DIREITO DE PROPRIEDADE
AQUISIÇÃO
AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA
AQUISIÇÃO DERIVADA
ÓNUS DA PROVA
USUCAPIÃO
COMPRA E VENDA
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

Sumário do Acórdão
(da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663º, nº 7, do CPC)

Não tendo os Autores-Apelantes logrado demonstrar a aquisição de uma parcela de terreno cuja propriedade se presume, por inscrição registral de doação, desde o ano de 1967, na titularidade dos Réus-Apelados e anteriormente de seu pai, nem por aquisição derivada resultante de alegada compra e venda, nem por aquisição originária decorrente do instituto da usucapião, improcede necessariamente a pretensão dos Autores de reconhecimento de aquisição do direito de propriedade sobre o mesmo imóvel.

Texto Integral

***

Acordam os Juízes da 1 ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte:


I – RELATÓRIO


AA e BB intentaram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CC e DD, em que é interveniente EE, todos com os demais sinais identificadores constantes dos autos, pedindo ao Tribunal para:


a) declarar os Autores como únicos proprietários do prédio rústico inscrito na matriz com o artigo 4379 e do prédio urbano inscrito na matriz com o atual artigo 12605, provenientes do artigo matricial rústico antigo 2723, reconhecendo-se a existência da ocorrência da venda desse prédio rústico ao pai da Autora que, por consequência, se transmitiu aos Autores. na qualidade de seus herdeiros;


b) caso assim não se considere, reconhecer os Autores como proprietários, por usucapião, com exclusão de outrem, do prédio rústico inscrito na matriz com o artigo 4379 e do prédio urbano inscrito na matriz com o atual artigo 12605, com proveniência do artigo matricial rústico antigo 2723, devido ao exercício da posse há mais de 50 anos;


c) caso assim não se entenda, condenar os Réus a ressarcir os Autores pela edificação dos armazéns no prédio, no montante de € 200.000,00 (duzentos mil euros) e, pelos 58 anos em que os pais da Autora e os Autores cuidaram e limparam os prédios, num valor de €3.000,00 por cada ano, num total de € 174.000,00 (cento e setenta e quatro mil euros), ou por montante a apurar em liquidação de sentença;


d) condenar os Réus em enriquecimento sem causa pela aquisição de mais m2 do que o prédio inicialmente tinha, em montante a apurar em liquidação de sentença.


Os Réus CC e EE vieram contestar, em suma, impugnando a generalidade dos factos alegados, concluindo pela improcedência do pedido.


Realizou-se audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.


Agendou-se e realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, que contêm o seguinte dispositivo.


“Por todo o exposto, ao abrigo das disposições legais citadas, o Tribunal decide julgar a presente ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:


- declaro os autores como proprietários de um prédio rústico, inscrito em parte no art.º 4379, a confrontar a nascente com Estrada do ... e a poente com o prédio rústico anteriormente inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 2723, ambos da freguesia de ..., em área e localização a determinar em incidente de liquidação;


- absolvo os réus do demais peticionado pelos autores.


Custas da ação pelos autores e pelos réus, com decaimento que se fixa em 2/5 e 3/5, respetivamente (art.º 527.º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).”


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Inconformados com a sentença vieram os Autores apresentar requerimento de recurso para este Tribunal da Relação, nele exarando extensas conclusões elencadas em 12 páginas, o qual não foi objecto de resposta pela parte contrária.


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Recorreu igualmente o Réu CC tendo no final exarado conclusões do seguinte teor:


“1.º Deverá ser dado como provado que o artigo 4379 não confronta com o artigo 2723.


2.º Que o prédio 2723 era pertença do pai dos réus e posteriormente destes.


3.º Está a correr termos no DIAP de ... processo crime com o número 2258/22.5..., onde se investiga alguma destas matrizes, nomeadamente o artigo 4379.


4.º Deverá ser dado como não provado o alegado em trinta e quatro, pois nenhuma prova foi feita nesse sentido.


Termos em que deverá ser revogada a presente sentença dando como provados e não provados os factos anteriormente mencionados.”


Os Autores não responderam ao recurso do Réu CC.


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Ambos os recursos da sentença foram recebidos na 1ª Instância, por despacho de 17/12/2024, como de apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.


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Nesta instância foi proferido despacho pelo relator convidando os Apelantes BB e AA ao aperfeiçoamento das suas conclusões recursivas, tendo aqueles apresentado novas conclusões com o seguinte teor:


“D) Conclusões:


a) Nesta demanda iniciada pelos Recorrentes está em causa a aquisição de um prédio rústico sito no Sítio do ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz com o artigo 2723, pelo pai da A., FF, na década de 60.


b) Os Recorrentes alegam que este prédio foi adquirido por FF ao seu irmão DD, que por sua vez tinha sido doado a este pelo pai e mãe de ambos, GG e HH.


c) Nesse prédio rústico o FF edificou dois armazéns a suas expensas e aí exerceu a sua atividade comercial durante 30 anos.


d) Contudo durante o julgamento veio a apurar-se que o prédio rústico com o artigo 4379, inscrito na AT por FF na década de 80, resultou da junção de uma courela de terreno de 1000m2 adquirida por si a II por escritura de compra e venda, inicialmente com o artigo matricial 3003 (parte indivisa deste artigo), com o prédio rústico com o antigo artigo matricial 2723 adquirido por FF ao irmão DD.


e) Os armazéns foram edificados na parte indivisa do prédio rústico com o art.º 3003 e no antigo artigo rústico em 2723.


f) No entanto, o Tribunal a quo considerou que os Recorrentes são proprietários do artigo 4379 de forma parcial (parte indivisa no prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º 3003) mas não do antigo 2723, atual


artigo 12605, por não existirem evidências da compra ou elementos que permitam aplicar o instituto da usucapião.


g) Nem ficou definida a área pertencente aos Recorrentes.


h) Ora, os Recorrentes não concordam com esta sentença do douto Tribunal a quo, pois sempre acreditaram que o prédio rústico com o artigo 2723 era, na sua totalidade, de FF e, posteriormente, da Recorrente AA, por herança do pai, a qual conjuntamente com o seu marido, também Recorrente, exerceram a posse sobre o mesmo, celebrando contratos de colocação de placar de publicidade, permitindo uma pintura artística no exterior do prédio, procederam à sua limpeza e ao arranjo da vedação, pagaram os IMIs.


i) Os Recorrentes não concordam com os factos provados de forma parcial, (factos 6 e 14), pois deveriam referir que os armazéns foram construídos pelo FF.


j) Inclusivamente não se concorda com os factos não provados a), b) e d), pois a prova produzida demonstra que estes factos deveriam ter sido considerados como provados.


k) Ora, a douta sentença considerou que os armazéns foram construídos em duas fases, ou seja, o primeiro em 1963 e o segundo em 1968.


l) A testemunha JJ, filho do antigo vendedor do prédio rústico com o artigo 3003, referiu que um dos armazéns já estaria construído (no artigo 2723) e que pela lógica quem o teria contruído, seria o FF, razão pela qual adquiriu um terreno confinante ao artigo rústico 2723, para que pudesse juntá-los.


m) A testemunha KK esclarece que em 1966 já conhecia o armazém e recorda-se de terem procedido à sua ampliação.


n) Nesse tempo a única pessoa que estava no armazém e procedia à sua exploração era o FF.


o) Juntou-se aos autos uma declaração assinada por várias pessoas na qual é permitida a construção de um armazém no artigo 2723 e, que o mesmo seria vendido ao FF por DD.


p) Juntou-se aos autos o processo de obra 143/66 da Câmara Municipal de ... no qual FF solicitou a licença de construção dos armazéns.


q) Perante estas evidências, as regras de experiência comum e a prova documental e testemunhal, só poderia ser o FF a suportar os custos dos armazéns existentes.


r) Pelo que os factos provados 6 e 14 da douta sentença deveriam ser modificados.


s) Pelos mesmos argumentos os factos a), b) e d) dos factos não provados deveriam ter sido considerados como provados devido aos depoimentos, e toda a atuação do FF no sentido de legalizar e construir os armazéns.


t) Não se pode concordar que o facto c) que tenha sido considerado como não provado, pois as testemunhas que eram vizinhas sabiam que FF tinha adquirido o prédio ao irmão, pelo que deveria ser modificado.


u) Os Recorrentes só ouviram falar da doação recentemente no processo de inventário n.º 2998/10.1..., no qual foi atribuído o artigo rústico 2723 aos Recorridos.


v) Nesse inventário foi colocada uma observação na verba 15, correspondente ao artigo rústico 2723, relativa à venda do mesmo pelo DD ao FF e, pela aquisição por este de prédio rústico confinante com a sua consequente transformação dos prédios num urbano.


w) Essa observação foi ignorada no inventário de 2010, atribuindo a verba 15 ao pai dos Recorridos, motivando a presente demanda.


x) A mesma observação foi colocada na verba 15 do processo de inventário facultativo n.º 97/1985 relativo à herança de HH e GG.


y) E essa observação foi também colocada no relatório de avaliação de 06/12/2002 elaborado pelo perito LL, também testemunha nestes autos.


z) Os factos e), f), g) e h) da douta sentença deviam ter sido considerados como provados pois a prova carreada nos autos demonstra a conservação e manutenção dos prédios pelo FF e


posteriormente pelos Recorrentes, bem como a sua decisão para a celebração de atos e contratos nos mesmos, pagamento de impostos e realização do cadastro predial.


aa) Os Recorrentes e seus antecessores, após o encerramento do estabelecimento comercial de FF nos anos 90, procederam ao arrendamento do espaço para uma carpintaria, com


recebimento de renda.


bb) Este facto foi omitido e o Tribunal a quo deveria tê-lo considerado como provado.


cc) Os Recorridos contradizem-se em pormenores como as datas em que se manteve aberto o estabelecimento comercial do FF e na relação de DD com o FF.


dd) O douto Tribunal atribuiu a parcela indivisa com o novo artigo 4379 aos Recorrentes não definindo os m2 e a sua localização, o que não se concorda, ficando na mesma indefinição.


