Sumário:
I - A não consideração de determinado(s) facto(s) como provado(s), não consubstancia qualquer contradição com a valoração da prova efetuada, uma vez que não constitui um vício intrínseco da decisão, mas apenas que o juiz terá decidido eventualmente mal.
II - Trata-se, nesse caso, de um error in judicando, em contraposição ao error in procedendo.
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – RELATÓRIO
AA instaurou procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra nova contra Pinpropco, Lda., pedindo a ratificação do embargo levado a cabo pelo Requerente, em 27.08.2024, de suspensão da obra que estava a ser realizada pela Requerida no prédio rústico sito em ..., em ....
Alega, em síntese, que há mais de 15 anos é arrendatário do prédio rústico onde a Requerida estava a desenvolver a obra, detendo nesse prédio máquinas e alfaias agrícolas e aí apascenta um rebanho de ovelhas; na sequência dessa obra foi destruída uma máquina agrícola do Requerente sendo pretensão da Requerida transportar a máquina para fora do prédio rústico, pelo que para evitar isso o Requerente procedeu ao embargo da obra.
Foi indeferida a dispensa da audição prévia da Requerida que, após citada, veio deduzir oposição, arguindo a exceção da caducidade da providência, visto a obra estar a ser executada desde 2022 e, pelo menos desde setembro de 2023, o Requerente tem conhecimento da mesma e apresenta reclamações junto da Requerida: Mais alega que o Requerente não é arrendatário do prédio e, relativamente à máquina ali existente, que se encontrava abandonada quando a Requerida adquiriu o prédio, foi facultada ao Requerente a possibilidade do seu levantamento, o que aquele nunca fez. Alega, por último, que o Requerente atua em abuso do direito, pedindo a sua condenação em multa como litigante de má-fé
O Requerente respondeu, defendendo a improcedência da exceção de caducidade invocada e a sua absolvição do pedido de condenação como litigante de má-fé.
Realizada a audiência final foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo improcedente a presente providência e, em conformidade, não ratifico o embargo extrajudicial de obra nova levado a cabo pelo Requerente em 27.08.2024.
Custas pelo Requerente (art.º 539.º, n.º 1 do C.P.C.).»1
Inconformado, o Requerente apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que se transcrevem:
«1. Por sentença datada de 06-03-2025 o tribunal “a quo” julgou improcedente a presente providência e, em conformidade, não ratificou o embargo extrajudicial de obra nova levada a cabo pelo Requerente em 27-08-2024.
2. O Requerente ora Recorrente não se conforma com a decisão de que ora se recorre.
3. O Requerente ora Recorrente não se conforma com a sentença de que ora se recorre nem com os factos dados como não provados a), b) e c).
4. Os factos dados como não provados a), b) e c) encontram-se incorrectamente julgados e mal apreciados, dado que da prova produzida nomeadamente as declarações de parte do Requerente e os depoimentos da testemunha BB impunham decisão diversa da que ora se recorre.
5. Assim das declarações prestadas pelo Requerente ora Requerente, no dia 14-02-2025, resulta explicado que fazia apascentar as ovelhas e que mantinha no terreno várias alfaias agrícolas, as quais explicou como eram utilizadas, ao minuto 02:14 a 02:55, minuto 11:12 a 12:25 e minuto 15:45 a 16:06 da gravação da audiência de discussão e julgamento, disponível na aplicação do sistema citius, transcritas nas alegações de recurso.
6. As declarações prestadas pelo Requerente ora Recorrente contrariam os factos dados como não provados a), b) e c), resultando assim ao arrepio da matéria de facto que foi dada como não provada que fazia apascentar as ovelhas e que mantinha no terreno várias alfaias agrícolas, as quais explicou como eram utilizadas.
7. Tais declarações foram corroboradas pelo depoimento prestado pela testemunha BB no dia no dia 20-01-2025, do qual resulta que encontravam-se ovelhas no terreno, ao minuto 03:15 a 06:28 da gravação da audiência de discussão e julgamento, disponível na aplicação do sistema citius, também devidamente transcritas nas alegações de recurso.
8. A testemunha BB confirma que no prédio rustico em apreço existiam ovelhas, encontrando-se assim incorretamente apreciado e mal julgado o facto dado como provado alínea a).
9. Termos em que e face ao supra exposto deverão os factos dados como não provados a), b) e c) serem julgados como provados.
10. A decisão recorrida julgou improcedente a presente providência e, em conformidade, não ratificou o embargo extrajudicial de obra nova levado a cabo pelo Requerente em 27.08.2024, porém tal decisão encontra-se em contradição com os factos dados como provados n.º 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10.
