Sumário (da responsabilidade do relator - art. 663º n.º7 do CPC):
- o acompanhante só está obrigado a prestar contas pelos actos que pratique, não podendo ser obrigado a prestar contas, mormente indicando despesas e sua aplicação, decorrentes de actos cuja autoria lhe não é atribuída.
Acordam no Tribunal da Relação de Évora
I. AA, filha do acompanhado BB, sendo acompanhante CC (irmão da requerente), intentou «incidente de revisão da medida de acompanhamento» alegando, no essencial, que:
- foram realizadas operações bancárias a partir de conta do acompanhado (transferência de 40.000 euros para conta do acompanhante e vários levantamentos em ATM), as quais, dada a ligação do acompanhante com a mãe da requerente, presume terem sido realizadas pelo acompanhante.
- o acompanhante impede a requerente de estar com o acompanhado.
Para além de pedir que fosse constituído o conselho de família, com a intervenção da requerente (ou em alternativa que esta fosse nomeada acompanhante, juntamente com o seu irmão), e que fosse decretada medida que assegurasse o direito do acompanhado de manter a sua relação com a requerente, pediu ainda que fosse «decretado judicialmente (...) uma prestação de contas ao Acompanhante CC».
O MP, em representação do acompanhado, respondeu, tendo requerido que o acompanhante prestasse contas das transferências realizadas e indicasse o motivo pelo qual obstaculiza as visitas da requerente ao beneficiário.
O acompanhante respondeu, contrariando a versão da requerente, tendo, em particular, afirmado que:
- os valores em causa pertencem aos pais da requerente e acompanhante.
- a transferência de 40.000 euros visou rentabilizar o valor, sendo a conta titulada pela mãe da requerente e do acompanhado (sendo este segundo titular por pedido da mãe).
- os demais levantamentos foram realizados pela mãe do acompanhante e da requerente, sendo o requerente alheio a tais operações.
Suprida judicialmente a autorização do acompanhado, procedeu-se à produção da prova relevante, no decurso da qual foi realizada transacção e ocorreu desistência parcial do pedido, negócios processuais estes que puseram termo ao processo salvo no que respeita i. à nomeação de um segundo acompanhante e ii. à prestação de contas por parte do acompanhante - passando a ser estas as únicas questões a avaliar.
Foi depois proferida a seguinte decisão:
«julgo parcialmente procedente o presente incidente de alteração/modificação de medidas de acompanhamento e, consequentemente, determino a obrigatoriedade do Acompanhante CC prestar contas quanto às operações bancárias descritas nos pontos 7) e 8) dos factos provados, absolvendo-se o mesmo do demais peticionado.».
Mais foi decidido o seguinte: «Custas do incidente pelo Acompanhante, por ter deduzido oposição (Cfr. art. 539º, n.º 1, do CPC).».
Desta decisão foi interposto recurso pelo acompanhante, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O tribunal a quo decidiu o seguinte: Custas do incidente pelo acompanhante, por ter deduzido oposição (Cfr art.º 539.º, n.º 1 do CPC (c) Responsabilidade por custas).
2. Discorda-se deste segmento condenatório relativo à obrigação de pagamento de custas, pelo que vem pedir a reforma relativa às custas, nos termos do artigo 616.º, n.º 1 e 3 do CPC.
3. Entendeu o tribunal a quo entender que a mera apresentação da oposição implica, per se, a responsabilização pelo pagamento de custas pelo oponente, independente do vencimento ou decaimento da ação, entendimento que não acompanhamos.
4. O tribunal não atentou à regra contida no número 1 do artigo 533.º do C.P.C, segundo o qual existe a responsabilização da parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previsto no Regulamento das Custas Processuais.
5. O artigo 539.º, n.º 1 do Código Processo civil refere que a taxa de justiça nos incidentes é paga pelo requerente e havendo oposição, pelo requerido.
6. Ou seja, cada um pagará a taxa de justiça pelo seu impulso processual, não se podendo interpretar no sentido da responsabilização do pagamento das custas em resultado da apresentação da mera oposição.
7. Na verdade, resulta do disposto nos artºs 529º, nº. 2 do NCPC e 6º, nº. 1 do RCP que o impulso processual de cada interveniente ou parte interessada constitui o elemento sujeito ao pagamento da taxa de justiça, sendo regra geral que os interessados directos no objecto do processo, quer quando impulsionem o seu início, quer quando formulem em relação a ele um impulso de sentido contrário, são responsáveis pelo pagamento de taxa de justiça processual.
8. A Lei não estabelece uma conjunção subordinativa condicional, para indicar uma condição ou uma hipótese (ex.: A taxa de justiça nos procedimento cautelaras ou incidentes é paga pelo requerente ou pelo requerido se houver oposição.”
9. O que importa é o vencimento ou decaimento e, se for o caso, a respectiva proporção e não a imputação das custas ao oponente em qualquer caso. É de elementar justiça distrair as custas judiciais pela medida do decaimento, caso contrário, teríamos que entender que o oponente seria sempre responsável pelas custas mesmo que a oposição ao incidente fosse julgado parcial ou mesmo totalmente procedente.
10. No caso concreto, de acordo com a douta sentença decide o seguinte:
VII- DECISÃO
Em face do exposto julgo parcialmente procedente por provada o presente incidente de alteração/modificação de medidas de acompanhamento e, consequentemente, determino a obrigatoriedade do acompanhante CC prestar contas quanto às operações bancárias descritas em 7) e 8) dos factos provados, absolvendo-se o mesmo do demais peticionado.” (O sublinhado é nosso).