ee) Os Recorrentes e seus antecessores sempre exerceram a posse do imóvel à vista de todos e sem qualquer oposição fosse de quem fosse, mas o Tribunal a quo justifica que não fica provada a aquisição pelo FF ao seu irmão, o que não se concorda.


ff) O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, devendo ter considerado os Recorrentes como proprietários por aquisição do FF a DD.


gg) Não se considerando que FF adquiriu o terreno teria sempre de se considerar a propriedade dos Recorrentes por usucapião por terem a posse há mais de 50 anos, sendo que esta transfere-se para os Recorrentes por serem herdeiros.


hh) Todas as testemunhas consideraram que os Recorrentes sempre foram os proprietários porque o pai da Recorrente também o era.


ii) Inclusivamente quando perguntado a MM a quem ligaria em caso de incêndio nos armazéns e prédio rústico, a testemunha foi perentória a responder que seria para os Recorrentes.


jj) O douto Tribunal justifica a não aplicação da usucapião por os Recorrentes conhecerem a existência de uma doação, mas esta não invalida que se possa aplicar a usucapião.


kk) Ficou provado que os Recorrentes sempre acreditaram que o artigo rústico 2723 era seu, tendo procedido ao seu cuidado durante décadas, pelo que o animus e corpus estão associados sem qualquer margem para dúvidas.


ll) Pelo que o instituto da usucapião não foi aplicado, nem mesmo foi atribuída indemnização pelos diversos anos em que o pai da Recorrente investiu os seus rendimentos e tempo no terreno, valorizando-o.


mm) Por todos estes factos omitidos pelo Tribunal a quo, verifica-se um vício da insuficiência da matéria de facto, erro notório na apreciação da prova e incorre em erro de julgamento o Tribunal a quo, sendo a sentença considerada nula, devendo ser substituída por outra que considere os pedidos dos Recorrentes na sua totalidade.


Pelo exposto, e pelo que mais que for doutamente suprido por V. Exas., deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida e, em consequência, condene os Recorridos dos pedidos realizados considerando-se os Recorrentes como proprietários do artigo rústico 2723 assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”


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Os Apelados não apresentaram resposta às conclusões recursivas aperfeiçoadas.


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Os recursos da sentença final são os próprios e foram ambos correctamente admitidos quanto ao modo de subida e efeito fixado, sendo certo que apesar do segmento das conclusões recursivas do recurso dos Autores se manter ainda indesejavelmente extenso percebemos que os Apelantes em causa revelaram algum esforço no sentido da redução das ditas conclusões na peça que apresentaram nos autos, o que nos permite admitir também as mesmas para apreciação.


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Correram Vistos.


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II – QUESTÕES OBJECTO DO RECURSO


Nos termos do disposto no artigo 635º, nº 4, conjugado com o artigo 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que concerne à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que, in casu, importa apreciar as seguintes questões:


1-Recurso do Réu CC:


I- Impugnação da decisão relativa à matéria de facto.


2-Recurso dos Autores AA e BB:


I - Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;


II- Reapreciação de mérito, de acordo com o resultado da impugnação factual


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III – FUNDAMENTOS DE FACTO


Consta da sentença recorrida o seguinte quanto a matéria de facto:


“Discutida a causa, o Tribunal considera provados e não provados os seguintes factos, com relevo para a decisão:


1- A autora é filha e única herdeira de NN e de FF, falecidos em ........2007 e em ........2009 (cf. doc. de fls.21 e 27/28, cujo teor se dá por reproduzido).


2- FF e DD eram filhos de GG e HH, falecidos em ........1985 e em ........1965 (cf. doc. de fls.224/242, cujo teor se dá por reproduzido).


3- DD faleceu em ........2021 (cf. doc. de fls.164/165, cujo teor se dá por reproduzido).


4- Por escritura pública de doação, outorgada em 25.03.1955, na Secretaria Notarial de ..., GG e HH, doaram prédios a cada um dos seus filhos, FF e DD, com reserva de usufruto a favor dos doadores (cf. doc. de fls.87/92, cujo teor se dá por reproduzido).


5- De entre os prédios doados, o DD recebeu a nua propriedade de um prédio rústico, composto de terra de semear com árvores, a confrontar a Norte com Estrada Nacional, a Poente com OO, a Nascente com estrada e a Sul com Caminho, sito no Sítio do ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo 2723 e não descrito na Conservatória do Registo Predial (cf. doc. de fls.87/92, cujo teor se dá por reproduzido).


6- Em data não concretamente apurada do ano de 1963 foi edificado no prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º 2723 um armazém com uma área de pelo menos 182m2.


7- No ano de 1963 GG inscreveu, junto do Serviço de Finanças de ..., o prédio urbano sito no ..., composto por edifício térreo com um só compartimento com destino a comércio e industria, com 182m2, a confrontar a norte com Estrada Nacional e a sul, nascente e poente com proprietário, ao qual foi atribuído o artigo matricial urbano 1597, da freguesia de ... (cf. doc. de fls.95, cujo teor se dá por reproduzido).


8- Por declaração datada de 17 de julho de 1965, GG, HH, DD e PP (pais dos réus) e outros familiares declararam que “(…) reconhecemos e, por ser inteira verdade declaramos, para servir de prova em qualquer situação, que todos autorizámos o nosso filho, irmão e cunhado, FF a construir, à sua custa e inteiras expensas, para fruição exclusiva dele e nome próprio, numa courela d terra com árvores no sitio do ..., a confinar de Norte com a estrada nacional, de sul com caminho, de nascente com o caminho de ... e herdeiros de QQ, e de poente com RR, um armazém em alvenaria destinado a arrecadação e comercio de produtos agrícolas e materiais de construção. Nesta data, o armazém encontra-se já construído pelo FF, e explorado por este; e sabemos também e declaramos que os nossos filhos, irmã e cunhados DD e mulher PP consentiram na construção do dito armazém tendo acordado então com o FF venderem-lhe a porção de terreno, isto é, a courela, por trinta e cinco mil escudos, contrato que ainda não foi reduzido a escritura (…)” (cf. doc. de fls.16vº/17, cujo teor se dá por reproduzido).


9- No ano de 1966 FF apresentou requerimento junto da Câmara Municipal de ..., solicitando a emissão de licença para a construção de dois armazéns, duas arrecadações e uma cisterna e aumento de um armazém existente, dando origem ao processo de obra n.º 143/66, não existindo licença de utilização emitida (cf. doc. de fls.123 e 134vº/140, cujo teor se dá por reproduzido).


10- Mostrava-se inscrita a favor de DD, pela ap. 4 de 30.03.1967, a aquisição por doação de GG e HH, do prédio rústico, composto por courela de terra de semear, com oliveiras, amendoeiras, alfarrobeiras e figueiras, sito no Sítio da ... ou do ..., freguesia de ..., a confrontar a nascente com Estrada e QQ, do norte com Estrada Nacional, do poente com OO e do sul com caminho, descrito sob o n.º 33 507 a fls. 110vº do Livro B-85 da Conservatória do Registo Predial de ... e inscrito na matriz sob o art.º 2723 (cf. doc. de fls.149vº/151, cujo teor se dá por reproduzido).


11- Mostrava-se inscrita a favor de GG, pela ap. 5 de 30.03.1967, o usufruto vitalício de metade deste prédio rústico (cf. doc. de fls.149vº/151, cujo teor se dá por reproduzido).


12- O prédio rústico descrito sob o n.º 33 507 a fls. 110vº do Livro B-85 da Conservatória do Registo Predial de ... passou a estar descrito sob o n.º 12269 (cf. doc. de fls.148/149, cujo teor se dá por reproduzido).


13- Por escritura pública de compra e venda, outorgada em 03.11.1965, na Secretaria Notarial de ..., FF adquiriu a SS uma décima parte indivisa do prédio rústico composto por courela de terra de semear com árvores, atravessada por um caminho, no sítio da ..., freguesia de ..., a confinar de Nascente com Estrada, TT e outro, do Norte com UU e outro, do Sul com GG e do poente com VV e outro e que faz parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 15776 a fls. 142vº do Libro B-40 e inscrito na matriz sob o art.º 3003 (cf. doc. de fls.246/248, cujo teor se dá por reproduzido).


14- Em data não concretamente apurada do ano de 1968 foram edificados no prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º 2723 e na parte indivisa no prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º 3003 identificada em 13 um armazém com uma área de pelo menos 181m2 e uma cisterna.


15- No ano de 1968 FF inscreveu, junto do Serviço de Finanças de ..., o prédio urbano, sito no ..., destinado a comércio e composto por um armazém com dois compartimentos, com 181m2, a confrontar a norte com Estrada Nacional, a nascente com Estrada da Câmara e a sul e poente com proprietário, ao qual foi atribuído o artigo matricial urbano 1650, da freguesia de ... (cf. doc. de fls.17vº/19, cujo teor se dá por reproduzido).


16- No ano de 1981 foi inscrito por FF, junto do Serviço de Finanças de ..., o prédio rústico, sito no Sítio da ..., composto por pastagem com 6 amendoeiras, 3 oliveiras, 4 alfarrobeiras e 3 figueiras, com 4200m2, a confrontar a norte com Estrada Nacional ..., a nascente com Estrada alcatroada, a sul com WW e XX e outros e a poente com caminho e outra, ao qual foi atribuído o artigo matricial rústico 4379, da freguesia de ... (cf. doc. de fls.20, cujo teor se dá por reproduzido).


17- Desde a respetiva data em que foi concluída a construção, nos anos de 1963 e 1968, FF e esposa NN passaram a utilizar os armazéns identificados em 6 e 14 para neles realizarem comércio de produtos agrícolas e materiais de construção.


18- O que fizeram à vista de todos, cuidando do prédio rústico n.º 2723 e de parte indivisa do prédio rústico n.º 3003 e dos armazéns, suportando os custos com a respetiva manutenção.


19- DD nunca trabalhou nos armazéns nem auxiliou FF com o comércio que este exercia naquele local.


20- Em 31.03.1995 FF apresentou cessação de atividade (cf. doc. de fls.183, cujo teor se dá por reproduzido).