11. Resultando assim que o Requerente ora Recorrente exerce a posse do terreno em apreço, mantém naquele prédio rústico uma máquina agrícola debulhadora enfardadeira, que aí apascentava as suas ovelhas e que a máquina em apreço foi destruída pela requerida.
12. O tribunal “a quo” por sua vez conclui que o Requerente não logrou fazer prova sumária do direito de que se arroga titular nem que a obra nova ofenda ou ameace ofender esse direito.
13. Porém resulta claro da prova produzida que o Requerente logrou demonstrar que é titular do direito que se arroga.
14. E a obra nova ofende e ameaça tal direito.
15. Daí que a matéria dada como provada se encontre em manifesta contradição com a decisão da causa.
16. O que significa que estamos claramente perante um erro de fundamentação e uma contradição insanável da decisão da matéria de facto, violando-se o disposto no artigo 607.º, n.º 4 e 5 do Código de Processo Civil, o que determina um erro no dever de fundamentação da decisão conforme estabelece o artigo 154.º do Código de Processo Civil.
17. Termos em que deverá a sentença recorrida ser declarada nula nos termos do disposto no artigo 615.º, alínea c) do Código de Processo Civil.
18. O tribunal “a quo” considerou que resulta óbvio que não foi, nem é, a execução da obra que constitui ofensa ou ameaça de ofensa do direito de propriedade do Requerente sobre a máquina, mas antes o comportamento da Requerida e tal comportamento não cai no âmbito do embargo extrajudicial de obra nova levado a cabo pelo Requerente.
19. Atento o exposto, conclui-se que o Requerente não logrou fazer prova sumária do direito de que se arroga titular nem que a obra nova ofenda ou ameace ofender esse direito, pelo que não estão preenchidos os requisitos legais para a ratificação do embargo realizado pelo Requerente, o que importa a improcedência da providência requerida.
20. Salvo o devido respeito que é muito, andou mal o tribunal “a quo” pois resulta da prova produzida e dos factos dados como provados que o Requerente é titular do direito de propriedade e que a obra em apreço ofendeu tal direito, causando-lhe prejuízo.
21. A procedência do procedimento de embargo de obra nova depende, para além da existência de uma obra, trabalho ou serviço novo, da ofensa de um direito real ou pessoal de gozo ou da posse, que cause ou ameace causar prejuízo, prescindido este último de danos efectivos, bastando-se com o dano jurídico, traduzido na ilicitude do facto.
22. Pelo que andou mal o tribunal “a quo” ao concluir que não se verificam os requisitos legais para a ratificação do embargo realizado pelo Requerente.
23. Do presente caso concreto resulta que o Requerente ora Recorrente é arrendatário do prédio em apreço, que detém no prédio rústico em apreço máquinas e alfaias agrícolas, para além de um rebanho de ovelha churra algarvia, abrigos, encontrando-se moiral no local e a sociedade requerida iniciou uma obra nesse mesmo prédio rústico.
24. O que já causou danos e poderá causar mais danos, determinando a insusceptibilidade de reparação.
25. A sentença recorrida viola assim o disposto no artigo 397.º e seguintes do Código de Processo Civil.
26. Termos em que e face ao supra exposto deverá a sentença recorrida ser revogada e consequentemente deverá ser ratificado o embargo realizado pelo Requerente.»
A Requerida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir, atenta a sua precedência lógica, são as seguintes:
- nulidade da decisão;
- impugnação da matéria de facto;
- verificação dos pressupostos de que depende a ratificação do embargo de obra nova.
III – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA
A 1ª instância considerou indiciariamente provados os seguintes factos2:
1) Mostram-se inscritos a favor da Requerida, pela Ap. 134 de 04.04.2019, por dação em cumprimento de Imogharb- Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, os prédios:
i. rústico composto por parcela de terreno, sito em ..., da União das Freguesias da ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 7 da secção B e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 5222/20221215;
ii. misto, sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 1466 e inscrito na matriz predial urbana sob os artigos 4434, 7041, 7043 e 7045 e ainda sob o artigo rústico 7º, secção B;
2) Pela ap. 3851 de 15.12.2022, foi registado na descrição predial referida em 1-i a operação de transformação fundiária – Loteamento, com base no alvará de loteamento nº 2, emitido em 09.09.2022 pela Câmara Municipal de ....
3) Desde data não concretamente apurada mas anterior a 2019, o Requerente mantém naquele prédio rústico uma máquina agrícola debulhadora enfardadeira, com os respectivos acessórios.
