AUDIÊNCIA PRÉVIA
DESPACHO
NULIDADE
CONHECIMENTO NO SANEADOR
DECISÃO SURPRESA
Sumário

Sumário (da responsabilidade do relator - art. 663º n.º7 do CPC):
- o despacho que agenda a realização da audiência prévia deve indicar as finalidades da diligência em termos que permitam às partes apreender o conteúdo daquela diligência e para ela se prepararem; o cumprimento de tal exigência legal deve ser avaliado em concreto, em função das circunstâncias do caso.

- cumpre essa exigência, em vista da avaliação do mérito da acção, a designação da audiência prévia com remissão para a al. b) do n.º1 do art. 591º do CPC, em situação em que inexistem excepções dilatórias alegadas ou sinalizadas, nem outras excepções formalmente invocadas pelo tribunal, e em que a designação omite a referência às alíneas c) a g) do referido art. 591º n.º1 do CPC, vindo a conduta da parte a revelar que esta compreendeu que a acção poderia terminar na audiência prévia pela avaliação do mérito da causa.

- não se justifica fazer prosseguir o processo para julgamento em situação em que a matéria controvertida não pode ser demonstrada por testemunhas (ou por presunção judicial), não tendo sido invocada a existência de documentos relevantes ainda por juntar ao processo.

Texto Integral

Proc. 2412/24.5T8STR

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I. AA intentou a presente acção contra BB pedindo que fosse o R. condenado «a pagar à Autora a quantia de € 18.750,00, acrescida de juros de mora, vencidos desde 17/06/2024 e vincendos até integral pagamento, à taxa legal e anual de 4%, e que, na data de 30/08/2024, importam já o montante de € 152,02.».


Alegou para tanto, no essencial, que:


- tendo sido casados entre si, a A. e o R. celebraram, antes do casamento, um contrato de empreitada com terceiro, com vista à construção de uma moradia.


- tendo, em virtude de vicissitudes na execução e cumprimento de tal contrato, sido suscitado litígio entre a A. e o R., de um lado, e o empreiteiro, de outro, foi por este intentada acção judicial, na qual acabaram por chegar a acordo, realizando transacção.


- nesta, acordaram em pagar solidariamente 35.000 euros ao empreiteiro, em duas prestações de 18.750 euros.


- entre si, a A. e o R. acordaram em que a A. pagaria a primeira prestação e o R a segunda prestação.


- o R. disse à A. que não ia pagar a segunda prestação, tendo esta sido paga pela A..


O R. contestou, impugnando a versão da A., tendo, em particular, afirmado que a A. e o R. teriam acordado, após a separação de facto do casal, em que a moradia, construída em terreno próprio da AA., ficaria para a A., a qual ficaria responsável por todas as dívidas e encargos que estivessem relacionados com a moradia.

A A. pronunciou-se de seguida sobre documentos apresentados.

Foi depois proferido o seguinte despacho:

«-DA MARCAÇÃO DE AUDIÊNCIA PRÉVIA-


Nos termos do disposto no artigo 591.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, designo para realização de Audiência Prévia o dia 05 de Dezembro de 2024, pelas 13h45m, a qual terá a seguinte finalidade:


-Proceder à realização de tentativa de conciliação, nos termos do artigo 594.º e 591.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil.


Em caso de frustração do referido supra, terá ainda a Audiência Prévia o objectivo a que se reporta a alínea b), do citado normativo legal.


(...)

Notifique.».

Foi depois realizada diligência [1] na qual ocorreram os seguintes actos:

i. foi realizada tentativa de conciliação, que se frustrou (na qual o Ilustre Mandatário do recorrente afirmou que que estariam abertos (a essa possibilidade) «até à fase seguinte, se houver».

ii. foi proferido o seguinte despacho:

«"Atendendo à matéria que constitui objeto do processo e aquela que é a matéria controvertida, concretamente o alegado acordo anterior à transação invocada nos autos, entendemos que a prova desse acervo factual [ponto 4 da contestação], nos termos do artigo 394.º, n.º1 do Código Civil, só é admissível por confissão [artigo 352.º do Código Civil. Confissão que de resto o Réu pretende obter, posto que requereu a prestação de depoimento de parte da Autora. __


Assim sendo afigura-se ao Tribunal que o que levaria avançar com o processo para julgamento seria, pois, a prova do acordo invocado no ponto 4 da contestação, isto é, um alegado acordo anterior à transação [incontestada] invocada nos autos pela Autora. E a ser assim, como entendemos que o é, não é admissível prova testemunhal e correlativamente prova por presunção; a admitir-se a continuação para a fase de julgamento para produção de prova testemunhal, não admissível quanto à questão controvertida nos termos da lei substantiva citada, seria, pois, a prática de um ato inútil.


Nestes termos, e com o desiderato pretendido pelo Réu, sendo-o admissível nesta fase processual, determino a imediata prestação de depoimento de parte a prestar pela Autora à matéria indicada pelo Réu, ao abrigo do disposto no artigo 456.º, n.º 3 do CPC.

Notifique".».

iii. este despacho foi notificado às partes.

iv. a A. prestou depoimento de parte.

v. de seguida foi dada a palavra aos Mandatários das partes, a fim de proferirem as suas alegações orais, os quais alegaram. Ficando as alegações gravadas, verifica-se que o Mandatário do recorrente dirigiu as suas alegações ao mérito da causa, mormente referindo que a experiência comum e a natureza dos documentos, conjugados, revelam, apesar da falta de confissão, um interesse próprio da recorrida em negar o acordo inicial, o que a responsabiliza.


vi. foi depois proferido o seguinte despacho:


«"Oportunamente, abra termo de conclusão a fim de ser proferida sentença nos autos.


Notifique".».

vii. este despacho foi notificado às partes.

Após, foi proferida sentença que condenou o R. a pagar à A. «a quantia de €18.750,00 [dezoito mil setecentos cinquenta euros], acrescida de juros de mora calculados à taxa legal de 4% ao ano, desde 28.06.2024 e até efectivo e integral pagamento, que, na data da prolação desta sentença, perfaz o montante de €394,52 [trezentos e noventa e quatro euros e cinquenta e dois cêntimos].».


