Sumário:
I. Existindo entre o exequente e a executada uma relação causal por via da qual se estipulou determinado pacto de preenchimento para as livranças em branco subscritas pela mesma executada e estando, por isso, no âmbito das relações imediatas é lícito a esta última invocar as excepções peremptórias inerentes à relação causal, impeditivas, modificativas ou extintivas do direito exercido, para afastar a exigência decorrente da obrigação cartular, por tudo se passar como se a relação cambiária deixasse de possuir as propriedades da literalidade e da abstracção.
II. Invocada pela executada a prescrição da obrigação causal há que indagar se, como invocado, ocorreu tal prescrição, o que a suceder determinará a necessária extinção da obrigação cartular.
III. Se o conhecimento da excepção de prescrição não teve em consideração de que se estava no domínio das relações imediatas e foi, além disso, prematuro, por haver factos controvertidos necessários a tal desiderato, tal decisão não pode subsistir.
I.RELATÓRIO
1. Enoport - United Wines, SGPS, S.A., embargante nos autos à margem identificados, nos quais figura como embargado Ares-Lusitani -STC, S.A., veio recorrer do Despacho Saneador na parte em que julgou improcedente a, por si suscitada, excepção de prescrição dos créditos subjacentes às livranças exequendas, formulando na sua apelação as seguintes conclusões:
A) O Douto Despacho Saneador recorrido ao decidir julgar improcedente a excepção de prescrição dos créditos subjacentes às livranças invocada pela executada e ora recorrente, não decidiu, salvo o devido respeito e melhor opinião, bem.
B) A prescrição é, unanimemente, qualificada como uma excepção peremptória.
C) De acordo com o disposto nos artigos 571.º, n.º 2, e 576.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, estas excepções consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, neste caso, a exequente e, sempre que viável, devem ser conhecidas logo no despacho saneador, conforme dispõe o artigo 595.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.
D) O despacho que (mesmo sem por termo ao processo) julga procedente ou improcedente alguma exceção peremptória, como a prescrição, conhece do mérito da causa e é suscetível de impugnação mediante a interposição de recurso de apelação, respeitados que sejam os demais pressupostos formais, sob pena de transitar em julgado.
E) A executada e ora recorrente pode e vem, assim, interpor o presente recurso de apelação autónomo.
F) Conforme resulta dos embargos de executado, veio a executada e ora recorrente defender a prescrição de parte dos créditos subjacentes às livranças, pedindo que fossem reduzidos os valores que nelas foram apostos, com a consequente redução do valor da divida exequenda.
G) Alegou, para tanto que, no domínio das relações imediatas – como é o caso –, a executada subscritora pode opor à exequente portadora do titulo as excepções decorrentes da relação subjacente -, ou seja, neste caso, os contratos de mutuo (financiamento) -, o que a executada e ora recorrente ali veio a fazer, ao expressar que, tendo em conta que foi citada para a execução em 03/06/2024 e o entendimento assente pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, de 22/09/2022, relativamente à norma prevista no artigo 310º, alínea e), do Código Civil, as prestações de capital e juros, referentes aos empréstimos em questão que se venceram até 03/06/2019, encontram-se prescritos.
H) O Douto Despacho Saneador veio decidir pela improcedência dos embargos, na parte que respeita à prescrição invocada pela executada ora recorrente, com fundamento de não ter decorrido o prazo prescricional previsto no artigo 70º da Lei Uniforme das Letras e Livranças, aplicável às livranças por força do artigo 77º do mesmo diploma legal.
I) O Tribunal “a quo” decidiu mal, porquanto a prescrição da obrigação causal reportada às relações subjacentes produz efeitos, no domínio das relações imediatas, nas obrigações cambiárias ou cartulares, designadamente nas livranças dadas em execução.
J) Os títulos dados pela exequente à execução são títulos de crédito, sujeitos a determinadas formalidades, em concreto, trata(m)-se de livrança(s), pela (qual(ais) uma pessoa (subscritor) se obriga a pagar uma determinada soma, numa determinada data, a um beneficiário (o tomador) ou à ordem dele determinada importância.
