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PROVA POR RECONHECIMENTO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
IN DUBIO PRO REO
DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Sumário
(da responsabilidade da relatora): I. O artigo 147º do Código de Processo Penal (CPP) prevê três modalidades de reconhecimento de pessoas: o reconhecimento por descrição, acto preliminar dos demais e no qual não existe qualquer contacto visual entre os intervenientes, o reconhecimento presencial, que tem lugar quando a identificação realizada através do reconhecimento por descrição não for cabal, e o reconhecimento com resguardo, que tem lugar quando existam razões para crer que a pessoa que deve efectuar a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento, tratando-se, pois, de uma forma de protecção da pessoa chamada a fazer a identificação. II. Há ainda quem defenda uma modalidade de reconhecimento por fotografia, filme ou gravação, sendo, porém, considerado pela maioria da doutrina como uma modalidade de reconhecimento inserida na prova por reconhecimento presencial, o qual nos termos do n.º5 do art.º 147.º, só pode valer como meio de prova se for seguido de reconhecimento efetuado nos termos do n.º2 do art.º 147.º, do CPP. III. O reconhecimento de pessoas que não tenha sido efectuado nos moldes ali previstos não vale como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorreu (n.º 7 do art.º 147.º, do CPP). IV. O reconhecimento realizado em inquérito é uma “prova autónoma pré-constituída”, considerando-se examinado e produzido em audiência de julgamento nos termos dos artigos 355.º, n.º 1, in fine, n.º 2 e artigo 356.º, n.º 1, b), do CPP, sujeita ao princípio do contraditório, (art.º 327.º, n.º2 do CPP e 32.º, n.º5, da CRP) tendo os sujeitos processuais integral acesso aos autos, não lhe sendo aplicável o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 356.º do CPP. V. Na audiência, havendo lugar a identificação do arguido pelos ofendidos ou testemunhas, meio de prova submetido ao princípio do contraditório (art.º 327.º, n.º 2, do CPP) trata-se de uma prova não proibida, a valorar de harmonia com o referido princípio da livre convicção (cf. art.ºs 127.º e 355.º, do CPP). VI. O reconhecimento em audiência corresponde ao relato do ofendido, do assistente ou de testemunha não tem valor processual autónomo do depoimento prestado, sem que tal consideração prejudique os direitos do arguido, na medida em que, na audiência de julgamento, vigora em toda a sua plenitude o princípio do contraditório. A confirmação da identidade de alguém que se encontra presente e perfeitamente determinado, apenas poderá ser encarado como integrante do respectivo depoimento e não tem que obedecer aos requisitos previsto no art.º 147.º, do CPP, inexistindo qualquer nulidade. VII. Decorre do n.º 1 do art.º 355.º, do CPP, não valem em julgamento, nomeadamente para efeitos de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tenham sido produzidas ou examinadas em audiência, ressalvando o n.º 2 as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência seja permitida, nos termos dos art.ºs 356.º, do CPP, sendo que, quanto às declarações do assistente, das partes civis e das testemunhas, só é permitida leitura tendo sido prestadas perante Juiz nos casos aí referidos ou perante autoridade judiciária nos termos dos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo. VIII. As sentenças ou acórdãos judiciais, enquanto actos decisórios, carecem necessariamente de fundamentação, através da enumeração ou especificação da matéria de facto provada e não provada (reportada pelo menos à factualidade constante da acusação e/ou da pronúncia, da contestação do arguido, do pedido cível do demandante), indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão - art.º 205.º, n.º 1, da CRP, 97.º, n.ºs 1, al. a) e 5, e 374º, ambos do C.P.P. IX. Como ressalta da leitura da norma referida, a fundamentação não se satisfaz com a mera indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, nem com a súmula dos depoimentos/declarações que fundaram a convicção, exigindo-se, ao invés, um exame crítico dessas mesmas provas, o que se encontra em correspondência lógica com o processo mental complexo desenvolvido pelo julgador na análise da prova que determinou a formação da sua convicção convencimento que não pode ter por fundamento ou justificação senão a prova produzida e avaliada de harmonia com regras da experiência e da lógica, exame crítico esse que é exigido pelo princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127º do CPP. X. Para ser conhecida, pelo Tribunal de recurso, a impugnação ampla da matéria de facto (erro de julgamento), uma das formas de impugnação da matéria de facto, tem o recorrente, nas suas conclusões, o ónus de especificar os pontos concretos de facto que considera incorrectamente julgados, as provas concretas que impõe decisão diversa da recorrida, as provas que, sendo caso disso, devem ser renovadas, bem como, estando a prova gravada, de transcrever ou indicar a passagem ou passagens das declarações/depoimentos da gravação áudio, que suportem entendimento diverso, com indicação do início e termo desses segmentos em cumprimento do previsto no art.º 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP, sob pena de não pode ser conhecido, por incumprimento das formalidades legalmente prescritas, nos referidos n.ºs 3 e 4 do art.º 412.º, do CPP. XI. A impugnação restrita da matéria de facto (outra forma de impugnação da matéria de facto), consiste na invocação dos vícios previstos nas alíneas a), b) e c) do nº2 do art.410º, do CPP (a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; o erro notório na apreciação da prova) de conhecimento oficioso, desde que os vícios resultem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. XII. Evidenciando o próprio texto da decisão recorrida que o Tribunal recorrido, na fundamentação da matéria de facto, tem uma posição segura e inequívoca, relativamente quer aos factos dados como provados quer aos dados como não provados, decidindo à luz das as regras da experiência e da livre convicção do julgador, nos termos do art.º 127.º, do CPP, estando a apreciação da prova, em primeira instância, enriquecida pela oralidade e pela imediação, que fez o Julgador atribuir credibilidade às declarações dos assistentes e de testemunhas, em detrimentos das declarações dos arguidos e de outras testemunhas, sendo essa opção admissível face às regras da experiência comum e da livre convicção, não padece a decisão do vício de facto de erro notório na apreciação da prova a que alude a alínea c) do n.º2 do art.º 410.º, do CPP, deve acolher-se a opção do julgador. XIII. O uso do princípio in dubio pro reo (regra de decisão da prova) só deve ocorrer quando, após a produção e a apreciação dos meios de prova relevantes, o julgador se defronte com a existência de uma dúvida sobre a verificação dos factos e, perante ela, se lhe imponha decidir a favor do arguido. Não se trata, pois, de uma dúvida hipotética, abstrata ou de uma mera hipótese. XIV. Como princípio que se projecta em sede de apreciação da prova, a sua violação é tradicionalmente tratada como erro notório na apreciação da prova (artigo 410º, nº 2, al. c) do Código de Processo Penal) e, por isso, tal como sucede com os demais vícios da sentença, tem que resultar ou decorrer do próprio texto da decisão recorrida. XV. A dúvida que fundamenta o apelo ao princípio in dubio pro reo deve ser insanável, razoável e objetivável. XVI. Em primeiro lugar, deverá ser insanável, pressupondo, por conseguinte, que houve todo o empenho no esclarecimento dos factos, sem que tenha sido possível ultrapassar o estado de incerteza; Deverá ser razoável, ou seja, impõe-se que se trate de uma dúvida racional e argumentada e finalmente, deverá ser objectivável, ou seja, é necessário que possa ser justificada perante terceiros, o que exclui dúvidas arbitrárias ou fundadas em meras conjeturas e suposições. XVII. O Tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito desse princípio se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo - e não os sujeitos processuais ou algum deles - chegou a um estado de dúvida insanável, razoável e objetivável, e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido, não já quando o Tribunal de primeira instância não manifestou qualquer dúvida. XVIII. O Tribunal de Recurso, em sede de escolha e determinação da pena, não decide como se não existisse uma decisão de primeira instância, não se tratando de um re-julgamento, assistindo ao tribunal de primeira instância uma margem de actuação, componente do acto de julgar, podendo este Tribunal de Recurso alterar a pena, mas apenas quando são detectadas incorrecções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido pelo Tribunal de primeira instância; na interpretação e aplicação dos princípios e das normas legais e constitucionais que regem a pena; nas operações de determinação da medida da pena (indicação e consideração dos factores na fixação da pena concreta); quando sejam violadas, na fixação exacta da pena concreta, regras da experiência ou quando a mesma se revelar manifestamente desproporcionada. XIX. São elementos fundamentais da operação de escolha entre pena privativa e pena não privativa da liberdade as finalidades da punição, traduzidas na protecção de bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade (art.ºs 40.ºe 70.º, do Código Penal), sendo que na determinação da medida da pena deverá atender-se às exigências de prevenção especial e de prevenção geral, e à pela medida da culpa do agente, sendo que esta constitui o limite inultrapassável da pena (art.º 71.º, n.º 1 e 40.º, do CP). XX. O Tribunal pode determinar que a suspensão da execução da pena de prisão seja subordinada aos deveres e regras de conduta previstos no n.º 3 do art.º 54.º, do CP, entre os quais ao pagamento da indemnização devida ao lesado dentro de certo prazo (al. a), do n.º 1 do art.º 51.º ex vi do art.º 54.º, n.º 3 do CP.
Texto Integral
Acordam, os Juízes Desembargadores, em conferência, na 9ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:
I- RELATÓRIO
1.
Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal - Juiz 11, processo 652/21.8PALSB, realizado o julgamento, em Tribunal Colectivo, foi proferido Acórdão Condenatório em 15.07.2024, cuja decisão final é a seguinte:
VII. DISPOSITIVO Por todo o exposto, decide-se: i. Responsabilidade jurídico-penal a) Absolver o arguido AA da prática, em coautoria, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 145º, nº 1, alínea a), com referência ao artigo 132º, nº 2, alíneas g) e h), do Código Penal, sem prejuízo da sua condenação pela prática, em coautoria, de um crime de dano com violência, previsto e punido pelos artigos 212º, nº 1, e 214º, nº 1, alínea a), do Código Penal [referente a BB]; b) Absolver o arguido AA da prática, em coautoria, de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 144º, alíneas b) e c), e 145º, nº 1, alínea c), com referência ao artigo 132º, nº 2, alíneas g) e h), do Código Penal, sem prejuízo da sua condenação pela prática, em coautoria de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 145º, nº 1, alínea a), com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea h), do Código Penal [referente a CC]; c) Absolver o arguido AA da prática, em autoria, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alíneas c) e d), do RJAM; d)Condenar o arguido AA pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, nº 1, 145º, nºs 1, alínea a), e nº 2, do Código Penal, com referência à alínea h), do nº 2, do artigo 132º, do mesmo Código, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão [referente a DD]; e)Condenar o arguido AA pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 145º, nº 1, alínea a), com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea h), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão [referente a CC]; f) Condenar o arguido AA pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de dano com violência, previsto e punido pelos artigos 212º, nº 1, e 214º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão [referente a BB]; g)Condenar o arguido AA pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 145º, nº 1, alínea a), com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea h), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão [referente a EE]; h)Condenar o arguido AA pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 145º, nº 1, alínea a), com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea h), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses [referente a FF]; i)Condenar o arguido AA pela prática, em autoria, na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea d), do RJAM, na pena de 1 (um) ano de prisão; j) Operando o cúmulo jurídico, condenar o arguido AA na pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova e à obrigação de depositar à ordem dos autos (dedutível nos pedidos de indemnização cível infra e enquanto os mesmos não se mostrem satisfeitos), até ao final de cada um dos três primeiros anos dessa suspensão, montantes fracionados de 1.000,00 € (mil euros), a perfazer um total de 3.000,00 € (três mil euros), os quais serão subsequentemente entregues aos demandantes, sendo no caso do demandante remanescente, entregue 5/6 ao assistente CC e 1/6 ao assistente BB. k) Não aplicar ao arguido AA a pena acessória de proibição de exercício de funções de segurança privada, prevista no artigo 66º, do Código Penal. * l) Absolver o arguido GG da prática, em coautoria, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 145º, nº 1, alínea a), com referência ao artigo 132º, nº 2, alíneas g) e h), do Código Penal, sem prejuízo da sua condenação pela prática, em coautoria, de um crime de dano com violência, previsto e punido pelos artigos 212º, nº 1, e 214º, nº 1, alínea a), do Código Penal [referente a BB]; m) Absolver o arguido GG da prática, em coautoria, de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 144º, alíneas b) e c), e 145º, nº 1, alínea c), com referência ao artigo 132º, nº 2, alíneas g) e h), do Código Penal, sem prejuízo da sua condenação pela prática, em coautoria de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 145º, nº 1, alínea a), com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea h), do Código Penal [referente a CC]; n) Absolver o arguido GG da prática, em autoria, de dois crimes de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alíneas c) e d), do RJAM; o)Condenar o arguido GG pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, nº 1, 145º, nºs 1, alínea a), e nº 2, do Código Penal, com referência à alínea h), do nº 2, do artigo 132º, do mesmo Código, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão [referente a DD]; p)Condenar o arguido GG pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 145º, nº 1, alínea a), com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea h), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão [referente a CC]; q)Condenar o arguido GG pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de dano com violência, previsto e punido pelos artigos 212º, nº 1, e 214º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão [referente a BB]; r)Condenar o arguido GG pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 145º, nº 1, alínea a), com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea h), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão [referente a EE]; s)Condenar o arguido GG pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 145º, nº 1, alínea a), com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea h), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão [referente a FF]; t)Condenar o arguido GG pela prática, em autoria, na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alíneas c), d) e e), do RJAM, na pena de 2 (dois) anos de prisão; u) Operando o cúmulo jurídico, condenar o arguido GG na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova e à obrigação de depositar à ordem dos autos (dedutível nos pedidos de indemnização cível infra e enquanto os mesmos não se mostrem satisfeitos), até ao final de cada um dos três primeiros anos dessa suspensão, montantes fracionados de 1.000,00 € (mil euros), a perfazer um total de 3.000,00 € (três mil euros), os quais serão subsequentemente entregues aos demandantes, sendo no caso do demandante Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, E.P.E. satisfeita logo a totalidade do respetivo pedido de indemnização civil e, do remanescente, entregue 5/6 ao assistente CC e 1/6 ao assistente BB. v) Não aplicar ao arguido GG a pena acessória de proibição de exercício de funções de segurança privada, prevista no artigo 66º, do Código Penal. * w) Absolver o arguido HH da prática, em coautoria, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 145º, nº 1, alínea a), com referência ao artigo 132º, nº 2, alíneas g) e h), do Código Penal, sem prejuízo da sua condenação pela prática, em coautoria, de um crime de dano com violência, previsto e punido pelos artigos 212º, nº 1, e 214º, nº 1, alínea a), do Código Penal [referente a BB]; x) Absolver o arguido HH da prática, em coautoria, de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 144º, alíneas b) e c), e 145º, nº 1, alínea c), com referência ao artigo 132º, nº 2, alíneas g) e h), do Código Penal, sem prejuízo da sua condenação pela prática, em coautoria de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 145º, nº 1, alínea a), com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea h), do Código Penal [referente a CC]; y)Condenar o arguido HH pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, nº 1, 145º, nºs 1, alínea a), e nº 2, do Código Penal, com referência à alínea h), do nº 2, do artigo 132º, do mesmo Código, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão [referente a DD]; z)Condenar o arguido HH pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 145º, nº 1, alínea a), com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea h), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão [referente a CC]; aa)Condenar o arguido HH pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de dano com violência, previsto e punido pelos artigos 212º, nº 1, e 214º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão [referente a BB]; bb) Operando o cúmulo jurídico, condenar o arguido HH na pena única de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova e à obrigação de depositar à ordem dos autos (dedutível nos pedidos de indemnização cível infra e enquanto os mesmos não se mostrem satisfeitos), até ao final de cada um dos três primeiros anos dessa suspensão, montantes fracionados de 1.000,00 € (mil euros), a perfazer um total de 3.000,00 € (três mil euros), os quais serão subsequentemente entregues aos demandantes, sendo no caso do demandante Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, E.P.E. satisfeita logo a totalidade do respetivo pedido de indemnização civil na parte correspondente e, do remanescente, entregue 5/6 ao assistente CC e 1/6 ao assistente BB. * ii. Responsabilidade jurídico-civil ii.i Julga-se o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante Centro Hospitalar Lisboa Central, E.P.E. procedente e, em consequência, decide-se: cc)Condenar solidariamente os arguidos AA, GG e HH a pagar-lhe a quantia de 112,07 € (cento e doze euros e sete cêntimos) [referente a DD], acrescida de juros de mora, à taxa legal para os juros civis, desde a data em que o pedido de indemnização civil foi aos mesmos notificado; dd)Condenar solidariamente os arguidos AA, GG e HH a pagar-lhe a quantia de 288,67 € (duzentos e oitenta e oito euros e sessenta e sete cêntimos) [referente a CC], acrescida de juros de mora, à taxa legal para os juros civis, desde a data em que o pedido de indemnização civil foi aos mesmos notificado; ee)Condenar solidariamente os arguidos AA, GG e HH a pagar-lhe a quantia de 252,07 € (duzentos e cinquenta e dois euros e sete cêntimos) [referente a BB], acrescida de juros de mora, à taxa legal para os juros civis, desde a data em que o pedido de indemnização civil foi aos mesmos notificado; ff)Condenar solidariamente os arguidos AA e GG a pagar-lhe a quantia de 246,67 € (duzentos e quarenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos) [referente a EE], acrescida de juros de mora, à taxa legal para os juros civis, desde a data em que o pedido de indemnização civil foi aos mesmos notificado; ii.ii)Julga-se o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente CC parcialmente procedente e, em consequência, decide-se: gg) Absolver a demandada YYY – Segurança Privada, Lda.; hh)Condenar solidariamente os arguidos AA, GG e HH a pagar-lhe a quantia de 5.825,22 € (cinco mil oitocentos e vinte e cinco euros e vinte e dois cêntimos) a título de danos patrimoniais e a quantia de 10.000,00 € (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais. ii.iiiJulga-se o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente BB parcialmente procedente e, em consequência, decide-se: ii) Absolver a demandada YYY – Segurança Privada, Lda.; jj)Condenarsolidariamente os arguidos AA, GG e HH a pagar-lhe a quantia de 677,13 € (seiscentos e setenta e sete euros e treze cêntimos) a título de danos patrimoniais e a quantia de 3.000,00 € (três mil euros) a título de danos não patrimoniais. * kk) Declarar perdidos a favor do Estado todos os bastões extensíveis, bastão artesanal e o bastão dissimulado em forma de lanterna, chicote artesanal, soqueiras, pistola, carregadores e munições, apreendidos nos autos, sendo entregues à P.S.P. que promoverá o seu destino (artigo 78º, da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro); ll) Determinar que os demais bens apreendidos ou à ordem dos autos (artigo 374º, nº 3, alínea c), do Código de Processo Penal), e cujo destino não foi ainda fixado nos autos, deverão ser devolvidos aos proprietários, com sujeição ao regime do artigo 186º, nº 3, do Código de Processo Penal. Tribunal * mm) Custas criminais pelos arguidos, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta quanto aos arguidos AA e HH e em 4 (quatro) unidades de conta quanto ao arguido GG; nn) Custas no pedido de indemnização civil deduzido pelo Centro Hospitalar Lisboa Central, E.P.E. pelos arguidos AA, GG e HH, sem prejuízo do disposto no artigo 4º, nº 1, alínea n), do Regulamento das Custas Processuais; oo) Custas no pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente CC pelos arguidos AA, GG e HH e pelo próprio assistente na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo do disposto no artigo 4º, nº 1, alínea n), do Regulamento das Custas Processuais; pp) Custas no pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente BB pelos arguidos AA, GG e HH e pelo próprio assistente na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo do disposto no artigo 4º, nº 1, alínea n), do Regulamento das Custas Processuais. * Diligencie pela tradução do acórdão para a língua materna do arguido HH, a ter lugar, preferencialmente, através de tradutor que tenha já realizado essas funções nos autos, o qual deverá ser previamente contactado, por telefone, a fim de confirmar a aceitação do serviço. * Após trânsito: - remeta o boletim aos serviços de registo criminal (cfr. artigo 374º, nº 3, alínea d), do Código de Processo Penal); - recolha amostra com vista à obtenção de perfil de ADN aos arguidos, conforme artigo 8º, nº 2, da Lei nº 5/2008, de 12 de fevereiro, e na Portaria nº 270/2009, de 17 de março, sendo antes da recolha informados, por escrito, do que consta no artigo 9º, da Lei nº 5/2008, de 12 de fevereiro; e, - solicite à DGRSP, com cópia do acórdão, a elaboração do relatório social quanto aos arguidos. * A leitura do presente acórdão equivale à sua notificação a todos os sujeitos processuais que se devam considerar presentes (artigo 372º, nº 4, do Código de Processo Penal).