Desta sentença foi interposto pelo R. o presente recurso, no qual formulou as seguintes conclusões:


1) A Autora intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum de declaração, contra o Réu/recorrido, alegando e peticionando o que consta de fls.:


2) O Réu/Recorrido contestou, alegando o que acima se transcreveu;


3) Por Despacho de fls., foi determinado o acima transcrito;


4) Teve lugar a realização da audiência prévia, no dia 05/12/2024, tendo sido proferido o seguinte Despacho que acima se transcreveu;


5) Por Saneador-Sentença foi decidido o acima transcrito;


6) O Réu, encontrando-se inconformado com tal decisão, por vários motivos, vem agora interpor o presente Recurso de Apelação, arguindo a nulidade da Saneador-Sentença;


7) O Tribunal “a quo” não considerou em sede de audiência prévia que os autos continham todos os elementos necessários à apreciação do mérito;


8) Nunca o Despacho que designou a realização da audiência prévia ventilou, sequer, a possibilidade de se conhecer imediatamente, no seu todo, ou em parte do mérito da causa;


9) O despacho que designou a realização da audiência prévia apenas se limitou a reproduzir as alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 591º do Código de Processo Civil;


10) O Juiz “a quo” ao ter previsto poder conhecer do mérito de causa quanto aos pedidos formulados pela Autora/Recorrida, no âmbito do saneador, impunha-se que no despacho que designou a audiência prévia tivesse feito referência expressa a tal finalidade de modo a que esta tivesse a possibilidade de poder exercer, nela, efetivamente o contraditório;


11) Não era lícito ao Juiz “a quo” decidir questões de direito ou de facto, quando não se encontravam reunidos todos os pressupostos para se conhecer de imediato o mérito da causa, e o Réu poder fazer prova dos factos alegados;


12) O saneador-sentença, ao conhecer, de imediato, o mérito da causa, fez um uso indevido do disposto na alínea b) do nº1 do artigo 595º do Código de Processo Civil, em violação do princípio do contraditório (na vertente da proibição das decisões-surpresa), do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, e ainda do direito a um processo justo e equitativo, todos previstos nos artigos 3º, nº3, 6º, nº1, 591º, nº1, b) do Código de Processo Civil, e artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, razão pela qual enferma de nulidade processual e deverá ser anulado nos termos do disposto no artigo 195º do Código de Processo Civil;


13) A decisão do processo na fase do saneador-sentença só poderá suceder quando, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, a matéria de facto não deixar dúvidas a ninguém sobre a sua procedência ou improcedência;


14) Entendemos que os autos ainda não fornecem todos os elementos necessários, para uma decisão conscienciosa e justa;


15) O Tribunal “a quo” ajuizou mal ao enveredar pela decisão da questão na fase de saneamento;


16) O tribunal “a quo” não apreciou essa prova documental da forma correta, nomeadamente a mensagem escrita trocada entre o Réu e a Autora;


17) E o Acordo homologado no âmbito do processo nº 1493/23.3T8STR não faz prova do acordado entre a Autora e o Réu;


18) O tribunal “furtou-se” à análise dos factos alegados pelo Réu e da totalidade da prova documental produzida pela Autora na Petição Inicial e na Contestação apresentada pelo Réu;


19) Bem como na demais prova que haveria de resultar do requerimento probatório apresentado por esta, que o tribunal não apreciou, nomeadamente o depoimento das testemunhas arroladas pelo Réu;


20) A indicação genérica do teor do art. 591.º CPC não possibilita aos sujeitos processuais pronunciarem-se sobre os temas concretos que o juiz entende já poder conhecer em face dos factos já apurados ou o que o mesmo considera deverem ter-se por assentes;


21) Afigura-se-nos, assim, não cumprir o desiderato deste último normativo e, bem assim, do art. 3.º, n.º 3, o despacho judicial que convoca audiência prévia com indicação genérica das finalidades previstas no artigo 591.º CPC, sem indicação casuística de que pretende conhecer deste ou daquele pedido, já na fase do despacho saneador, ou por entender verificada esta ou aquela exceção ou por considerar que os factos, tal como se acham alegados pelo A. (ou pelo R.) não permitem a procedência do pedido (ou da exceção) ou por esta ou por aquela razão;


22) O saneador-sentença constitui um julgamento sumário, extemporâneo e em denegação do direito do Réu ao acesso à justiça e a uma tutela jurisdicional efetiva em cumprimento do disposto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa e artigo 2º do Código de Processo Civil;


23) Razão pela qual deverá ser concedido provimento ao presente recurso, julgando-o totalmente procedente e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, substituindo-a por outra em que se determine o prosseguimento da causa e apreciação dos factos e prova pelo tribunal “a quo”;


24) Cabia ao tribunal recorrido, indicar entre as finalidades da audiência prévia a referência à intenção de decidir de imediato sobre a procedência do pedido formulado pela A. por considerar não estar demonstrado pelo Ré o alegado na sua contestação;


25) O artigo 595.º, n.º 1 al. b) CPC, destina o despacho saneador ao conhecimento imediato da causa quando não exista necessidade de mais provas, designadamente por os factos estarem assentes, não sendo disputados pelas partes e não colocando já qualquer dúvida sobre a sua natureza provada ou não provada;


26) Dos Despachos proferidos não constam a intenção de conhecer de mérito da questão em discussão nos presentes autos, nem tão pouco foram dados como assentes e controvertidos os factos alegados por forma a que se discutisse ou pudesse provar os factos alegados;


27) Tanto assim é que a Audiência prévia serve inclusive para apresentar ou indicar meios de prova;


28) Só poderá conhecer de imediato do mérito da causa quando não exista necessidade de mais provas, o que não era o caso dos autos;


29) Havia necessidade de produção de prova testemunhal quanto aos factos alegados pelo Réu, na contestação apresentada;


30) Não o tendo feito, cometeu uma nulidade processual, que aqui se invoca e se requer a sua apreciação, com todas as consequências legais daí resultantes.