11. In casu, a ação foi parcialmente procedente pelo que há que aferir a medida do decaimento, o qual será essencial pata afectação da responsabilidade pelas custas.
12. Por outro lado, importa proceder à concreta aferição da proporcionalidade do decaimento que não resulta da sentença.
II.II - Conclusões sobre erro de julgamento e Matéria de Direito:
Erro de julgamento:
13. Tem o presente recurso por objecto a sentença proferida pelo tribunal a quo que julgou parcialmente procedente por provado o incidente de alteração/modificação de medias de acompanhamemto e, consequentemente, determinou a obrigatoriedade do Acompanhante CC prestar contas quanto às operações bancarias descritas nos pontos 7) e (8) dos factos provados, absolvendo-se o mesmo do demais peticionado.
14. O objecto do presente recurso respeita, como tal, à decisão de determinação da obrigatoriedade do Acompanhante prestar contas.
15. Na douta sentença proferida pelo tribunal a quo, foram, entre outros, julgados provados os factos seguintes:
“1. V – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
a) Factos Provados:
“1- Por sentença proferida nos autos principais a que este incidente se encontra apenso, em 26.04.2024, transitada em julgado no dia 14.05.2024, foi nomeado CC, como acompanhante do seu pai BB, em regime de representação geral (o qual abrange também a administração de bens).
(…)
7- Nesse mesmo dia 27.05.2024, para além desta transferência, foram efectuados ainda dois levantamentos em ATM BCP Rua da Liberdade, em ..., no valor de € 200,00 (duzentos euros) cada, num total de € 400,00 (quatrocentos euros).
8- Para além dos levantamentos referidos em 7), foram ainda realizados os seguintes levantamentos bancários da conta com o n.º ... do Banco Millennium BCP:
- no dia 18.06.2024, a quantia de € 200,00 (duzentos euros), por duas vezes, em ATM BCP Rua da Liberdade, em ..., num total de € 400,00 (quatrocentos euros);
- no dia 01.07.20244, a quantia de € 200,00 (duzentos euros), numa ocasião e a quantia de € 150,00 (cento e cinquenta euros), numa outra ocasião, ambas em ATM BCP Rua da Liberdade, em ..., num total de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros);
- no dia 25.07.2024, a quantia de € 200,00 (duzentos euros), por duas vezes, em ATM CGD ... Gran.PI, num total de € 400,00 (quatrocentos euros);
- em 22.08.2024, a quantia de € 200,00 (duzentos euros), por duas vezes, em ATM CGD ... Gran.PI, num total de € 400,00 (quatrocentos euros);
- em 19.09.2024, a quantia de € 200,00 (duzentos euros), por duas vezes, em ATM ..., num total de € 400,00 (quatrocentos euros).
9- A conta bancária com o n.º ... do Banco Millennium BCP é uma conta que os progenitores da Requerente abriram há mais de 30 anos e que sempre utilizaram para depósito das suas economias de muitos anos, e à qual recorrem para os seus gastos pessoais diários, ordinários e extraordinários.
10. DD, na qualidade de primeira titular da conta bancária referida em 9), é titular de um cartão de débito – cartão multibanco – associado á mesma, com o qual faz levantamentos bancários com a ajuda logística de terceiros.
11- Os saldos contantes na conta referida em 9), pertencem exclusivamente ao Beneficiário e a DD, embora também seja co titulada pela Requerente, que nela nunca fez qualquer provisão ou movimento.
(cfr. douta sentença recorrida, II-Fundamentação de Facto, Factos provados, págs. 4 e 6).
E foram julgados não provados os factos seguintes:
b) Factos Não Provados:
a) Que os levantamentos bancários referidos em 7) e 8) tenham sido realizados pelo Acompanhante CC.
b) Que o Acompanhante CC esteja a colocar DD contra a Requerente, aproveitando-se da deterioração da relação entre elas.
(cfr. douta sentença recorrida, II-Fundamentação, de Facto, Factos não provados, pág. 9).
16. A Meritíssima juiz do tribunal “a quo” entendeu - a nosso ver erradamente - que dos factos dados como provados e não provados resulta a obrigação do acompanhante prestar contas.
17. Estamos perante um duplo erro de julgamento!
Do erro de construção no silogismo judiciário:
18. É que a conclusão extraída dos factos provados em 7), 8), 9), 10) e 11) e não provados em a), não corresponde às premissas de que ele emerge.
19. O processo lógico, silogístico, desenvolvido pelo tribunal “a quo" não está conforme às premissas.
Vejamos:
20. Por um lado, foi como dado como provado que:
• no dia 27.05.2024, foram efectuados ainda dois levantamentos em ATM BCP Rua da Liberdade, em ..., no valor de € 200,00 (duzentos euros) cada, num total de € 400,00 (quatrocentos euros) (Facto provado 7) e;
• E, para além dos levantamentos referidos em 7, foram ainda realizados os seguintes levantamentos bancários da conta com o n.º ... do Banco Millennium BCP:
- no dia 18.06.2024, a quantia de € 200,00 (duzentos euros), por duas vezes, em ATM BCP Rua da Liberdade, em ..., num total de € 400,00 (quatrocentos euros);
- no dia 01.07.20244, a quantia de € 200,00 (duzentos euros), numa ocasião e a quantia de € 150,00 (cento e cinquenta euros), numa outra ocasião, ambas em ATM BCP Rua da Liberdade, em ..., num total de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros);
- no dia 25.07.2024, a quantia de € 200,00 (duzentos euros), por duas vezes, em ATM CGD ... Gran.PI, num total de € 400,00 (quatrocentos euros);
- em 22.08.2024, a quantia de € 200,00 (duzentos euros), por duas vezes, em ATM CGD ... Gran.PI, num total de € 400,00 (quatrocentos euros);
- em 19.09.2024, a quantia de € 200,00 (duzentos euros), por duas vezes, em ATM ..., num total de € 400,00 (quatrocentos euros).”