2.
O Julgamento dos autos teve por base a acusação deduzida pelo Ministério Público contra os referidos arguidos:
- AA, nascido a 21.10.1972, filho de II e de JJ, natural da freguesia de ..., Lisboa, divorciado, gestor de frota automóvel, residente na Rua ... Charneca da Caparica;
- GG, nascido a 12.08.1986, filho de KK e de LL, natural da freguesia de Avenidas ... Lisboa, solteiro, motorista TVDE, residente na Rua ... Odivelas; e
- HH, nascido a 01.01.1982, filho de MM e de NN, natural e nacional do Paquistão, com título de residência em Portugal nº …997, casado, motorista, residente na Travessa ..., Lisboa.
Imputando-lhes a prática, em coautoria e concurso efetivo, de:
- um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 145º, nº 1, alínea a), e 132º, nº 2, alínea h), do Código Penal [referente a DD]; - um crime de dano com violência, previsto e punido pelo artigo 212º, nº 1, e 214º, nº 1, alínea a), do Código Penal [referente a BB];
- um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 143º, 145º, nº 1, alínea a), e 132º, nº2, alíneas g) e h), do Código Penal [referente a BB]; - um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, previsto e punido pelo artigo 143º, 144º, alíneas b) e c), 145º, nº 1, alínea c), e 132º, nº 2, alíneas g) e h), do Código Penal [referente a CC];
E a prática pelos arguidos AA e GG, em concurso efetivo, de: - um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alíneas c) e d), do RJAM [referente a 11.10.2021];
- dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 145º, nº 1, alínea a), e 132º, nº 2, alínea h), do Código Penal [referentes a EE e FF];
- um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea d), do RJAM [referente a 09.07.2022];
E, ainda, a prática, pelo arguido GG, em concurso efetivo, de:
- um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea c), do RJAM [referente a 09.07.2022].
Mais foi requerido a aplicação aos arguidos AA e GG da pena acessória de proibição do exercício de funções de segurança privado, nos termos previstos no artigo 66º, do Código Penal. Tudo conforme os termos constantes da acusação de fls. 537/557 (referência 423860421), que se dão aqui por reproduzidos, à qual aderiram os assistentes CC e BB, nos termos do disposto no artigo 284º, do Código de Processo Penal
3.
Inconformado com o acórdão condenatório, o arguido HH veio interpor recurso, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição): 1. O arguido, HH, foi condenado pela prática dos seguintes crimes: ofensa à integridade física qualificada (relacionada a duas vítimas: DD e CC), resultando em penas de 1 ano e 8 meses, e 2 anos e 8 meses de prisão, respetivamente; dano com violência contra BB, resultando em uma pena de 2 anos e 8 meses de prisão. Em cúmulo jurídico, a pena única foi estabelecida em 3 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução, condicionada ao pagamento de uma indemnização de 3.000 euros em três anos. 2. O acórdão recorrido é omisso, na fundamentação de facto, relativamente aos meios de prova diretos ou indiretos e sua avaliação à luz das regras da experiência e da lógica, nos quais o Tribunal a quo se baseou para formar a sua convicção, pelo menos, relativamente aos pontos 1, 2, 3, 4 e 7 e 10 da matéria de facto dada como provada. 3. A decisão recorrida não contem um mínimo de exposição, clareza e percetibilidade do raciocínio lógico dedutivo na formação da convicção, capaz de permitir verificar da sua conformidade com o conteúdo da prova e a valoração que dela se deve fazer, por referência aos critérios de decisão vertidos nos artigos 125º a 127º do CPP. 4. Os destinatários da decisão têm de perceber o porquê de se ter dado como provado que o arguido em conjugação de esforços e intentos, na execução de um plano em conjunto com os demais arguidos, tiveram intenção de molestar fisicamente o ofendido DD, que com a mesma resolução molestaram o corpo de CC e ainda praticou um crime de dano com violência, na pessoa do assistente BB, não obstante ninguém, nem mesmo os assistentes o terem identificado como o autor de tal crime. 5. O Tribunal a quo ao dar como não provado que os arguidos, todos os arguidos, não eram trabalhadores da empresa de segurança YYY, não poderia dar como provado que foram os arguidos os autores de tais actos ilícitos. 6. Impunha-se um adequado exame critico que permitisse aos destinatários da decisão perceber o porquê de se ter dado como provado a factualidade que se impugna. 7. Não foi respeitado o estatuído na última parte do disposto no artigo 374.º, n.º 2 do aludido preceito, com indicação do exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. 8. Esta circunstância impede os destinatários de perceberem as razões das condenações e cerceia o direito de exercerem o contraditório. 9. Pelo que, o Acórdão do qual se recorre é nulo. 10. Impugna-se especificamente a factualidade vertida nos pontos 1.º a 5.º da factualidade dada como provada, nos termos do art.º 412.º do CPP, porquanto existe um erro notório na apreciação da prova carreada e produzida no processo. 11. Nas primeiras declarações prestadas pelos assistentes (CC e BB), não houve dúvidas de que os agressores eram seguranças da empresa "YYY". 12. Essas afirmações foram feitas logo após as agressões – auto de notícia - e também perante Magistrado do Ministério Público (em março de 2022), folhas 153 dos autos -, como perante o Órgão de Polícia Criminal (em outubro de 2021). 13. Os assistentes identificaram os agressores como trajando roupas pretas com a palavra "YYY". A descrição feita pelo assistente CC apontava para cinco ou seis indivíduos, todos caucasianos excepto um, que era de tez negra. De imediato, o assistente CC assumiu que eram seguranças devido ao uniforme, o que fundamentou a sua certeza de que estavam ligados à empresa "YYY". 15. Durante o incidente, BB começou a filmar o que estava a suceder. Um dos indivíduos, identificado como pertencente ao grupo, de raça negra e com o logotipo "YYY", reparou que estavam a ser filmados, dirigiu-se ao BB, retirou-lhe o telemóvel, atirou-o ao chão e pisou-o repetidamente. 16. Os assistentes, neste primeiro momento identificaram os autores de tais actos de agressão com base na indumentária, tendo a mesma a inscrição "YYY". 17. Com essa informação encetaram, de mote próprio, uma pesquisa para encontrar conexões entre os indivíduos que usavam as t-shirts e a empresa de segurança "YYY" e entregaram fotografias dos supostos agressores às autoridades. 18. O estabelecimento comercial "CT Bar" foi apontado como o primeiro local onde os alegados agressores foram vistos pelos assistentes numa altercação, tendo sido utilizado como ponto de partida para a investigação. 19. Esta identificação não foi precisa o suficiente, foi baseada em percepções visuais e suposições sobre a indumentária dos agressores, sem provas adicionais que pudessem confirmar a ligação com a empresa de segurança, como sejam a lista de seguranças que estaria a laborar nessa noite nos estabelecimentos comerciais dessa zona de Lisboa, que é enviada para a PSP. 20. Em outubro de 2021, os assistentes CC e BB prestaram declarações perante Órgão de Polícia Criminal, nos quais identificaram sem hesitação os indivíduos que os agrediram. O assistente CC forneceu fotografias dos suspeitos como sendo dos agressores do individuo que estava na paragem de autocarro/eléctrico e que por sua vez o agrediu e ao seu amigo BB. 22. O arguido nessa noite e como os autos o demonstram não trajava qualquer t-shirt preta ou branca com inscrições, fossem elas de que índole fossem. Trajava um casado de fato de treino azul que lhe foi apreendido. Nada mais. 23. Mais um motivo porque não poderia estar no grupo, no mínimo de cinco seguranças, com a inscrição YYY, a correr em sentido inverso ao dos assistentes. 24. E, mais, em sede de audiência de discussão e julgamento o assistente CC, não garantiu com a certeza que se impunha que o indivíduo que viu no hospital a ser assistido era o mesmo que visualizou a ser agredido nessa mesma noite em que também foi agredido – declarações prestadas no dia 15 de Maio de 2024, gravadas no sistema digital dos Tribunais, com início pelas 11 horas e 45 minutos e o seu termo pelas 12 horas e 44 minutos, conforme declarações infra e reproduzimos mais adiante na nossa alegação: Ass.: Pensa que mais tarde nessa noite no hospital pensa que terá visto o jovem indiano. Juiz: Mas pensa? Tem certeza? Ass: Não tenho 100% de certeza, mas tem bastante certeza. Juiz: Mas viu essa pessoa a ser levada para o hospital? Ass: Não. 25. E talvez por isso, no episódio de urgência o senhor DD tenha transmitido ao médico que o assistiu que tinha caído. Ainda, de acordo com o próprio médico que o assistiu, o mesmo tinha um forte odor a álcool… 26. Para além disso e para que dúvidas não sobressaltem, Venerandos Desembargadores, não há provas de que HH trabalhasse para a empresa "YYY" ou que estivesse a exercer funções de segurança naquele momento ou noutro momento qualquer, mesmo que não tivesse qualquer vínculo a uma empresa de Segurança Privada. 27. O arguido HH, está impedido legalmente de exercer a profissão de segurança. Nem sequer preenche os requisitos para obter tal licença. 28. Convenhamos, Venerandos Desembargadores, a prova produzida quanto a este circunstancialismo apontava em sentido completamente diverso do que veio a ser dado como provado, existindo, no nosso entendimento, por isso, um erro notório na apreciação da prova, pelo que deveriam estes factos, no que ao arguido HH diz respeito, ser dados como não provados. 29. Passando à impugnação da demais factualidade dada como provada, mormente dos pontos, do bloco de pontos 6.º a 21.º, referentes aos assistentes BB e CC, mormente o 7.º e 10.º e em sequência do que vem sendo concluído. 30. A dinâmica dos eventos relatados pelos assistentes e identificação dos alegados agressores, mudou a partir do momento em que foram confrontados com os fotogramas retirados das filmagens de vídeo-segurança realizadas no CT Bar. 31. Nesses fotogramas, em que só vislumbramos um milésimo de segundo do desenrolar dos eventos, mostram o arguido HH no interior e exterior do bar. 32. Em momento algum ele aparece em grupo com os demais indivíduos que se assemelham com seguranças/ porteiros; com uma postura rígida ou de “ataque”. 33. Permanece no interior do Bar a conversar com o dono do mesmo como teve oportunidade de explicar e depois no exterior do mesmo a conversar com outras pessoas que ali estavam – fotograma de folhas 26 dos autos. 34. E, foi precisamente nesta altura, ao que aferimos dos depoimentos prestados pelos assistentes que visualizaram o arguido: no exterior do bar a conversar. Não o viram a correr em sentido ao contrário à marcha dos assistentes. Lembramos que todos eram corpulentos, com t-shirts pretas e com a palavra YYY inscrita. 35. O arguido HH trajava um casaco de fato de treino azul-escuro, com riscas e logotipo de uma marca de roupa, diferentemente do que os seguranças da empresa "YYY" supostamente usavam. 36. O arguido informou o Tribunal do tipo de trabalho que realizava – entrega de refeições ao domicílio -; que usava luvas de motociclista; o que fazia naquele bar e àquela hora da noite. Repetiu-se, como já havia feito em sede de inquérito perante Magistrado do Ministério Público. 37. Quanto à linha de tempo da ocorrência dos factos, o Tribunal a quo, não balizou temporalmente a ocorrência dos factos imputados aos arguidos, quando dispunha de provas para tal. 38. Os fotogramas revelam que a primeira contenda dentro do bar começou às 00h02m25s e durou cerca de dois minutos, supomos, porque apesar do Órgão de Polícia Criminal ter visualizado tais imagens, não fez constar tal do auto de visionamento. 39. Os envolvidos em tal altercação saíram do bar, ainda alterados, e foi precisamente neste momento que os assistentes visualizam a altercação que mencionam. E de seguida visualizam um grupo de seguranças/porteiros da YYY, a correr. 40. Nos momentos seguintes, o que constatamos é a entrada de várias pessoas no bar, sendo que o arguido aos 00h15m31s estava a conversar com o dono/gerente do bar, outros indivíduos que aparentavam ser seguranças entraram no bar, um deles a falar ao telemóvel. 41. Depois saiu do bar e lá permaneceu até ir para a sua casa. Nenhuma prova foi feita em contrário que permita sustentar a tese do Acórdão. 42. Ora se no momento que visualizam a altercação e em momento continuo vêem seguranças a correr, como podem ter visto o arguido a correr nesse grupo se o mesmo estava dentro do bar a conversar? 43. Ou mesmo no seu exterior a conversar com outras pessoas que lá se encontravam. As declarações dos assistentes claudicam e são incongruentes e não são compatíveis com a prova que os mesmos carrearam para os autos. 44. Perante o supra exposto o Tribunal a quo, apesar de ter elementos probatórios para tal, não concretizou adequadamente a hora dos factos imputados ao arguido, deixando uma margem de dúvida sobre a participação do arguido nos mesmos, sendo certo que pouco depois da meia-noite, não pode significar toda a madrugada da noite do dia 11 de Outubro de 2021. 45. São consabidas as contradições das declarações prestadas pelos assistentes ao longo do processo, especialmente em relação à identificação dos agressores e da indumentaria que estariam a usar. 46. Inicialmente, todos os agressores foram descritos como funcionários da YYY, usando t-shirts pretas e brancas com logotipos da empresa. Mais tarde, os assistentes mudaram a sua versão para incluir pessoas que não usavam fardamento da empresa e indicaram que apenas alguns dos agressores usavam a t-shirts com o logotipo "YYY", mas todos trajavam t-shirts pretas ou roupas escuras. 