31) Deve ser revogada a Sentença recorrida, com todas as consequências legais daí resultantes, o que, desde já e aqui se requer;


32) O Meritíssimo Juiz entendeu dar como não provado os factos constantes nas als. a e b) dos factos dados como não provados alegando que não foi carreada para os autos prova suficiente pelo Réu;


33) Não foi carreada prova para os autos, tendo em conta que não foi facultada essa possibilidade ao Réu;


34) A prova, pode ser documental ou testemunhal, e poderá ser junta atá à audiência de julgamento;


35) Entendendo que não estavam carreados para os autos todos os elementos que concluíssem pela boa decisão da causa e descoberta da verdade material, não deveria o Meritíssimo Juiz decidir em despacho saneador e proceder à marcação de audiência de julgamento a fim de se fazer prova;


36) Lendo, atentamente, a Sentença recorrida, verifica-se que não se indica nela factos concretos suscetíveis de revelar, informar, e fundamentar, a real e efetiva situação, do verdadeiro motivo da não procedência da pretensão dos Recorrentes;


37) O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo não fundamentou de facto e de direito a sua decisão e a Lei proíbe tal comportamento, violando, ainda, o disposto nas alíneas b), c) e d), do artigo 615.º do CPC, uma vez que não apreciou a totalidade das questões como o deveria ter feito, sendo por esse facto nula, tanto mais que o direito dos Recorrentes é um direito legal e constitucional;


38) A Sentença recorrida não está fundamentada, tanto de facto como de direito, além de fazer uma errada interpretação das normas legais que enumera, tendo em conta o disposto no n.º 1 do artigo 154.º do CPC;


39) Impõe-se a Revogação da Sentença proferida, nas partes recorridas, e a alteração da mesma nos exatos termos supra expostos, e em virtude de todos os fundamentos apresentados, o que se requer, com todas as consequências daí resultantes;


40) A Sentença recorrida viola:


a) O disposto no artigo 3º, nº 3, 595º do CPC, 615º, als. b), c) e d) do CPC;


b) O disposto nos artigos 13.º, 20.º, 101.º, 202.º, 204.º e 205.º da CRP.


A A. respondeu, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.


O tribunal a quo considerou inexistirem as nulidades invocadas.


II. O objecto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 635º n.º4 e 639º n.º1 do CPC), «só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa».


Assim, importa avaliar:


- existência de nulidade derivada de decisão-surpresa (em virtude da prolação da sentença com incumprimento do regime do art. 595º n.º1 al. b) do CPC).


- nulidade da sentença por via do art. 615º n.º1 al. b), c) e d) do CPC.


- revogação da decisão por os autos não fornecerem os elementos bastantes para proferir decisão (seria necessária a produção de mais provas).


Naturalmente, a avaliação destas questões prende-se com os fundamentos concretamente invocados pelo recorrente, ao que se cinge, em princípio, a discussão (salvo caso de oficiosidade, que se não vislumbra).


III. Foram considerados provados os seguintes factos [2]:


1- Autora e Réu foram casados entre si entre 29.12.2017 e 13.10.2021, data em que o casamento foi dissolvido por divórcio.


2- Em 05 de Outubro de 2017, Autora e Réu celebraram com a sociedade “Pinto& Cunhado Construção Civil, Lda.”, acordo denominado “contrato de empreitada”, tendo por objecto a construção de uma moradia unifamiliar a ser implantada no prédio rústico sito em ..., freguesia de ..., inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 12, Secção B e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob a ficha n.º 1981/..., pelo preço de € 137.560,00 [cento e trinta e sete mil quinhentos e sessenta euros].


3- A sociedade “Pinto& Cunhado Construção Civil, Lda.” intentou acção de processo comum contra a aqui Autora e Réu, estes dois na qualidade de Réus, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Central Cível- Juiz 1, processo n.º 1493/23.3..., pedindo a condenação destes no pagamento da quantia de €93.341,29 [noventa e três mil, trezentos e quarenta e um euros e vinte nove cêntimos], por conta do acordo referido em 2.


4- Autora e Réu, na qualidade de Réus, contestaram conjuntamente os termos da acção referida em 3.


5- No âmbito do processo referido em 3-, em sede de audiência de julgamento, foi alcançado acordo, exarado em acta, nos seguintes termos:

“1.º A Autora reduz o pedido para a quantia de 37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos euros) que os Réus aceitam pagar solidariamente.

2.º O pagamento será feito em 2 (duas) prestações de montante igual a € 18.750,00 (dezoito mil setecentos e cinquenta euros), sendo que a primeira prestação será paga até ao dia 15 de abril de 2024 e a segunda até ao dia 15 de junho de 2024, por transferência bancária para o IBAN da Autora que os Réus conhecem do Banco Santander Totta. (…)”.

“O acordo que antecede foi explicado pelo Mm.º Juiz .. aos Réus aqui presentes, tendo estes declarado que concordam com o mesmo, …”.

6- O acordo referido em 5- foi homologado por sentença prolatada em acta, transitada em julgado em 26.06.2024, nos seguintes termos:

Considerando a qualidade dos intervenientes e o carácter disponível dos direitos em litígio, a transacção e a desistência do pedido reconvencional que antecedem são válidas e eficazes e, declarando-as como tal, homologo-as por sentença, condenando as partes a cumpri-la nos seus precisos termos e declarando extintos os direitos que se pretendiam exercer com a reconvenção (arts. 283º, nº2, 284º, 285º, nº 1, 289º e 290º, nº 4, do Código de Processo Civil).

Custas na forma acordada.

Notifique e registe.

7- Em 08.04.2024, a Autora, nos termos do acordo referido em 5-, liquidou junto da sociedade “Pinto& Cunhado Construção Civil, Lda.”, Autora naqueles autos, a 1.ª prestação, no valor de € 18.750,00 [dezoito mil setecentos e cinquenta euros], por transferência bancária da sua conta com o IBAN ....


8- Por mensagem datada de 17/06/24, 13:19:26, o Réu transmitiu à Autora o seguinte: Uma vez que não atendes digo te por mensagem… já que é isso que queres. Como sabes não tenho hipótese de te pagar tudo de uma vez, vou fazer te depósitos mensais na medida do que poder até o valor estar liquidado. Se quiseres exercer o teu direito de regresso estás a vontade. Aviso te é desde já que não tenho nada em meu nome, e desconto sobre o ordenado mínimo… por isso se quiseres avançar, avança a vontade. Nem precisas de esperar 10 dias. Podes avançar já hoje


9- Em 17.06.2024, perante a comunicação referida em 8-, a Autora procedeu à liquidação da segunda prestação nos termos do acordo referido em 5-.


10- Nessa mesma data, a Autora transmitiu ao Réu que procedeu ao pagamento da quantia correspondente à segunda prestação, solicitando-lhe o pagamento da quantia por si paga, concedendo-lhe o prazo de dez dia para o efeito.