(Facto provado 8.)
• A conta bancária com o n.º ... do Banco Millennium BCP é uma conta que os progenitores da Requerente abriram há mais de 30 anos e que sempre utilizaram para depósito das suas economias de muitos anos, e à qual recorrem para os seus gastos pessoais diários, ordinários e extraordinários. (Facto provado 9.).
• DD, na qualidade de primeira titular da conta bancária referida em 9), é titular de um cartão de débito – cartão multibanco – associado á mesma, com o qual faz levantamentos bancários com a ajuda logística de terceiros. (Facto provado 10.)
21. E, por outro lado, foi dado como não provado:
• Que os levantamentos bancários referidos me 7) e 8) tenham sido realizados pelo Acompanhante CC (Facto não provado a)) .
Ora,
22. tendo sido dado como não provado que foi o acompanhante CC quem efectuou os levantamentos das quantias depositadas na conta, melhor referidos em 7) e 8) dos factos provados, não fará qualquer sentido obrigar o mesmo Acompanhante a prestar contas dessas quantias.
23. Tal significa obrigar o Acompanhante a prestar contas de operações bancárias, consistentes em vários levantamentos de dinheiro, que não efectuou, não movimentou, nem tem sabe onde foi aplicado ou gasto o dinheiro.
24. O Acompanhante não pode, por não lhe ser possível, prestar contas das operações bancárias referidas em 7) e 8) dos factos provados, uma vez que não foi o autor das mesma e, portanto, não foi um ato de gestão.
25. Não resulta dos autos que tal dinheiro tenha sido dissipado, que tenha desaparecido ou que, de alguma forma, tenha sido subtraído ao Acompanhado.
26. E, para além disso, não resultou provado que tais levantamentos foram efectuados pela esposa do beneficiário, o tribunal “a quo” apenas admite essa possibilidade, mas não dá como provado.
27. Na fundamentação da sentença, o tribunal a quo considera que “a terem sido efectuados pela esposa do beneficiário, cabe a este controlar a boa administração dos saldos constantes nas contas bancárias tituladas pelo acompanhado, tato mais que resultou provado assente que aquele é cuidado informal da sua mãe, DD.”
28. Não se concorda com o raciocínio assim expendido: Em primeiro lugar porque o Acompanhante não é cuidador informal da mãe, nem lhe foi atribuído tal estatuto, nem esse facto foi alegado, apenas a ajuda nalgumas tarefas e, em segundo lugar, porque se trata apenas de uma mera probabilidade, uma vez que não resultou provado quem efectuou as operações bancárias enunciadas em 7) e 8) dos factos provados.
29. Em suma, o Acompanhante apenas está obrigado a prestar contas dos actos praticados no âmbito da sua administração e não por actos de terceiros.
30. O raciocínio expendido na douta sentença apenas faria sentido se tivesse resultado provado ter sido o Acompanhante a efectuar as operações bancárias descritas em 7) e 8) dos Factos Provados.
31. Pelo que, salvo melhor entendimento, estamos perante um erro de construção no silogismo judiciário, uma vez que o tribunal “a quo” concluiu e decidiu contra a factualidade provada e não provada, o que consubstancia um erro de julgamento.
Matéria de Direito:
32. O tribunal a quo determinou a obrigação da prestação de contas pelo Acompanhante, ao abrigo do artigo 151.º, n.º 2 do Código Civil.
33. Tal decisão constitui uma consequência jurídica contrária aos factos dados com provados e a um facto dado como não provado,
34. logo, o tribunal a quo violou precisamente o n.º 2 do artigo 151.º do Código Civil.
35. Ao determinar a obrigação do Acompanhante prestar contra, o Tribunal a quo decidiu contra os factos provados e, ademais, não atentou ao facto de ter sido dado como não provado que foi o acompanhante quem efectuou as operações bancárias enunciadas em 7) e 8) e, dessa forma, aplicou erradamente a norma jurídica contida no artigo 151.º, n.º 2, , porquanto a aplicação dessa norma pressupõe a administração dos bens do Acompanhado pelo próprio Acompanhante e nunca por terceiro,
36. Aliás, in casu, nem se apurou a autoria das operações bancárias.
37. Não tendo sido o Acompanhante a efectuar tais operações bancárias, não se pode impor-lhe a prestação de contas de bens pertencentes ao casal, que não administrou,
38. Por conseguinte, não existe fundamento legal para exigir a prestação de contas ao Acompanhante ao abrigo do n.º 2 do artigo 151.º do Código Civil, pelo que se impõe uma solução jurídica diversa.