47. Vejamos a título de exemplo as declarações do assistente CC, prestadas no dia 15 de Maio de 2024 e citadas supra: Juiz Presidente: porque é que diz que eram porteiros? Ass.: porque baseado no tamanho deles, eram corpulentos e depois tinham uma roupagem própria e que tinham logos. Mas que cores? Ass.: Eram t-shirts pretas e brancas e com calças pretas. E disse também que conhece porteiros e que assumiu que eram porteiros. Juiz Presidente: essas t-shirts brancas e pretas tinham logotipo, logos de algum tipo? Ass: Sim. Eu reparei que duas t-shirts tinham logotipos nelas e diziam YYY. Juiz As brancas ou as pretas? Ass.: as pretas. As t-shirts pretas tinham o nome YYY escrito em branco. E nem todas as pessoas tinham logotipo nas t-shirts. 48. Mas para o assistente BB, nunca deixaram de pertencer à empresa YYY, como declarações transcritas supra: Ass.: Não. Deixou de ver o telefone dez segundos depois de ter voado e depois teve de defender-se e não conseguiu ter mais contacto com o telefone. Juiz: disse que alguém pisou o telefone… Ass.: Não eu não vi ninguém a pisar o telefone. Pensa que foi destruído porque não o conseguiu localizar, através da aplicação do telefone. Juiz: e depois o que aconteceu mais? Ass: estavam a bater na cabeça, bateram com o bastão na cabeça em dois sítios. Ele estava encostado junto a uma parede e manteve-se naquela posição a ser atacado, conseguiu levantar-se e dar a volta à esquina onde havia mais pessoas e conseguiu ver o CC a ser atacado. Juiz: o que é viu a fazerem ao amigo? Ass.: estava no chão, pontapeado no chão. Juiz: e essas pessoas que estava a referir eram as pessoas que estavam de preto com as tais inscrições YYY nas costas. Ass.: Sim. Juiz: e depois como é que o amigo saiu dali? Ass.: Honestamente, eu não sei como ele saiu daquela situação. Ele fugiu para o meio da rua e viu o amigo encostado entre uma parede e um carro, estava a ser atacado, e depois como mais ninguém o estava a seguir foi ver se o amigo estava lá, mas ele já não estava lá. Juiz: e depois? Ass.: encontrou dois dos amigos com quem estavam e foram à procura do CC, mas como não o viram, tentaram ligar e depois foi o CC que ligou para um dos amigos. Juiz: quem eram esses amigos? Ass.: são amigos de Los Angeles, OO and PP Juiz: Chegou a ir ao Hospital, chegou a chamar a polícia? (00h20m09s) 49. Além disso, os assistentes mencionaram que um dos indivíduos era de “raça negra” que se dirigiu a eles e retirou o telefone das mãos, para depois passar a um indivíduo afro-caribenho, sem uma identificação precisa, mas conveniente para sustentar a acusação deduzida. 50. Os assistentes declararam que os supostos seguranças passaram por eles, numa primeira fase, não havendo consenso sobre o número total que estaria no grupo de agressores; se estavam realmente fardados com a roupa adstrita à empresa YYY e no modo como ocorreu a “aproximação” aos assistentes. 51. Terá sido um indivíduo da “raça negra” que saiu do grupo e se dirigiu ao assistente BB, tirou-lhe o telemóvel das mãos e o espezinhou ou foi um indivíduo que vindo nas costas deles, afro-caribenho, atirou o telemóvel para o chão? 52. Essas contradições nas declarações dos assistentes prestadas em inquérito e em audiência de julgamento – declarações do assistente CC e BB prestadas em audiência de discussão e julgamento: (…) Não. Foi mais tarde que foi para o hospital. O BB estava a filmar e houve alguém que veio por trás agarrou no telefone e mandou-o para o chão e esmagou o telefone com o pé. Essa mesma pessoa esmurrou o BB, ainda tentou puxar o BB. (…) levantam dúvidas sobre a precisão das memórias dos assistentes, especialmente considerando que os factos ocorreram há mais de dois anos. 53. A investigação nestes autos foi parca e a que foi feita, em larga medida infelizmente, foi encetada pelos assistentes, com a pronta identificação dos alegados agressores, em que o denominador comum a todos era a presença activa de seguranças da empresa YYY. 54. Para o assistente BB, ainda na audiência de julgamento nenhumas dúvidas lhe suscitou que os mesmos fossem seguranças da empresa YYY, existindo aqui contradição entre os depoimentos prestados. 55. Não será demais repetir, Venerandos Desembargadores, de acordo com a lei, as empresas de segurança privada que operam em estabelecimentos noturnos em Portugal são obrigadas a comunicar suas escalas de serviço à Polícia de Segurança Pública (PSP), mas não foi realizada nenhuma verificação dessa natureza, nos autos para se apurar a veracidade da primeira imputação feita. 56. Questionamos o porquê. Mas não caberá ao arguido fazer prova de tal facto, mas sim o acusador. O ónus da prova recai sobre aquele que alega os factos, apesar de muitas vezes tal não suceder e condenar-se. 57. Questionamos também o motivo pelo qual não foi ordenada a preservação das imagens de videovigilância de outros pontos da rua onde existissem sistemas de gravação de vídeo, como as caixas de multibanco ou outros estabelecimentos comerciais, ou ainda das câmaras de adstritas à PSP, que poderiam fornecer informações determinantes para estabelecer a linha temporal e dinâmica dos eventos e dos seus envolvidos. 58. O Tribunal a quo desconsiderou as explicações do(s) arguido(s), ainda que fossem consistentes ao longo de todo o processo, credibilizando as declarações mutáveis dos assistentes em busca duma condenação exemplar como sinal para a sociedade em geral. 59. Venerandos Desembargadores, as agressões infelizmente sucederam, o arguido condena-as veementemente, foram perpetradas por indivíduos que não foram julgados neste processo, ousamos escrever, as declarações dos assistentes mudaram conforme o desenrolar do processo, em hiatos temporais consideráveis, foram prestadas perante Magistrados, e mais uma pergunta se impõe: e mesmo assim são valoradas em detrimento das declarações prestadas pelos arguidos? 60. O relatório do Hospital de São José do ofendido DD foi ignorado num importante segmento pelo Tribunal a quo, as declarações dos arguidos, bem como das testemunhas que arrolaram. Mas deturpar a verdade material dos factos perante o Tribunal já não é. 61. Face aos argumentos aduzidos e prova produzida em julgamento, a mesma que serviu para condenar concatenada com outra prova documental, que pura e simplesmente foi ignorada, mas de suma importância, a participação do arguido HH na factualidade vertida nos pontos 1 a 21, mormente os pontos 7.º e 10.º deverá ser dada como não provada. 62. As incongruências, contradições são muitas e perante a dúvida deveria absolver-se, aplicando o princípio in dubio pro reo. Este um dos pilares fundamentais do direito penal e está intimamente ligado ao Princípio da Presunção de Inocência, que nunca é demais recordar: todo indivíduo deve ser considerado inocente até prova em contrário. 63. E o ónus da prova cabe à acusação, que deve demonstrar a culpabilidade do arguido de maneira clara e inequívoca, sem deixar margem para dúvidas. 64. Ora como é bom de ver tal não sucedeu neste processo, porque decisão diversa seria proferida e o arguido absolvido, como o farão por V. Exas. perante a ambiguidade e contrariedade entre as provas. 65. A presunção de inocência do arguido foi violada, já que não foi provado, para além de dúvida razoável, que o arguido HH participou nos factos que lhe são imputados. Mas se dúvidas subsistissem bastaria atentar no modo como os reconhecimentos dos arguidos foram realizados. 66. O reconhecimento do arguido HH feito em audiência de julgamento, pelos assistentes e testemunhas, foi feito sem os formalismos exigidos pela lei. Isto é uma violação dos princípios constitucionais, como o da presunção de inocência (art.º 32.º, n.º 2 da CRP) e do direito a um processo equitativo (art.º 20º, n.º 4 e 32º, n.º 1 da CRP). 67. E os actos concretos de agressão de que foram alvos, os assistentes foram vagos e imprecisos na identificação concreta que actos em concreto foram praticados pelo arguido HH. 68. Se para o assistente CC, conforme declarações supra: Ass.: que a pessoa que está mais à direita o pontapeou na cara; quando estava no chão e pontapeou repetidamente na cara no lado esquerdo quando estava no chão. Foi esmurrado na cara e encostado contra a parede foram os dois primeiros indivíduos que estão mais à esquerda. Juiz: Senhor HH e o Sr. AA. Mas isso acontece quando o telemóvel do amigo… Ass.: quando o tal indivíduo afro-caribenho se aproximou do amigo e tirou o telemóvel ao amigo estas pessoas se aproximaram pela frente e fizeram isso. 69. Para o assistente BB, conforme declarações supra: Ass.: Sim. Juiz: Vou pedir ao senhor primeiro arguido para se aproximar. Esta pessoa diz-lhe alguma coisa? Ass. Sim. Conhece. (…) Juiz: o outro senhor. Ass.: sim acredita que estava lá. Juiz: o que fez? Ass.: não me lembro do seu papel, mas parece-lhe que estava no local. Juiz: em que circunstâncias? Ass.: eu lembro-me pensa que foi no início no ataque aos turistas e depois a eles. Juiz: ataque o quê? Ass.: ele, parece que é a pessoa que está com o bastão, mas o cabelo parece que está diferente. Parece bastante com a pessoa que estava com o bastão. 70. Como é bom de ver a identificação foi feita em circunstâncias peculiares, o único de arguido de origem indiana na sala de audiência era o arguido HH e os demais presentes na sala de audiência de origem indiana eram os assistentes que o identificaram com certeza, natural e simplesmente por exclusão dos demais. 71. O assistente CC, no primeiro reconhecimento realizado perante OPC, que apesar de não realizado de acordo com os tramites legais, - foi através de videochamada, - não o identificou como sendo um dos agressores. No entanto, em julgamento, já tinha 100% de certeza… Volvidos mais de dois anos sobre os factos. 72. A narrativa dos assistentes, volátil, foi-se adaptando ao longo do processo, na falta de melhor identificação e/ou ausência de investigação, para sustentar as provas que entregaram nos autos e acusação pública deduzida. 73. O reconhecimento do arguido HH baseou-se em generalizações, como a compleição física, a associação à função de segurança, sem que houvesse elementos distintivos suficientes para confirmar sua identidade como agressor, assim resulta das declarações do assistente CC e BB. Nada disseram que pudessem individualizar ou excluir os elementos. 74. O artigo 127.º do Código de Processo Penal, que permite a livre apreciação das provas, mas as inconsistências presentes no processo tornam a decisão condenatória incoerente e insuficientemente fundamentada. 75. A nossa jurisprudência indica que, mesmo com a liberdade na apreciação de provas, deve haver uma coerência lógica e uma fundamentação sólida, o que, não aconteceu neste caso. 76. Uma vez mais e, concluímos: as inconsistências, falhas e reconhecimentos inadequados não garantem um juízo de certeza suficiente para condenar o arguido HH, devendo por isso ser absolvido da prática dos crimes em que foi condenado. 77. Infelizmente o arguido estava no local errado à hora errada e por isso foi condenado sem entender os motivos da condenação porque nada fez nem conhece os demais arguidos no processo, nem nunca com eles foi visto ou dos autos resulta prova nesse sentido. 78. Fará sentido, bater só por bater? Por que motivo, afinal iria bater em conterrâneos seus? Não era, nem é segurança, não estava no meio da confusão que os mesmos geraram dentro do estabelecimento, não é dono daquele estabelecimento comercial para eventualmente cobrar o que ficassem a dever do que haviam consumido, porque ia bater? Ou tirar de esforço? 79. Fará sentido para o julgador que um cidadão, com autorização de residência, em busca de um futuro melhor para a sua família; sem nada averbado no seu registo criminal; que vive num modesto quarto; em que os seus pertences se reduzem a um saco de roupa e pouco mais; não lhe foi apreendido qualquer material que o ligue a actividades ilícitas, ou de segurança privada, vá bater noutrem só porque sim ou um conjunto indeterminado de pessoas decidiu que sim? 80. Fará sentido Venerandos Desembargadores? Fará? Para o arguido não faz e não consegue compreender tal e por isso arguimos a nulidade do acórdão por não ser perceptível a decisão tomada face à prova produzida em julgamento. 81. Nem as provas o confirmam como não poderia deixar de ser. Pelo que deve o arguido ser absolvido da prática dos crimes pelo qual foi condenado pelo Tribunal a quo. Este será um caso para afirmar e, perdoai-nos V. Desembargadores: a culpa não pode morrer solteira! 82. Por mero dever de patrocínio e caso não se entenda pela absolvição do arguido, entende, o recorrente, que a pena única que lhe foi aplicada, revela-se exagerada e desproporcional, tendo em conta os factos que foram dados como provados e, alguns dos quais aqui impugnados. 83. O Tribunal a quo não levou em conta outros aspetos, na escolha da medida concreta da pena que lhe foi aplicada, que deveriam ter sido considerados, pelo que abaixo se discriminam: foram actos isolados no seu percurso de vida em território nacional, não existe nenhum crime averbado no sue registo criminal; nem praticou factos similares até ao encerramento do inquérito; nem muito menos que exercesse as funções de segurança privada ou que lhe fossem aprendidos objectos relacionados co tal actividade. 84. O arguido está inserido socialmente, trabalha e provem ao seu sustento e ao da sua família, pelo que entendemos que existem razões para se defender uma pena inferior, à sentenciada, sem que a sua suspensão esteja sujeita ao pagamento da indemnização cível em que todos os arguidos foram condenados. 85. Pelo exposto deverão V. Exas. revogar este segmento da condenação, reduzindo a medida da pena, não sujeitando a suspensão da mesma ao pagamento da indemnização aos assistentes. Nestes termos, deve o presente recurso obter provimento. FAZENDO, V. EXAS. A ACOSTUMADA JUSTIÇA.
4.