L) Por outro lado, os títulos dados à execução foram subscritos pela ora executada no âmbito dos acordos denominados “financiamentos”, os quais configuram contratos de mútuo (artigo 1142.º do Código Civil).
M) As livranças dadas à execução foram subscritas pela ora executada, no âmbito da celebração de dois contratos de mútuo celebrados com o Banco Espírito Santo, S.A., tendo-lhe aparentemente sucedido a ora exequente, o que as coloca – exequente e executada - no domínio das relações imediatas.
N) A par das obrigações cambiárias resultantes da assinatura dos títulos por parte da ora executada - relação cartular -, existem as obrigações decorrentes da celebração dos contratos de mútuo entre a ora executada e o mutuante (ou quem lhe sucedeu) - relação fundamental ou subjacente.
O) Os negócios cambiários possuem uma causa - contratos de mútuo – que levou à subscrição das livranças.
P) De acordo com o disposto no artigo 17º da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças - aplicável às livranças por força do disposto no artigo 77º -, no domínio das relações imediatas podem, em regra, ser invocadas as excepções inerentes à relação fundamental ou subjacente.
Q) Dos documentos nº 2, 7 e 9 juntos com o requerimento executivo parece resultar que a livrança datada de 05/07/2012, no valor de 1.211.085,13 €, com vencimento para 31/01/2024, reporta-se ao credito bancário concedido pelo Banco Espírito Santo à ora executada, o qual foi identificado como “Financiamento nº ...671”, no montante máximo global de 900.000,00 €, datado de 05/07/2012, que teve como destino apoio à tesouraria e liquidação de responsabilidades, pelo prazo de 84 meses, com carência de capital pelo prazo de 12 meses, mas sem carência de juros, devendo o ser reembolsado em prestações mensais (de capital e juros), ou seja, o reembolso, no que respeita ao capital, deveria ser processado em prestações mensais com inicio em Agosto de 2013 e termino em Julho de 2019 e, no que respeita a juros, com inicio em Agosto de 2012 e termino em Julho de 2019.
R) De igual modo, dos documentos nº 5, 8 e 10 juntos com o requerimento executivo, também, parece resultar que a livrança datada de 08/11/2013, no valor de 370.976,59 €, com vencimento para 31/01/2024, reporta-se ao crédito bancário concedido pelo Banco Espirito Santo à ora executada, o qual foi identificado como “Financiamento nº ...185”, no montante máximo global de 340.000,00 €, datado de 08/11/2013, que teve como destino a liquidação de responsabilidades e apoio à tesouraria, pelo prazo de 72 meses, com carência de capital pelo prazo de 6 meses, mas sem carência de juros, devendo o mesmo ser reembolsado em prestações mensais (de capital e juros), isto é, o reembolso, no que respeita ao capital, deveria ser processado em prestações mensais com inicio em Junho de 2014 e termino em Outubro de 2019 e, no que respeita a juros, com inicio em Dezembro de 2013 e termino em Outubro de 2019.
S) Como é entendimento assente (vd. Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 22/09/2022), prescrevem, no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do artigo 310º do Código Civil, as obrigações consubstanciadas em quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, pagável com juros, em relação ao vencimento de cada prestação.
T) A ora executada foi citada para a presente execução no dia 03/06/2024.
U) As prestações de capital e juros referentes aos supra mencionados empréstimos que se venceram até 03/06/2019 encontram-se prescritos.
V) A prescrição da obrigação subjacente, atribuindo ao beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou se se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito acarretará, assim, em regra, a extinção da obrigação cambiária ou, neste caso, a redução do valor da divida executada.
X) Assim, encontrando-se parcialmente prescrita a divida, reduzidos deverão ficar os valores apostos nas livranças e, consequentemente, reduzido o valor da dívida exequenda.