39. Com efeito, em sede de acompanhamento estabelece o art.º 151º, n.º 2 do Código Civil que “o acompanhante presta contas ao acompanhado e ao tribunal, quando cesse a sua função ou, na sua pendência, quando o tribunal o determinar”.
40. Assim, independentemente da fonte, a administração de bens alheios tem sempre subjacente uma relação jurídica estabelecida entre o titular dos bens administrados (beneficiário) e o respectivo administrador (acompanhante).
41. Quero isto dizer que, no âmbito do acompanhamento de maior, a prestação provocada de contas, pressupõe que Acompanhante tenha efectivamente administrado os bens do Acompanhado.
42. E, é, precisamente, essa componente de administração dos bens do beneficiário levada a cabo pelo Acompanhante que pode e deve ser seguida pelo tribunal através da prestação de contas judicialmente determinada, nos termos do artigo 151.º, n.º 2 do Código Civil.
43. Na verdade, o tribunal pode determinar a prestação de contas do Acompanhante sempre que entenda por justificado, porém, não se pode dissociar a prestação de contas de uma efectiva e concreta administração do património do Acompanhado pelo Acompanhante.
44. Não basta que o beneficiário seja o titular, no todo ou em parte, dos bens, é preciso que tenha sido o Acompanhante a administra-los, pois só dessa forma estará em condições de poder prestar contas.
45. Não resultando provado que foi o Acompanhante quem efectuou as operações bancárias mencionadas em 7) e 8), nem tendo sido alegado nem resultado provado que o mesmo tenha gerido esse dinheiro, não estão verificados os pressupostos consagrados no artigo 151.º, n.º 2 do Código Civil,
46. Uma vez que as operações bancárias enunciadas em 7) e 8) não resultaram de qualquer ato de administração do Acompanhante, não estão preenchidos os pressupostos do artigo 151.º, n.º 2, logo o tribunal a quo interpretou erradamente esta norma, porquanto não tem aplicação no caso concreto.
A requerente respondeu, pugnando pela manutenção da decisão impugnada.
Quanto à requerida reforma, foi ela atendida pelo tribunal recorrido, tendo sido reformada a decisão quanto a custas, tendo passado a fixar-se o seguinte: «Custas do incidente a cargo da Requerente e do Requerido, na proporção do decaimento, fixando-se a proporção de 75% para a primeira e 25% para o segundo, nos termos do art. 527º e art. 533º, n.º 1, ambos do CPC.».
Após, nada mais foi requerido.
II. O objecto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 635º n.º4 e 639º n.º1 do CPC), «só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa».
Assim, importa avaliar:
- se é devida a prestação de contas pelo acompanhante por referência aos factos descritos em 7 e 8.
- a distribuição da responsabilidade pelas custas no incidente.
III. Foram considerados provados os seguintes factos [1]:
1. Por sentença proferida nos autos principais a que este incidente se encontra apenso, em 26.04.2024, transitada em julgado no dia 14.05.2024, foi nomeado CC, como acompanhante do seu pai BB, em regime de representação geral (o qual abrange também a administração de bens).
2. Da mesma sentença resultou provado que o Beneficiário padece de doença de demência vascular, em estádio grave com curso crónico e deterioração cognitiva, afectiva e social grave, revelando um quadro cínico débil associado a AVC e a doença neuro-degerativa, apresenta amnésia, discurso desorganizado e falta de juízo critico, carecendo da supervisão e acompanhamento.
3. No dia 27.05.2024, por DD, esposa do Beneficiário BB, foi realizada uma transferência bancária da conta conjunta de que é cotitular com este e com a Requerente, com o n.º ... do Banco Millennium BCP, no montante de € 40.000,00 (quarenta mil euros), para a conta bancária conjunta com o n.º... do Banco Comercial Português, S.A., titulada por DD e pelo Acompanhante CC.
4. A conta bancária conjunta com o n.º ... do Banco Millennium BCP, no dia 27.05.2024, estava aprovisionada com o montante de € 50.169,13 (cinquenta mil cento e sessenta e nove euros e treze cêntimos), tendo após a transferência referida em 3) ficado com um saldo de € 10.169,13 (dez mil cento e sessenta e nove euros e treze cêntimos).
5. A operação bancária descrita em 3), ocorreu na presença do Acompanhante CC e após informação da gestora de conta, que considerou que a quantia depositada nessa conta e referida em 4) era avultada e sem qualquer “rentabilidade”.
6. Na sequência, DD, com a colaboração da sua gestora de conta e na presença do Acompanhante, que a tal não se opôs, decidiu efectuar a transferência descrita em 3) e em acto contínuo, constituir um depósito a prazo (seis meses) de € 20.000,00 (vinte mil euros) e um outro depósito PPR (longo prazo), no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros).
7. Nesse mesmo dia 27.05.2024, para além desta transferência, foram efectuados ainda dois levantamentos em ATM BCP Rua da Liberdade, em ..., no valor de € 200,00 (duzentos euros) cada, num total de € 400,00 (quatrocentos euros).