Inconformado o acórdão condenatório, também o arguido GG veio interpor recurso, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição): 1ª- O recorrente foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova e à obrigação de depositar à ordem dos autos (dedutível nos pedidos de indemnização cível infra e enquanto os mesmos não se encontrem satisfeitos) até ao final de cada um dos três primeiros anos dessa suspensão, montantes fracionados de 1.000,00 € (mil euros), a perfazer um total de 3.000,00 € (três mil euros), os quais serão subsequentemente entregues aos demandantes, sendo no caso do demandante Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, E. P. E., satisfeita logo a totalidade do respetivo pedido de indemnização civil e, do remanescente, entregue 5/6 ao assistente CC e 1/6 ao assistente BB. 2ª- Condenação esta resultante da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pessoa de DD, um crime de ofensa à integridade física qualificada, referente a CC, um crime de ofenda à integridade física qualificada, na pessoa de EE, um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pessoa de FF e um crime de detenção de arma proibida. 3ª- O recorrente aceita a condenação neste último crime, pelo que o Acórdão recorrido não é impugnado nesta parte. 4ª- Na sua contestação à acusação do Ministério Público, o recorrente rejeitou, como já o havia feito durante o inquérito, que tivesse cometido os crimes imputados, por não ter estado no local dos factos, e na hora referida na acusação. 5ª- Provavelmente, os colhidos indícios carreados para os autos através da Polícia de Segurança Pública, tiveram na origem imagens retiradas da rede social Facebook, a partir das quais os próprios ofendidos e suas testemunhas “passaram a reconhecer “o recorrente, pela simples circunstância do mesmo usar barba e ter tatuagens nos braços. 6ª- Aliás, a prova por reconhecimento feita na PSP, permitiu indicar o recorrente como suspeito, na medida em que era o único dos três intervenientes que usava barba e tinha tatuagens, tornando facilitada a sua identificação, até porque a PSP já tinha informado os intervenientes da fotografia existente e identificação do então arguido 7ª- Durante o julgamento, houve intervenientes que “sustentaram” a douta acusação, dizendo que nas agressões participaram 6 ou 7 elementos da YYY. 8ª- Não se compreende que só aparecessem três arguidos no julgamento, quando no início da investigação apareceram 4 suspeitos, mas esta circunstância residiu em erro reconhecido pela Polícia. 9ª- Esta circunstância de erro, foi acompanhada de outra, quando não foram visualizadas as gravações das câmaras de vigilância CCTV da zona dos factos. 10ª- Como também não foi solicitado à empresa YYY o registo dos seguranças de serviço na referida zona, quando os ofendidos e testemunhas afirmaram que os 6/7 agressores tinham uniforme da YYY. 11ª- Foi, pois, com base neste quadro manifestamente insuficiente e tendencioso que se concretizou a douta acusação. 12ª- Também na investigação levada a cabo aos factos de 15.11.2021, no bar BT, houve deficiências e vícios, pois neste caso, teve-se acesso a imagens do interior do referido bar, bem como às imagens extraídas da rede social Facebook, nomeadamente, no respeitante ao ora recorrente. 13ª- O recorrente não aparece nas ditas imagens do interior do bar, pois nunca lá esteve, particularmente ou em serviço. 14ª- As invocadas insuficiências na investigação sobre os dois momentos a que se reporta a douta acusação – 11.10.2021 e 15.11.2021 - provocaram o julgamento do recorrente e posterior condenação. 15ª-O douto Acórdão recorrido deu como provados, quanto ao recorrente, o que consta dos números 1, 2, 3, 4, 9, 11, 22 e 24, da Fundamentação 16ª- Mais se deu como provado que ao recorrente não são conhecidos antecedentes criminais, a sua situação familiar, o seu percurso escolar e profissional na área da segurança, os rendimentos do trabalho e do agregado familiar e, bem assim o modo como é reconhecido como pessoa trabalhadora, respeitadora e bom pai, o que resulta dos números 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72 e 73, dos factos provados. 17ª- Contrariamente ao referido em f) e g), dos factos não provados, deveria se considerado como provado que “nas circunstâncias referidas em 1. e 6., o arguido GG encontrava-se no recinto do Festival ZZZ, na ..., em Lisboa e que se encontrava na sua residência”. 18ª- Toda a decisão recorrida só teve em consideração o que foi dito pelos assistentes e suas testemunhas, dentro do contexto das vicissitudes invocadas para a investigação que foi produzida, como anteriormente se referiu. 19ª- Importa, no entanto, dizer que a prova feita pelo recorrente sobre a sua inocência deveria ter sido valorada positivamente no douto Acórdão, ao invés de não a considerar, por as testemunhas serem amigas ou colegas do recorrente, no que tange à prática dos crimes ocorridos a 11.10 e 15.11, ambos de 2021. 20ª- A decisão de que se recorre até aceita que, o recorrente tivesse estado, em 11.10.2021, no Festival ZZZ, mas entende que o recorrente poderia ter saído durante algum tempo do local para praticar os crimes pelos quais veio a ser condenado. 21ª- Essa circunstância era impossível de se concretizar, já que entre a ... e o ..., não se pode só contabilizar o espaço a percorrer, mas também o mudar de farda, o desarrumar e o arrumar da viatura, as deslocações do recorrente da viatura e para a viatura, não se compadecem com o pouco tempo relevado pelo Tribunal. 22ª- Há elementos fotográficos junto aos autos (relevados pelo Tribunal), que permitem comprovar a permanência do recorrente no Festival ZZZ, bem como testemunhas que afirmam que o mesmo se encontrou em permanência no local desde as 15H00 do dia 10 de Outubro até às 08H00, do dia 11 de Outubro. 23ª- Os depoimentos das testemunhas de defesa gravados no sistema existente no Tribunal, são substancialmente verdadeiros, pois não é crível, nem admissível que cerca de 10 deles, após juramento, faltassem à verdade. 24ª- Nem o Tribunal os considerou falsos, mas sim de colagem à posição do recorrente. 25ª- Ora, sendo esses depoimentos insuspeitos, por verdadeiros, não poderia o Tribunal desvalorizá-los, como o fez e tomar a decisão que tomou. 26ª- A situação ocorrida no bar BT, como se disse também, aparece desvirtuada, pois o recorrente não esteve lá, como afirmou ao Tribunal e foi corroborado pelo arguido AA e pela sua companheira e pelo filho desta, nos depoimentos seguros que fizeram na audiência de julgamento. 27ª- Depoimentos esses que também foram “atacados” na decisão recorrida devido ao seu “interesse” na decisão da causa. 28ª- Os depoimentos dos amigos, colegas e familiares de um arguido, no entender do Tribunal “a quo”, não podem ser verdadeiros, porque defendem os interesses do mesmo, devido à sua proximidade, o que os torna parciais perante a verdade material, o que ofende gravemente os direitos do arguido a defender-se. 29ª- No entanto, não se pode esquecer que, quer os assistentes, como também as respetivas testemunhas, tinham laços ou familiares ou de amizade, que não foram ignorados, nem postos em crise na fundamentação aduzida pelo Tribunal. 30ª- O recorrente sustenta a sua argumentação defensiva, nos depoimentos das suas testemunhas, reproduzidas de acordo com a exigência previstas nas alíneas a) e b), do nº 3 e do nº 4, do art.º 412º, do Código de Processo Penal. 31ª- E é destes depoimentos que se retiram as conclusões que permitem inocentar o recorrente. 32ª- Com efeito, os depoimentos das testemunhas produzidos na sessão de julgamento de 22.05.2024, quer de QQ, entre as 16H28 e as 16H49, quer de RR, entre as 16H50 e as 17H16, de SS, entre as 17H16 e as 17H34, mas também na sessão de julgamento de 05.06.2021, TT, entre as 10H24 e as 11H04, de UU, entre as 11H04 e as 11H22, de VV, entre as 11H32 e as 12H10, de WW, entre as 12H14 e as 12H28, de XX, entre as 14H42 e as 14h54, de YY, entre as 14H54 e as 15H18, de ZZ, entre as 15H18 e as 15H31, de AAA, entre as 15H31 e as 15H46, de BBB, entre as 15H46 e as 16H11 e finalmente de CCC, entre as 15H53 e as 16H11, demonstraram à saciedade da razão do recorrente quanto à sua inocência desde o início do processo. 32ª- O recorrente não cometeu qualquer crime, à exceção daquele que admitiu, de detenção de arma proibida. 33ª- Existe manifesto erro na apreciação da matéria de facto dada como (mal) provada e consequentemente, o erro havido não permitiu as conclusões tiradas e assumidas pelo Tribunal “a quo”. 34ª- Os depoimentos das testemunhas de defesa, não sendo totalmente coincidentes, têm a virtualidade de, da respetiva interligação e conexão, se poder inferir da veracidade das declarações do recorrente. 35ª- Na noite de 10.10.2021, para 11.10.2021 consegue-se apurar que o recorrente, pelas 23H29, de 10.10 se encontrava a filmar um concerto – a dita prova objetiva referida no douto Acórdão – e que, posteriormente às 24H00 do mesmo dia, se encontrava no recinto, para começar a arrumação de materiais, estar no briefing realizado no rescaldo do evento ZZZ, cerca da 01H00, de 11.10.2021 e posterior festa de convívio e arrumos. 36ª- Não colhe a afirmação do Tribunal de que o recorrente sempre poderia ter saído do evento e regressado posteriormente. 37ª- Não há nenhuma prova de que tal pudesse ter, verdadeiramente, acontecido. 38ª- Aliás, bem vistas as coisas e não como o Tribunal pretendeu fazer crer, não é verosímil que o recorrente pudesse num curtíssimo espaço temporal, desfardar-se no recinto do ZZZ, ir buscar a sua viatura, encetar a viagem entre a ... e o ..., fardar-se de outra forma com a farda da YYY, a que já há meses não pertencia e arrumar a viatura e começar a agredir quem quer que fosse, regressar à ..., desfardar-se e fardar-se novamente com a t-shirt do ZZZ. 39ª- Nesta questão é que era exigível utilizar a regra da experiência comum. 40ª- Logo, a decisão da matéria de facto deveria ser em sentido contrário ao que foi julgado, respondendo-se que se apurara a procedência da posição sempre assumida pelo recorrente, de que não havia estado nos locais, horas e dias constantes dos autos. 41ª- Decoreu, assim, um erro notório por parte do Tribunal, só por si fundamental para o presente recurso. 42ª- Com base nesse erro, foi considerada provada a matéria contida nos números 1 a 4, 9 e 11 dos factos provados. 43ª- No que tange à ocorrência de 15.11.2021, no BT, não podem deixar de relevar, ao contrário da visão do Tribunal, os depoimentos da companheira do recorrente e do seu enteado, bem como do depoimento do coarguido AA e do recorrente. 44ª- São testemunhos tão idóneas como outros quaisquer, mesmo atendendo à sua proximidade familiar ou posição processual relativamente ao recorrente. 45ª- Como também, e apesar de tudo, o depoimento sério prestado pelo arguido AA, quando afirmou que o recorrente não estava no BT no dia em causa, confirmando a imagem do local que foi junta aos autos e onde se vislumbra o referido arguido AA. 46ª- O recorrente foi considerado como boa pessoa, sem antecedentes criminais, trabalhador, amigo da família, respeitado e respeitador, bem inserido socialmente, tudo no sentido de que não seria possível enquadrá-lo na prática de atos criminosos, como aqueles que foram cometidos. 47ª- No caso submetido à douta apreciação e decisão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa pretende-se a costumada Justiça, com a reapreciação e consideração dos argumentos agora utilizados. 48ª- Na eventualidade de assim se não entender, o que não se concede, há também a possibilidade de se entender existirem dúvidas na apreciação da matéria de facto, caso em que se apela à aplicação do princípio “ in dubio pro reo “. 49ª- Sempre no sentido da absolvição do recorrente. Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, com as devidas e legais consequências. J U S T I Ç A!
5.
Os recursos foram admitidos em 09/10/2024 pelo seguinte despacho: Referência 40552064 Sendo a decisão recorrível, mostrando-se tempestivo, motivado e apresentado por quem tem legitimidade, admito o recurso interposto pelo arguido HH, para o Tribunal da Relação de Lisboa, subindo em imediato e nos próprios autos, com efeito suspensivo, nos termos do disposto nos artigos 399º, 401º, nº 1, alínea b), 406º, nº 1, 407º, nº 2, alínea a), 408º, nº 1, alínea a), 411º, nº 1, alínea b), e 427º, todos do Código de Processo Penal. Notifique, cumprindo o artigo 411º, nº 6, do Código de Processo Penal. Referência 40557201 Sendo a decisão recorrível, mostrando-se tempestivo, motivado e apresentado por quem tem legitimidade, admito o recurso interposto pelo arguido GG, para o Tribunal da Relação de Lisboa, subindo em imediato e nos próprios autos, com efeito suspensivo, nos termos do disposto nos artigos 399º, 401º, nº 1, alínea b), 406º, nº 1, 407º, nº 2, alínea a), 408º, nº 1, alínea a), 411º, nº 1, alínea b), e 427º, todos do Código de Processo Penal. Notifique, cumprindo o artigo 411º, nº 6, do Código de Processo Penal.
6.