Z) Ao decidir da forma que decidiu, a Excelentíssima Senhora Juiz recorrida violou o correcto entendimento do disposto no artigo 17º da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças - aplicável às livranças por força do disposto no artigo 77º e da al. e) do artigo 310º do Código Civil.
Por assim ser E invocando o douto suprimento de V. Exas. Se espera que, dando provimento ao presente recurso, revoguem a Douta Decisão recorrida e a substituam por outra que declare prescritos as prestações de capital e juros referentes aos empréstimos em questão, que se venceram até 03/06/2019, e, na medida dessa prescrição, sejam reduzidos os valores pelos quais foram preenchidas as livranças juntas aos autos de execução e, consequentemente, o valor da dívida exequenda, como é de direito e de Justiça.
2. Contra-alegou a embargada defendendo a manutenção do decidido.
3. O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões da recorrente, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C., circunscreve-se à questão de saber se ocorreu a prescrição da dívida exequenda.
4. É o seguinte o teor da decisão recorrida:
“Da prescrição
A embargante também invoca a prescrição relativamente aos montantes exigidos.
De acordo com o artigo 70.º da Lei Uniforme das Letras e Livranças (LU)aplicável às livranças por força do artigo 77.º da mesma lei «Todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento. As acções do portador contra os endossantes e contra o sacador prescrevem num ano, a contar da data do protesto feito em tempo útil, ou da data do vencimento, se se trata de letra contendo a cláusula "sem despesas».
No caso, as livranças têm apostas como data de vencimento 31-01-2024, sendo certo que a execução foi instaurada a 04-04-2024.
Será que esta data corresponde à data de incumprimento dos contratos?
Esta pergunta revela-se irrelevante, já que o nosso legislador não consagrou, ao contrário do que sucede noutros ordenamentos jurídicos, um limite temporal ao preenchimento da livrança.
E a jurisprudência nacional tem vindo a entender, de forma unânime, que o prazo prescricional previsto no artigo 70.º da LU corre a partir do dia do vencimento inscrito pelo portador desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento, sendo que o preenchimento da data de vencimento não pode prescindir do que foi pactuado entre as partes e do que ambas podiam objectivamente deduzir ou interpretar a partir do assim pactuado, o que há-de resultar da aplicação ao pacto outorgado das regras de interpretação previstas no artigo 236.º do Código Civil – neste sentido, cf. o ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA, de 14 de Dezembro de 2020, in dgsi. No caso, não se vislumbra, nem isso se julga alegado, que tenha sido estabelecido, no pacto de preenchimento, um limite para o preenchimento da livrança, pelo que, ainda que se admita a falta de correspondência entre a data do incumprimento e a data aposta na livrança, não há violação do pacto de preenchimento.
Improcedem, pois, nesta parte, os embargos deduzidos.”.
5. Do mérito do recurso
1. Como se viu, o Tribunal “a quo” absteve-se de fixar o quadro fáctico relevante para o conhecimento da prescrição, limitando-se a ter em consideração que entre a data aposta nas livranças juntas ao requerimento executivo e a data da instauração da execução não haviam decorrido mais de três anos (art.º 70º da LULL).
2. Porém, convém ler o requerimento executivo no qual a exequente, ora embargada, afirma o seguinte:
“1 - No exercício da sua atividade creditícia, o Banco Cedente, em 05 de julho de 2012, concedeu um empréstimo à Executada ENOPORT UNITED WINES, SGPS, S.A., e, na qualidade de garantes da Livrança, a Parsant Sociedade Gestora Participações Sociais SA e GOLD LEGACY, SGPS LDA., ao qual foi atribuído o n.º ...671, até ao montante máximo de Euros 900.000,00 sob a forma de crédito a prazo fixo, destinando-se a Apoio Tesouraria, Liquidação da Responsabilidades, nomeadamente da Cota Empréstimo Tesouraria Trimestral nº ...004 em nome da sociedade Enoport Produções Bebidas SA e da Conta Empréstimo Tesouraria Trimestral nº ...302 em nome da sociedade Enoport Distribuição Bebidas SA, pelo prazo de 84 meses, a liquidar em amortizações mensais iguais e sucessivas de capital, o que se iniciaria decorridos 12 meses de carência, e nas demais condições constantes do referido título, que se junta e aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais - cfr. Doc. n.º 2.