8. Para além dos levantamentos referidos em 7), foram ainda realizados os seguintes levantamentos bancários da conta com o n.º ... do Banco Millennium BCP:
- no dia 18.06.2024, a quantia de € 200,00 (duzentos euros), por duas vezes, em ATM BCP Rua da Liberdade, em ..., num total de € 400,00 (quatrocentos euros);
- no dia 01.07.20244, a quantia de € 200,00 (duzentos euros), numa ocasião e a quantia de € 150,00 (cento e cinquenta euros), numa outra ocasião, ambas em ATM BCP Rua da Liberdade, em ..., num total de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros);
- no dia 25.07.2024, a quantia de € 200,00 (duzentos euros), por duas vezes, em ATM CGD ... Gran.PI, num total de € 400,00 (quatrocentos euros);
- em 22.08.2024, a quantia de € 200,00 (duzentos euros), por duas vezes, em ATM CGD ... Gran.PI, num total de € 400,00 (quatrocentos euros);
- em 19.09.2024, a quantia de € 200,00 (duzentos euros), por duas vezes, em ATM ..., num total de € 400,00 (quatrocentos euros).
9. A conta bancária com o n.º ... do Banco Millennium BCP é uma conta que os progenitores da Requerente abriram há mais de 30 anos e que sempre utilizaram para depósito das suas economias de muitos anos, e à qual recorrem para os seus gastos pessoais diários, ordinários e extraordinários.
10. DD, na qualidade de primeira titular da conta bancária referida em 9), é titular de um cartão de débito – cartão multibanco – associado á mesma, com o qual faz levantamentos bancários com a ajuda logística de terceiros.
11. Os saldos contantes na conta referida em 9), pertencem exclusivamente ao Beneficiário e a DD, embora também seja co titulada pela Requerente, que nela nunca fez qualquer provisão ou movimento.
12. DD tem dificuldades de locomoção, necessitando de ajuda nas suas actividades da vida diária e que [2] tem assegurado a compra dos alimentos e de outros bens de primeira necessidade para os seus pais é CC, Acompanhante, que se tem assumido como cuidador dos seus pais, e com quem a mãe da Requerente tem uma boa relação de proximidade.
13. Fazendo uso da procuração outorgada pelo Beneficiário BB em 07.08.2007, nos termos melhor descritos no ponto 9) da sentença proferida nos autos principais, DD, de 88 anos de idade, outorgou escritura pública de compra e venda, em 14.06.2022, no Cartório Notarial de ..., através da qual declarou vender a EE e mulher FF, o prédio urbano sito na ..., freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 4300, onde se mostrava registada a aquisição a favor daquela e do Beneficiário e inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo 6038 da mesma freguesia, pelo preço de € 117.000,00 (dezassete mil euros).
14. De acordo com a escritura pública de compra e venda referida em 13), o preço de € 117.000,00 (dezassete mil euros), foi pago da seguinte forma: «i) no dia 08.06.2022 a quantia global de dez mil euros, por duas transferências bancárias, ambas nas quantias de cinco mil euros cada, da conta ordenante n.º ... da Caixa Geral de Depósitos, S.A. para a conta beneficiária n.º ... do Banco BPI, S.A.; ii) o remanescente é pago hoje, por cheque bancário n.º ..., sacado sobre a Caixa Geral de Depósitos.», ou seja, o remanescente foi pago em 14.06.2022.
15. DD, por não se recordar do NIB das contas bancárias de que é titular, solicitou ao Acompanhante CC que indicasse aos compradores o NIB da conta bancária n.º ... do BPI, para que estes pudessem transferir no dia acordado em 13) a quantia a título de sinal e antecipação do pagamento do preço no valor de € 10.000,00 (dez mil euros), o que o Acompanhante fez.
16. Na sequência, os compradores efectuaram duas transferências bancárias no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros) cada para a conta bancária com o n.º ... do BPI, num total de € 10.000,00 (dez mil euros).
17. Nos dias 13.06.2022 e 14.06.2022, o Acompanhante CC procedeu à transferência (em duas tranches de € 5.000,00 cada uma) da quantia a titulo de sinal referida em 15) e 16) da sua conta bancária com o n.º ... do BPI, para a conta bancária com o n.º ... do Banco Comercial Português, S.A., titulada por aquele e por DD.
18. A Requerente desconhecia a existência da conta bancária com o n.º ... do Banco Comercial Português, S.A., titulada por DD e pelo Acompanhante CC.
19. O Acompanhante é segundo titular da conta bancária referida em 18) por vontade de DD, primeira titular, sendo que o saldo nela depositado pertence exclusivamente a esta e ao Beneficiário BB.
20. Quando a Requerente começou a questionar o Acompanhante e DD sobre o destino do produto da venda do terreno, estes responderam que não lhe tinham que prestar contas sobre esse assunto, esquivando-se sempre a responder sobre o mesmo.
21. A relação entre a Requerente e DD deteriorou-se muito com o tempo, sendo que esta passa mais tempo com o Acompanhante CC e tem uma maior proximidade e ligação emocional com este.
22. Até à relação entre a Requerente e DD se começar a deteriorar, aquela também ajudava a mãe com a gestão normal do dia-a-dia e tinha acesso às contas bancárias de que DD e o Beneficiário eram titulares.
23. Pelo menos desde o inicio de 2018, que já era o filho CC quem prestava cuidados médicos aos seus progenitores, quem os visitava, cuidava, tratava, e zelava pela saúde, alimentação e demais cuidados diários ou não, extraordinários ou ordinários.
24. Quer antes da nomeação na qualidade de acompanhante, quer depois dela, CC sempre visitou o Beneficiário diariamente, acompanhando-o a todas as consultas médicas, adquirindo e ministrando a medicação, de acordo com as necessidades consideradas em casa momento.