O Ministério Público veio apresentar resposta ao recurso, do arguido GG dela se extraindo as seguintes conclusões (transcrição). I. Inconformados com o Douto Acórdão que condenou: O arguido GG: - pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, nº 1, 145º, nºs 1, alínea a), e nº 2, do Código Penal, com referência à alínea h), do nº 2, do artigo 132º, do mesmo Código, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão [referente a DD]; - pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 145º, nº 1, alínea a), com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea h), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão [referente a CC]; - pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de dano com violência, previsto e punido pelos artigos 212º, nº 1, e 214º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão [referente a BB]; - pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 145º, nº 1, alínea a), com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea h), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão [referente a EE]; - pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 145º, nº 1, alínea a), com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea h), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão [referente a FF]; - pela prática, em autoria, na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alíneas c), d) e e), do RJAM, na pena de 2 (dois) anos de prisão; Operando o cúmulo jurídico, condenar o arguido GG na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova e à obrigação de depositar à ordem dos autos (dedutível nos pedidos de indemnização cível infra e enquanto os mesmos não se mostrem satisfeitos), até ao final de cada um dos três primeiros anos dessa suspensão, montantes fracionados 48 de 55 JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LISBOA 48 de 1.000,00 € (mil euros), a perfazer um total de 3.000,00 € (três mil euros), os quais serão subsequentemente entregues aos demandantes, sendo no caso do demandante Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, E.P.E. satisfeita logo a totalidade do respetivo pedido de indemnização civil e, do remanescente, entregue 5/6 ao assistente CC e 1/6 ao assistente BB. O arguido HH: - pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, nº 1, 145º, nºs 1, alínea a), e nº 2, do Código Penal, com referência à alínea h), do nº 2, do artigo 132º, do mesmo Código, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão [referente a DD]; - pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 145º, nº 1, alínea a), com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea h), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão [referente a CC]; - pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de dano com violência, previsto e punido pelos artigos 212º, nº 1, e 214º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão [referente a BB]; Operando o cúmulo jurídico, condenar o arguido HH na pena única de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova e à obrigação de depositar à ordem dos autos (dedutível nos pedidos de indemnização cível infra e enquanto os mesmos não se mostrem satisfeitos), até ao final de cada um dos três primeiros anos dessa suspensão, montantes fracionados de 1.000,00 € (mil euros), a perfazer um total de 3.000,00 € (três mil euros), os quais serão subsequentemente entregues aos demandantes, sendo no caso do demandante Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, E.P.E. satisfeita logo a totalidade do respetivo pedido de indemnização civil na parte correspondente e, do remanescente, entregue 5/6 ao assistente CC e 1/6 ao assistente BB. II. Um recurso é o mecanismo de reapreciação de uma decisão, configurando-se como um remédio jurídico, destinado à correção de erros que se patenteiem nas decisões submetidas ao escrutínio do tribunal de recurso. III. Assim, e à semelhança do que ocorre com a sentença ou o acórdão alvo de recurso – que têm de obedecer a um determinado número de regras e requisitos, sob pena de invalidade – também um requerimento de recurso só pode alcançar a sua função se for feito de forma a que o tribunal de apelo possa compreender, concretamente, de que é que cada recorrente discorda e porquê. IV. As questões relativas à matéria de facto podem ser sindicadas essencialmente por duas vias: i. Por recurso à chamada revista alargada, que se reconduz à invocação de ocorrência de qualquer um dos vícios consignados no artigo 410º nº 2 do Código de Processo Penal; ii. Ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, nos 3, 4 e 6, do mesmo código. V. Como resulta expressamente mencionado no artigo 410º do CPP, os vícios nela referidos têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente a segmentos de declarações ou depoimentos prestados oralmente em audiência de julgamento e que se não mostram consignados no texto da decisão recorrida. VI. A indagação de tais vícios, por parte do tribunal ad quem, é uma tarefa puramente jurídica, de matéria de direito, já que mais nenhuma outra prova é necessária para que se possa concluir pela eventual existência ou não dos mesmos. Mais não constitui tal tarefa de indagação do que a aplicação da norma adjetiva em causa às circunstâncias concretas da decisão em recurso. VII. A insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão que pertence ao âmbito do princípio de livre apreciação da prova, não é sindicável caso não seja suscitada a impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto.» VIII. No que se refere ao «erro notório na apreciação da prova», este abrange, naturalmente, as hipótese de erro evidente, escancarado, de que qualquer homem médio se dá conta; quando se retira de um facto provado uma conclusão logicamente inaceitável; quando se dá como assente algo patentemente errado, que não podia ter acontecido; ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto provado uma conclusão arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras de experiência comum; ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida (LEAL HENRIQUES e SIMAS SANTOS, Código de Processo Penal anotado, II volume, 2ª edição, 2000, Rei dos Livros, pág. 740); ou, finalmente, quando se violam as regras da prova vinculada, as regras da experiência, as leges artis ou quando o tribunal se afasta, sem fundamento, dos juízos dos peritos. IX. Trata-se de um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial. Veja-se, entre tantos outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 09.03.2018, no processo nº 628/16.7T8LMG.C1, Relatora: Desembargadora Paula Roberto, e de 14.01.2015, no processo nº 72/11.2GDSRT.C1, Relator: Desembargador Fernando Chaves, ambos disponíveis em www.dgsi.pt X. Ora analisada a alegação dos recorrentes, facilmente se constata que a mesma não se reporta nem se traduz no vício que expressamente alegam – ou em qualquer outro, antes pretendendo questionar a avaliação da prova feita pelo Tribunal a quo, na medida em que se limitam a tecer considerações quanto à inaptidão da prova produzida para permitir dar como provados os factos consignados na decisão condenatória e quanto a supostas contradições surpreendidas na credibilidade atribuída às declarações prestadas pelos arguidos. XI. Na verdade, o Tribunal recorrido tomou posição sobre a totalidade do objeto do processo, tal como o mesmo foi configurado pelos sujeitos processuais, e os factos que apurou são, claramente, bastantes para permitir a decisão alcançada. XII. Pode discordar-se da decisão, mas essa discordância relevará já de eventual erro de julgamento. XIII. Nesta medida, entendemos que terá que improceder o recurso no que se refere à verificação do vicio de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada e erro notório. XIV. O que se vislumbra nas conclusões da motivação de recurso dos arguidos, em matéria de facto, com todo o respeito, é uma indemonstrada alegação de erro de julgamento do tribunal colectivo quanto a essa matéria. XV. Só do próprio texto das motivações se pode inferir que o que o arguido pretende é sustentar que tivessem sido dados como não provados os factos atinentes à prática dos crimes imputados. XVI. Na verdade, os arguidos limitam-se a contestar a convicção adquirida pelo tribunal recorrido sobre os factos dados como provados, não aceitando, apenas porque a decisão lhes é desfavorável, que o Tribunal tenha valorado todas as provas em conjunto, as pré constituídas e as constituídas em audiência de discussão e julgamento e as conjugasse por recurso às regras da experiência comum e à livre convicção do julgador com respeito pelo disposto no artigo 127.º do CPP, como se extrai do teor do douto acórdão. XVII. Tal alegação leva-nos para a impugnação ampla da matéria de facto – erro de julgamento – que como se sabe tem regras próprias de impugnação, regras estas que facilmente se constata que não foram cumpridas pelo recorrente. XVIII. Pretendendo os recorrentes estribar a impugnação da decisão da matéria de facto provada apenas na convicção diversa que formaram sobre a credibilidade dos meios de prova, sem que sustentadamente mostrasse que a mesma violou qualquer regra da experiência comum, naturalmente que isso impede que o tribunal de recurso da mesma conheça, já que a valoração prevalecente é a do Tribunal recorrido, pois que não se vislumbra, nem o recorrente invoca, que ao fazê-lo tenha sido violada qualquer regra da experiência comum. XIX. Mas ainda que se pudesse conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto, o que se admite por necessidade de raciocínio, desde já se diga que não poderia ser alterada uma vez que nenhuma prova foi apresentada que impusesse decisão diversa da proferida no Acórdão recorrido, mas tão somente valoradas de forma diferente o que é insuficiente para lograr o efeito pretendido, já que a lei só permite a alteração da decisão da matéria de facto caso as provas imponham essa alteração. XX. Impõe-se, pois, a rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto. XXI. O que realmente resulta, desde logo, das conclusões do recurso, é a divergência entre a convicção pessoal do arguido sobre a prova produzida em audiência e aquela que o Tribunal firmou sobre os factos, o que se prende com a apreciação da prova em conexão com o princípio da livre apreciação da mesma consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal, cumprindo não olvidar, como é jurisprudência corrente dos nossos Tribunais Superiores, que o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum. XXII. Ademais, sempre se dirá que na motivação da decisão de facto é bastante a fundamentação da sentença recorrida quando o tribunal a quo elencou as razões da valoração que efectuou, identificando a prova por declarações, testemunhal, pericial e documental que relevou na formação da sua convicção e indicando os aspectos da mesma que conjugadamente o levaram a concluir no sentido de considerar demonstrada a factualidade da acusação, para além de ter assinalado de forma lógica e racional os fundamentos que no seu entendimento justificam a credibilidade que reconheceu e peso probatório que conferiu às citadas declarações e depoimento. XXIII. Na verdade, o que se verifica da conjugação da prova existente é o oposto daquilo que os recorrentes pretendem fazer crer! XXIV. E, como se disse, o Tribunal a quo expôs, de forma irrepreensível, os passos dados para alcançar as conclusões plasmadas na matéria de facto provada, não havendo qualquer justificação para que a mesma seja alterada pelo Tribunal ad quem. XXV. A apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal a quo, resultante da imediação e da oralidade, só seria afastada se o recorrente demonstrasse que a mesma não teve o mínimo de consistência, o que não é o caso. XXVI. Consequentemente, entendemos, pois, que inexiste erro de julgamento, pelo que se impõe manter a matéria de facto nos exactos termos fixados. XXVII. Alegam os recorrentes que, face à prova produzida, o Tribunal deveria ter permanecido na dúvida quanto aos factos ocorridos, o que imporia a sua absolvição, em obediência ao princípio in dubio pro reo. XXVIII. A propósito do invocado princípio in dubio pro reo, a acrescer a tudo o que já se referiu, dir-se-á, em síntese, que o que dele resulta é que quando o tribunal fica na dúvida quanto à ocorrência de determinado facto, deve daí retirar a consequência jurídica que mais beneficie o arguido, quer na instrução, quer no julgamento. XXIX. Mas, para que a dúvida seja relevante para este efeito, há de ser uma dúvida razoável, uma dúvida fundada em razões adequadas e não qualquer dúvida (FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, I, p.205). Sobre as possibilidades de aplicação do princípio in dubio pro reo, vd. o importante acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2009, no processo nº 09P0484, Relator: Conselheiro Raul Borges, em www.dgsi.pt.. XXX. Só haverá violação do mencionado princípio quando, perante uma dúvida sobre factos essenciais para a decisão da causa, venha o julgador a decidir em desfavor do arguido. Tal não ocorreu, manifestamente, no caso dos autos, mostrando-se a factualidade julgada provada estribada em prova produzida em julgamento e em consonância com essa prova. Não vislumbramos no acórdão recorrido, quer na matéria de facto julgada provada, quer na sua fundamentação, que, ao fazer esta opção fáctica, o Tribunal a quo tivesse tido qualquer hesitação quanto à valoração da prova, não se vislumbrando também que, na concreta situação dos autos, devesse ter tido qualquer dúvida. XXXI. Na verdade, a questão colocada pelos recorrentes, por um lado, encontra resposta na fundamentação da decisão, e, no mais, corresponde a meras conjeturas, sem qualquer relevo. XXXII. Perante o que se deixa exposto, compreende-se que o Tribunal recorrido não tenha ficado na dúvida quanto aos factos que considerou provados – e não se vê que devesse ter ficado. XXXIII. Nesta medida, deverá improceder, por isso, também este fundamento do recurso. XXXIV. O Ministério Público não concorda com a posição assumida pelos recorrentes, entendendo que o Tribunal indicou expressamente as circunstâncias que depõe a favor e contra os arguidos para justificar a aplicação da pena em causa, a qual se entende ser adequada e justa, subscrevendo o entendimento do Tribunal que, a nosso ver, não merece reparo. XXXV. Encontrando-se corretamente definidos os parâmetros dentro dos quais tem lugar a fixação da medida concreta da pena entendemos não existir qualquer fundamento que coloque em causa a decisão recorrida no que concerne à medida da pena aplicada, pelo que nenhuma censura merece o acórdão recorrido, devendo os recursos improceder, não tendo sido violada qualquer norma legal. XXXVI. Bem andou o Tribunal à quo, pelo que o Acórdão deverá ser confirmado. Assim, se conclui no sentido de ser negado provimento ao recurso e, consequentemente, ser mantido Acórdão recorrido. Porém, Vossas Excelências farão, como sempre, o que melhor for de JUSTIÇA!
7.
CC e BB, assistentes, vêm, ao abrigo do disposto no artigo 413.º, n.º 1, do Código do Processo Penal (CPP), apresentar a sua RESPOSTA, ao recurso interposto pelo arguido GG dela se extraindo as seguintes CONCLUSÕES: (transcrição) I. Os vícios invocados (e não demonstrados) da decisão recorrida não resultam do texto (da motivação ou das conclusões) do recurso, o que determina a sua manifesta improcedência (cfr. artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do CPP). II. Subsidiariamente, não tendo o Recorrente identificado, na motivação, as provas concretas que impõem decisão diversa da recorrida (artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP), e não sendo admissível o convite ao aperfeiçoamento – por consubstanciar, na prática, a concessão de prazo adicional de recurso –, deve o recuso ser rejeitado ao abrigo do disposto no artigo 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP. III. A prova testemunhal produzida em audiência de julgamento (designadamente, minutos 00h03m20s a 00h04m34s do ficheiro Diligencia_652- 21.8PALSB_2024-05-08_10-45-17, extraído da plataforma Citius, contendo a gravação das declarações do arguido GG, com início às 10h45m e termo às 11h13m do dia 8 de maio de 2024; minutos 00h26m40s a 00h27m48s e minutos 00h43m23s a 00h45m15s do ficheiro Diligencia_652-21.8PALSB_2024-05-08_11-45-16, extraído da plataforma Citius, contendo a gravação das declarações do assistente BB, com início às 11h45m e termo às 12h44m do dia 8 de maio de 2024; minutos 00h50m42s a 00h52m05s, 00h55m29s a 00h56m18s e minutos 00h56m27s a 00h57m05s do ficheiro Diligencia_652-21.8PALSB_2024-05-15_10-22-02, extraído da plataforma Citius, contendo a gravação das declarações do assistente CC, com início às 10h22m e termo às 11h58m do dia 15 de maio de 2024; minutos 00h31m35s a 00h34m08s do ficheiro Diligencia_652-21.8PALSB_2024-05-22_14-28-31, extraído da plataforma Citius, contendo a gravação das declarações da testemunha PP, com início às 14h28m e termo às 15h27m do dia 22 de maio de 2024; minutos 00h19m45s a 00h19m58s e minutos 00h26m35s a 00h27m45s do ficheiro Diligencia_652-21.8PALSB_2024-05-22_15-28-05, extraído da plataforma Citius, contendo a gravação das declarações da testemunha OO, com início às 15h28m e termo às 16h01m do dia 22 de maio de 2024; minutos 00h06m36s a 00h08m22s do ficheiro Diligencia_652-21.8PALSB_2024-05-22_16-28-05, extraído da plataforma Citius, contendo a gravação das declarações da testemunha QQ, com início às 16h28m e termo às 16h49m do dia 22 de maio de 2024; minutos 00h05m09s a 00h05m23s, minutos 00h18m05s a 00h19m02s e - 34 - minutos 00h19m43s a 00h20m22s do ficheiro Diligencia_652- 21.8PALSB_2024-05-22_16-50-00, extraído da plataforma Citius, contendo a gravação das declarações da testemunha RR, com início às 16h50m e termo às 17h15m do dia 22 de maio de 2024; minutos 00h16m42s a 00h17m26s do ficheiro Diligencia_652-21.8PALSB_2024-05- 22_17-16-30, extraído da plataforma Citius, contendo a gravação das declarações da testemunha SS, com início às 17h16m e termo às 17h33m do dia 22 de maio de 2024; minutos 00h25m50s a 00h26m50s do ficheiro Diligencia_652-21.8PALSB_2024-06-05_10-24-35, extraído da plataforma Citius, contendo a gravação das declarações da testemunha TT, com início às 10h24m e termo às 11h03m do dia 5 de junho de 2024; minutos 00h19m53s a 00h21m35s, minutos 00h22m20s a 00h23m06s e minutos 00h23m47s a 00h26m50s do ficheiro Diligencia_652-21.8PALSB_2024-06-05_11-32-34, extraído da plataforma Citius, contendo a gravação das declarações da testemunha VV, com início às 11h32m e termo às 12h09m do dia 5 de junho de 2024; minutos 00h06m50s a 00h07m45s, minutos 00h15m55s a 00h17m45s e minutos 00h17m50s a 00h20m18s do ficheiro Diligencia_652-21.8PALSB_2024-06-05_14-54-45, extraído da plataforma Citius, contendo a gravação das declarações da testemunha YY, com início às 14h54m e termo às 15h17m do dia 5 de junho de 2024), conjugada com a prova documental constante dos autos e com as regras da experiência comum, não permite a alteração da matéria de facto nem, por maioria de razão, a substituição da decisão recorrida por outra que absolva o Recorrente. IV. Tendo o Tribunal a quo ficado convencido, à luz da prova produzida nos autos e para além da dúvida razoável, da participação do Recorrente nos factos em juízo (e dos seus exatos termos), não se verifica qualquer violação do princípio da presunção de inocência. V. Pelo exposto, deve o recurso ser considerado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente o acórdão recorrido. Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão: (i) Deve o recurso ser rejeitado com fundamento: a. Na sua manifesta improcedência, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do CPP; ou b. Subsidiariamente, na inexistência de motivação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP; (ii) Caso assim não se considere – o que, sem conceder, se concebe por cautela de patrocínio –, deve o recurso ser considerado improcedente, e, em consequência, manter-se integralmente o acórdão recorrido.
8.