4) Em data não concretamente apurada, o Requerente fez apascentar ovelhas e mantinha um abrigo no terreno para recolha dos animais.
5) A colocação da máquina e o pastoreio no terreno foi autorizado ao Requerente por responsáveis da Imogharb.
6) A Requerida está a desenvolver uma obra de construção civil nos prédios referidos em 1, a qual implica escavações.
7) Essa obra está a ser executada pelas empresas Casais e Frazão.
8) Em data não concretamente apurada, mas posterior ao início da obra antes referida, a máquina referida em 3 foi parcialmente cortada por ordem da Requerida com vista à sua remoção para a sucata.
9) Em 27.08.2024, o Requerente deslocou-se ao local no terreno onde se encontrava a máquina referida em 3 e, na presença de duas testemunhas, comunicou ao representante da Requerida na obra do auto de embargo extrajudicial de obra, com o seguinte teor: “Tal obra abrange tão somente o terreno que se encontra ocupado pela máquina do requerente e que sempre se encontrou explorado pelo mesmo desde 2008, referindo mesmo ter direito de preferência na aquisição do terreno, embora tenha ocorrido negociação que visasse o pagamento de indemnização pela cessão do arrendamento rural. Uma vez que não se verifica intenção de realizar acordo pretende como sempre pretendeu realizar o direito de preferência na aquisição do terreno. Uma vez que se iniciou obra numa parte que compõe o terreno da qual o requerente tinha também preferência, consigna-se que o embargo neste momento realizado se circunscreve ao terreno identificado nas fotografias. (…) Assim, os notificados foram alertados, nesta data e na presença das testemunhas indicadas que tal obra não poderá continuar, em virtude de ficar embargada sob pena de cumprir em responsabilidade criminal e que, para o efeito, será intentado o referente procedimento judicial.”
10) A obra referida em 6 e 7 está a ser executada desde 12.12.2022.
11) Em data não concretamente apurada mas após 12.12.2022, o Requerente surgiu no terreno alegando ser dono da máquina referida em 3.
12) Em data não concretamente apurada mas após 12.12.2022, o Requerente contactou os representantes da Requerida a propósito da obra e da máquina.
13) Por comunicação de 27.04.2023, o Requerente remeteu ao mandatário da Requerida a identificação e contacto da sua mandatária.
14) Por comunicação via whatsapp de 20.09.2023, o Requerente comunicou ao mandatário da Requerida que: “Bom dia Dr. CC
O Dr. DD já deve ter falado consigo Dr. CC para se resolver a situação da Horta das .... Até à data não disse nada, existe verba para se chegar acordo comigo dito pelo Dr. DD. Fico a aguardar contacto, senão serei obrigado a parar a obra e a avançar com acções. (…)”
15) Por comunicação eletrónica de 2.06.2023, a Requerida comunicou ao Requerente que: «Assunto: Máquina agrícola abandonada em terreno sito em ...
(…) No terreno encontra-se abandonada uma máquina agrícola com o nº de série 55011135 (anexa-se foto), cuja remoção é necessária (anexa-se fotografia da máquina). Neste contexto e tendo-nos sido transmitido que a Sra. Dra. Representa o proprietário desta máquina, vimos solicitar que o seu Cliente venha recolher a mesma (devendo fazer prova de ser o proprietário). Para o efeito, agradecemos que o seu Cliente entre em contacto com EE, e-mail (…), por forma a articular a referida recolha.
A Pinpropco aguardará pelo prazo de 10 dias para que a máquina seja recolhida. Findo este período sem que a máquina seja levantada, a Pinpropco procederá à remoção por meios próprios, fazendo encaminha a mesma para sucata com os inerentes custos associados. (…)»
E considerou que não resultaram indiciariamente provados quaisquer outros factos e, nomeadamente, que:
a) Depois de 12.12.2022, o Requerente ainda fizesse apascentar ovelhas no terreno;
b) À data de 12.12.2022, o Requerente mantivesse outra máquina no terreno para além da referida em 3;
c) Em 12.12.2022, o Requerente utilizasse a máquina referida em 3.
Da nulidade da decisão recorrida
Diz o recorrente que «a matéria dada como provada se encontre em manifesta contradição com a decisão da causa», o que, no seu entendimento, «significa que estamos claramente perante um erro de fundamentação e uma contradição insanável da decisão da matéria de facto, violando-se o disposto no artigo 607.º, n.º 4 e 5 do Código de Processo Civil, o que determina um erro no dever de fundamentação da decisão conforme estabelece o artigo 154.º do Código de Processo Civil», concluindo «que deverá a sentença recorrida ser declarada nula nos termos do disposto no artigo 615.º, alínea c) do Código de Processo Civil» [conclusões 15, 16 e 17].