25. Desde pelo menos início de 2018, aquando a sua pré-reforma, que CC, já auxiliava e acompanhava o seu pai nos cuidados diários, médicos ou outros que se afigurassem necessários.
26. Sempre foi CC quem acompanhou o pai, Beneficiário, ao Centro de Saúde de ..., onde lhe são feitas, mensalmente, análises ao sangue e as consultas com o médico de família, Dr. GG.
27. É o Acompanhante quem procede diariamente à medição e registo da tensão arterial do pai e quem lhe compra a medicação receitada pelo médico de família.
28. Bem como à sua mãe, DD.
29. É o Acompanhante CC quem gere e ministra a medicação aos dois progenitores, de acordo com o receituário médico.
30. Faz a gestão das necessidades alimentares do acompanhado compra os alimentos e produtos necessários, com a qualidade da dieta alimentar adequada.
31. No que concerne aos serviços domésticos, é o Acompanhante CC paga mensalmente a uma empregada que apoia nos cuidados de higiene, limpeza e nas refeições.
32. E diligencia pela aquisição de todos os produtos necessários ao funcionamento da casa de morada de família dos seus pais.
E foram tidos por não provados os seguintes factos:
a) Que os levantamentos bancários referidos em 7) e 8) tenham sido realizados pelo Acompanhante CC.
b) Que o Acompanhante CC esteja a colocar DD contra a Requerente, aproveitando-se da deterioração da relação entre elas.
IV.1. A prestação de contas deve ser realizada, nos termos do art. 151º n.º2 do CC, quando o acompanhante cessar a sua função ou, na pendência desta, quando for judicialmente ordenada. Estando em causa esta segunda hipótese, ela pressupõe dois elementos: uma actuação do acompanhante sobre a esfera patrimonial do acompanhado [3], administrando-a, e a conveniência de prestar informação (em princípio sob a forma específica da prestação de contas) sobre os termos dessa intervenção.
Quanto a esta conveniência, a lei não estabelece o pressuposto da prestação de contas judicialmente imposta, pelo que esta imposição assentará num juízo valorativo que atenderá às circunstâncias presentes, de contornos muito variados, enquanto justificativas da prestação da informação subjacente à prestação de contas (por exemplo, o mero decurso do tempo, sem que o acompanhante preste informação, ou informação satisfatória, ao acompanhado [4], pode só por si justificar a imposição). Nenhum juízo de necessidade ou de censurabilidade se exige.
Quanto ao primeiro elemento, a prestação de contas deriva em regra, e assim é no caso, da dissociação entre a titularidade dos interesses administrados e a titularidade dos poderes de administração. O administrador deve dar contas da sua actuação ao titular (ou co-titular) dos interesses administrados por esta titularidade lhe atribuir um direito de acesso aos termos em que os seus interesses são administrados. Nesse sentido se afirma estar em causa estruturalmente um dever de informação, derivado em termos genéricos do art. 573º do CC, mas um dever de informação que se manifesta de uma forma específica e precisa, operando, de acordo com o art. 941º (aplicável por força do art. 948º) do CPC, através do «apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios» [5].
Quer a natureza da situação, quer esta regra legal (que corresponde àquela situação) pressupõem que esteja em causa a actividade do próprio administrador (do acompanhante, no caso), recebendo ou gastando valores, actividade que se repercute dessa forma no património do acompanhado. Na fórmula legal, têm que estar em causa despesas «realizadas por quem administra bens». A obrigação, nestes termos, só existe, portanto, quando é o acompanhante que realiza (ainda que por intermédio de terceiro) os actos interventivos no património administrado.
Saliente-se que a prestação de contas, pese embora seja ainda uma forma de prestar informação como referido, constitui uma coisa diversa do dever amplo de informação do acompanhante perante o acompanhado (ou perante outros intervenientes relevantes, como o conselho de família), que existe com permanência, pois este dever traduz-se em dar conta do que vai sucedendo (manter o acompanhado «a par das questões mais relevantes») [6], enquanto aquela prestação de contas envolve uma indicação concreta dos movimentos patrimoniais (activos e passivos) realizados pelo acompanhante. Não se confundem, nem a obrigação de prestar contas existe sempre que exista um dever de informação mais amplo: só existirá quando o dever de informação se concretize no dever de facultar uma descrição completa das receitas e despesas realizadas.
A argumentação do recorrente dirige-se a este elemento, que assim se começa por analisar.
A necessidade de existir uma intromissão do acompanhante na esfera patrimonial do acompanhado, já afirmada, é, na realidade, evidente e revela-se ainda numa abordagem negativa: se aquele não interveio nos actos que se repercutem naquela esfera patrimonial (no património administrado), não tem que deles prestar contas pois estarão em causa actos a que é alheio e pelos quais não pode sequer dar informação, no sentido proposto na prestação de contas (indicando a aplicação das despesas ou a proveniência das receitas, e os valores em causa). Em termos liminares, se os actos dispositivos são praticados por terceiro (mormente um co-titular do património), por eles não responde o administrador nem pode responder por, em rigor, ignorar a aplicação. A obrigação de prestar contas não chega a nascer pois esta está associada ao seu papel de administrador e aos actos (v.g. pagamentos e cobranças) que nessa função realize. A existência de actos de intervenção por si praticados constitui, reitera-se, pressuposto essencial da imposição da obrigação de prestar contas a certo sujeito [7].