11- Pedido que a Autora reiterou por missiva postal registada datada de 13.08.2024, cuja receção veio a ser recusada.


12- No âmbito do processo de divórcio que correu termos na Conservatória do Registo Civil de ..., no que concerne ao acordo sobre o destino da casa de morada de família, a aqui Autora e Réu acordaram, em 13.10.2021, que o prédio identificado em 2 e “a casa de morada de família nele em construção constituem bens próprios do cônjuge AA, destinando-se à sua habitação” e que “ o cônjuge AA assume a dívida do Banco BPI, S.A., relativa ao empréstimo concedido a ambos os cônjuges para a construção da casa, no montante de €150.000 euros”.


13- Pela AP 3095 de 2023/01/19, mostra-se registada a propriedade, adquirida por compra à aqui Autora, do prédio identificado em 2 dos factos provados a favor de CC e DD.


14- O Banco BPI, S.A., para aprovação do crédito contraído pela Autora e Ré, elaborou relatório, com data de 25.10.2017, de avaliação do imóvel a construir no prédio referido em 2, atribuindo-lhe o valor de €250.100,00 [duzentos e cinquenta mil e cem euros].


E foram tidos por não provados os seguintes factos:


a) Na primeira quinzena do mês de Agosto de 2021, Autora e Réu acordaram que a Autora ficaria responsável pelo pagamento de todas as dívidas e encargos relacionados com a moradia referida em 2 dos factos provados.


b) Na fase de construção, foi realizada nova avaliação do imóvel referido em 13, tendo sido atribuído o valor de mercado de €290.000,00.


IV.1. O recorrente começa por invocar a nulidade da sentença proferida, nos termos do art. 195º n.º1 do CPC, por o despacho que designou a audiência prévia não ter ventilado a possibilidade de se conhecer imediatamente do mérito da causa. Qualifica, por isso, a sentença proferida como uma decisão surpresa, violadora do princípio do contraditório.


O art. 591º n.º1 do CPC indica, nas suas alíneas, as várias finalidades a que se pode dirigir a audiência prévia, sendo que nem todas estas finalidades são de realização necessária naquela diligência (sendo que, em rigor, até pode ocorrer uma relação de prejudicialidade entre algumas delas). Por isso que, complementarmente, se imponha que o despacho que marque a audiência prévia indique o seu objecto e finalidade (art. 591º n.º2 do CPC). A razão de ser desta imposição é intuitiva: visa-se garantir às partes o conhecimento antecipado do objecto da diligência a fim de a poderem preparar e, assim, nela intervirem de forma esclarecida.


No caso, o despacho que designou a audiência prévia fixou como finalidades a realização de tentativa de conciliação, e, para o caso de esta se frustrar, indicou que «terá ainda a Audiência Prévia o objectivo a que se reporta a alínea b), do citado normativo legal.», reportando-se, com esta menção ao normativo legal, ao art. 591º n.º1 do CPC (anteriormente invocado naquele despacho).


O recorrente afirma que se impunha que naquele despacho fosse feita «referência expressa a tal finalidade de modo a que esta tivesse a possibilidade de poder exercer, nela, efetivamente o contraditório». A alegação envolve dois momentos diferenciados, primeiro quanto à exigência de menção expressa da finalidade; depois quanto aos reflexos dessa exigência para efeitos do cabal exercício do contraditório (onde se invoca a decisão-surpresa).


2. No que concerne ao primeiro momento, a referida imposição legal atinente à indicação das finalidades supõe que esta indicação tenha alguma precisão, à luz do objectivo legal: visando a regra, como referido, permitir às partes anteciparem o objecto da audiência prévia e para ela se prepararem, à luz desse objecto, a marcação deve indicar as finalidades em termos suficientemente concretos para poderem ser apreensíveis pelas partes.


Quanto ao grau de exigência suposto nesta indicação, ele deve entender-se, em primeiro lugar, à luz daquela sua finalidade, devendo por isso ser bastante para permitir a cognoscibilidade do objecto da diligência.


A invocada al. b) do n.º1 do art. 591º do CPC, visando indicar uma das possíveis finalidades da audiência prévia, tem a seguinte redacção: Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar excepções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa.


O despacho que agendou a audiência não indicou de forma expressa a finalidade visada (a avaliação do mérito da causa), fazendo-o por remissão para a referida regra legal que o prevê. E já se sustentou, na verdade, que não é adequado o despacho que se limita a remeter para as alíneas do art. 591º n.º1 do CPC ou a reproduzi-las [3]. Trata-se de posição que, nos seus termos absolutos, se não acompanha, essencialmente por o cumprimento da exigência legal (indicação do objecto e finalidade da audiência) apenas supor que tal seja feito em condições que permitam às partes apreender aquele objecto e finalidade (tanto que a lei processual não estabelece condições ou requisitos específicos a que aquela indicação deve obedecer). Assim, tudo passa, apenas, pela avaliação da suficiência da menção nas concretas circunstâncias presentes em cada caso [4]. Na situação vertente, e num juízo de prognose póstuma, considera-se que a menção realizada era adequada a indicar com suficiente precisão a finalidade visada, entendida esta enquanto avaliação do mérito da causa, em termos de a tornar cognoscível para os destinatários. Em primeiro lugar, porque tal decorre liminarmente da mera leitura da norma para que se remete. É certo que a norma se refere, para além do conhecimento do mérito, também ao conhecimento de excepções dilatórias, pelo que a remissão efectuada não será inteiramente precisa. Mas tal circunstância não é de molde a obscurecer a finalidade da audiência prévia que se pretendeu sinalizar com a remissão para a norma desde logo porquanto a remissão incluía aquela finalidade (avaliação do mérito) e por isso era esta expectável e antecipável. Acresce que o recorrente não invocou qualquer excepção dilatória, nem ela se vislumbra por qualquer forma (e, decerto por isso, não foi avaliada no processo e continua o recorrente sem sinalizar alguma), ficando patente qual a efectiva finalidade visada. Também ainda porquanto, a visar-se o conhecimento de alguma excepção dilatória, deveria ser ela indicada, a fim de advertir as partes para a novidade (que, aqui sim, efectivamente existiria), por eles ignorada e não antecipável. Além disso, o máximo que se retira da remissão global para a referida alínea é que o tribunal poderia conhecer alguma excepção dilatória mas também o mérito da causa. Por fim, deve notar-se que a marcação da audiência prévia foi acompanhada pela indicação de duas finalidades (tentativa de conciliação e conhecimento de excepção ou do mérito da causa), sem indicação de qualquer outra (mormente todas aquelas que estão associadas ao prosseguimento da acção), o que tornava mais fácil ainda apreender o sentido da menção, ao dar conta de que a acção não iria prosseguir. Aliás, e agora já atendendo ao resultado efectivo da indicação realizada, o recorrente até se apercebeu da finalidade em causa (ao admitir, no início da audiência, que a acção poderia não prosseguir, como se explicita a seguir), o que tende a revelar a suficiência concreta da menção.