21- No ano de 1985 foi intentado processo de inventário facultativo relativo à herança de HH e GG, o qual foi distribuído com o n.º 97/1985 e correu termos na 1.ª Secção do Tribunal Judicial da Comarca de ... (1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ...) (cf. doc. de fls.50/58, cujo teor se dá por reproduzido).


22- Em 23.05.1997 foi efetuada descrição dos bens e na verba 15, foi colocada a observação da aquisição do prédio rústico por FF na sequência de compra ao irmão DD (cf. doc. de fls.50/58, cujo teor se dá por reproduzido).


23- Nesse processo de inventário foi efetuada avaliação por perito que, nas vistorias para elaboração do relatório de avaliação, foi acompanhado por DD e pelo réu CC.


24- Em 06.12.2002 foi junto o relatório de avaliação, que refere que “o terreno foi vendido ao FF” e que foi construído um armazém e uma dependência com a área coberta de 150 m2, pelo que o mesmo vai ser avaliado parte como terreno para construção urbana (cf. doc. de fls.50/58, cujo teor se dá por reproduzido).


25- No ano de 2010 foi iniciado um processo de inventário para partilha dos bens dos falecidos GG e HH, o qual foi distribuído com o número de processo 2998/10.1... e correu termos no Juiz 2 do Juízo Local Cível de ... do Tribunal Judicial da Comarca de ... (cf. doc. de fls.34/49, cujo teor se dá por reproduzido).


26- No referido processo foram relacionados os prédios que haviam sido doados pela escritura de doação referida em 4 e 5 (cf. doc. de fls.34/49, cujo teor se dá por reproduzido).


27- O prédio rústico com o art.º 2723 foi relacionado como verba n.º 15 e colocada uma observação “Este prédio rústico doado ao DD, foi por este vendido ao FF, o qual tendo adquirido também um prédio rústico confinante, com cerca de 1.000 m2, transformou tais prédios assim adquiridos num prédio urbano ao edificar em tal terreno o prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º 1.597, o qual está inscrito na matriz ainda em nome do “de cujus” se bem que seja propriedade do referido FF.” (cf. doc. de fls.34/49, cujo teor se dá por reproduzido).


28- No mapa da partilha foi atribuída a verba 15 da relação de bens, aos réus, em partes iguais, cabendo metade da referida verba a cada um (cf. doc. de fls.34/49, cujo teor se dá por reproduzido).


29- Em 26.12.2007 a autora apresentou participação do modelo 1 de IMI, ao qual foi atribuído o n.º 1643917 e a avaliação do prédio urbano inscrito sob o art.º 1650 para efeitos de IMI com base em divisões com utilização independente (A-B, C e D) (cf. doc. de fls.21vº/22vº, cujo teor se dá por reproduzido).


30- Com a entrega do modelo 1 de IMI foi atribuído ao prédio urbano o artigo matricial provisório 12605 (cf. doc. de fls.21vº/22vº, cujo teor se dá por reproduzido).


31- Em 31.12.2007, por óbito dos pais, a autora apresentou processo de imposto de selo, no qual foram relacionados os prédios rústico e urbano inscritos na matriz sob os artºs 4379 e 12605 (cf. doc. de fls.23/26, cujo teor se dá por reproduzido).


32- No ano de 2014 a autora procedeu ao registo da aquisição, por sucessão hereditária, do prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º 4379 e do prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º 12605 na Conservatória do Registo Predial de..., os quais ficaram registados sob os nºs 12794 e 12797 (cf. doc. de fls.29/30, cujo teor se dá por reproduzido).


33- No ano de 2014 a autora participou os referidos prédios, com identificação dos marcos com as suas iniciais “AM” (AA), conforme declarações de titularidade do cadastro predial n.ºs 0093327 e 0093336 (cf. doc. de fls.32/33, cujo teor se dá por reproduzido).


34- Foi a autora e os antecessores a suportar os custos com a vedação dos prédios rústicos inscritos sob os artºs 2723 e 4379 e há cerca de três anos, na sequência da vandalização, foram os autores a substituiu a rede e um portão danificados.


35- Em 18.11.2019 foi cancelado o usufruto registado no prédio rústico descrito sob o n.º 12269 (cf. doc. de fls.146/149, cujo teor se dá por reproduzido).


36- Em 26.03.2021 foi solicitada a realização de levantamento topográfico dos prédios em nome de DD (cf. doc. de fls.189, cujo teor se dá por reproduzido).


37- Em 09.11.2021 DD inscreveu, junto do Serviço de Finanças de ..., o prédio urbano com o art.º 14868, sito em Sítio da ... ou ..., composto por armazéns e atividade industrial, a confrontar a norte com Estrada ..., a sul com caminho, a nascente com Estrada do ... e a poente com DD, com uma área de 266m2 coberta e de 1327m2 descoberta (cf. doc. de fls.105, cujo teor se dá por reproduzido).


38- Em 16.12.2021 DD atualizou, junto do Serviço de Finanças de ..., o prédio urbano antes inscrito sob o art.º 1597, que passou a estar inscrito sob o art.º 14883, sito no Sítio da ... ou composto por armazém com um compartimento, com 253m2 de área coberta e 3.285m2 de área descoberta, a confrontar a norte com Estrada Nacional, a nascente com proprietário, a sul com caminho e a poente com herdeiros de OO (cf. doc. de fls.104, cujo teor se dá por reproduzido).


39- Através da ap. 3628 de 16.12.2021 os réus registaram a aquisição, por sucessão hereditária, do prédio urbano, antes descrito sob o n.º 33507 do livro 85, o qual foi descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º12269, como prédio urbano, composto por edifício destinado a armazéns e atividade industrial e logradouro, a confrontar a norte com Estrada Nacional, a sul com caminho, a nascente com Estrada e QQ e a poente com OO, com uma área de 253m2 coberta e de 3285 m2 descoberta (cf. doc. de fls.58vº/59, cujo teor se dá por reproduzido).


40- Do levantamento topográfico realizado resultou apurada uma área de construção de 248m2 relativa ao armazém referido em 6, uma área de construção de 241m2 relativa ao armazém referido em 14 e um perímetro de 4508m2 relativo aos prédios rústicos inscritos sob os artºs 2723 e 4379.


Factos Não Provados


Não se provaram os demais factos alegados, concretamente e com relevo para a decisão que:


a) FF pagou a DD trinta e cinco mil escudos pela aquisição do prédio rústico inscrito sob o art.º 2723;


b) após edificou um armazém nesse prédio rústico inscrito sob o art.º 2723;


c) era do conhecimento dos proprietários confinantes que FF havia adquirido o prédio rústico inscrito sob o art.º 2723 ao irmão;


d) FF custeou a construção dos armazéns no prédio rústico inscrito sob o art.º 2723 e em parte do prédio rústico inscrito sob o art.º 3003;


e) a autora e os antecessores lavraram a terra e cortaram as ervas destes prédios rústicos;


f) a autora e antecessores cuidaram dos prédios rústicos inscrito sob os artºs 2723 e 4379 e do prédio urbano inscrito sob o art.º 1650 (atual art.º 12605) com a convicção de que se tratavam de coisa sua;


g) sempre foram autores e antecessores quem pagou os impostos relativos aos prédios rústicos inscritos sob os artºs 2723 e 4379 e do prédio urbano inscrito sob o art.º 1650 (atual art.º 12605);


h) a autora celebrou com terceiros contrato de cedência de espaço para painel publicitário a colocar nos referidos prédios.


*


Não se deixaram de provar outros factos com relevo para a decisão, nem se selecionou matéria constante dos articulados que constitui matéria de direito/conclusiva ou mera impugnação.


*


IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


1-I e 2-I: Impugnação da decisão relativa à matéria de facto


Prevê o artigo 640º do CPC, que se debruça sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o seguinte:


“1-Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:


a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;


b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;


c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.


2- No caso previsto na alínea b), do número anterior, observa-se o seguinte:


a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;


b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”


A este propósito sustenta o Conselheiro António Abrantes Geraldes (“Recursos no Novo Código de Processo Civil“, Almedina, 5ª ed., 2018, a págs. 168-169), que a rejeição total ou parcial respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve ser feita nas seguintes situações:


“a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b ));


b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, nº 1, a));


c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);


d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;


e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação“,


esclarecendo, ainda, que a apreciação do cumprimento de qualquer uma das exigências legais quanto ao ónus de prova prevenidas no mencionado nº 1 e 2, a), do artigo 640º do CPC, deve ser feita “à luz de um critério de rigor“.


Decorre do artigo 662.º, n.º 1, do CPC, o seguinte:


“1. A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”


Refere a propósito deste normativo António Abrantes Geraldes (obra acima citada, pág. 287), que:


“O actual artigo 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava […], através dos nºs 1 e 2, als.a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do principio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.“


Diz-nos também sobre este preceito o Conselheiro Fernando Pereira Rodrigues (“Noções Fundamentais de Processo Civil”, Almedina, 2ª edição atualizada, 2019, pág. 463-464), o seguinte:


“A redação do preceito [662º, nº 1] não parece ter sido muito feliz quando manda tomar em consideração os “factos assentes” para proferir decisão diversa, que só pode ser daqueles mesmos factos considerados assentes, porque o que está em causa é modificar a decisão em matéria de facto proferida pela primeira instância.


[…]


A leitura que se sugere como mais adequada do preceito, salvaguardada melhor opinião, é que ele pretende dizer que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, “confrontados” com a prova produzida ou com um documento superveniente impuserem decisão diversa”.


Nesta sede importa ainda recordar o teor dos n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, relativo à “Sentença”, que se traduzem no seguinte:


“4- Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”


“5- O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”


A este propósito diz-nos José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (“Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2º, Almedina, 4ª edição, 2019, pág. 709), o seguinte:


“O principio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração[…]: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espirito, de acordo com as máximas de experiências aplicáveis.“


Assim, a prova submetida à livre apreciação do julgador não significa prova sujeita unicamente ao livre arbítrio do mesmo, como, aliás, bem se depreende da leitura do nº 4- do supra referido artigo 607º do CPC, que na sua primeira parte impõe ao juiz que analise “criticamente” as provas, indique as “ilações tiradas dos factos instrumentais” e especifique os “demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”.