Ora, dos factos provados não decorre que os actos dispositivos tenham sido praticados pelo recorrente/acompanhante, o que impede que por eles possa ser responsabilizado para efeitos de prestação de contas: não lhe sendo tais actos imputados, fica impedido o nascimento da obrigação de contas inerente, pois a autoria de tais actos é, pelo exposto, a condição primeira e insuperável da prestação de contas. Aliás, mesmo para a obrigação de informação em geral se acentua como seu requisito específico que a pessoa visada esteja em condições de prestar a informação em causa [8]. O que se compreende pois informar consiste na exposição de uma certa situação de facto (Sinde Monteiro), o que apenas pode ocorrer quando o visado tenha dessa situação conhecimento próprio. Ora, tal não pode afirmar-se ocorrer quando não se demonstra que a intervenção no património administrado foi praticada (directa ou indirectamente) pelo obrigado.
2. A decisão recorrida, para impor a obrigação de prestação de contas, baseou-se na ideia de que, a terem sido os movimentos efectuados pela esposa do acompanhado, caberia ao recorrente controlar a boa administração dos saldos constantes nas contas bancárias tituladas pelo acompanhado, tanto mais que resultou assente que aquele é também cuidador informal da sua mãe, DD. Esta avaliação tem-se, no essencial, por correcta. Pertencendo o saldo bancário também ao acompanhado, cabe ao recorrente controlar os movimentos realizados porque, em último termo, podem colidir com os direitos (patrimoniais) do acompanhado, direitos que lhe cabe acautelar. Sucede que este não é pressuposto bastante para impor a prestação de contas pela exposta, e singela, razão de o acompanhante só poder prestar contas, no sentido em causa, do que realiza (dos movimentos que efectua, dos gastos que faz). Pode aquela sua conduta (v.g. a existir violação do dever de cuidado por inacção ou negligência) ser discutida no âmbito da sua idoneidade como acompanhante (quanto à forma como cumpre os seus deveres) e por isso quanto ao merecimento do seu cargo (com a sanção da eventual remoção), ou até no plano da responsabilização pessoal pela sua eventual incúria na gestão dos interesses do acompanhado (face ao dever de cuidado que lhe incumbe, com amplo acolhimento no art. 146º n.º1 do CC). E assim, neste sentido, pode ser chamado a «prestar contas» pela sua actuação. Mas não é neste sentido que se discute a imposição de uma obrigação estrita de prestação de contas, na forma pressuposta naquele art. 151º n.º2 do CC.
3. Na resposta ao recurso, a recorrida adopta uma perspectiva diferenciada, sustentando:
- de um lado, que «resulta destes factos indicados como provados - 3) a 7) - que no dia 27 de Maio de 2024, aquando o levantamento referido no ponto 7) era o Recorrente que se encontrava com a sua mãe DD, e não qualquer outra pessoa». Visto o facto 7), nele não se indica quem realizou os movimentos nem se afirma a presença do recorrente [9]. Sem o afirmar expressamente, a recorrente infere dos factos 3) a 6) que teria sido o recorrente, juntamente com a sua mãe, a realizar os movimentos (usando, pois, de presunção natural).
- de outro lado, «que não é crível que seja outra pessoa (outro terceiro qualquer) que não o Recorrente a gerir ou a administrar o dinheiro da conta conjunta dos seus pais n.º ... do Banco Millennium BCP, com a utilização do cartão bancário de HH, ainda que a seu pedido», tendo em conta o que consta dos factos provados quanto a quem acompanha a DD (factos 10, 12 e 22 [10]). Também neste ponto, a recorrida imputa assim ao recorrente a autoria dos movimentos (ainda que a pedido da DD, sua mãe). Analisado o facto 8 (e os demais factos), neles não consta que foi o recorrente quem efectuou os movimentos (nem consta, na verdade, quem efectuou os movimentos, nem que o recorrente acompanhava quem os efectuou). Aquela imputação alcançar-se-ia, na lógica da recorrida, por inferência, a partir dos demais factos provados a que apela (de novo, por presunção natural).
A presunção parte de factos conhecidos (factos dados como provados) para alcançar o facto desconhecido (inferido), que seria a intervenção do recorrente. Sucede que está tido por não provado que os levantamentos bancários referidos em 7) e 8) tenham sido realizados pelo recorrente (al. a) dos factos não provados). O que significa que o resultado factual que a recorrida pretende extrair das circunstâncias presentes, através de presunções naturais, contraria directamente a forma como foram julgados e fixados os factos, mormente não provados.
Ora, independentemente do acerto, ou não, do resultado obtido com tais presunções, não pode a parte pretender alterar a decisão sobre a matéria em causa através da utilização de presunções sem impugnar a decisão sobre a matéria de facto. Pois, de um lado, tal daria lugar a uma contradição intrínseca na decisão, que, de uma banda, tem certo facto julgado não provado, e, de outro lado, o dá como provado a coberto do mecanismo da presunção (mas sem discutir nem alterar aquele julgamento de facto) [11]. De outro lado, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto constitui pressuposto necessário da reapreciação da matéria factual, o que se retira, a contrario sensu, do regime do art. 662º n.º2 do CPC (quando só admite a alteração oficiosa da matéria de facto nas situações que elenca) [12], impugnação aquela que tem que obedecer ao regime do art. 640º do CPC. E impugnação esta a que notoriamente, a recorrida não apelou (como podia, nos termos do art. 636º n.º2 do CPC).