2 - Para garantia de todas as responsabilidades assumidas nos termos do contrato supra identificado, a sociedade Enoport Distribuição Bebidas SA constituiu por escritura pública, celebrada no mesmo dia 05 de julho de 2012, que ficou a fazer parte do contrato, hipoteca a favor do Banco Mutuante sobre o seguinte bem imóvel:
- Prédio urbano, sito na Rua Professor Egas Moniz, nº 8, na freguesia de Bucelas, concelho da Loures, composto por rés-do-chão para indústria, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n.º 3754, e inscrito na matriz predial sob o artigo 2639, tudo conforme doc. n.º 3 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
3 – Tal hipoteca encontra-se registada pela AP. 3003 de 2012/07/05, averbada pela AP. 6277 de 2015/04/28 e pela AP. 419 de 2022/05/04, este último a favor da Exequente, tudo conforme informação predial acessível através do código IS-0227-26160-110702-003754, in www.predialonline.pt tudo conforme doc. n.º 4 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
4 - Para garantir o bom pagamento de todas as responsabilidades que do contrato celebrado em 05 de julho de 2012, melhor identificado no ponto 1 supra, a Executada ENOPORT UNITED WINES, SGPS, S.A., entregou ao Banco Mutuante uma livrança, com data de vencimento e montante em branco, devidamente subscrita por si, tendo o Banco Cedente ficado autorizado a proceder ao seu preenchimento, no caso de não cumprimento do contrato, nomeadamente nela apondo o montante equivalente ao valor em dívida, de capital e juros - cfr. cláusula 17 do doc. 2.
Ainda,
5 - No exercício da sua atividade creditícia, o Banco Cedente, em 8 de novembro de 2013, concedeu um financiamento à Executada ENOPORT UNITED WINES, SGPS, S.A e, na qualidade de garante por aval da Livrança, a GOLD LEGACY, SGPS LDA, ao qual foi atribuído o n.º ...185, até ao montante máximo de Euros 340.000,00, destinando-se a Liquidação de responsabilidades, nomeadamente a liquidação parcial do PME Invest contrato nº 770/5266, associados à conta D.O. nº 008.0637.0992, titulada pela sociedade CAVIPOR VINHOS DE PORTUGAL LDA, sendo o remanescente a utilizar para Apoio à Tesouraria, pelo prazo de 72 meses, a liquidar em amortizações mensais iguais e sucessivas de capital, o que se iniciaria decorridos 12 meses de carência, e nas demais condições constantes do referido título, que se junta e aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais - cfr. Doc. n.º 5.
6 - A hipoteca já constituída pela sociedade Enoport Distribuição Bebidas SA, por escritura pública, celebrada no dia 05 de julho de 2012, também ficaria abrangeria a garantia de todas as responsabilidades assumidas nos termos do contrato supra identificado no ponto 5.
7 - Para garantir o bom pagamento de todas as responsabilidades que do contrato celebrado em 8 de novembro de 2013, melhor identificado no ponto 5 supra, a Executada ENOPORT UNITED WINES, SGPS, S.A entregou ao Banco Mutuante uma livrança, com data de vencimento e montante em branco, devidamente subscrita por si, tendo o Banco Cedente ficado autorizado a proceder ao seu preenchimento, no caso de não cumprimento do contrato, nomeadamente nela apondo o montante equivalente ao valor em dívida, de capital e juros - cfr. cláusula 17 do doc. 5.