Neste domínio referem António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (“Código de Processo Civil Anotado, Vol I”, Almedina, 2ª edição, 2020, pág. 745), o seguinte:


O juiz deve, pois, expor a análise crítica das provas que foram produzidas, quer quando se trate de prova vinculada, em que a margem de liberdade é inexistente, quer quando se trate de provas submetidas à sua livre apreciação, envolvendo os motivos que o determinaram a formular o juízo probatório relativamente aos factos considerados provados e não provados.”


Isto dito, apreciemos, então, no caso concreto, conjuntamente, a impugnação relativa à matéria de facto apresentada pelos Autores/Apelantes e pelo Réu/Apelante CC.


Começando pela impugnação apresentada pelo Apelante CC percebemos pela leitura das conclusões recursivas que o mesmo pretende que seja dado como provado “que o artigo 4379 não confronta com o artigo 2723” e que “o prédio 2723 era pertença do pai dos réus e posteriormente destes” e bem assim que seja dado “como não provado o alegado em trinta e quatro”, por “nenhuma prova ter sido feita nesse sentido.”


É indiscutível que relativamente ao que pretende seja considerado como provado quanto a confrontações o Apelante não identifica o facto, ou factos, que pretende impugnar, nem nas conclusões recursivas, nem na motivação recursiva.


Mas ainda que assim não fosse a verdade é que o Apelante tão pouco indica em qualquer um daqueles segmentos os concretos meios probatórios em que se funda para defender a solução pretendida, limitando-se a dizer que “impugnou em sede de inquérito criminal, junto do DIAP de ..., as matrizes apresentadas pelos Autores” e bem assim que esse processo “corre os seus termos …estando ainda em investigação” (pontos 8 e 9 do corpo das alegações) e que “segundo o Réu CC este prédio não confronta com o artigo 2723, nem a poente nem por lado nenhum.” (ponto 18 do corpo das alegações.).


Dito isto terá a impugnação que ser rejeitada no tocante ao mencionado no ponto 1.º das conclusões recursivas.


Quanto ao ponto 2.º das conclusões recursivas verifica-se que também quanto a ele o Apelante não identifica nem na motivação, nem nas conclusões recursivas, que ponto de facto, ou pontos de facto, plasmados na sentença recorrida, foram incorrectamente julgados pelo Tribunal a quo, razão pela qual terá também no tocante a tal que ser rejeitada a impugnação.


De resto, sempre a mesma se afiguraria inútil, pois da leitura atenta do ponto 10- do segmento relativo aos factos considerados como provados na sentença recorrida até se retira que desde 30/03/1967 se mostra inscrita na Conservatória do Registo Predial de ... a favor do pai do Apelante em causa a aquisição por doação ao mesmo do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 2723.


Finalmente no ponto 4.º das conclusões recursivas pretende o Apelante que seja considerado como não provado o “alegado em trinta e quatro”.


Vejamos o que ficou discriminado no ponto 34 dos factos considerados na sentença como provados:


“Foi a Autora e os antecessores a suportar os custos com a vedação dos prédios rústicos inscritos sob os art.ºs 2723 e 4379 e há cerca de três anos, na sequência da vandalização, foram os autores a substituir a rede e um portão danificados.”


Entende o Apelante que nenhuma prova foi feita demonstrativa daquele facto.


Invoca no ponto 12 do corpo das alegações de recurso o depoimento da testemunha MM colocando entre aspas um pequeno texto supostamente parte desse depoimento, sem, contudo, indicar minimamente as passagens da gravação em que funda esta sua pretensão recursiva.


Como tal não tendo cumprido o ónus secundário de obrigatória especificação previsto na alínea a), do n.º 2, do artigo 640.º do CPC, também terá a impugnação que ser rejeitada nesta parte.


Pelo exposto decide-se rejeitar na totalidade a impugnação apresentada pelo Apelante CC contra a decisão relativa à matéria de facto discriminada na sentença recorrida, nada mais havendo a apreciar no tocante a este recurso uma vez que o mesmo apenas abrangia recurso da matéria de facto.


Entremos de seguida na apreciação da impugnação relativa à matéria de facto apresentada pelos Apelantes AA e BB.


Dizem estes Apelantes que os factos discriminados sob os pontos 6 e 14 do segmento atinente aos factos considerados como provados na sentença recorrida deveriam referir que os armazéns foram construídos por FF.


Do mesmo passo pretendem igualmente os mesmos Apelantes que os factos considerados como não provados sob as alíneas a) a h) sejam considerados como provados, ou seja pretendem reverter para matéria provada toda a matéria considerada como indemonstrada, importando desde já lembrar, na esteira de vasta jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores que para tal vêm alertando, que a impugnação dirigida contra a matéria de facto serve para modificar/corrigir alguns aspectos da decisão relativa à matéria de facto discriminada na decisão recorrida e não para submeter o Tribunal de recurso a um novo julgamento de tal matéria quase fazendo tábua rasa do trabalho em matéria factual desenvolvido no Tribunal a quo.


Relembremos o teor dos factos contidos nos pontos 6 e 14 da matéria de facto considerada como provada nos autos:


6- Em data não concretamente apurada do ano de 1963 foi edificado no prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º 2723 um armazém com uma área de pelo menos 182m2.


14- Em data não concretamente apurada do ano de 1968 foram edificados no prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º 2723 e na parte indivisa no prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º 3003 identificada em 13 um armazém com uma área de pelo menos 181m2 e uma cisterna.”


Lendo com atenção o corpo das alegações percebemos que estes Apelantes pretendem que aqueles dois pontos de facto passem a ter a seguinte redacção:


“6- Em data não concretamente apurada do ano de 1963 foi edificado no prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º 2723 um armazém com uma área de pelo menos 182m2, pelo FF.


14. Em data não concretamente apurada do ano de 1968 foram edificados no prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 2723 e na parte indivisa no prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 3003 identificada em 13 um armazém com uma área de pelo menos 181 m2 e uma cisterna pelo FF.”


Acrescentam que com base na mesma argumentação e meios de prova pretendem que se considerem como provados os factos discriminados no segmento relativo à matéria de facto não provada sob as alíneas a), b) e d), os quais têm a seguinte redacção:


“a) FF pagou a DD trinta e cinco mil escudos pela aquisição do prédio rústico inscrito sob o art. 2723;


b) após edificou um armazém nesse prédio rústico inscrito sob o art.º 2723;


d) FF custeou a construção dos armazéns no prédio rústico inscrito sob o art.º 2723 e em parte do prédio rústico inscrito sob o art.º 3003.”


Indicam como meios probatórios produzidos nos autos depoimentos, cujas passagens gravadas identificaram, tendo ainda transcritos os excertos que consideraram relevantes, atribuídos às testemunhas YY, JJ, ZZ e KK.


Mostram-se, assim, cumpridos os ónus primários e secundário de obrigatória especificação previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 640.º do CPC, o que justifica a apreciação do mérito da impugnação realizada aos factos identificados supra.


Importa desde já dizer que quanto à testemunha YY uma vez que aquando da transcrição passa a estar identificada como “AAA” e sendo certo que de facto depuseram nos autos YY e AAA existindo fundadas dúvidas sobre qual delas prestou as declarações que foram extractadas pelos Apelantes não podemos de todo considerar as mesmas.


Vejamos o que ficou expresso no segmento da sentença recorrida respeitante à motivação de facto, a qual, é justo que se diga desde já, encontra-se bastante bem construída em observância do disposto no n.º 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, sem esquecer que nos encontramos no domínio da prova não vinculada em que, já o sabemos, imperam os princípios da imediação, oralidade, bem como o principio da livre apreciação da prova segundo a prudente convicção do julgador, temperada pelas regras de experiência comum e bom senso, critérios que se aplicam por igual à reapreciação feita no Tribunal Superior, sem embargo de no tocante a este último Tribunal o principio da imediação e da oralidade se revelarem, naturalmente, quase postergados.


Resulta então daquele segmento quanto à demonstração e indemonstração dos factos ora em análise o seguinte:


“[…]


Outros documentos particulares foram juntos, impugnada a sua veracidade pela parte contrária, pelo que foram conjugados com os depoimentos prestados, para se aferir da sua força probatória.


No que respeita à prova testemunhal, será de realçar que as testemunhas revelaram conhecimento dos factos ou porque mantinham relação familiar com os antecessores das partes ou porque frequentarem/trabalharam no estabelecimento comercial explorado pelo antecessor da autora.


[…]


- ZZ, trabalhou no referido estabelecimento comercial, referindo que antes de 1970 o seu pai também lá tinha trabalhado, ambos para FF e que em 1977 já existiam as construções ora edificadas e apenas parte se encontrava vedada. Após final da década de 90 (quando FF ficou doente), não viu alguém a explorar o estabelecimento. Desconhecia quem vedou o terreno e construiu os armazéns.


[…]


- BBB, mencionou conhecer os armazéns, nos quais FF vendia materiais de construção anos 70/80), desconhecia quem os edificou e nunca ouviu falar de venda entre os irmãos (FF e DD). […]


- YY, revelou conhecer o estabelecimento comercial explorado por FF, desconhecendo quem construiu os armazéns. […]


- CCC, amiga de infância da autora, recordava-se do estabelecimento comercial explorado por FF. Ouviu falar na compra do FF ao DD. Foi o FF quem construiu o armazém […]


- DDD, revelou ter conhecido o armazém explorado por FF na década de 80/90. […]


- KK, revelou que se deslocava ao estabelecimento explorado por FF desde 1966 para adquirir materiais de construção. Nunca ouviu falar da doação ou da venda do terreno. […]


- JJ, filho de QQ, também conhecido como SS, afirmou que o seu pai vendeu a FF parte de um prédio rústico (conforme escritura de compra e venda junta aos autos- fls.246/248). Esse prédio era atravessado por um caminho “de carro de besta”, localizado por trás da balança e ia desembocar na EN ..., não conseguindo precisar a respetiva área. Aquando da venda (que indicou ter sido realizada em 1968) já se encontrava feito um armazém (à esquerda) e depois foi construído outro armazém no terreno que o pai da testemunha lhe vendeu (à direita). Desconhece quem custeou as construções que foram realizadas. […]


Da conjugação dos mencionados depoimentos resultou que o estabelecimento comercial explorado por FF funcionou nos armazéns edificados, em primeiro lugar no da direita, em segundo lugar no da esquerda.