3. Ainda quanto ao grau de exigência ou precisão daquela indicação das finalidades da audiência prévia, o recorrente parece associar-lhe uma densidade acrescida, afirmando que «a indicação genérica do teor do art. 591.º CPC não possibilita aos sujeitos processuais pronunciarem-se sobre os temas concretos que o juiz entende já poder conhecer», «sem indicação casuística de que pretende conhecer deste ou daquele pedido», «por entender verificada esta ou aquela exceção ou por considerar que os factos (...) não permitem a procedência do pedido (ou da exceção) ou por esta ou por aquela razão».


Admite-se, na linha do exposto, que o grau de precisão na indicação das finalidades visadas pode variar em função das circunstâncias do caso e, em particular, que pode exigir uma indicação da concreta questão ou questões que irão ser avaliadas (não valendo, por exemplo, a genérica remissão para o conhecimento de pressupostos processuais, ou de excepções que não estejam identificadas, ou a menção ao aperfeiçoamento da alegação sem balizar o que necessita de aperfeiçoamento). Não obstante, já se não considera que, no caso, fosse necessária precisão adicional. Assim, e partindo dos exemplos apontados pelo recorrente e quanto ao pedido, apenas foi formulado um pedido e por isso a apreciação do mérito apenas a ele podia dizer respeito, não sendo sequer possível diferenciação entre pedidos. Quanto à excepção (material), nenhuma foi, ao menos formalmente [5], deduzida (e, melhor do que ninguém, ao recorrido cabia disso saber pois só ele as podia deduzir). Quanto à indicação dos factos ou das razões que não permitiriam (ou permitiriam) a procedência do pedido (ou excepção), a posição do recorrente é infundada. O princípio do contraditório deve ser entendido como «garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão», focando-se assim numa ideia de «influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo» [6]. Trata-se da compreensão que tem sido também aceite a nível constitucional, falando o TC, quanto a este princípio do contraditório, na possibilidade de cada uma das partes «poder fazer valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em regra, antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão de poder exercer em condições de igualdade» [7]. Implica assim, em particular, um direito de audição e pronúncia prévia, para a parte poder exercer a sua influência, direito que foi acautelado no caso. Já não envolve este princípio um direito das partes a conhecer antecipadamente as razões do tribunal. De um lado porquanto são as partes que primeiramente delimitam os termos e limites do litígio e o conhecem, intervindo o tribunal apenas no âmbito do litígio tal como pelas partes demarcado e com vista a uma avaliação final. Por isso que não seja o tribunal parte da polémica, não tendo que participar na sua discussão mas apenas na sua decisão (para além, naturalmente, de garantir as condições de um processo equitativo). De outro lado, porquanto nenhuma regra normativa ou princípio legal impõe ao tribunal que antecipadamente partilhe a sua convicção sobre factos ou indique razões ou argumentos, não lhe cabendo antecipar um julgamento de facto ou formular um parecer jurídico para as partes apreciarem (fora, obviamente, das situações em que exista uma perspectiva inovatória na abordagem do tribunal, mas ainda aí o tribunal não intervém na discussão, apenas selecciona uma nova abordagem e alerta as partes, justamente para garantir um processo equitativo) [8]. E muito menos tem que antecipar o sentido da sua decisão, anunciando quais os termos em que pondera decidir, como o recorrente parece pretender (art. 24 das alegações). Ao invés, às partes é que cabe, perante a forma como o conflito está delimitado, colocar ao tribunal as suas razões para o influenciarem na sua decisão, não tendo um direito a avaliar preventivamente a possível inclinação decisória do tribunal (aliás, a ordenação de actos na audiência de julgamento, em que as partes alegam após a produção da prova sem qualquer auscultação da posição do juiz, revela que esta antecipação de factos, razões ou decisões não cabe na estrutura do processo; não se vê porque haveria de ser diferente na fase aqui em causa). Assim, a posição do recorrente envolve uma insustentável inversão de posições [9].


De outro lado, e aceitando, como se disse, que possa, em função das circunstâncias, intervir um dever de acrescida precisão na indicação das questões relevantes, não se julga que tal deva ser relevante no caso pois o objecto do processo era manifestamente simples, esgotando-se numa única questão: saber se a transacção e inerentes pagamentos obrigavam o R. a pagar o valor reclamado à A. à luz do acordo prévio que o R. invocou. Ou até mais estritamente, e dado que o recorrente não contestou a existência ou termos da transacção nem os pagamentos alegados, a questão verdadeiramente pertinente redundava na discussão em torno do acordo prévio que o recorrido tinha alegado (sua existência e efeitos). Apreciar o mérito era apreciar isto, nenhuma outra questão se levantando: o objecto da avaliação revestia-se de manifesta simplicidade, sendo igualmente fácil a sua apreensão. E foi isto que, logo no início da audiência prévia, ainda no âmbito da tentativa de conciliação e antes do depoimento de parte, foi cabalmente explicado pela Mma. Juíza [como decorre dos termos da gravação daquela diligência], e foi isto que foi depois avaliado na sentença.


Por isso não se veja que menção adicional seria exigível, nesta concreta situação, para habilitar o recorrente a conhecer a finalidade ou objecto da audiência prévia.