CC e BB, vêm, ao abrigo do disposto no artigo 413.º, n.º 1, do Código do Processo Penal (CPP), apresentar a sua RESPOSTA, dela se extraindo as seguintes conclusões: (transcrição) I. Os vícios invocados (e não demonstrados) da decisão recorrida não resultam do texto (da motivação ou das conclusões) do recurso, o que determina a sua manifesta improcedência (cfr. artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do CPP). II. Subsidiariamente, não tendo o Recorrente identificado, na motivação, as provas concretas que impõem decisão diversa da recorrida (artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP), e não sendo admissível o convite ao aperfeiçoamento – por consubstanciar, na prática, a concessão de prazo adicional de recurso –, deve o recuso ser rejeitado ao abrigo do disposto no artigo 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP. III. O dever de fundamentação, previsto no artigo 97.º do CPP, foi cumprido pelo Tribunal a quo, sendo possível reconstituir o raciocínio lógico-dedutivo do Tribunal recorrido e, consequentemente, a fundamentação de facto e de direito quanto à matéria de facto dada como provada e não provada. IV. A prova testemunhal produzida em audiência de julgamento (designadamente, o fotograma n.º 2, fl. 26 dos autos; minutos 00h31m010s a 00h33m25s do ficheiro Diligencia_652-21.8PALSB_2024-05-08_11-45-16, extraído da plataforma Citius, contendo a gravação das declarações do assistente BB, com início às 11h45m e termo às 12h44m do dia 8 de maio de 2024; minutos 00h49m30s a 00h54m26s, minutos 00h56m25s a 00h57m07s, minutos 01h31m09s a 01h33m22s e minutos 01h16m15s a 01h18m43s do ficheiro Diligencia_652-21.8PALSB_2024-05-15_10-22-02, extraído da plataforma Citius, contendo a gravação das declarações do assistente CC, com início às 10h22m e termo às 11h58m do dia 15 de maio de 2024; minutos 00h28m25s a 00h29m20s do ficheiro Diligencia_652-21.8PALSB_2024-05-22_14-28-31, extraído da plataforma Citius, contendo a - 33 - gravação das declarações da testemunha PP, com início às 14h28m e termo às 15h27m do dia 22 de maio de 2024; e minutos 00h19m25s a 00h20m58s do ficheiro Diligencia_652-21.8PALSB_2024-05- 22_15-28-05, extraído da plataforma Citius, contendo a gravação das declarações da testemunha OO, com início às 15h28m e termo às 16h01m do dia 22 de maio de 2024), conjugada com a prova documental constante dos autos e com as regras da experiência comum, não permite a alteração da matéria de facto nem, por maioria de razão, a substituição da decisão recorrida por outra que absolva o Recorrente V. Tendo o Tribunal a quo ficado convencido, à luz da prova produzida nos autos e para além da dúvida razoável, da participação do Recorrente nos factos em juízo (e dos seus exatos termos), não se verifica qualquer violação do princípio da presunção de inocência. VI. Pelo exposto, deve o recurso ser considerado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente o acórdão recorrido. Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão: (i) Deve o recurso ser rejeitado com fundamento: a. Na sua manifesta improcedência, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do CPP; ou b. Subsidiariamente, na inexistência de motivação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP; (ii) Caso assim não se considere – o que, sem conceder, se concebe - por cautela de patrocínio –, deve o recurso ser considerado improcedente, e, em consequência, manter-se integralmente o acórdão recorrido.
8.
Nesta instância recursiva a Sra. Procuradora Geral adjunta formulou o seguinte parecer que, em parte, se transcreve: Pareceres do Ministério Público nos termos previstos no artigo 416 n.º 1 do CPP: (…) Respondeu a ambos os recursos igualmente o Ministério Publico, concluindo: Recurso Penal 1) não se encontram verificados os vícios da decisão recorrida alegados – ou em qualquer outro, antes pretendendo os recorrentes questionar a avaliação da prova feita pelo Tribunal a quo, na medida em que se limitam a tecer considerações quanto à inaptidão da prova produzida para permitir dar como provados os factos consignados na decisão condenatória e quanto a supostas contradições surpreendidas na credibilidade atribuída às declarações prestadas pelos arguidos, não se encontrando verificados os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada bem como de erro notório na apreciação da prova (vide conclusão I a XIII) 2) não se encontra igualmente demonstrado erro de julgamento – (conclusão XIV a XXVI); 3) bem como não se verifica a violação do princípio constitucional in dúbio pro reo (vide conclusão XXVII a XXXIII) 4) defendendo ainda a medida da pena aplicada cada um dos arguidos (vide conclusões XXXIV a XXXVI). Concordamos e aderimos inteiramente ao teor da resposta apresentada, muito clara, objectiva, com irrepreensível análise factual e subsunção ao direito de onde resulta evidente a falta de razão do alegado pelo arguido, defende a improcedência do recurso e sem mais considerandos, porque excessivos e desnecessários, entendemos que pelos motivos de facto e de direito constantes daquela resposta devem os recursos improceder.
9.
Foi cumprido o nº 2, do artigo 417, do Código de Processo Penal, e não houve resposta.
Não tendo sido requerida audiência e não sendo caso de renovação da prova, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais (artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos, ainda do mesmo texto legal).
****
II. Delimitação do OBJECTO DO RECURSO
Constitui jurisprudência e doutrina assente que o objecto do recurso, que circunscreve os poderes de cognição do tribunal de recurso, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 417º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP1, os quais devem resultar directamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito), ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP).2
Na Doutrina, por todos, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Volume II, 5.ª Edição atualizada, pág. 590, “As conclusões do recorrente delimitam o âmbito do poder de cognição do tribunal de recurso. Nelas o recorrente condensa os motivos da sua discordância com a decisão recorrida e com elas o recorrente fixa o objecto da discussão no tribunal de recurso… A delimitação do âmbito do recurso pelo recorrente não prejudica o dever de o tribunal conhecer oficiosamente das nulidades insanáveis que afetem o recorrente… não prejudica o dever de o tribunal conhecer oficiosamente dos vícios do artigo 410.º, n.º2 que afetem o recorrente…”
Nos termos do n.º 1 do art.º 410.º, do CPP (Fundamentos do recurso) 1 - Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
Mais dispõem os n.ºs 1 e 2 do art.º 412.º, do CPP: (Motivação do recurso e conclusões) 1 - A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
2 - Versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.
Os poderes de cognição dos tribunais da relação abrangem a matéria de facto e a matéria de direito (art.º 428º do C.P.P), podendo o recurso, sempre que a lei não restrinja a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida (art.º 410º, nº 1 do C.P.P).
Estruturalmente o recurso pode, assim, ter como fundamentos concretos:
I) Questões materiais, traduzidas em erro de julgamento em matéria de facto ou erros de julgamento em matéria de direito (art.º 412.º, n.ºs 2 e 3 do CPP).
II) Questões formais que dizem respeito à patologia da sentença, traduzida em erros endógenos da sentença, resultantes sem mais da leitura da sentença, sem elementos exteriores a ela, os designados vícios da sentença-Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação, a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão ou erro notório na apreciação da prova (art.º 410.º, n.º2, do CPP) ou erro da falta de fundamentação e exame crítico da prova (art.º 374.º, n.º2, do CPP) e
III) Questões processuais, traduzidas em nulidades ou irregularidades da sentença (art.ºs 379.º e 410.º, n.º3, do CPP) ou nulidades ou irregularidades do processado. (neste sentido FERNANDO GAMA LOBO, Código de Processo Penal Anotado, 4.ª Edição, Almedina pág. 947).
Atendendo às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada são as seguintes as questões a apreciar, por ordem de precedência lógico-jurídica:
Atendendo às conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a apreciar:
• Recurso do arguido HH:
1.ª Da Legalidade da Valoração das declarações e reconhecimentos efectuados pelos assistentes BB e CC.
2.ª Se o Acórdão proferido padece da nulidade por falta de exame crítico das provas e omissão de fundamentação quanto aos factos 1, 2,3, 4, 7 e 10 (art.º 374.º, n.º 2, do CPP)
3.ª Impugnação da matéria de facto: se ocorre erro de julgamento quanto aos factos provados constantes dos pontos 1 a 21 (bloco de pontos 1º a 5º e bloco de pontos 6º a 21º)
4.ª Da verificação de vícios previstos no art.º 410.º, do CPP em especial o erro notório na apreciação da prova nomeadamente, por violação do princípio da presunção de inocência por dúvida razoável.
5.ª. Da escolha e medida da pena e da suspensão com a condição do pagamento da quantia indemnizatória.
• Recurso do arguido GG
1.ª Das insuficiências do inquérito/ investigação (conclusões 4 a 14).
2.ª Impugnação da matéria de facto: se ocorre erro de julgamento quanto aos factos provados constantes dos pontos 1, 2, 3, 4, 9, 11, 22 e 24 e dos pontos f) e g) dos não provados
3.ªDo erro notório na apreciação da prova quanto aos factos 1 a 4, 9 e 11 e violação do in dúbio pro reo (art.ºs 410.º, n.ºs 1 e 2 als. a) e c) do CPP)
III- FUNDAMENTAÇÃO
III.1 O Tribunal recorrido em sede de Acórdão Condenatório deu como provados e não provados os seguintes factos: Factos provados Da acusação NUIPC 780/21.0PCLSB 1. No dia 11 de outubro de 2021, a hora não concretamente apurada, depois da meia noite, quando DD se encontrava na Rua ..., em Lisboa, em frente ao nº 222, por motivos desconhecidos, foi abordado pelos arguidos AA, GG e HH. 2. Nessa ocasião os referidos arguidos desferiram socos e pontapés em DD. 3. Em face da atuação dos arguidos, DD sofreu escoriações na cabeça e teve a necessidade de ser transportado ao Hospital de São José, em Lisboa, pela ambulância do INEM. 4. Os arguidos atuaram em conjugação de esforços e intentos, na execução de um plano conjunto, com a intenção de molestarem fisicamente DD, aproveitando-se da sua superioridade numérica, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. NUIPC 652/21.8PALSB 5. Nas circunstâncias de tempo e lugar acima descritas encontravam-se também os assistentes CC e BB, que se deslocavam apeados na companhia de OO e PP, seus amigos. 6. Apercebendo-se do acima descrito quanto a DD, o qual integrava um grupo de, pelo menos, quatro indivíduos de origem indiana, sendo que os arguidos, por sua vez, integravam um grupo de, pelo menos, cinco indivíduos, alguns trajando roupas de cor preta com a inscrição “YYY”, o assistente BB pegou no seu telemóvel e começou a gravar. 7. Quando o grupo dos arguidos viram que estavam a ser filmados, correram na direção do assistente BB, tendo um dos indivíduos desse grupo arrancado o telemóvel da mão deste, pisando-o no chão por diversas vezes. 8. O telemóvel do assistente BB era da marca Apple, de valor não concretamente apurado, mas não inferior a, pelo menos, 600,00 €, e não voltou a ser visto ou recuperado. 9. De imediato, vários desses indivíduos do grupo dos arguidos, entre os quais os arguidos AA e GG, desferiram socos na face e cabeça do assistente BB. 10. Na mesma ocasião, vários dos referidos indivíduos do grupo dos arguidos, entre os quais os arguidos AA e HH desferiram no assistente CC murros, levando a que os seus óculos graduados saltassem da cara, nunca mais os recuperando. 11. Após, quando o assistente CC fugia para a Travessa ... foi rasteirado por um dos referidos indivíduos do grupo dos arguidos, sendo depois repetidamente pontapeado pelo arguido GG, tendo um dos pontapés acertado na cara, na zona do olho esquerdo, e outros levado a que os sapatos que tinha calçados saltassem. 12. Nas circunstâncias acima o arguido AA usava uma luva na mão. 13. O assistente CC foi transportado em ambulância ao Hospital de São José, em Lisboa. 14. Em consequência da atuação dos arguidos, o assistente CC sofreu: equimose periobitária esquerda, acompanhada de fratura com depressão do pavimento da órbita esquerda; fratura com depressão dos ossos próprios do nariz; e escoriação do cotovelo direito e brusite pós-traumática. 15. Tais lesões determinaram 1 (um) dia de afetação da capacidade para o trabalho geral e 30 (trinta) dias de afetação para o trabalho profissional, determinando 151 (cento e cinquenta e um) dias para a consolidação médico-legal. 16. Do evento resultou estado pós-fratura do pavimento da órbita esquerda e dos ossos do nariz intervencionados, com diminuição da abertura ocular, enoftalmia ligeira do globo ocular esquerdo e espasmos involuntários da pálpebra esquerda. 17. No Hospital de São José, em Lisboa, o assistente CC foi informado que, face ao estado de saúde que apresentava, só poderia viajar de avião no dia 18.10.2021. 18. Em consequência da atuação dos arguidos, o assistente CC foi sujeito a cirurgias ao olho esquerdo e ao cotovelo direito. 19. Também em consequência da atuação dos arguidos o assistente CC desenvolveu ansiedade. 20. Ao atuarem conforme descrito, em conjugação de esforços e intentos, na execução de um plano conjunto, os arguidos quiseram destruir o telemóvel do assistente BB acima referido, assim evitando que os comportamentos levados a cabo quanto a DD fossem filmados, cientes que o telemóvel estava na mão do referido assistente, ao mesmo tempo que sabiam que atingiam o mesmo assistente na sua saúde e integridade física. 21. Mais atuaram os mesmos arguidos com a intenção de atingirem a saúde e integridade física do assistente CC, aproveitando-se sempre da superioridade numérica do grupo em que se inseriam, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. 22. No dia 15 de novembro de 2021, pelas 03H00, um grupo de cerca de, pelo menos, 4 indivíduos, entre os quais os arguidos AA e GG, encontravam-se no estabelecimento denominado BT, que se situa na Rua ..., em Lisboa. 23. O arguido AA estava aí no exercício de funções de segurança privado. 24. Sem que nada o fizesse prever, juntamente com os demais indivíduos do grupo referido acima, os mencionados arguidos desferiram em EE e FF pontapés e socos, atingindo nomeadamente a face dos mesmos. 25. Um dos indivíduos referidos em 22. trazia colocada uma soqueira, que utilizou para a prática da factualidade descrita. 26. Em consequência das atuações sofridas, EE foi conduzido ao Hospital de São José, em Lisboa, a fim de receber tratamento médico. 27. Atuaram os referidos arguidos, em conjugação de esforços com os restantes indivíduos do grupo, com vista a molestarem fisicamente EE e FF, aproveitando-se da superioridade numérica, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. * 28. No dia 09 de julho de 2022, pelas 17H30, no interior da sua residência sita na Rua ... na Charneca da Caparica, o arguido AA detinha, na sala de estar: - um bastão extensível que se encontrava no interior de uma caixa de plástico; - uma soqueira de cor dourada, no interior de uma mala; - uma soqueira de cor dourada, no interior de uma gaveta de um móvel. 29. No dia 09 de julho de 2022, pelas 18H30, no interior da viatura Mercedes A 180, de matrícula ..-RX-.., o arguido GG detinha: - um bastão artesanal, em metal, com uma pega envolto em fita preta, que se encontrava na bagageira da viatura; - uma lanterna em forma de bastão, em metal, que se encontrava ao lado do banco do condutor; - um caderno com vários apontamentos apreendido na bagageira da viatura. 30. Mais detinha o arguido GG, na mesma data, no interior da sua residência, sito na Rua ..., em Odivelas, na despensa da entrada, no interior de um cofre azul: - uma pistola de marca Beretta, modelo 950B, de calibre 6.35 mm; - dois carregadores desmuniciados da mesma pistola; - vinte e sete munições de calibre 6.35 mm; 31. E, na sala, no interior de uma gaveta do móvel: - um bastão extensível de cor preta, sem marca; - um chicote artesanal. 32. O arguido GG não possui qualquer licença ou autorização que lhe permita deter a pistola e as munições que lhe foram apreendidas. 33. Os arguidos conheciam a natureza e características dos bastões extensíveis, bastão artesanal e o bastão dissimulado em forma de lanterna, o chicote artesanal, e as soqueiras, e sabiam que tais objetos serviam para ser usados como arma de agressão e que a detenção dos mesmos lhes estava vedada, não se inibindo ainda assim de atuar. 