Do teor dos depoimentos de EEE e de FFF, em conjugação com os documentos de fls.16vº/17, 17vº/19, 95, 123 e 134vº/140, resulta evidenciado que no ano de 1963 se encontrava edificado o primeiro armazém, e que no ano de 1968 se encontrava edificado o segundo armazém (factos indicados nos pontos 6 e 14). […]


Da inspeção realizada ao local resultou confirmado que as construções existentes foram realizadas em diferentes datas, o que resultou corroborados nos depoimentos das mencionadas testemunhas, indo de encontro ao registo das mesmas na matriz em diferentes datas (1963 e 1968).


Nenhuma das testemunhas revelou saber quem custeou as obras de construção dos armazéns, nem conhecimento da escritura de doação ou da declaração subscrita pelos antecessores das partes.


Apesar de no processo de obras 146/68 ter sido FF quem solicitou a emissão de licença de construção, tal não comprova que tenha sido quem as pagou.


Aliás, no requerimento apresentado por FF, no processo de obras 146/68, este arroga-se “possuidor” de um prédio, onde iriam ser construídos dois armazéns, cisterna e anexos e ampliado um armazém existente (inexiste qualquer menção a quem seria o proprietário, sabendo-se que o prédio rústico (art.º 2723) havia sido doado ao irmão DD, que o registou em 1967- ap. 4 de 30.03.1967- ficando descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 33507).


Como bem referem os réus, o facto de os clientes/frequentadores do estabelecimento comercial saberem a quem este pertencia nada significa quanto ao conhecimento do direito de propriedade do prédio por parte do comerciante, ou seja, se esse prédio lhe pertencia, se seria arrendado ou se a sua utilização lhe foi cedida por comodato, usufruto, uso ou qualquer outro título.


Donde, atentos os elementos probatórios analisados e explanados, mormente os indicados depoimentos, em conjugação com os documentos referidos, levantamento topográfico e fotografias obtidas na inspeção ao local, analisados à luz das regras de experiência, por serem confluentes e claros, levaram a que o Tribunal tenha considerado provados os factos relativos à construção dos armazéns, bem como quanto aos atos materiais praticados pelos autores e antecessores de forma pública nos imóveis (referidos nos pontos 6, 14, 17, 18 e 34).


No que concerne aos factos considerados como não provados, o decidido resultou de ter sido realizada prova em contrário ou da ausência ou insuficiência de prova. Concretizando.


No que concerne aos factos constantes das alíneas a) a c), não resultou produzida qualquer prova acerca da sua verificação, sendo de mencionar que a alegada transmissão não se documenta por título legítimo (escritura pública).


Em relação aos factos mencionados na alínea d), não foi produzida prova suficiente, pois pese embora, como vimos, no processo de obras 143/66 o requerente seja o antecessor da autora, tal não significa que tenha sido quem as custeou, desconhecendo as testemunhas tal matéria, nenhum documento tendo sido apresentado que a possa esclarecer.”


Ora bem, se nos ativermos atentamente ao teor dos excertos selecionados pelos Apelantes dos depoimentos das testemunhas JJ, ZZ e KK, testemunhas cujos depoimentos o Tribunal a quo, entre outros depoimentos e diversos outros meios probatórios carreados aos autos, também relevou, temos de convir que o a solução pretendida pelos Apelantes não pode vingar, na medida em que não permitem a este Tribunal ad quem considerar que a versão defendida por aqueles Apelantes goza de maior probabilidade que a adoptada pelo Tribunal a quo na sentença recorrida.


Com efeito, dos excertos dos depoimentos selecionados acima mencionados não é possível retirar com a mínima segurança e certeza que os armazéns tenham sido edificados/construídos por FF, bem como a demonstração dos factos contidos nas alíneas a), b) e d), do segmento dos factos considerados como não provados na sentença recorrida.


Improcede, assim, a impugnação no tocante aos factos acabados de apreciar.


Como já sabemos os Apelantes impugnaram igualmente os restantes pontos da matéria de facto considerada como não provada contidos nas alíneas c), e), f) g) e h), considerando que deveriam ter sido considerados como provados.


Os factos em apreço possuem a seguinte formulação:


c) era do conhecimento dos proprietários confinantes que FF havia adquirido o prédio rústico inscrito sob o art.º 2723 ao irmão;


e) a autora e os antecessores lavraram a terra e cortaram as ervas destes prédios rústicos;


f) a autora e antecessores cuidaram dos prédios rústicos inscrito sob os artºs 2723 e 4379 e do prédio urbano inscrito sob o art.º 1650 (atual art.º 12605) com a convicção de que se tratavam de coisa sua;


g) sempre foram autores e antecessores quem pagou os impostos relativos aos prédios rústicos inscritos sob os artºs 2723 e 4379 e do prédio urbano inscrito sob o art.º 1650 (atual art.º 12605);


h) a autora celebrou com terceiros contrato de cedência de espaço para painel publicitário a colocar nos referidos prédios.”


Os Apelantes indicam como meios probatórios produzidos nos autos depoimentos, cujas passagens gravadas identificaram, de várias testemunhas inquiridas em audiência final tendo ainda transcritos os excertos que consideraram relevantes


Na conformidade exposta mostram-se, assim, igualmente cumpridos quanto aos pontos de facto ora em análise os ónus primários e secundário de obrigatória especificação previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 640.º do CPC, o que justifica a apreciação do mérito da impugnação realizada também quanto a eles.


Assim, começando pelo facto tido como não provado discriminado sob a alínea c) entendem os Apelantes que o mesmo deveria ter sido considerado como provado com a seguinte redacção:


“c) era do conhecimento dos proprietários confinantes, clientes, vizinhos e família que FF havia adquirido o prédio rústico inscrito sob o art.º 2723 ao irmão.”


Indicam como meios probatórios aptos a corroborar a diversa solução que defendem partes dos depoimentos, que extrataram na motivação recursiva, prestados pelas testemunhas CCC, GGG e ZZ e das declarações de parte prestadas pelo Co-Apelante BB.


Relembremos o que ficou expresso no segmento relativo à motivação da sentença recorrida a respeito da indemonstração do facto em causa:


“[…]


No que concerne aos factos considerados como não provados, o decidido resultou de ter sido realizada prova em contrário ou da ausência ou insuficiência de prova. Concretizando.


No que concerne aos factos constantes das alíneas a) a c), não resultou produzida qualquer prova acerca da sua verificação, sendo de mencionar que a alegada transmissão não se documenta por título legítimo (escritura pública).


[…]


- ZZ, trabalhou no referido estabelecimento comercial, referindo que antes de 1970 o seu pai também lá tinha trabalhado, ambos para FF […] Não revelou conhecimento da doação do prédio rústico 2723 ou da declaração datada de 17 de julho de 1965;


[…]


- BBB […] nunca ouviu falar de venda entre os irmãos (FF e DD).


[…]


- CCC, amiga de infância da autora […] Ouviu falar na compra do FF ao DD.


[…]


- KK, revelou que se deslocava ao estabelecimento explorado por FF desde 1966 para adquirir materiais de construção. Nunca ouviu falar da doação ou da venda do terreno


[…]


- GGG, prima dos antecessores das partes, revelou desconhecer a doação e a declaração e conhecer os prédios de passagem. Referiu que o avô GG era dono dos prédios e não se dava com o filho DD […]


- HHH, amigo do réu CC, confirmou ter-se deslocado aos prédios no verão de 2023 para colocar cadeados. Antes dessa data o conhecimento que relevou dos factos limitou-se a ouvir dizer do pai deste, DD, que os prédios lhe pertenciam […]


Nenhuma das testemunhas revelou saber quem custeou as obras de construção dos armazéns, nem conhecimento da escritura de doação ou da declaração subscrita pelos antecessores das partes”


Ora bem, dos excertos selecionados pelos Apelantes resulta que a testemunha CCC apenas ouviu falar (sem identificar de quem), que FF havia adquirido o “prédio com o terreno” (que poderia ser, ou não, o prédio rústico inscrito na matriz sob o art. 2723), sendo certo que do excerto transcrito do depoimento da testemunha GGG atentas as confusas declarações ali selecionadas nada se pode extrair no sentido pretendido pelos Apelantes.


Quanto ao excerto selecionado do depoimento da testemunha ZZ ficamos sem saber com segurança se o mesmo se reporta ao terreno (e que terreno?), ou ao armazém, dado que a expressão usada é apenas “aquilo”.


Dito isto e atenta a falta de apoio, como acabámos de constatar, através de outro ou de outros meios probatórios, máxime os depoimentos das identificadas testemunhas, entendemos não ser de relevar probatoriamente nos termos pretendidos pelos Apelantes o extracto das declarações de parte do Co-Apelante BB, sendo certo que o mesmo não configura qualquer confissão de factos, conforme se conclui igualmente da ausência de qualquer assentada no tocante a tais declarações na acta de audiência final de 11/12/2023.


Em face do exposto temos de convir que a motivação que conduziu à versão adoptada pelo Tribunal a quo na sentença recorrida no tocante à alínea c) dos factos considerados como não provados não foi contrariada de forma a conduzir este Tribunal de recurso à convicção de ser mais provável a posição sustentada pelos Apelantes que aquela outra a que se chegou na dita sentença.


Quanto aos factos contidos nas alíneas e) a h) do segmento da sentença recorrida atinente aos factos considerados como não provados, que os Apelantes entendem que deveriam ter sido considerados como provados, estes últimos indicaram como meios probatórios aptos a fazer valer a solução que defendem excertos, que transcreveram, das declarações de parte prestadas pelo Co-Apelante BB (quanto aos factos discriminados sob as alíneas e) e h)) e pelas testemunhas BBB (quanto ao facto discriminado sob a alínea f)), III (quanto ao facto discriminado sob a alínea f)) e DDD (quanto aos factos discriminados sob as alíneas e) a h)).