8 - O garante do contrato identificado no ponto 1 a Parsant Sociedade Gestora Participações Sociais SA, foi dissolvida e liquidada, conforme publicação dos atos societários a 06 de junho de 2016, conforme consulta no portal da justiça, doc. 6 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
9 - A Executada ENOPORT UNITED WINES, SGPS, S.A, anteriormente denominada de TINTA SANTA II, S.G.P.S., S.A., apresentou-se a Processo Especial de Revitalização (PER), processo que correu termos sob o número 1630/15.1T8STR, junto do Juízo de Comércio de Santarém - Juiz 3.
10 – Conforme resulta da consulta do portal Citius, a 14/09/2015, no âmbito do seu Processo Especial de Revitalização (PER), a Executada ENOPORT UNITED WINES, SGPS, S.A viu o plano apresentando ser homologado, tendo transitado em julgado a decisão da homologação a 05/10/2015.
11 - Acontece que, findo o período de carência previsto no plano homologado, a Executada ENOPORT UNITED WINES, SGPS, S.A, deixou de cumprir o mesmo em dezembro de 2021, pelo que,
12 – A Exequente interpelou a aqui executada, nos termos e para os efeitos do art.º 218.º, n.º 1, alínea a) do CIRE, o que fez por carta registada de 11/04/2023, tudo conforme Doc. n.º 7 e 8 que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos.
13 – A Executada remeteu-se ao silêncio, tendo a aqui exequente procedeu ao preenchimento das duas Livranças:
- uma, subscrita em 05 de julho de 2012 pelo montante de € 1.211,085,13, com data de vencimento a 31 de janeiro de 2024, tudo conforme doc. n.º 9 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos; e
- outra, subscrita em 08 de novembro de 2013 pelo montante de € 370.976,59 com data de vencimento a 31 de janeiro de 2024, tudo conforme doc. n.º 10 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos
14 – Motivo pelo qual, a ora Exequente instaura a presente ação.
15 – A moratória e/ou o perdão previstos no plano ficam sem efeito em relação aos créditos integrados no plano se:
- o devedor que foi objeto de um plano entrar em mora em relação a esses créditos;
- após a mora do devedor, o credor fizer uma interpelação escrita ao devedor a exigir o pagamento do crédito; e,
- no prazo de 15 dias após a interpelação escrita do credor, o devedor não proceder ao pagamento do crédito.
16 – O que ocorreu no caso concreto, pelo que, qualquer moratória ou perdão quanto aos créditos aqui peticionados concedidos pela Exequente no âmbito do PER da Executada ficaram sem efeito, retomando assim os créditos originários.
Assim,
- o devedor que foi objeto de um plano entrar em mora em relação a esses créditos;
- após a mora do devedor, o credor fizer uma interpelação escrita ao devedor a exigir o pagamento do crédito; e,
- no prazo de 15 dias após a interpelação escrita do credor, o devedor não proceder ao pagamento do crédito.
16 – O que ocorreu no caso concreto, pelo que, qualquer moratória ou perdão quanto aos créditos aqui peticionados concedidos pela Exequente no âmbito do PER da Executada ficaram sem efeito, retomando assim os créditos originários.
Assim,
17 - No primeiro empréstimo a que se faz referência, melhor identificado no supra ponto 1 e pela Livrança como doc. n.º 8 e, o capital em dívida ascende a Euros € 1.211,085,13.
Para além do capital em dívida, são devidos as seguintes quantias:
Juros desde 31/01/2024 a 23/02/2024, à taxa de 4%, no valor de Euros 3.095,00;
Imposto de selo, no valor de Euros 4.856,72.
O que perfaz um montante total em dívida quanto a esta responsabilidade de Euros 1.219.036,85
18 - No segundo empréstimo a que se faz referência, melhor identificado no supra ponto 4 e pela Livrança como doc. n.º 9 e, o capital em dívida ascende a Euros € 370.976.59.
Para além do capital em dívida, são devidos as seguintes quantias: Juros desde 31/01/2024 a 23/02/2024, à taxa de 4%, no valor de Euros 948,00; Imposto de selo, no valor de Euros 1.487,70.