34. O arguido GG sabia que não podia ter a referida pistola e munições na sua posse por não lhe ter sido conferida qualquer licença para o efeito. * Do pedido de indemnização civil do demandante Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, E.P.E. 35. Em consequência da conduta empreendida pelos arguidos AA, GG e HH, o “Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E.” prestou, no exercício da sua atividade, assistência hospitalar a DD, no dia 11.10.2021, em episódio de urgência, com um custo de 112,07 €. 36. Em consequência da conduta empreendida pelos arguidos AA, GG e HH, o “Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E.” prestou, no exercício da sua atividade, assistência hospitalar a CC: - no dia 11.10.2021, em episódio de urgência, tc maxilo facial, tc crâneo, torax uma incidência, abdómen uma incidência e coluna lombar duas incidências, com um custo respetivamente de 112,07 €, 67,60 €, 67,00 €, 5,00 €, 5,00 € e 7,00 €; e, - no dia 12.10.2021, em consulta externa, com um custo de 25,00 €. 37. Em consequência da conduta empreendida pelos arguidos AA, GG e HH, o “Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E.” prestou, no exercício da sua atividade, assistência hospitalar a BB no dia 11.10.2021, em episódio de urgência, tc maxilo facial e tc da coluna cervical, com um custo respetivamente de 112,07 €, 67,60 € e 72,40 €; 38. Em consequência da conduta empreendida pelos arguidos AA e GG, o “Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E.” prestou, no exercício da sua atividade, assistência hospitalar a EE no dia 15.11.2021, em episódio de urgência, tc maxilo-facial e tc do crânio, com um custo respetivamente de 112,07 €, 67,60 € e 67,00 €. * Do pedido de indemnização civil do assistente CC 39. O assistente é nacional do Reino Unido, residente em Londres e encontrava-se na data referida em 1. e 5. de férias em Portugal juntamente com a sua mulher, DDD, país onde o assistente também presta ocasionalmente atividade para uma empresa multinacional de tecnologia de software, com escritório e clientes em Lisboa. 40. Em consequência do referido em 17., o assistente teve de prolongar a sua estadia em Lisboa até 18.10.2021, despendendo nisso a quantia de 773,50 €. 41. Com a aquisição de novos bilhetes de avião para o regresso a Londres despendeu em 16.10.2021 a quantia de 618,01 €. 42. Com a deslocação do aeroporto em Londres até à sua residência despendeu em 18.10.2021 a quantia de 51,42 €; 43. O assistente acabou por não viajar para Marraquexe, conforme tinha planeado, entre 13.10.2021 e 16.10.2021, em cujos voos tinha despendido em 15.09.2021 e em 13.09.2021 as quantias de 215,52 € e de 221,97 €. 44. Com a aquisição de novos óculos graduados, o assistente despendeu em 21.10.2021 a quantia de 177,96 €. 45. Em consequência da atuação dos arguidos, o assistente passou a ter receio de se deslocar a Lisboa e sempre que o faz a trabalho deixou de aqui sair à noite. 46. Em consequência da atuação dos arguidos referida em 10. e 11. o assistente sentiu dores. 47. Em cuidados de saúde relacionados com o referido em 14., nomeadamente os descritos em 18., o assistente despendeu, pelo menos, a quantia de 1.243,65 €. 48. Desde outubro de 2021 que, decorrente do referido em 19., o assistente passou a ser acompanhado por um terapeuta no seu país de origem, em sessões tidas lugar em 22.10.2021, 01.11.2021, 15.12.2021, 11.01.2022, 24.01.2022, 08.02.2022, 01.03.2022, 22.03.2022, 05.04.2022, 22.04.2022, 10.06.2022, 23.06.2022, 06.07.2022, 20.07.2022, 17.08.2022, 05.09.2022, 12.09.2022, 13.10.2022, 01.11.2022, 22.11.2022, 05.12.2022, 21.12.2022, 04.01.2023, 18.01.2023, 26.01.2023, 03.02.2023, 16.02.2023, 24.02.2023, 02.03.2023, 07.03.2023 e 14.03.2023, com o que despendeu a quantia global de 2.523,19 €. * Do pedido de indemnização civil do assistente BB 49. O assistente é nacional do Reino Unido, residente em Londres e encontrava-se de férias em Portugal na data referida em 1. e 5. 50. Trabalha como agente imobiliário. 51. Em consequência da atuação arguidos referida em 7. e 9., o assistente sentiu dores. 52. E sofreu três feridas incisivas na região occipital (uma com borda profunda e bem definida com cerca de 3,5 cm de extensão, a qual foi suturada, e duas mais superficiais), assim como equimose e edema periorbital bilateral (mais acentuada à direita). 53. O assistente ausentou-se de Portugal logo no dia 11.10.2021. 54. No dia 19.10.2021, já em Londres, o assistente procedeu à remoção da sutura referida em 52., nisso despendendo a quantia de 77,13 €. 55. Em consequência da atuação dos arguidos, o assistente passou a ter receio de se deslocar a Lisboa. Provou-se, ainda, que: 56. Ao arguido AA não são conhecidos antecedentes criminais. 57. Ao arguido GG não são conhecidos antecedentes criminais. 58. Ao arguido HH não são conhecidos antecedentes criminais. Condições sócio-económicas do arguido AA 59. Contando atualmente 51 anos de idade, o arguido reside com a sua atual companheira há cerca de oito anos, assim como com os dois filhos desta, atualmente com 14 e 17 anos de idade, em ambiente reputado como harmonioso e de coesão. 60. O arguido tem um filho, com 32 anos de idade, e dois netos, com os quais mantém contactos. 61. Ao nível do ensino, o arguido tem o 6º ano de escolaridade 62. Ingressou no mercado laboral ainda na adolescência, desempenhando atividade na venda de fruta, juntamente com o progenitor. Pouco acima dos 20 anos de idade iniciou funções numa empresa de segurança, tendo exercido atividade neste ramo, em várias empresas, até 2022. 63. Na data dos factos acima apurados exercia atividade como segurança, com contrato celebrado com a empresa “PPPP”, onde se encontrava colocado há três anos. 64. Atualmente exerce atividade como gestor de frota automóvel na empresa “Navigator”, com contrato de trabalho celebrado, em março de 2023 por tempo indeterminado, com a empresa “Acciona – Facility Services”, prestadora de serviços junto da primeira. Anteriormente, entre meados de 2022 e início de 2023, o arguido desempenhou funções numa empresa no ramo da fiscalização de feiras. 65. O arguido aufere um rendimento líquido de cerca de 1.000,00 €/mês, com o qual suporta a renda da habitação no montante de 580,00 €/mês. Condições sócio-económicas do arguido GG 66. Contando atualmente 37 anos de idade, o arguido reside com a companheira há cerca de vinte anos, um filho desta, atualmente com 25 anos de idade, e um filho comum, atualmente com 7 anos de idade, em ambiente reputado como gratificante. 67. Ao nível do ensino, o arguido frequentou a escola em idade regular até ao 6º ano, vindo depois a retomar os estudos com o intuito de adquirir a qualificação exigida para a certificação como segurança, assim concluindo o 9º ano, através do sistema de reconhecimento, validação e certificação de competências. 68. Já posteriormente aos factos acima apurados, o arguido concluiu o equivalente ao 12º ano, em 14.12.2022, igualmente através do sistema de reconhecimento, validação e certificação de competências, com vista a obter o cartão de coordenador de segurança. 69. Laboralmente, o arguido trabalhou como segurança privado/vigilante desde que obteve a certificação, no ano 2015. Nesta trajetória foi sendo acreditado como vigilante, segurança/porteiro, recintos e espetáculos, central de alarmes e transporte de valores, o que desenvolvia em regime de part-time, sem carga horária pré-definida, mantendo vínculos contratuais com várias empresas do ramo, em simultâneo – “ATH”, “SC”, “PG”, “Xsegur” e “Ysegur”, o que tinha lugar na data da prática dos factos, no que auferia entre 1.300,00 € e 1.500,00 €/mês. 70. Em simultâneo, chegou a manter contrato de trabalho com a “YYY – Segurança Privada, Lda.” desde que iniciou este trajeto profissional até agosto do ano 2021. 71. Desde 28.02.2023 o arguido celebrou contrato de prestação de serviços com parceiro operador de TVDE, operando como motorista/condutor de veículos. 72. O arguido aufere atualmente cerca de 800 €/mês, a companheira cerca de 745,00 €/mês e o enteado 1.400,00 €/mês, sendo as despesas fixas do agregado próximas de 950,00 €/mês. 73. É descrito por familiares e amigos como pessoa trabalhadora, respeitadora e bom pai. Condições sócio-económicas do arguido HH 74. Contando atualmente 42 anos de idade, o arguido é natural e nacional do Paquistão, onde cresceu junto da família de origem. 75. Aos 25 anos de idade contraiu casamento nesse país, de cuja ligação nasceram quatro filhos. 76. Dedicava-se a tarefas agrícolas em terrenos dos avós, até que emigrou para Portugal em novembro de 2015 em busca de melhores condições de vida. 77. Em Portugal tem desde sempre vivido em quarto arrendado, em habitação que partilha com outros conterrâneos, no que despende 400,00 €/mensais, incluindo alimentação. 78. A nível profissional integrou-se em tarefas diversificadas, primeiro como funcionário numa loja de telemóveis e cozinheiro numa pizzaria e mais tarde como motorista, no que aufere aproximadamente 1.200,00 €/mensais. 79. Todos os meses envia 500/600,00 € para a mulher e os filhos que permanecem no Paquistão, do mesmo modo que tem vindo a realizar diligências que permitam a reunificação familiar em Portugal, país que menciona apreciar, tendo já requerido a nacionalidade portuguesa. Nunca mais voltou ao Paquistão. 80. Mantém contactos diários com os filhos e a mulher com recurso a videochamada. * B) Factos não provados a. Que nas circunstâncias referidas em 1. e 6. os arguidos AA e GG estivessem a exercer funções de vigilantes no âmbito da sua atividade de seguranças privados, ao serviço da “YYY – Segurança Privada, Lda.”. b. Que nas circunstâncias referidas em 6. a 11. o arguido GG trazia consigo um bastão extensível. c. Que nas circunstâncias referidas em 6. a 11. o arguido AA trazia consigo um bastão extensível. d. Que nas circunstâncias referidas em 22. o arguido GG se encontrava no exercício de funções de segurança privado. e. Que o arguido HH nas circunstâncias referidas em 1. e 6. estivesse a exercer funções de segurança privado, ao serviço da “YYY – Segurança Privada, Lda.”. f. Que nas circunstâncias referidas em 1. e 6. o arguido GG se encontrava no recinto do Festival ZZZ, na ..., em Lisboa. g. Que nas circunstâncias referidas em 22. o arguido GG se encontrava na sua residência. h. Que o assistente CC suportou as quantias referidas em 36. i. Que o assistente BB suportou as quantias referidas em 37. j. Sem prejuízo do concretamente apurado, que tivesse sido de 810,00 € a quantia referida em 40. k. Sem prejuízo do concretamente apurado, que a quantia total referida em 47. e 48. ascenda a 4.058,50 €. * Inexistem outros factos provados ou não provados com relevância para a boa decisão da causa, não se tendo atendido a juízos conclusivos e/ou probatórios constantes dos articulados, sendo os elementos de prova aferidos em sede de motivação da decisão da matéria de facto.
III.2 O Tribunal recorrido em sede de Acórdão Condenatório procedeu à seguinte Motivação da decisão da matéria de facto: A convicção do Tribunal para a determinação da matéria de facto dada como provada e não provada fundou-se na prova produzida em audiência de julgamento, bem como no acervo documental dos autos, tudo a merecer apreciação segundo as regras da experiência e a livre convicção dos julgadores, sem descurar o disposto quanto ao valor da prova pericial, em conformidade com os artigos 127º e 163º, do Código de Processo Penal. Desde logo, impõe-se clarificar que não cumpre reproduzir o integral conteúdo das declarações e depoimentos produzidos no decurso do julgamento, os quais se mostram documentados, mas tão-só expor as razões subjacentes à formação da sobredita convicção. Preliminarmente, em relação aos arguidos, temos que todos quiseram prestar declarações em julgamento, ainda que os arguidos GG e HH já antes também o tivessem feito, em sede de 1º interrogatório de arguido detido. É consabido que essas declarações anteriormente prestadas poderão aqui ser valoradas, conforme dispõe o artigo 357º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal (uma vez que foram prestadas perante juiz, os arguidos que as prestaram estiveram assistidos por defensor e foram advertidos que as mesmas poderiam ser usadas em julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova – artigo 141º, nº 4, alínea b), do mesmo Código), incluindo, ainda, relativamente aos coarguidos, considerando o disposto no artigo 345º, nº 4, do Código de Processo Penal. Vejamos, pois, tais declarações em conjugação com as demais provas, sempre por alusão à factualidade respetiva. Começando pelo NUIPC 780/21.0PCLSB, temos que o arguido GGnegou sequer a respetiva presença na data e local dos factos, assim como referiu desconhecer quem seja o coarguido HH, o que este corroborou, sendo que em relação ao coarguido AA, referiu conhecê-lo desde 2016, por terem trabalhado juntos no festival “XXX”, na ..., mas que não se voltaram a ver, o que o mesmo também corroborou. O arguido AA, referindo trabalhar à data no estabelecimento “BT”, como segurança privado, pela “PPPP”, há cerca de 4 ou 5 meses a essa data, deu conta ter-se deslocado nessa mesma noite ao “CT Bar”, onde ia comer, aí encontrando mesas desarrumadas e as empregadas a chorar, segundo lhe disseram por ter havido desacatos com clientes. No exterior, acrescentou recordar-se de ver um grupo de cerca de cinco indivíduos, que descreveu como “vigilantes”, com farda, alguns com inscrições nas costas a dizer “YYY”, a aproximarem-se e depois a afastarem-se de um outro grupo que descreveu como de “indianos”, nisso aludindo a “confrontos”, mas sem ter visualizado quaisquer murros ou pontapés. No mais, referiu conhecer o coarguido HH como cliente do estabelecimento onde trabalha, mas não se recordar de tê-lo visto nessa noite, informações que o mesmo corroborou. Por sua vez, nas declarações que prestou, o arguido HH, embora referindo ter estado por volta das 00h00 no estabelecimento “CT Bar”, onde lhe contaram que “um grupo de indianos tinha feito confusão”, depois de daí ter saído, já no exterior, apercebeu-se de um aglomerado de pessoas, a falar alto, onde estavam uns “indianos”, mas sem ter percecionado qualquer confronto físico. Nesta parte, quanto ao exercício de segurança privado pelo arguido AA urge considerar a informação de fls. 175/177, constando a fls. 176 que tinha vínculo à “PPPP – Serviços de Segurança, Lda.” desde 23.08.2021 e a fls. 872/873 que teve vínculo à “YYY” entre 24.04.2015 e 17.03.2017 e entre 15.02.2019 e 17.07.2019. Já quanto ao exercício de segurança privado pelo arguido GG urge considerar a informação de fls. 178/180, sendo que a fls. 179 e a fls. 873-verso/874 consta que teve vínculo à “YYY” entre 14.08.2018 e 31.08.2021 e a fls. 874-verso/875-verso que devolveu a farda à mesma em 01.09.2021. Ademais, do auto de notícia de fls. 2/2-verso do NUIPC 780/21.0PCLSB – que a testemunha EEE, na sua qualidade de agente da PSP, referiu ter sido quem o elaborou, descrevendo aquilo que percecionou (contacto com DD) – resultam as circunstâncias de tempo e lugar a que se associam DD à factualidade sob apreciação, bem como ao transporte do mesmo a hospital, em conjugação com o que consta de fls. 699 e do episódio de urgência de fls. 1062/1963 (referência 39555230), onde ressalta ter sido assistido no Hospital de são José, em Lisboa. Não obstante as diligências a tanto empreendidas, não foi possível localizar e colher o depoimento de DD. Por sua vez, dos restantes elementos probatórios coligidos, consideram-se, desde logo, as declarações do assistente BB, que contextualizou ter visto um grupo de indivíduos com t-shirts pretas, a dizer “YYY”, cerca de seis/sete indivíduos, a correr e a chegar junto a um outro grupo, de quatro ou cinco indivíduos, um dos quais parecia “indiano”, a quem começaram a “bater”, com socos e pontapés. Outrossim, tivemos as declarações do assistente CC, parcialmente corroborantes, ao referir que um grupo de cinco/seis indivíduos passou a correr, dos quais pelo menos três desses indivíduos traziam t-shirts pretas, uma das quais dizia “YYY”, sendo que um rapaz que identificou como sendo “indiano” foi por esse grupo esmurrado contra um vidro, admitindo que o terá visto no hospital quando aí também se deslocou momentos depois nessa noite, o que, diga-se já, não deixa de assumir