Recordemos, agora, o que ficou expresso no segmento relativo à motivação da sentença recorrida a respeito da indemonstração dos quatro factos em causa:


“[…]


Relativamente aos factos constantes da alínea e), não foi produzida prova da prática dos mencionados atos nos prédios, sendo certo que, todas as testemunhas que revelaram conhecimento acerca da respetiva utilização e mencionaram que neles se exercia o comércio de produtos/materiais (nunca mencionado lavrar ou cortar ervas).


Quanto aos factos indicados na alínea f), não foi produzida prova suficiente, mormente que os autores e antecessores atuaram como proprietários do prédio rústico 2723, desde logo, porque conheciam a doação, através da qual aquele rústico foi alienado ao antecessor dos réus, bem como da declaração de fls.16vº/17, nos termos da qual a transmissão ao pai da autora seria realizada por escritura pública (que não existe, como os autores admitem).


Por outro lado, a menção que, repetidamente, foi colocada na verba nº15 (prédio rústico), é perfeitamente inócua e, naturalmente, foi desvalorizada, no âmbito do último processo de inventário que culminou com a partilha de bens dos antecessores das partes, desde logo por ausência de título de transmissão.


Por outro lado, não são alegados factos de que resulte a inversão do título da posse, sendo que em relação ao prédio urbano inscrito sob o art.º 1650 (atual art.º 12605) temos apenas apurado a realização da construção (desconhecendo-se por quem) e respetivo registo da aquisição, por sucessão, a favor dos autores.


Ademais, resulta evidenciado dos autos, desde logo, pelas sucessivas inscrições matriciais e atualizações realizadas pelas partes, com base nas suas declarações, que facilmente inscreveram/registaram os prédios e respetivas áreas conforme lhes convinha.


Assim se passou relativamente ao prédio rústico inscrito sob o art.º 2723, doado ao pai dos réus, DD, cuja aquisição a seu favor, por doação, foi realizada pela ap. 4 de 30.03.1967, ficando o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 33507, o qual, no ano de 1981, foi inscrito na matriz por FF, em conjunto com a parte indivisa adquirida do prédio inscrito sob o art.º 3003.º, ao qual foi atribuído o art.º matricial 4379. E cuja área e composição foram atualizadas pelo réu, na sequência da aquisição no âmbito do processo de inventário, mantendo-se inscrita a aquisição a seu favor, mas ficando atualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º12269.


Por outro lado, evidencia-se das inscrições realizadas, que as declarações que foram sendo efetuadas, não correspondem à realidade, pois apesar de se referir no processo de inventário n.º2998/10.1... (na verba 15) que este prédio, juntamente com outro confinante adquirido por FF, deu lugar ao prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º 1597, sabemos que esta inscrição matricial foi realizada em 1963 por GG e que aquela aquisição foi realizada por FF apenas em 03.11.1965- cf. fls. 34/49 e 95.


Quanto aos factos constantes da alínea g), foi produzida prova em sentido contrário, através do depoimento da testemunha FFF, em conjugação com o documento de fls.250, resultando do documento de fls.30vº que a antecessora da autora atuava como cabeça-de-casal.


Por último, relativamente aos factos mencionados na alínea h), do teor do documento de fls.31 não resulta identificado o prédio em questão, não tendo sido confirmada a factualidade por qualquer elemento de prova. “


Quanto à impugnação atinente à alínea e) verificamos que a mesma assenta essencialmente nas declarações de parte prestadas pelo Co-Apelante BB, parte interessada em determinado desfecho deste processo, sendo certo que das mesmas não é sequer possível concluir que a Autora, ora Co-Apelante e os seus antecessores tenham lavrado a terra e cortado as ervas, pois o próprio declarante de parte apenas se refere a limpar o terreno e cortar árvores, enquanto a testemunha DDD refere que tem sido o Co-Apelante (nada referindo quanto à Co-Apelante e repectivos antecessores), que lhe tem pedido nos últimos anos que passe/limpe o terreno (sem identificar qual em concreto), usando para o efeito um tractor que tem, nada cobrando por esse serviço ao Co-Apelante.


No tocante à impugnação do facto contido nas alíneas f) e g) importa desde logo reconhecer que o primeiro possui formulação essencialmente jurídica/conclusiva (cuidar de algo com a convicção de se tratar de coisa sua).


De todo o modo sempre se acrescentará que não decorre de qualquer um dos excertos dos depoimentos das testemunhas BBB, III e DDD a demonstração do facto em causa, pois sobre a matéria contida na alínea g) nada é referido em qualquer um dos excertos selecionados e sobre o facto da alínea f) nenhuma alusão é feita aos ora Co-Apelantes sendo certo que nenhum relevo possui o facto de ter sido pedido à Co-Apelante se deixava fazer um mural alusivo à Ria ... num armazém existente num dos terrenos por se pensar ser a mesma a dona do mesmo, desde logo porque ser proprietária de um armazém não implica ser proprietária/dona do terreno onde o mesmo esteja edificado, nada resultando igualmente do depoimento de BBB que possa levar a concluir-se que a vedação existente no terreno onde se encontra o dito armazém tenha sido implementada pela Co-Apelante e/ou antecessores.


Aqui chegados convêm ainda dizer que os dois factos novos que os Apelantes pretendem sejam aditados à matéria de facto provada na sentença recorrida, identificados após a transcrição do excerto do depoimento da testemunha BBB, não constam mencionados nas conclusões recursivas aperfeiçoadas, que nada diz sobre tal explícita ou implicitamente.


E ainda que dissesse pelas razões acabadas de expor supra os mesmos não revestem interesse para a presente causa, nem se descortina nos autos que tenham sido alegados por qualquer das Partes.


Finalmente quanto ao facto contido na alínea h) percebemos que apenas o declarante de parte BB se pronunciou (não constituindo tal base para confissão), não resultando sequer do excerto selecionado nem que tenha sido a Co-Apelante a celebrar o contrato, nem que o mesmo seja de “cedência de espaço para painel publicitário” uma vez que a testemunha refere apenas “O contrato da Quinta do ...”.


Importa ainda dizer que pese embora no corpo das suas alegações os Apelantes façam referência a excertos dos depoimentos de parte prestados na sessão da audiência final ocorrida em 11/12/2023 pelos Apelados CC e DD, não indicam em concreto quaisquer factos que pretendessem impugnar através desses depoimentos, percebendo-se que apenas o fizeram para evidenciar eventual falta de credibilidade do depoimento de parte prestado por CC.


Porém, basta uma leitura atenta do segmento da sentença recorrida atinente à parte motivatória da decisão de facto para percebermos que o Tribunal a quo não relevou tais depoimentos, pois quanto ao de DD nenhuma referência é sequer feita e quanto ao de CC apenas que se limitou a manter as posições “plasmadas nos articulados” e que confirmou “ter acompanhado o pai aquando da visita do perito/avaliador do imóvel, no âmbito do processo de inventário”.


Manifestaram ainda os Apelantes no corpo das suas alegações recursivas a pretensão de ver aditados à matéria de facto provada na sentença recorrida “factos novos”, concretamente os seguintes:


“- Os recorrentes sempre agiram, exerceram a posse e cuidaram dos prédios rústicos inscrito sob os artºs 2723 e 4379 e do prédio urbano inscrito sob o art.º 1650 (atual art.º 12605) de boa-fé, à vista de todos e sem oposição.”


“Os Recorrentes e seus antecessores, em data não concretamente apurada, mas certamente após o encerramento do estabelecimento comercial de FF, procederam ao arrendamento do armazém que se encontra no artigo rustico 2723 e parte indivisa no prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º 3003, para uma carpintaria, no qual recebiam renda.”


No que respeita ao primeiro, conforme se percebe com mediana facilidade pela leitura do seu teor, não constitui um facto concreto e naturalístico apto a integrar a matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida uma vez que está eivado de elementos conclusivos e com eminente conotação jurídica de tal sorte que a considerar-se provado da forma pretendida resolveria práticamente de imediato a causa num determinado sentido (o pretendido pelos Apelantes).


Acresce que não foi sequer indicado em sede de conclusões recursivas aperfeiçoadas.


Quanto ao segundo surge efectivamente referido nas ditas conclusões recursivas, designadamente sob a alínea aa).


Porém, da leitura dos autos percebemos que esse facto não foi alegado por qualquer das Partes na presente acção, nem, por essa mesma razão, consta dos temas de prova selecionados no despacho saneador proferido nos autos em 21/11/2023, sendo certo que poderia (e deveria), tê-lo sido uma vez que de acordo com o teor que se lhe pretende dar não pode ser considerado superveniente a qualquer um dos articulados carreados para a causa, mas antes muito anterior a isso.


Mas ainda que assim não fosse tão pouco seria de carrear tal facto para a matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida pois da prova indicada visando a sua demonstração, a saber excertos transcritos do depoimento prestado pelas testemunhas JJ e ZZ e excerto das declarações de parte prestadas pelo Co-Apelante BB apenas destas últimas resulta a parcial confirmação do alegado, importando, porém, lembrar que está em causa uma parte interessada em determinado desfecho desta causa e que não estamos perante matéria abrangida pela confissão.


De todo o exposto julga-se totalmente improcedente a impugnação dirigida contra a matéria de facto discriminada na sentença que assim se mantem inalterada.


*


2-II Reapreciação de mérito


No caso em apreço encontra-se em discussão o reconhecimento do direito de propriedade que os Apelantes invocam deter derivadamente sobre determinada parcela de terreno, concretamente o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 2723, por entender tê-la adquirido por compra e venda e, assim não se entendendo, por via do exercício de poderes de facto, com características da posse, durante um determinado período temporal, de forma pública, pacífica e de boa-fé, o que constitui fundamento de aquisição originária do direito de propriedade por usucapião.


Prevê o artigo 1316º do Código Civil (doravante apenas CC), que:


O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei “.