O que perfaz um montante total em dívida quanto a esta responsabilidade de Euros 373.412,29.
19 - Perfazendo o valor global em dívida a quantia de Euros 1.592,449,14 (um milhão quinhentos e noventa e dois mil quatrocentos e quarenta e nove euros e catorze cêntimos), valor ao qual mais hão-de acrescer juros vincendos e imposto selo que venham a ser devidos até efetivo e integral pagamento.
20 - O pagamento não se presume e a falta de pagamento de qualquer das prestações implica o vencimento de toda a dívida – cfr. artigos 781.º e 817.º do Código Civil.
21 - Os créditos da Exequente são certos, líquidos e exigíveis e estão devidamente titulados.
22 – A Exequente é credora com garantia real do imóvel dado em garantia pela sociedade Enoport Distribuição Bebidas SA, melhor identificado no ponto 2.
Para além do capital em dívida, são devidos as seguintes quantias:
Juros desde 31/01/2024 a 23/02/2024, à taxa de 4%, no valor de Euros 3.095,00;
Imposto de selo, no valor de Euros 4.856,72.
O que perfaz um montante total em dívida quanto a esta responsabilidade de Euros 1.219.036,85
No segundo empréstimo a que se faz referência, melhor identificado no supra ponto 4 e pela livrança como doc. n.º 10 e, o capital em dívida ascende a Euros € 370.976.59.
Para além do capital em dívida, são devidos as seguintes quantias:
Juros desde 31/01/2024 a 23/02/2024, à taxa de 4%, no valor de Euros 948,00;
Imposto de selo, no valor de Euros 1.487,70.
O que perfaz um montante total em dívida quanto a esta responsabilidade de Euros 373.412,29.
Perfazendo o valor global em dívida a quantia de Euros 1.592,449,14 (um milhão quinhentos e
noventa e dois mil quatrocentos e quarenta e nove euros e catorze cêntimos), valor ao qual
mais hão-de acrescer juros vincendos e imposto selo que venham a ser devidos até efetivo e
integral pagamento.”
3. Do requerimento executivo se pode extrair que:
- As livranças juntas ao requerimento executivo eram inicialmente duas livranças em branco que têm subjacentes a existência de dois contratos : um celebrado em 05 de julho de 2012 mediante o qual o Banco cedente concedeu um empréstimo à Executada ENOPORT UNITED WINES, SGPS, S.A., ao qual foi atribuído o n.º ...671, até ao montante máximo de Euros 900.000,00 sob a forma de crédito a prazo fixo, destinando-se a Apoio Tesouraria, Liquidação da Responsabilidades, nomeadamente da Cota Empréstimo Tesouraria Trimestral nº ...004 em nome da sociedade Enoport Produções Bebidas SA e da Conta Empréstimo Tesouraria Trimestral nº ...302 em nome da sociedade Enoport Distribuição Bebidas SA, pelo prazo de 84 meses, a liquidar em amortizações mensais iguais e sucessivas de capital, o que se iniciaria decorridos 12 meses de carência, e nas demais condições constantes do mesmo e outro celebrado em 8 de novembro de 2013, mediante o qual o Banco cedente concedeu um financiamento à Executada ENOPORT UNITED WINES, SGPS, S.A, ao qual foi atribuído o n.º...185, até ao montante máximo de Euros 340.000,00, destinando-se a Liquidação de responsabilidades, nomeadamente a liquidação parcial do PME Invest contrato nº 770/5266, associados à conta D.O. nº 008.0637.0992, titulada pela sociedade CAVIPOR VINHOS DE PORTUGAL LDA, sendo o remanescente a utilizar para Apoio à Tesouraria, pelo prazo de 72 meses, a liquidar em amortizações mensais iguais e sucessivas de capital, o que se iniciaria decorridos 12 meses de carência, e nas demais condições constantes do contrato que igualmente junta.