4. A pretender a recorrida afirmar que seria a mãe do recorrente a realizar os movimentos, mas por ordem daquele ou ao menos acompanhada por aquele, valeriam idênticas objecções pois, além da difícil compatibilização com a referida matéria dada por não provada (e que não foi impugnada), ao menos quanto a ser o recorrente a dar ordens [13], não pode a recorrida pretender ver alterada a decisão sobre a matéria de facto, com a introdução dos factos que agora pretende presumir, sem impugnar aquela decisão, pois a presunção não serve para inserir no processo factos principais (ao menos na perspectiva da recorrida) que não constam do elenco de factos provados ou não provados. E factos que surgem em sede recursória pela primeira vez, o que também concorreria para inviabilizar a sua consideração.
5. De todo o modo, ainda se nota que, mesmo que se demonstrasse que o recorrente acompanhava a sua mãe quando esta fez os levantamentos (a ter sido esta a autora de tais factos, pois isso também não decorre dos factos provados), tal não justificaria a imposição da obrigação de prestação de contas pela razão já indicada: tais actos não seriam atribuíveis ao recorrente mas a terceiro legitimado para movimentar a conta. O facto de o terceiro estar acompanhado pelo recorrente apenas permitiria dizer que este sabia dos movimentos, já não que respondesse por eles ou pela subsequente aplicação dos valores levantados, em termos de dever, ou sequer poder, deles prestar contas. Nesta situação, o acompanhante poderia responder, se disso fosse caso, por eventual incúria (com possíveis reflexos na sua função e na sua responsabilização, como se disse), mas não tinha que prestar contas (por actos alheios).
6. Pode admitir-se, sem dificuldade, que equivale a acto praticado pelo obrigado (à prestação de contas) o acto praticado por terceiro de acordo com aquele, ou por terceiro instrumentalizado por aquele. Os factos não revelam esta situação nem, na verdade, foi tal sequer sugerido pela recorrida. Trata-se de situação que não releva no caso.
7. A conclusão alcançada prejudicaria a avaliação da conveniência em prestar contas, aliás decerto por isso não impugnada.
Procede assim o recurso, devendo revogar-se a decisão recorrida na parte impugnada, em que condenou o recorrente a prestar contas.
8. Decaindo no recurso, suporta a recorrida as respectivas custas (art. 527º n.º1 e 2 do CPC).
Como esta decadência importa a decadência integral da recorrida/requerente no incidente (na parte que foi decidida na decisão final), deve suportar também as custas do incidente. O que prejudica a avaliação do recurso quanto à decisão sobre custas (recurso ainda pendente pois, não tendo o recorrente dele desistido, na sequ~encia da reforma realizada, passou o recurso a incidir sobre a nova decisão: art. 617º n.º2 do CPC).
V. Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, absolvendo-se o recorrente/requerido do pedido de imposição judicial de prestação de contas na parte em que ainda subsistia (quanto às operações bancárias descritas nos pontos 7) e 8) dos factos provados).
Custas no recurso e no incidente pela recorrida.
Notifique-se.
Datado e assinado electronicamente.
Redigido sem apelo ao Acordo Ortográfico (ressalvando-se os elementos reproduzidos a partir de peças processuais, nos quais se manteve a redacção original).
António Marques da Silva - Relator
Maria Adelaide Domingos - Adjunta
Ana Pessoa - Adjunta
1. Em reprodução literal.↩︎
2. Querer-se-ia dizer «quem».↩︎
3. A asserção não é inteiramente exacta para quem admita que o dever de prestar contas tem alcance pessoal, estendendo-se ao bem estar e recuperação do acompanhado (Paula Távora Vítor, CC Anotado, vol. I, Almedina 2024, pág. 196) - não sendo este o caso dos autos, não importa avaliá-lo, embora pareça que esta situação esteja coberta não tanto pelo art. 151º n.º2 citado como pelo art. 573º do CC.↩︎
4. Que esteja, naturalmente, em condições de as receber.↩︎
5. E, de acordo com a mesma regra legal mas em termos que no caso não interessam, impondo «a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se».↩︎
6. Sobre este dever, A. Agostinho Guedes e M. Monterroso Rosas, Comentário ao CC, Parte Geral, UCP Editora 2023, pág. 382/3.↩︎
7. A existência da obrigação constitui antecedente lógico e normativo, note-se, da assunção da sua titularidade passiva.↩︎
8. Mónica Duque, Comentário ao CC, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, UCP Editora 2021, pág. 584.↩︎
9. E também se não estabelece, em rigor, relação (v.g. de continuidade temporal) entre os factos 3 a 6 e o facto 7.↩︎
10. Embora nem sempre a leitura que deles faz a recorrida corresponda ao que está efectivamente provado.↩︎
11. Assim, Ac. do STJ de 07.07.2010, proc. 2273/03, in 3 w.dgsi.pt (válido também para o regime actual).↩︎
12. V. L. de Freitas, Error in procedendo na decisão de facto da relação (...), Novos estudos sobre direito civil e processo civil, Gestlegal 2021, pág. 380 e ss..↩︎
13. A alegação da recorrida, pecando embora por alguma ambiguidade, não chega a afirmar tal tipo de actuação, a qual se refere em benefício de integral discussão da situação.↩︎