artigo 769 da freguesia de ..., concelho de ... e descrito no registo predial sob o nº 205 daquela freguesia e concelho, garantia hipotecária da ora Recorrente e que a Sra. Agente de Execução proferiu ainda, em 22.07.2022, decisão de suspensão dos autos por via do óbito do executado BB, facto este também não imputável à ora recorrente e impeditivo da citação da embargante após entrada da ação.


Entende por isso a Recorrente que nos termos do nº 2 do art. 323º do C.C. que: “ Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.”, por isso, os factos que levaram à citação da executada somente decorridos quase dois anos após a entrada da execução não são imputáveis à recorrente pelo que o prazo prescricional da dívida exequenda se deve considerar interrompido em 20.02.2022, então, em 20.02.2022 apenas estariam prescritas as prestações de capital e juros anteriores a 20.02.2017 e não a totalidade da dívida exequenda como decidiu o tribunal a quo.


Na primeira instância, com recurso a abundante doutrina e jurisprudência, considerou-se o seguinte:

«Deste modo, atentas as razões e fundamentos explanados nos acórdãos já acima citados, que sufragamos por inteiro, no caso dos autos, devendo o devedor ter a conta aprovisionada não só com o capital devido, mas também com os juros vencidos mensalmente, entende-se que não faz sentido distinguir entre a obrigação de capital e a obrigação dos juros, em termos de prazo prescricional, sendo que aplicar ao caso o prazo de cinco anos.

Nos termos do artigo 306.º do Código Civil, a prescrição começa a contar quando o direito puder ser exercido.

Considera-se que essa data era em Dezembro de 2005, data em que ocorreu o primeiro incumprimento e, posteriormente, nada mais foi pago. Aliás foi o próprio exequente que fixou a data do vencimento do capital em 30-12-2005, exigindo-se toda a quantia contratualmente prevista.

Tendo presente que a execução foi instaurada apenas em 2022, entende-se, e salvo o devido respeito por melhor entendimento, que a dívida exequenda está prescrita, pelo decurso do prazo prescricional de cinco anos, nos termos do disposto no art.º 310.º, al.s d) e e) do Código Civil.

Assim sendo, na linha da jurisprudência acima mencionada, com a qual concordamos integralmente, conclui-se pela procedência dos embargos de executado, perdendo relevância as demais questões suscitadas.».

No caso concreto em apreciação, concordamos com o entendimento plasmado na sentença recorrida de que é aplicável, quanto ao capital e aos juros, o prazo de prescrição de cinco anos, previsto na alínea d) e e), do artigo 310º do Código Civil, que a Recorrente também aceita.


Concretizando melhor, tal como considerado na sentença recorrida, o capital venceu-se em 30/12/2005, tendo a Exequente exigido nessa altura toda a quantia contratualmente prevista, significando isto que em 30/12/2010 se mostra ter ocorrido a prescrição da obrigação de capital e correspondentes juros.


Agora a Recorrente entende que, apesar disso, são ainda devidos juros correspondentes aos cinco anos anteriores à citação (presumida) para a presente execução, ou seja, apenas considera prescritos os juros anteriores a 20.02.2017.


Ora, não podemos aceitar o entendimento subjacente às alegações da Recorrente de que os juros continuam a vencer-se ainda que não seja exigível a obrigação principal.


Tal entendimento mostra-se incongruente com o regime de extinção das obrigações.


Efectivamente, face ao disposto no artigo 561.º, do Código Civil, “o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito de capital, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro”, e uma das disposições legais que consagra essa autonomia da obrigação de juros em relação à obrigação principal é o artigo 310.º, alínea d), do Código Civil, relativo aos prazos de prescrição, que prevê um prazo específico para a obrigação de juros, que pode não ser coincidente com o previsto para a obrigação principal.


Como em todas as prestações que são o correspectivo do gozo de coisas fungíveis há dois direitos: o direito ao capital e o direito às prestações de juros.


Porém, sendo os juros moratórios a compensação para o retardamento do pagamento do capital, dúvidas não temos que cumprida a dívida de capital, não se vencem mais juros.


Do mesmo modo, porque a prescrição torna inexigível o pagamento da dívida, “prescrita a dívida do capital, nunca mais ele vencerá juros”1.


Claro, que a prescrição da dívida de capital não exonera o devedor do pagamento dos juros moratórios vencidos até à data em que a prescrição daquela dívida ocorreu, desde que quanto aos juros, não tenha também decorrido o prazo de prescrição previsto na alínea d) do artigo 310.º, do Código Civil.


Ou seja, estando prescrita a obrigação de capital, só são devidos os juros moratórios vencidos até à data da prescrição daquela dívida e se quanto a eles não tiver decorrido o prazo de prescrição de 5 anos previsto na alínea d) do artigo 310.º, do Código Civil.


Ora, no caso concreto em apreciação, a prescrição da obrigação de capital ocorreu em 30/12/2010, pois remontando a dívida de capital a 30/12/2005 e tendo a prescrição desta obrigação ocorrido 5 anos depois, é manifesto que os juros vencidos até 2010 estão abrangidos pelo prazo da prescrição de cinco anos a que se reporta aquele preceito, por isso, tendo a presente execução sido instaurada em 15/02/2022 – mesmo aplicando a presunção da citação a 20/02/2022 – é patente que nessa data já há muito se mostravam prescritos não só a obrigação de capital como a obrigação de juros.


A este propósito, em situação idêntica, decidiu-se no mesmo sentido no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25/06/20152 (Francisco Xavier, proc. n.º 84803/13.4YIPRT.E1, www.dgsi.pt).


Deste modo, fica prejudicada a análise da aplicabilidade, ou não, da invocada citação presumida prevista no art. 323.º, n.º 2, do CC.


Em síntese, impõe-se julgar totalmente improcedente o recurso de apelação e confirmar a sentença recorrida.


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9. Responsabilidade Tributária


As custas do recurso de Apelação são da responsabilidade da Recorrente.


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III. DISPOSITIVO


Nos termos e fundamentos expostos,

1. Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Recorrente e, em consequência confirmar a Sentença da Primeira Instância.

2. As custas do recurso de Apelação são da responsabilidade da Recorrente.

3. Registe e notifique.


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Évora, data e assinaturas certificadas

Relator: Filipe César Osório

1.º Adjunto: Susana Ferrão da Costa Cabral

2.º Adjunto: Ricardo Miranda Peixoto

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1. Correia das Neves, Manual dos Juros, 3ª edição refundida e aumentada, pág. 194.↩︎

2. https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/-/1E06F65A0DB6A3A280257EF500355695↩︎