4. Da posição que adopta, e que se deixou exposta, retira o recorrente a conclusão de que a sentença seria uma decisão-surpresa. Pese embora exista alguma flutuação na definição da decisão-surpresa, fruto dos contornos variáveis que também se atribuem à figura, pode aquela, no contexto aqui em causa, definir-se como a decisão que aprecie certa questão sem previamente facultar aos interessados a possibilidade de sobre ela se pronunciarem. A sua proibição constitui, na verdade, derivação do princípio do contraditório (embora, para outra opinião, derive do princípio da cooperação) e este princípio constitui, por sua vez, manifestação do princípio do processo equitativo (por sua vez integrado no direito de acesso aos tribunais). Já se deixou explicitado o conteúdo deste princípio do contraditório, na sua dimensão operativa no caso.


Ora, o que se verifica no caso é que:


- a convocação para a audiência prévia permitia perceber com suficiência qual a finalidade visada (como já demonstrado).


- logo no início da diligência, e colocada aos Ilustres Mandatários das partes a possibilidade de as partes chegarem a acordo, o Ilustre Mandatário do recorrente referiu que estariam abertos (a essa possibilidade) «até à fase seguinte, se houver». O carácter eventual da referência à fase seguinte («se houver») revela que tinha efectivo conhecimento de poder ocorrer o conhecimento de mérito naquela diligência, inviabilizando a passagem à fase seguinte (conhecimento este que só poderia advir justamente do despacho que agendou a audiência prévia).


- como se referiu já, ainda nessa sede (de conciliação), foi cabalmente explicitada a situação quanto ao que estaria em discussão (e às inerentes limitações probatórias), e bem assim quanto ao objecto do depoimento de parte.


- frustrada a conciliação, foi proferido despacho que, determinando a realização de depoimento de parte, deixou clara a matéria controvertida e as limitações inerentes à sua discussão.


- foi prestado o depoimento de parte, que incidiu exclusivamente sobre a questão do acordo prévio.


- de seguida foi dada a palavra para alegações aos Ilustres Mandatários das partes e, no uso da palavra, o Ilustre Mandatário do recorrente discutiu justamente a demonstração do acordo prévio que o recorrido tinha alegado.


- a final, foi proferido despacho que mandou abrir conclusão para ser proferida sentença.


Perante este quadro, fica por perceber onde ocorreu a violação do princípio do contraditório e, em especial, onde fazer radicar o carácter surpreendente, no sentido exposto, da decisão. Deve começar por sublinhar-se que a audiência prévia visa, neste tipo de situações, facultar às partes a discussão de facto e de direito sobre o mérito da causa (citado art. 591º n.º1 al. b) d CPC). Ora, não só o recorrente revelou ter conhecimento do objecto da audiência prévia, como no decurso desta e antes das suas alegações foram claramente vincadas as questões pendentes. E nesta sequência, usou da palavra de forma cabal, pronunciando-se justamente sobre a questão que permanecia controvertida. O seu direito de pronúncia (de avaliar o mérito, e de sobre ele se pronunciar em termos de poder assim influenciar o sentido da decisão a proferir) foi cabalmente acautelado e exercido, e foi-o em termos que não revelam qualquer questão (nova) que tenha escapado ao âmbito do contraditório. Sendo ainda que em momento algum mostrou o recorrido estar numa posição diminuída, nem muito menos invocou qualquer vício ou sequer a necessidade de alguma dilação (ou adiamento) para se preparar para a discussão. Assim como neste recurso, baseando-se em afirmações formais (a designação da diligência não fixou finalidades) ou gerais (violou assim o princípio do contraditório), nunca explicita de que modo ficou efectivamente prejudicado o exercício do contraditório. Inexiste, pois, fundamento para dar como verificada a violação do princípio do contraditório (o que prejudica a avaliação do exacto enquadramento jurídico de tal questão).


Elemento perturbador podia ver-se na iniciativa de audição da parte tomada na própria diligência (a licitude da audição deriva do art. 452º n.º1 do CPC), mas trata-se de questão que, independentemente do seu enquadramento, se mostra ultrapassada por o recorrente não ter a ela reagido no momento em causa nem ter, de qualquer modo, suscitado a questão no recurso.


5. Nota-se também, por fim, que verdadeiramente decisão-surpresa existirá quando o objecto da audiência prévia aponte em certo sentido e na audiência sejam colocadas questões novas, não contempladas naquele sentido. Não é o caso. Ou quando o objecto da audiência prévia seja fixado de forma tão ampla ou indeterminada ou, sobretudo, ambígua, que torna as questões discutidas novas, no sentido de não antecipáveis. Também não é esse o caso.


6. De seguida, o recorrente invoca a nulidade da sentença porquanto o tribunal «não fundamentou de facto e de direito a sua decisão», violando-se assim o disposto nas al. b), c) e d) do n.º1 do art. 615º do CPC, afirmando ainda que a decisão violou regras da CRP.


De acordo com as regras legais invocadas, resulta que:


1 - É nula a sentença quando:


a) (…)

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;


d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;


A alegação, reportada à falta de fundamentação da sentença (e assim à al. b) do citado n.º1 do art. 615º), causa perplexidade pois a sentença está manifestamente fundamentada. Tão evidente é a asserção que não justifica sequer desenvolvimento adicional, afirmação esta reforçada pelo facto de o recorrente, para além da genérica afirmação da falta de fundamentação, nunca explicitar o que estaria em falta. Por esta razão é também inconsequente a menção a preceitos constitucionais, relacionados com esta putativa falta de fundamentação.


A invocação da al. b) do n.º1 do art. 615º do CPC não vem sequer assente em qualquer argumentação, pois o recorrente em momento algum invocou (e muito menos discutiu, revelando) a existência de qualquer contradição, ambiguidade ou obscuridade.


Quanto à al. d) do mesmo n.º1 do art. 615º do CPC, vale a mesma completa ausência de específica fundamentação, não se chegando sequer a esclarecer se estaria em causa a omissão ou o excesso de pronúncia, ou ambas (sendo certo que a falta de fundamentação não se confunde com a omissão de pronúncia).


Inexiste, pois, qualquer nulidade intrínseca da sentença.


7. Por fim, sustenta o recorrente que os autos ainda não forneciam todos os elementos necessários para uma decisão justa, que o tribunal só deveria conhecer do mérito da causa se não existisse necessidade de mais provas, o que não era o caso pois havia necessidade de produção de prova testemunhal. E que os factos das al. a) e b) dos factos não provados foram excluídos por falta de prova quando não foi facultada essa possibilidade probatória ao recorrente.


No fundo, o que o recorrente sustenta é que não deveria ser proferida decisão de mérito sem que pudesse produzir prova testemunhal a fim de demonstrar a matéria que alegou.