Decorre do artigo 874.º do CC que “Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço.”


Por seu turno resulta do artigo 875.º do CC queSem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de compra e venda de bens imóveis só é valido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado.”


Na redacção conferida a este artigo anteriormente à actual que resultou do Dec.Lei 116/2008 de 04/07, apenas se previa a possibilidade de celebração do contrato em apreço por meio de escritura pública.


No caso vertente e perante a matéria de facto provada na sentença, consolidada através deste aresto, percebemos que o pai dos Apelados CC e DD recebeu em doação de seus pais (também pais do pai dos ora Apelantes), a nua propriedade do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 2723 por escritura pública de doação outorgada em 25/03/1955, bem como que tal aquisição por doação foi inscrita pela ap. 4 de 30/03/1967, na Conservatória do Registo Predial de ... e bem assim que por declaração datada de 17/07/1965 o pai dos Apelantes terá “acordado“ com o pai dos Apelados a compra e venda desse terreno por ”trinta e cinco mil escudos” mais se tendo declarado que tal contrato “ainda não foi reduzido a escritura”.


Estando em causa uma forma de aquisição derivada, (v.g. compra, doação/sucessão por morte), incumbe ao Autor provar que o direito já existia no transmitente, pois quer a compra e venda, quer a doação inter vivos, ou sucessão por morte, não são constitutivas do direito de propriedade, mas apenas translativas desse direito.


Nesta conformidade, sendo a aquisição derivada têm de ser provadas as sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária, excepto nos casos em que se verifique a presunção legal da propriedade como a resultante da posse, ou a resultante do registo (cfr. artigos 1268º do Código Civil e 7ºdo Código de Registo Predial) - cfr. neste sentido Profs. Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, II Vol., 2ª ed., pág. 115;


No que concerne à presunção da propriedade derivada do registo refere o supra mencionado artigo 7º do Código de Registo Predial que os titulares inscritos no registo predial beneficiam da presunção de que o direito existe e que pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define, ou seja, o registo definitivo do direito de propriedade a favor de uma pessoa constitui presunção de que ela adquiriu o prédio registado de quem era seu legítimo dono e, como tal, a certidão comprovativa do registo supre a falta de alegação de que a coisa reivindicada era propriedade do transmitente.


No caso concreto já sabemos que o pai dos Apelados tinha a seu favor o registo de aquisição do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de ... e inscrito sob o art.º 2723 desde 30/03/1967.


Não resultou provado que tenha sido outorgada entre os pais de Apelantes e Apelados qualquer escritura pública de compra e venda do prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º 2723.


Ora como bem se assume na sentença recorrida estamos perante a ausência de uma formalidade que quer no antigo Código Civil de Seabra, quer no Código Civil actual, na redacção acima mencionada, constitui uma formalidade ad substantiam e não apenas uma formalidade ad probationem, o que significa que a ausência de prova da formalização da aludida compra e venda através do documento especifico previsto na lei (escritura pública), que é condição de validade do contrato, afasta a possibilidade de prova por qualquer outro meio, mesmo através da confissão.


Como bem se escreveu na sentença recorrida: “Na situação dos autos, não é a prova da feitura do documento que titula o contrato de compra e venda que está em causa, pois como vimos as partes aceitam que inexiste a escritura pública de compra e venda relativa ao prédio rústico, mas a substituição desse documento (como condição de validade) pela confissão (mormente a declaração datada de 17 de julho de 1965).


Uma vez que o documento (escritura pública) é legalmente exigido, como condição de validade do contrato (art.º 1590.º do Código de Seabra e artºs 875 e 220.º do Código Civil), a única forma admissível de fazer prova do contrato era a junção da certidão correspondente (arts 364.º, n.º 1 e 383.º, n.º 1 do Código Civil), não podendo ser substituída pela confissão.”


Mencionando-se, ainda, na sentença recorrida, um pouco mais à frente, de forma igualmente esclarecida que:


Ademais, a declaração datada de 17 de julho de 1965, nem sequer traduz qualquer confissão de venda por parte do antecessor dos réus ao antecessor da autora, na medida em que nela se alude a um acordo para venda (futura) por determinado preço.


Não resultando, de igual modo, de qualquer elemento de prova que o mesmo se tivesse concretizado pelo meio previsto pelas partes, ou seja, com redução a escritura pública.


Donde, a declaração constante do mencionado documento não poderá consubstanciar confissão extrajudicial.”


Dito isto temos de convir que de acordo com a matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida não ficou demonstrado que o pai dos Apelados tenha vendido ao pai dos Apelantes o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 2723.


Aqui chegados, coloca-se, todavia, a possibilidade de os Apelantes por si e através dos seus antecessores terem adquirido originariamente a parcela de terreno acima identificada através do instituto da usucapião, conforme alegaram subsidiariamente nos autos e nas conclusões recursivas aperfeiçoadas.


O artigo 1287º do CC define a usucapião nos seguintes termos:


A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação: é o que se chama usucapião


Já no artigo 1251º do CC define-se posse como:


O poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real“.


Estatui, ainda, o artigo 1253º do CC, epigrafado “Simples detenção”, o seguinte:


São havidos como detentores ou possuidores precários:

a. Os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito;

b. Os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito;

c. Os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem.”


Segundo a lição de Mota Pinto (“Direitos Reais “, 1970/71, pág. 180): “na análise de uma situação de posse distinguem-se dois momentos: um elemento material - “corpus“ - que se identifica com os actos materiais (detenção, fruição , ou ambos conjuntamente), praticados sobre a coisa , com o exercício de certos poderes sobre a coisa; um elemento psicológico -“ animus“ - que se traduz na intenção de se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados“.


Na mesma obra citada sustentou o insigne académico, (a pág. 191), que:


O facto de a lei exigir o corpus e o animus para efeito de haver posse implica que o possuidor tenha de provar a existência dos dois elementos“, sendo certo, porém, que “a prova do animus resulta de uma presunção, isto é, o exercício do primeiro faz presumir a existência do segundo“.


No artigo 1263º do CC estão previstos os vários modos de aquisição da posse sendo de destacar a aquisição:


a) Pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito


[…]


d) Por inversão do título da posse.”


, constando, por seu turno, do nº 1 do artigo 1257º do mesmo diploma legal, que versa sobre a conservação da posse, que:


A posse mantem-se enquanto durar a actuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a continuar“.


De acordo com o artigo 1258º, do CC:


A posse pode ser titulada ou não titulada, de boa ou de má fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta“, esclarecendo logo de seguida o artigo 1259º, no seu nº 1, que se entende por titulada:


“…a posse fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico“.


De acordo com Mota Pinto (obra citada, pág. 199) e José de Oliveira Ascensão (“Direitos Reais“, 1971, pág. 278), a posse é sempre não titulada se no título há falta de requisito formal de validade.


No artigo 1260º, nº 2, sempre do CC, estatui-se que:


A posse titulada presume-se de boa fé e a não titulada de má fé“, sendo certo que a posse pacífica “é a que foi adquirida sem violência“ enquanto a posse pública “a que se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados“ (artigos 1261º, nº 1 e 1262º, do CC, respectivamente.


No que tange aos efeitos da posse diz-nos o n.º 1, do artigo 1268º, do já sobejamente identificado diploma legal, que:


O possuidor goza da presunção da titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao inicio da posse“.


Estatui, por sua vez, o artigo 1296º, do CC, que:


Não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa fé e de vinte anos se for de má fé “.


No caso do Autor invocar como título do seu direito uma forma de aquisição originária da propriedade, (v.g., usucapião, acessão ou ocupação), sobre si recaí o ónus de provar os factos de que emerge o seu direito.


Baixando de novo ao caso concreto e recordando que a matéria de facto discriminada na sentença recorrida não foi objecto de qualquer modificação mostra-se conveniente, mais uma vez, recordar o que ficou expresso na sentença recorrida:


“No caso dos autos, resulta evidenciado que os autores (e antecessores) não possuem um título, com eficácia translativa, do direito de propriedade sobre os referidos prédios (rústico inscrito sob o art.º 2723 e urbano inscrito sob o art.º 12605) (art.º 875.º do Código Civil).


Donde, sempre estará em causa, em relação a estes, uma posse não titulada, isto é, que se não funda em qualquer modo legítimo de adquirir (art.º 1259.º, n.º 1 do Código Civil) e que, de acordo com o preceituado no art.º 1260.º, n.º 2 do Código Civil, se presume de má-fé.


Pelo que, o lapso temporal para a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre o prédio urbano em causa será de 20 anos, contados desde o início da posse.


Defendem os autores que, desde a década de 60, os seus antecessores passaram a praticar atos de posse, em nome próprio, sobre os referidos prédios.


A este propósito, importa relembrar que a posse é a exteriorização de um direito real que se define por dois elementos: o corpus (elemento material) e o animus (intenção de exercer determinando direito real como se fora seu titular).


Já a detenção engloba as situações em que, embora haja exercício do poder de facto sobre uma coisa, não existe o animus possidendi (artºs 1251.º e 1253.º do Código Civil).


No presente caso, foi o que se apurou ter sucedido, na medida em que os seus antecessores (FF) passou a utilizar o prédio rústico e as construções nele realizadas (nas quais se inclui o prédio urbano), para nele exercer comércio de produtos agrícolas e materiais de construção, por tolerância do usufrutuário e do proprietário.


Utilização que, como ficou demonstrado, ter-se-á iniciado desde a data em que foi concluída a construção dos armazéns (1963 e 1968), não desconhecendo aquele que o prédio rústico era propriedade de terceiro (DD que o havia adquirido por doação).


A utilização do prédio rústico e das construções nele realizadas (que não se apura por quem foram executadas), configura uma situação de mera detenção, atento o estipulado no art.º 1253.º do Código Civil.


E na simples detenção ou posse precária, o sujeito exerce os poderes correspondentes ao direito (corpus) mas não os exerce como se fora titular dele (animus).


Por isso, este estado de coisas, por mais tempo que perdure, não pode conduzir à aquisição do direito, de que o interessado não se apresenta como beneficiário (vide Galvão Telles, in “O Direito”, ano 121.º, p.650).