Mas carece de razão a recorrente.
Dispõe a referida norma do art. 615º, al. c), do CPC que a sentença é nula quando «[o]s fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».
Como se lê em Amâncio Ferreira3, a contradição entre os fundamentos e a decisão verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente».
O vício em apreço não se confunde com o denominado erro de julgamento.
Referem a este propósito José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre4:
«Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora, mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial (art. 186-2-b).»5
Lendo com a devida atenção a decisão recorrida, logo se vê que os seus fundamentos estão em perfeita consonância com a decisão, e também não ocorre qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, sendo a mesma claríssima.
O que resulta da alegação do recorrente, é que este, quando alude «a matéria dada como provada», não se está a referir à matéria que foi dada como provada na sentença, mas àquela que entende que devia ser dada como provada.
Ora, a não consideração de determinado(s) facto(s) como provado(s), não consubstancia, como é bom ver, qualquer contradição com a valoração da prova efetuada, uma vez que não constitui um vício intrínseco da decisão, mas apenas que o juiz terá decidido eventualmente mal. Trata-se, nesse caso, de um error in judicando, em contraposição ao error in procedendo, o que, aliás, será apreciado seguidamente no âmbito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Em suma, a sentença recorrida não enferma da nulidade invocada pelo recorrente.
Da impugnação da matéria de facto
Como resulta do artigo 662º, nº 1, do CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se os factos tidos como assentes e a prova produzida impuserem decisão diversa.
Do processo constam os elementos em que se baseou a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto: prova documental, declarações de parte do requerente e depoimentos das testemunhas registados em suporte digital.
Considerando o corpo das alegações e as suas conclusões, pode dizer-se que o recorrente cumpriu formalmente os ónus impostos pelo artigo 640º, nº 1, do CPC, já que especificou os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, indicou os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ele propugnados, referiu a decisão que no seu entender deveria sobre eles ter sido proferida e indicou as passagens da gravação em que funda o recurso, que transcreveu em parte no corpo das alegações, pelo que nada obsta ao conhecimento do recurso na parte atinente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
No que respeita à questão da alteração da matéria de facto face à incorreta avaliação da prova produzida, cabe a esta Relação, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 662º do CPC, e enquanto tribunal de 2ª instância, avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto.
Foi auditado o suporte áudio e, concomitantemente, ponderada a convicção criada no espírito da Sr.ª Juíza a quo, a qual tem a seu favor o importante princípio da imediação da prova, que não pode ser descurado, sendo esse contacto direto com a prova testemunhal que melhor possibilita ao julgador a perceção da frontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e da firmeza dos depoimentos prestados, levando-o ao convencimento quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas.
Infere-se das alegações/conclusões do recorrente, que este discorda da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, relativamente à matéria das alíneas a), b) e c) dos factos não provados que, no seu entender, devia ser considerada provada, tendo em conta as declarações do requerente/recorrente e o depoimento da testemunha BB.
A matéria em causa tem a ver com o alegado apascentamento de ovelhas do recorrente no terreno da Requerida depois de 12.12.2022, que nessa data o Requerente mantivesse outra máquina no terreno para além da referida no ponto 3 dos factos provados e que, ainda nessa mesma data, o Requerente utilizasse a máquina por último referida.
Quanto a esta factualidade, a testemunha FF, funcionário da empresa de Ostrea, Lda., que exerce as funções de fiscalização na obra adjudicada pela Recorrida, foi muito claro ao negar a ocorrência desses factos.
Trata-se de um depoimento merecedor de credibilidade, uma vez que a testemunha, como referiu, desde maio/junho de 2019, visitava o terreno duas vezes por semana, sendo que nunca aí viu rebanhos ou qualquer atividade agrícola, esclarecendo que o terreno estava abandonado com vedação parcialmente danificada, o que motivou que a Câmara Municipal de ... tenha notificado a Requerida para proceder à sua reparação, acrescentando que a partir de 2022 passou a ir ao terreno três a quatro vezes por semana.
O depoimento desta testemunha foi, no essencial, confirmado pelo depoimento da testemunha GG, que tinha conhecimento direto dos factos por se deslocar uma vez por ano ao terreno, desde 2019, em virtude de trabalhar na Finangest que gere o portfolio da Requerida, encontrando-se entre os respetivos ativos a obra dos autos.