Atendendo aos termos da contestação, esta releva sobretudo quanto ao invocado acordo verbal entre a A., recorrida, e o R., recorrente, pelo qual «a moradia ficaria para a Autora e [...] esta ficaria também responsável por todas as dívidas e encargos que estivessem relacionados com a mesma». Todos os demais factos têm natureza instrumental, visando apenas indiciar ou dar consistência ou verosimilhança aos termos desse acordo.


Àquele acordo atribui o R. um efeito impeditivo do direito invocado pela A. por o desresponsabilizar por dívidas associadas à moradia. Trata-se, assim, de convenção que, de acordo com essa visão das coisas, se opunha à transacção realizada, pois nesta a obrigação documentada foi também assumida pelo recorrente, e, em especial, foi-o em termos solidários, implicando que o recorrente também ficou responsabilizado perante a recorrida pelo que esta pagasse a mais (art. 516º e 524º do CC).


A transacção consta de documento autêntico (art. 363º n.º2 do CC e art. 290º n.º4 do CPC). Nessa medida, justifica-se a aplicação do art. 394º n.º1 do CC, segundo o qual, e na parte que aqui releva, se mostra inadmissível a prova por testemunhas se tiver por objecto convenção contrária ao conteúdo de documento autêntico, ainda que aquela convenção seja anterior à formação do documento. Assim, como a regra legal se reporta a convenções, abrange acordos autónomos e não apenas meras cláusulas do acordado no documento autêntico. Basta que estejam em causa estipulações que conflituem com o teor do documento autêntico. E também não releva a ordem de formação dos acordos. Pelo que se mostra ajustada a invocação daquela regra no caso, e, assim, fica demonstrada a inviabilidade, de princípio, de produção de prova testemunhal sobre os termos do acordo verbal. Sendo que do mesmo passo, por força do art. 351º do CC, fica igualmente afastada a possibilidade de lançar mão de presunções naturais, o que torna irrelevante a discussão dos factos instrumentais que servem de suporte àquelas presunções (art. 349º do CC).


Admite-se que a inviabilidade de produção de prova testemunhal (ou, nessa sequência, por presunção) sobre as convenções contrárias ou adicionais a documentos autênticos conheça excepções, sendo, em particular, amplamente aceite que aquela prova testemunhal pode ser admitida quando exista um início de prova documental sobre a convenção verbal. Este início de prova documental radicaria na existência de documentos (um ou vários) que, isoladamente ou em conjunto, não servem para revelar a convenção em causa, mas ainda assim tornavam verosímil a existência da convenção. A partir deste começo de prova já se poderia admitir a prova testemunhal quer com uma função interpretativa (esclarecendo um dos sentidos possíveis dos documentos) quer, no limite, mesmo com uma função integrativa, para esclarecer a vontade que dos documentos se poderia retirar. Assim, a base da demonstração da simulação seria ainda documental (salvaguardando-se desta forma a ratio da proibição legal, oposta à falibilidade da prova testemunhal), vindo a prova testemunhal a ser utilizada apenas em termos complementares ou adjuvantes ou marginais [10].


8. Tal excepção não tem, porém, valor operativo no caso.


De um lado, porquanto o recorrente não ofereceu qualquer prova documental que pudesse indiciar sequer a existência de tal acordo verbal, nem tal resulta igualmente de qualquer dos documentos juntos aos autos pela A. (relevantes atento o princípio da aquisição processual - art. 413º do CPC). Os documentos juntos aos autos não contêm ou traduzem qualquer manifestação de vontade que, apontando num certo sentido, seja susceptível de ser aqui interpretada ou mesmo integrada através de prova testemunhal (ou por presunção). Em particular, assim não vale o acordo de atribuição da casa de morada de família pois, por uma banda, tem um desiderato muito limitado e circunscrito, sem extravasar o que expressamente contempla, e, de outra banda, estando em causa bem próprio da recorrida, natural seria que assumisse esta os encargos bancários. Já daí nada se retira de seguro sobre demais obrigações assumidas, ou quanto a outros acordos, sendo certo que subjacente àquele acordo (de atribuição da casa de morada de família) podem estar em causa arranjos de interesses muito diversos. Ao invés, o que do acordo se tende a retirar, dada a sua singeleza, é que nada mais terá sido acordado. Ou, pelo menos, nenhum sinal seguro da existência de outras vontades negociais dele se retira. Ora, sob pena de adulteração da intenção subjacente à proibição legal, a restrição admitida àquela proibição da prova testemunhal tem que assentar numa realidade que deriva do documento com algum grau de evolução ou consistência, que já aponta para uma certa intenção negocial (embora não a demonstre cabalmente), não se bastando com a utilização da prova documental como mero sinal de vontades negociais que lhe são inteiramente externas, porque assim se reduz o documento a termos meramente indiciários, surgindo apenas como um dos indícios que, integrado numa mais ou menos ampla cadeia de indícios (onde os demais indícios seriam testemunhalmente adquiridos), permitiria alcançar a realidade ignorada (demonstranda) [justamente excluindo que o documento possa servir como mero indício pois, nesse caso, o papel determinante acabaria por ser devolvido às testemunhas, contra a intenção legal, C. Fernandes, ob. cit., pág. 60 nota 26]. Repare-se que a restrição que por esta via se admite à proibição legal assenta essencialmente no carácter meramente integrador ou complementar da prova testemunhal, face aos dados já documentalmente demonstrados, asserção que não pode ser invertida sem comprometer o regime legal [acentuando o carácter residual da prova testemunhal, Ac. do STJ de 07.02.2017, proc. 3071/13.6TJVNF.G1.S1, in 3w.dgsi.pt]. Quanto às mensagens trocadas, o que tendem a revelar é que nelas o recorrente reconhecia dever aquilo que agora recusa pagar, delas não derivando qualquer sinal de um acordo contrário à transacção documentada.


Donde inexistir aquele início de prova documental relevante - asserção esta cuja cabal demonstração deriva ainda do facto de o recorrente nunca o chegar a sustentar, sendo que, apesar de invocar os documentos do processo, nunca lhes atribui tal valor. Aliás, a alegação do recorrente caracteriza-se pela completa ausência de referências ao regime do art. 394º n.º1 do CC, argumentando como se este regime, essencial no caso, não existisse.