Para além disso, após decesso daquele, os autores mantiveram os prédios, suportando os custos com a respetiva vedação, a qual, juntamente com os portões, substituíram quando vandalizados.


Não se questiona assim que, quer os antecessores, que os autores, tenham praticado atos materiais, mormente suportando os custos com a manutenção dos prédios em questão.


Porém, de acordo com o disposto no art.º 1252.º do Código Civil, embora se presuma a posse naquele que exerce o poder de facto, evidenciando que, na data em que executaram tais atos, sabiam que pertencia a terceiros (DD a quem havia sido doado o prédio rústico), sempre teriam de ter invocado a inversão do título da posse para os efeitos pretendido nos presentes autos, o que não ocorreu.


Na verdade, se quem ocupa sabe, ab initio, que o que ocupa não lhe pertence e pertence a outrem, jamais poderá adquirir o direito de propriedade sobre a coisa ocupada porquanto, sabendo que a coisa não lhe pertence, não atua com animus de proprietário.


[…]


Os autores não alegam factos que permitam concluir pela prática de atos relativos à inversão do título da posse, sendo insuficiente a alegação que era conhecido de todos a utilização dos prédios que faziam e que terceiros os reconheciam e aos antecessores como proprietários.


O que tal significa, quando muito, são atos de tolerância e não de transferência ou anuência a essa transferência por parte do proprietário.


Por outro lado, nem os autores, nem os antecessores, realizaram qualquer construção que evidencie a prática, da sua parte, de qualquer ato material expressivo de que se arrogavam proprietários, sendo que não será revelador de tal manifestação como proprietários a manutenção dos prédios (qualquer detentor o faria, no seu interesse).


E mesmo quanto à vedação existente, na ausência de outros factos invocados, será inócua a reparação/substituição quando vandalizada.


[…]


Donde, é lícito concluir que os autores e antecessores sempre souberam que o prédio rústico não lhes pertencia, que tinha dono, pelo que nunca poderão ter atuado com animus de proprietários, não tendo invocado qualquer facto que pudesse alterar tal consciência ou a ocorrência de um facto que pudesse justificar a alteração do “título” de tal ocupação.


Ademais, como se comprova, os réus e antecessores mantiveram o registo da aquisição do prédio rústico a seu favor desde 1967, presunção decorrente do registo que não foi ilidida (art.º 7.º do Código de Registo Predial).”


Julgamos acertada a análise efectuada pelo Tribunal a quo mostrando-se inteiramente correcta a subsunção da factualidade considerada como provada aos pertinentes normativos indicados, resultando claro que os Apelantes não lograram ilidir a presunção decorrente do artigo 7.º do Código do Registo Predial que beneficia os Apelados e anteriormente beneficiou o seu antecessor.


Na conformidade exposta conclui-se que também pela via da aquisição originária da usucapião a pretensão recursiva dos Apelantes não poderá proceder.


Nas conclusões recursivas aperfeiçoadas os Apelantes dizem ainda não concordarem por se ficar “na mesma indefinição”, com o facto de a sentença recorrida ter relegado para incidente de liquidação a exacta determinação da área e localização do prédio rústico inscrito em parte na matriz sob o artigo 4379, cuja propriedade foi reconhecida aos Apelantes.


Desde logo convêm dizer que em parte alguma da motivação recursiva dos Apelantes os mesmo se referem a tal questão que introduziram, um pouco a talhe de foice, concretamente na alínea ee) das conclusões recursivas aperfeiçoadas, não aduzindo quaisquer fundamentos concretos reveladores da aludida discordância.


De resto a sentença recorrida fundamentou essa decisão designadamente no excerto que passamos a transcrever.


Não se conseguiu apurar a que área corresponde essa décima parte adquirida, embora tenha ficado apurado que foi sobre a mesma e ainda no prédio rústico inscrito sob o art.º 2723, contíguo, que foi edificado um armazém em data não concretamente apurada do ano de 1968, vindo o antecessor da autora a inscrever este prédio rústico e aquela área de terreno adquirida na matriz, aos quais foi atribuído o art.º matricial rústico 4379.


Donde, haverá que relegar para liquidação de sentença determinar a área desta parcela de terreno adquirida e contida no referido art.º 4379, nos termos do art.º 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.”


Por fim dizem ainda os Apelantes na alínea II) das conclusões recursivas aperfeiçoadas que lhes deveria ter sido atribuída indemnização pelos diversos anos em que o pai da Co-Apelante “investiu os seus rendimentos e tempo no terreno, valorizando-o


Lendo a motivação do recurso percepcionamos que a tal apenas se acrescentou que essa atribuição poderia ter sido “através de liquidação de sentença


Na petição inicial o pedido indemnizatório foi deduzido nos seguintes termos:


Caso assim não se entenda, deverão os RR. ressarcir os AA. pela edificação dos armazéns no prédio, no montante de € 200.000,00 (duzentos mil euros) e, pelos 58 anos em que os pais da A. e os AA. cuidaram e limparam os prédios, num valor de €3.000,00 por cada ano, num total de € 174.000,00 (cento e setenta e quatro mil euros), ou por montante a apurar em liquidação de sentença,”


Resulta do n.º 2 do artigo 609.º do CPC que:


“Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja liquida.”


Espreitemos por uma última vez a sentença recorrida a fim de verificarmos o que a este propósito foi dito selecionando a parte fundamental respeitante ao debate desta questão:


Começamos por dizer que, pese embora os autores não fundamentem o pedido formulado, entendemos que será de enquadrar a construção/ampliação dos armazéns, em prédio de terceiro, como uma benfeitoria.


[…]


No caso concreto, dúvida se não suscita de que não estamos em face de benfeitorias necessárias, uma vez que não ficou provado (nem era sequer alegado), entre o mais, que a construção dos armazéns consistisse em obras indispensáveis face ao estado de deterioração do armazém existente, visto que nada tem a ver com a perda, destruição ou deterioração do solo em que foram implantadas as construções.


Por isso, em condições normais, tratar-se-ia de uma benfeitoria útil, na medida em que tais incorporações aumentariam o valor do prédio.


Só que, para tal aumento de valor, teriam os autores de alegá-lo e demonstrar, o que não fizeram, limitando-se a indicar um valor para o custo dos trabalhos, não demonstrando que tenham sido os antecessores a suportar o custo das construções realizadas.


Ora, tal aumento de valor não pode ser tido como um facto notório, para além de que, quanto ao segundo armazém, estamos perante uma construção clandestina, ilegal, porque não aprovada pela autoridade administrativa competente (vide que no processo de obra 143/66 não foi emitida licença de utilização- fls.123).


De resto, para além da edificação não possuir a devida licença, não se alega que é suscetível de ser legalizada, sendo que incumbia aos autores alegar e provar esses factos, porquanto constitutivo do direito a que se arrogam (art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil).


Ou seja, a referida construção não foi licenciada e, como tal, não pode considerar-se como uma obra que tenha valorizado o imóvel, podendo equacionar-se que se for alvo de ordem de demolição por parte das autoridades administrativas poderá representar um custo e não um benefício (neste sentido, o Ac. do TRP de 01.07.2021, in www.dgsi.pt).


Pelo que, naturalmente, que não está minimamente provado que as construções em questão tenham sido realizadas pelos antecessores e que tenham aumentado o valor do prédio existente onde foram construídas, pois a ter de ser demolida, não só não lhe aumentou o valor, como o diminuiu, atentos os gastos inerentes à sua destruição.


Por outro lado, não deve ainda esquecer-se que o detrimento a que se refere o art.º 1273 n.º 1 do Código Civil diz respeito à coisa benfeitorizada e não às benfeitorias em si mesmas consideradas.


Como ensinam A. Varela e P. Lima (C.C. anotado) “o detrimento refere-se às coisas e não às benfeitorias. Quanto a estas a possibilidade de detrimento não tem relevância jurídica”.


Portanto, no caso concreto, é indiferente que não possam levantar-se as benfeitorias (como naturalmente não podem, sem as destruir no essencial) sem detrimento delas.


Assim, não provando (nem sendo sequer alegado) o detrimento do prédio onde foram realizadas as construções e sendo irrelevante o detrimento das benfeitorias em si mesmo, também por esta via não terão direito ao requerido pagamento do valor.


No que concerne à manutenção efetuada dos prédios, a pretensão indemnizatória sempre terá de improceder, na justa medida em que se comprova que os autores e antecessores se mantiveram na utilização dos prédios, direito de uso que pressupõe a respetiva manutenção (art.º 1472.º, aplicável ex vi do art.º 1490.º, ambos do Código Civil).


Assim sendo, não podemos deixar de considerar improcedente qualquer pedido de indemnização com os fundamentos aduzidos.


Considera-se igualmente acertada a análise realizada pelo Tribunal a quo no tocante à pretensão indemnizatória nada mais se oferecendo acrescentar sobre o assunto, lembrando-se que os Apelantes não lograram rebater efectivamente no seu recurso, nem de facto, nem de direito, a fundamentação carreada para a sentença pelo Tribunal a quo, sustentando apenas que deveria ter sido atribuída indemnização pelos “diversos anos em que o pai da Recorrente investiu os seus rendimento e tempo no terreno, valorizando-o”.


Claudicando igualmente esta última pretensão indemnizatória deduzida pelos Apelantes impõe-se julgar o recurso dos Apelantes AA e BB totalmente improcedente.


*


V – DECISÃO


Pelo exposto acordam os Juízes desta 1ª Secção Cível em negar provimento ao recurso de apelação interposto por AA e BB, bem como negar igualmente provimento ao recurso de apelação interposto por CC decidindo, em consequência, o seguinte:


a) Confirmar a sentença recorrida;


b) Condenar em custas os Apelantes pelo decaimento nos respectivos recursos interpostos (artigo 527º, nº 1 e 2, do CPC).


*


DN


*


ÉVORA, 05/06/2025,


(José António Moita - relator)


(Maria João Sousa e Faro - 1ªAdjunta)


(Sónia Moura - 2.ª Adjunta)