Estes depoimentos encontram, aliás, sustentação na prova documental carreada para os autos, desde logo no auto de consignação da empreitada adjudicada pela Requerida à empresa Casais – Engenharia e Construção, S.A., que iria executar a Obra no Terreno, e que é datado de 12.12.2022 (doc. 2 junto com a oposição), no qual se pode ler que «foram apresentadas as necessárias e convenientes indicações para ficarem bem definidas as condições e local onde devem ser realizados os trabalhos a que se refere o contrato”, e ainda que «[n]este ato reconhece-se que estão reunidas todas as condições para o início da execução da empreitada (incluindo a correta implantação da mesma), respeitando as condicionantes da própria obra».
Neste documento não é feita qualquer referência a rebanhos de ovelhas, a máquinas agrícolas ou à ocupação do terreno, sendo das mais elementares regras da experiência, como refere a Requerida na resposta ao recurso, «que um Empreiteiro faria uma referência expressa e explicita a rebanhos, máquinas e à utilização por terceiros, porquanto, tais factos impediriam a execução da obra».
Também no documento 5 da oposição, retirada do sítio google maps, e que corresponde a uma fotografia aérea do terreno dos autos, datada de 15.07.2020 [07.15.2020 na versão em inglês], é bem visível que não existiam quaisquer sinais ou vestígios de ocupação por animais ou máquinas agrícolas no terreno.
Assim, independentemente do posicionamento que se tenha quanto à valoração das declarações de parte, in casu as declarações do Requerente, com base nas quais o recorrente pretende ver dada como provada a facticidade das alíneas a), b) e c) dos factos não provados, tal não encontra o mínimo arrimo na demais prova produzida, e que não pode ser, evidentemente, o depoimento da testemunha BB, secretária no escritório da mandatária do recorrente, cujo conhecimento lhe adveio apenas no âmbito do processo.
Por último dir-se-á que não basta ao recorrente transcrever excertos das suas declarações e do depoimento da referida testemunha, e daí, sem mais, pretender uma alteração da decisão sobre a matéria de facto, pois tais declarações e depoimento têm de ser analisados no conjunto da prova produzida e pesam-se caso a caso, no contexto em que se inserem, tendo em conta a razão de ciência que invocam e a sua razoabilidade face à lógica, à razão e às máximas da experiência.
Resulta, pois, do exposto, que não se vislumbra uma desconsideração da prova produzida, mas sim uma correta apreciação da mesma, não se patenteando a inobservância de regras de experiência ou lógica, que imponham entendimento diverso do acolhido. Ou seja, no processo da formação livre da prudente convicção do Tribunal a quo não se evidencia nenhum erro que justifique a alteração da decisão sobre a matéria de facto, designadamente ao abrigo do disposto no artigo 662º do CPC.
Do mérito da decisão
Permanecendo incólume a decisão do tribunal a quo quanto à matéria de facto dada como provada e não provada6, nenhuma censura há a fazer à decisão recorrida, onde se fez uma correta subsunção dos factos ao direito, com pertinentes citações de doutrina e jurisprudência, e se concluiu pela improcedência do procedimento cautelar e, em consequência, não foi ratificado o embargo extrajudicial de obra nova levado a cabo pelo Requerente em 27.08.2024.
Por conseguinte, o recurso improcede, não se mostrando violadas as normas invocadas pelo recorrente ou quaisquer outras.
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
*
Évora, 5 de junho de 2025
Manuel Bargado (Relator)
Ana Pessoa
Sónia Moura
(documento com assinaturas eletrónicas)
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1. Na fundamentação da sentença considerou-se, a propósito do pedido de condenação como litigante de má-fé do Requerente, considerou-se que «não poderá terá lugar a sua condenação como tal».↩︎
2. Mantém-se a redação e numeração constante da sentença.↩︎
3. In Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, Almedina, p. 56.↩︎
4. Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, Almedina, pp. 736-737.↩︎
5. Neste sentido, vd. Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição, Almedina, p. 763. Na jurisprudência, inter alia, os acórdãos do STJ de 20.05.2021, proc. 281/17.0YHLSB.L1.S1, e de 03.03.2021, proc. 3157/17.8T8VFX.L1.S1, disponíveis in www.dgsi.pt.↩︎
6. É absolutamente infundado, por não provado, o vertido na conclusão 23 de que «o Requerente ora Recorrente é arrendatário do prédio em apreço, que detém no prédio rústico em apreço máquinas e alfaias agrícolas, para além de um rebanho de ovelha churra algarvia, abrigos, encontrando-se moiral no local».↩︎