De outro lado, a referida excepção legal também não monta porquanto o recorrente não invocou que tivesse documentos relevantes para juntar (ou que a possibilidade de junção de documentos concretos lhe tivesse sido coarctada). Ao invés, mesmo neste recurso invoca apenas a prova documental já produzida no processo e remete depois para o requerimento probatório oportunamente apresentado (v. art. 18 e 19 das alegações e conclusões), requerimento este que apenas envolvia o depoimento de parte da recorrida (prestado) e prova testemunhal. Afirmando ainda, expressamente, que a prova que se mostrava necessário produzir era (apenas) a prova testemunhal (art. 29 das alegações e conclusões). Isto ainda a ponderar à luz do seguinte quadro: i. a prova documental deve, como regra, ser apresentada com o articulado onde se alegam os fundamentos da defesa (art. 423º n.º1 do CPC) e por isso inexiste um direito específico a uma junção futura; ii. sabendo o recorrido da possibilidade de ser conhecido o mérito da causa na fase da audiência prévia, como já ficou afirmado, cabia-lhe o ónus de juntar a prova documental que estivesse (indevidamente embora) a reter, ou, a ter o recorrente dificuldade nessa junção, cabia-lhe solicitar prazo ou a intervenção do tribunal (v.g. art. 7º n.º4 do CPC, com refracção em normas específicas, como os art. 429º, 432º ou 436º do CPC); e iii. não vale a invocação genérica da possibilidade de juntar documentos até à audiência de julgamento (rectius, nos termos do art. 423º n.º2 do CPC) como forma de impor a realização de tal audiência pois inexiste regra legal que justifique (e tutele) essa expectativa de modo absoluto, impondo sempre a realização da audiência de julgamento para garantir a possibilidade de junção tardia de documentos, e tal contraria a lógica legal inerente ao art. 595º n.º1 al. b) do CPC - isto especialmente à luz da posição recorrente, que nunca invoca a existência de outros documentos relevantes, a juntar (também o art. 590º n.º2 al. c) do CPC revela que a mera possibilidade de junção tardia de documentos não deve impor a realização do julgamento) [11]). Donde não ser também procedente esta objecção.


Neste contexto, fazer prosseguir a acção para ouvir testemunhas, como o recorrente pretende, que não podiam demonstrar os factos relevantes, seria desproporcional e, em último termo, inútil.


9. De forma algo enigmática, o recorrente afirma singelamente que o «acordo homologado (...) não faz prova do acordado entre a Autora e o Réu». Não explicita nem atribui efeito específico à afirmação, sendo certo que os termos da transacção não foram impugnados. A menção é assim irrelevante.


10. Decaindo, suporta o recorrente as custas do recurso (art. 527º n.º1 e 2 do CPC).


V. Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.


Custas pelo recorrente.


Notifique-se.

Datado e assinado electronicamente.

Redigido sem apelo ao Acordo Ortográfico (ressalvando-se os elementos reproduzidos a partir de peças processuais, nos quais se manteve a redacção original).

António Marques da Silva - Relator

Maria João Sousa e Faro - Adjunta

Filipe César Osório - Adjunto

1. Intitulada «auto de audição art. 898º CPC», o que constitui manifesto lapso, não significativo.↩︎

2. Em reprodução literal.↩︎

3. V. P. Pimenta, Processo civil declarativo, Almedina 2023, pág. 271.↩︎

4. É, por exemplo, incompreensível afirmar ilegal despacho que indica que vai ser proferido despacho saneador (art. 591º n.º1 al. d) do CPC), ou que apenas remete para esta norma, em situação em que o saneamento é apenas tabelar (por inexistirem qualquer questões autónomas ou excepções a discutir): não se vê que menções adicionais seriam exigíveis.↩︎

5. Não é seguro que a alegação do acordo prévio, pelo R., constitua matéria de impugnação (dado se tratar de matéria compatível com a versão factual da A., apenas se opondo aos efeitos visados por esta), mas foi tratada pelo tribunal e pelas partes, sem discussão, como matéria de impugnação e eventual diferente qualificação não alteraria os termos da questão (quer pelo desenvolvimento concreto do processo, quer por aquela questão acabar por se inserir sem autonomia na apreciação do pedido da A.).↩︎

6. L. de Freitas, Introdução ao processo civil, Gestlegal 2023, pág. 132/133.↩︎

7. V., por último, o Ac. 151/2025 do TC (que remete para anteriores decisões), disponível no site do TC.↩︎

8. Mesmo P. Pimenta (que tem, como se viu, uma posição aparentemente mais extrema), não chega ao ponto de sustentar o tipo de indicação que, nesta parte, o recorrente pretende, reportando aquele Autor apenas que, se houver vários pedidos ou excepções peremptórias, seria indispensável indicar qual o aspecto do mérito da causa que se pretende conhecer (loc. cit.). Hipótese que, como se viu, se não coloca no caso.↩︎

9. E abria a caixa de pandora pois o tribunal ficava vinculado às razões que comunicava, em detrimento da sua liberdade decisória; ou se, após reflexão (até na sequência da discussão com as partes), quisesse alterar aquelas razões, ficava obrigado a nova comunicação, e assim sucessivamente (sendo que a solução final, e seus fundamentos, só se fixam no momento da decisão e esta não se confunde com aquela comunicação).↩︎

10. Sobre isto, v. Ac. do STJ de 09.07.2014, proc. 5944/07.6TBVNG.P1:S1, ou do TRP de 25.02.2021, proc. 706/19.0T8AMT.P1, ou do TRC de 09.01.2018, proc. 8470/15.6T8CBR.C1 (todos em 3w.dgsi.pt), ou Rita Gouveia, Comentário ao CC, UCP 2023, pág. 185, C. Fernandes Estudos sobre a simulação, Quid Juris 2004, especialmente pág. 58 e ss., ou L. Freitas, A acção declarativa comum, Gestlegal 2023, pág. 331 nota 7 e também em CC Anotado, Almedina 2024, pág. 514.↩︎

11. A notificação aqui prevista não foi realizada. A questão não foi suscitada no recurso mas sempre valeriam as considerações do texto quanto à inexistência de documentos a juntar (que o recorrente não invoca), face à posição do juiz (que não tem condições para saber se tais documentos existem, para convidar a parte a juntá-los).↩︎