Isto significa que, no caso concreto, existe claramente entre o exequente (o Banco cedente) e a executada uma relação causal por via da qual se estipulou determinado pacto de preenchimento para as ditas livranças em branco subscritas pela sociedade mutuária, ora executada.
Acresce que a lei admite e reconhece a figura da livrança em branco, nos artigos 75º, 77º e 10º LULL., a qual se destina normalmente, a ser preenchida pelo seu adquirente imediato ou posterior, sendo a sua entrega acompanhada de poderes para o seu preenchimento de acordo com o denominado "pacto ou acordo de preenchimento".
Como nos explica Pais de Vasconcelos1 é possível e é frequente que ao tempo do saque (o autor refere-se às letras mas o entendimento serve igualmente para as livranças) e do aceite não esteja ainda definitivamente determinado o valor do crédito subjacente, seja ainda ilíquido. Nesse caso a letra é passada com o valor em branco.".
In casu as “livranças em branco” vieram a ser preenchidas pela exequente que lhes apôs a data de vencimento de 31.1.2024 e o valor de € 1.211.083,13 e a data de vencimento de 31.1.2024 e o valor de € 370.976,59, respectivamente.
Encontrando-nos no âmbito das relações imediatas, como resulta do disposto no art.º 17.º da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças (LULL) é lícito ao signatário cambiário invocar as excepções peremptórias inerentes à relação causal, impeditivas, modificativas ou extintivas do direito exercido, para afastar a exigência decorrente da obrigação cartular, por tudo se passar como se a relação cambiária deixasse de possuir as propriedades da literalidade e da abstracção2.
Por conseguinte, e ao contrário do afirmado na decisão recorrida, há que indagar se, como invocado, ocorreu a prescrição da obrigação causal, o que a suceder determinará, no domínio das relações imediatas, a necessária extinção da obrigação cartular.
Para aquele desiderato deverá ser tido em consideração se é de aplicar, ou não, ao contrato subjudice o A.U.J. nº 6/22 in DR-184/2022, Série I de 2022-09-22 que fixou a seguinte jurisprudência: «I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo ‘a quo’ na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.»
É que se porventura não houver obrigação de pagamento de quotas de amortização de capital pagáveis com juros, não há lugar à aplicação do regime inserto no artº. 310º, e) do Cód. Civil nem a mesma está sujeita à doutrina do referido AUJ 6/2022.
Mas também se deverá ter em consideração que alegadamente a executada se terá apresentado a Processo Especial de Revitalização (PER), o que, a demonstrar-se, deverá ser igualmente ponderado pois que mercê do plano aí aprovado poderá ter ocorrido modificação ou alteração das obrigações emergentes dos contratos de crédito.
Em suma: O conhecimento da excepção de prescrição no despacho saneador não só não teve em consideração de que se estava no domínio das relações imediatas como o foi, também, prematuro já que há factos, uns ainda controvertidos, que não foram ponderados, como acima se assinalou, e que são absolutamente necessários à decisão correcta sobre tal questão: se a obrigação causal prescreveu, ou não.
Impõe-se, portanto, revogar o saneador nessa parte, determinando-se que o conhecimento da excepção de prescrição seja relegado para a sentença final quando os factos pertinentes ao seu conhecimento estiverem fixados.
III.DECISÃO
Por todo o exposto, acorda-se em revogar o saneador na parte em que conheceu da excepção de prescrição, relegando o seu conhecimento para a sentença final e em conformidade com o quadro fáctico que com pertinência para aquele desiderato se vier a fixar.
Custas a suportar pela parte vencida a final.
Évora, 5 de Junho de 2014
Maria João Sousa e Faro
Filipe Aveiro Marques
Susana Ferrão da Costa Cabral
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1. Direito Comercial, Títulos de Crédito, ed.aafdl, pag. 105.↩︎
2. Vide, entre outros, Acórdão do STJ de 3.10.2024 ( Maria de Deus Correia).↩︎