plausibilidade face aos elementos documentais acima aludidos (em particular, o indicado episódio de urgência). Aqui, relevam também os autos de reconhecimento pessoal realizados pelo assistente CC, em 10.07.2022, a fls. 362/363 e 365/366, no âmbito dos quais identificou sem qualquer dúvida respetivamente os arguidos AA e GG, o que em julgamento, com os mesmos confrontado, foi igualmente perentório nessa identificação, assim como logrou ainda identificar o arguido HH, esclarecendo quanto a este que só não o tinha feito igualmente na PSP porque na altura não teve 100 % de certeza, uma vez que o reconhecimento “foi pelo telefone”, mas que agora não tem dúvidas. Nesta medida, diga-se que o assistente vindo de mencionar foi clarividente, seguro e circunstanciado, ao ponto de concretizar as atuações que se recorda levadas a cabo por cada um dos arguidos, especificando que os arguidos AA e HH fizeram parte do grupo de indivíduos que “esmurraram o rapaz indiano” e que depois também fizeram o mesmo a si, sendo que do arguido GG só se apercebeu quando este veio a pontapeá-lo (a si) na cara. De igual forma relevam os autos de reconhecimento pessoal realizados pelo assistente BB, em 10.07.2022, a fls. 374/375 e 376/377, no âmbito dos quais identificou sem qualquer dúvida respetivamente os arguidos GG e HH,o que em julgamento, com os mesmos confrontado, foi igualmente perentório nessa identificação, assim como logrou ainda identificar o arguido AA, o que levou a cabo de forma muito assertiva, descrevendo, com precisão, aquilo que cada um levou a cabo, mormente a circunstância do arguido GG integrar o grupo que referiu acima e que decidiu filmar, vindo depois na sua direção e a pontapear o assistente CC, do mesmo modo que referiu que o arguido AA lhe desferiu murros a si ao assistente CC e o que o arguido HH fazia parte do grupo que se dirigiu ao dito “indiano”. Neste conspecto, quanto à identificação em audiência, impõe-se exarar que não se trata aqui de valorar um «reconhecimento» informal, mas de valorar a visualização dos arguidos por aqueles que prestam declarações (testemunhas/demandantes/assistentes), como elemento acessório, corroboratório do reconhecimento (caso tenha existido) – visualização aquela, aliás, que podia ter ocorrido em outro local que igualmente permitisse a identificação da pessoa visualizada, não se tratando de uma específica diligência probatória em julgamento, mas antes a ser valorada em conjunto com as demais provas produzidas. Por outro lado, das demais testemunhas inquiridas, com conhecimento direto da factualidade e fazendo descrições objetivas e sequenciais, próprias de quem relata acontecimentos marcantes que presenciaram, tivemos também o depoimento de OO, que mencionou ter visto um “indiano” deitado desmaiado no chão, o qual fazia parte do grupo inicial que descreveu como tendo estado anteriormente a isso a ser empurrado pelo “grupo de seguranças”, sendo que, confrontado com os arguidos em julgamento, apenas quanto ao arguido GG – por ter sido a única pessoa que disse ter olhado nos olhos (elucidando como elementos diferenciadores a “forma dos olhos”, “maças do rosto” e “barba”) – referiu ter sido quem viu atingir o assistente CC. A testemunha PP, igualmente presente no local, elucidando a hora aproximada em que o por si descrito sucedeu (já depois da meia noite), não mostrou qualquer hesitação em corroborar idêntica atuação ao arguido acabado de mencionar, assim como referiu que o arguido AA integrava o grupo de “seguranças” que descreveu ter visto. Ora, em face de todo o exposto, pela sequência de acontecimentos e lógica das coisas, concatenado todos elementos vindos de analisar e conjugados acima, quando não há notícia de na data, hora e local dos factos (segundo reportado por todos quanto nisso asseveraram) ter existindo outro confronto para além daquele que se retrata nestes autos e que determinou a chamada de atenção dos assistentes (um dos quais decidiu iniciar a filmagem do sucedido), em conjugação com a circunstância de um dos visados desse mesmo confronto (DD) ter sido transportado ao mesmo hospital onde os assistentes também se deslocaram, não pode senão concluir-se que os três arguidos, atuando conjuntamente, em grupo, participaram na factualidade imputada nos moldes que resultaram provados. Não obstante, diga-se a este propósito que os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelo arguido GG, no caso as testemunhas: QQ, SS, WW, XX, YY, ZZ, RR, TT, UU e VV, todos com ligação ao festival ZZZ, na ..., em Lisboa, no essencial, fosse como colaboradores da empresa que fazia a segurança privada ao festival (as seis primeiras), fosse como membros ou associados à produção do festival (as duas seguintes, ainda que dessas a testemunha RR tivesse sido também já segurança privado, atividade onde conheceu o arguido), fosse como “voluntários” no festival (as duas últimas, as quais também já foram seguranças privados, atividade onde conheceram o arguido), foram coincidentes em atestar que o arguido GG também se encontrava nesse festival, como voluntário. Ora, não se colocando em causa que o arguido GG tenha estado no referido festival, em conjugação, também, com os elementos documentais (fotografias e cartaz) de fls. 1046/1049, de onde isso igualmente parece resultar, a verdade é que, do extenso rol de depoimentos que quanto a isso atestaram, de forma inegavelmente colada à versão desse mesmo arguido, temos que nenhuma dessas testemunhas logrou convencimento de que nas concretas circunstâncias em que os factos decorreram o arguido aí estivesse. De facto, o único elemento objetivo que para isso aponta (um vídeo colocado pelo arguido na rede social “Facebook” , onde esteve pelas 23:29, de 10.10.2021), não coincide com o concreto dia e hora (necessariamente aproximada, já depois da meia noite) em que os factos que ao mesmo são imputados tiveram lugar, tanto mais que, geograficamente, situando-se o dito festival na zona da ..., em Lisboa, como disseram, entre outras, as sobreditas testemunhas XX e YY, nisso perguntada, chegou a testemunha VV a dizer que entre o recinto do festival e o ..., também em Lisboa, seriam cerca de 15 minutos em viatura automóvel. Acresce, ainda, que a quase totalidade das aludidas testemunhas, conhecidas do arguido de vários anos, a quem assumem ligações profissionais ou de amizade, de forma notoriamente exagerada – face àquelas que eram as funções desse arguido como “voluntário” (cuja contrapartida era receber alguns bilhetes grátis e refeições no recinto) – quiseram fazer passar que o arguido chegava a estar mais de doze horas seguidas no recinto do festival, sendo que resultou também à evidência que inexistia, sequer, qualquer forma de registo e controlo das entradas e saídas desse recinto pelos ditos “voluntários”, o que torna fácil qualquer entrada e saída, a qualquer hora, sem sequer ser notada, mormente quando estamos a falar de um festival onde estavam milhares de frequentadores, a par de algumas dezenas de seguranças, de voluntários e de colaboradores na produção do festival, conforme nesse sentido depuseram várias testemunhas, mormente os depoimento de WW, YY, TT e VV. Assim sendo, não teve este conjunto de depoimentos a virtualidade de abalar a credibilidade daqueles outros (de assistentes CC e BB e testemunhas que com os mesmos se encontravam – OO e PP) que nenhumas dúvidas mostraram em apontar o arguido GG como autor dos factos apurados. No que se refere aos elementos psicológicos e volitivos imputados nesta parte aos arguidos, considerou-se que estes factos decorriam de forma segura, por inferência e com apoio nas regras da normalidade, das descritas condutas dos mesmos – aliás, tais factos encontram-se numa relação de quase necessidade com essas condutas. Assim, tudo visto, deram-se como demonstrados os factos 1. a 4. e quanto à factualidade dada como não provada em a. e f. resultou como consequência do exposto e por não ter sido produzida prova bastante no preciso sentido em que vinha descrita. Enquanto decorrência do exposto, a permitir dar como demostrada a dinâmica que subsequentemente se seguiu, tivemos as declarações dos mesmos assistentes, cujas descrições foram corroborantes, em conjugação, ainda, com os depoimentos das testemunhas OO e PP, também acima aludidas. Nesta parte, valorizou-se particularmente as declarações do assistente CC, o qual detalhou, de forma lógica e pelo posicionamento em que se colocou, aquilo que sucedeu ao telemóvel do assistente BB, da parte de um mesmo indivíduo que também o esmurrou, nos moldes que se deram como provados. Em relação ao valor desse telemóvel, consideraram-se as declarações do assistente BB, o qual referiu que o mesmo teria custado à volta de 1.000 libras, cerca de seis meses antes, vindo na sequência do sucedido a adquirir um novo, conforme fatura de fls. 762 (cuja tradução consta de a fls. 1301/1302-verso), a permitir assim apurar que o dito telemóvel custaria, pelo menos e com segurança, o valor que constava descrito na acusação. Quanto à identificação dos arguidos vale o que acima foi já expendido e aquela que foi a valoração de toda a prova testemunhal produzida. A circunstância do arguido AA trazer uma luva na mão, resultou das declarações nisso perentórias do assistente BB, a par do auto de visionamento de fls. 28, contemporâneo daquilo que está em causa nos autos (onde o arguido aparece com tal luva), em conjugação com os subsídios que nesse sentido acabaram por ser relatados pelas testemunhas PP e OO (embora não o identificando diretamente àquele arguido). Diferentemente, quanto às circunstâncias dos arguidos AA e GG trazerem consigo bastões extensíveis, embora o assistente BB tivesse referido a visualização desses mesmos objetos, não logrou dizer a quem, sendo que o auto de visionamento de fls. 27 e 29, por si só, não permite apontar nesse sentido. Por outro lado, em relação às consequências que resultaram para os assistentes, para além das declarações dos próprios e das referidas testemunhas, considerou-se quanto ao assistente BB o episódio de urgência de fls. 678/678-verso (com admissão às 02h39m, de 11.10.2021) e as fotografias de fls. 15 e 21, e quanto ao assistente CC o episódio de urgência datado de fls. 768/768-verso (com admissão às 02h45m, de 11.10.2021), o relatório clínico de fls. 769-verso (realizado às 03h09m, de 11.10.2021), o diário clínico de fls. 769 (reavaliação em 12.10.2021), o relatório de consulta de fls. 770/770-verso (em 16.10.2021), as declarações emitidas a fls. 771 e 771-verso (em 16.10.2021), as fotografias de fls. 17/19 e 816/849, os relatórios de consulta em 14.12.2021 e 21.12.2021, de fls. 772/772-verso e 775/775- verso (cujas traduções constam a fls. 1288/1290-verso e 1295/1297-verso), o relatório de admissão em clínica para reparação do pavimento orbital em 27.10.2021, de fls. 773 (cuja tradução consta a fls. 1293/1294-verso), o relatório de cirurgião ortopédico e dos membros superiores em 16.12.2021 de fls. 776 (cuja tradução consta a fls. 1286/1287-verso), os exames de radiologia de fls. 850/857 e os exames periciais de fls. 115/117-verso e do apenso I (preliminares) e de fls. 986/989 (final). Também a testemunha DDD, de forma coincidente, evidenciou o estado em que se encontrava o marido, o assistente CC, quando regressou de manhã ao hotel onde estavam hospedados e daquilo que subsequentemente o mesmo experienciou nos tempos que a isso se seguiram (para efeitos de recuperação), assim como o estado em que estava o assistente BB quando com o mesmo contactou nesse mesmo dia. No que se refere aos elementos psicológicos e volitivos imputados nesta parte aos arguidos, considerou-se que estes factos decorriam de forma segura, por inferência e com apoio nas regras da normalidade, das descritas condutas dos mesmos – aliás, tais factos encontram-se numa relação de quase necessidade com essas condutas. Assim, tudo visto, deram-se como demonstrados os factos 5. a 21. e quanto à factualidade dada como não provada sob b., c. e f. resultou como consequência do exposto e por não ter sido produzida prova bastante no preciso sentido em que vinha descrita. Passando agora à factualidade atinente ao NUIPC 1001/21.0PCLSB, temos que o arguido AA, embora admitindo em julgamento que trabalhava a essa data como segurança privado no estabelecimento denominado “BT”, para a empresa “PPPP”, no horário entre as 23h00 e as 05h00, negou qualquer participação nos factos imputados, que nesse local tivesse estado o coarguido GG ou sequer que aí tivesse existido qualquer confronto físico. Em sentido similar, o arguido GG, à semelhança daquilo que havia já referido em sede de 1º interrogatório de arguido detido, negou, em absoluto, que alguma vez tivesse sequer estado no aludido estabelecimento, onde nunca trabalhou como segurança privado. Por sua vez, passando aos depoimentos das testemunhas nesta parte ouvidas, tivemos FF, EE, FFF e GGG, os quais, diga-se já, de forma clara, objetiva e sequencial, sem nada que fizesse desmerecer a respetiva credibilidade, apresentaram relatos que se conjugam e entrecruzam, dando nota do sucedido no estabelecimento em causa, onde se tinham deslocado para beber um copo, assim permitindo apurar os factos tal qual se deram como provados. A este propósito, desde logo as duas primeiras referidas testemunhas, nenhumas dúvidas tiveram em descrever a atuação de um grupo de indivíduos (entre 4 ou 5), que entenderam ser seguranças (pela indumentária que tarjavam – alguns vestidos de preto – e porque a abordagem inicial teve a ver com um boné que a testemunha FF tinha colocado e que um deles disse para tirar). Aqui, relevam os autos de reconhecimento pessoal realizados pela testemunha GGG, em 10.07.2022, a fls. 58/59 e 60/61 do NUIPC 1001/21.0PCLSB, no âmbito dos quais identificou sem qualquer dúvida respetivamente os arguidos GG eAA, o que em julgamento, com os mesmos confrontada, foi igualmente perentória nessa identificação, ao ponto de concretizar as atuações de que se recorda levadas a cabo por cada um desses arguidos, dizendo que chegou a estar cara a cara com o arguido GG, perguntando-lhe “porque está batendo no meu amigo”. Também em audiência de julgamento, se a testemunha FF foi incapaz de identificar qualquer dos arguidos, já a testemunha FFF mostrou alguma certeza na identificação de ambos, enquanto a testemunha EE identificou o arguido GG, já não o arguido AA, em moldes que se afiguram plausíveis e que espelham o lapso temporal de vários anos decorridos, a par da capacidade de memorização que diverge de pessoa para pessoa, em particular pelo grau de intervenção nos factos e posicionamento na data em que os mesmos ocorrem, necessariamente subjacente a essa mesma memorização. Vale aqui também o que já acima se disse quanto a não se tratar de valorar um «reconhecimento» informal em audiência, mas de valorar a visualização dos arguidos pelas testemunhas, como elemento acessório, corroboratório do reconhecimento (caso tenha existido) – visualização aquela, aliás, que podia ter ocorrido em outro local que igualmente permitisse a identificação da pessoa visualizada, não se tratando de uma específica diligência probatória em julgamento, mas antes a ser valorada em conjunto com as demais provas produzidas. Ademais, com exceção da testemunha EE, todas as restantes três testemunhas reportaram que um dos sobreditos indivíduos tinha numa das mãos uma peça de metal que encaixa nos dedos, que identificaram como “soco inglês”, mas sem diretamente mencionarem que fosse algum dos arguidos nessa parte visados. A fls. 49 do NUIPC 1001/21.0PCLSB consta a foto do estabelecimento e a fls. 50/57 seguintes as fotografias que retratam o estado em que ficou EE e que tornam plausível a deslocação ao hospital (em conjugação com fls. 698), o que o próprio confirmou, assim como o corroboraram os depoimentos das restantes testemunhas a este respeito inquiridas. Dos relatos das mencionadas testemunhas resulta, ainda, a circunstância de terem, por ocasião dos factos, empreendido participação criminal junto das autoridades policiais, conforme se depreende do auto de notícia de fls. 3/4 e auto de denúncia de fls. 7/8, ambos do NUIPC 1001/21.0PCLSB, a permitir melhor concretizar as circunstâncias de tempo e lugar que dos mesmos se retira. Por outro lado, diga-se que os depoimentos das testemunhas aludidas acima não saem minimamente abalados pelos depoimentos prestados, ao invés, pelas testemunhas arroladas pelo arguido GG, no caso AAA e BBB, respetivamente companheira desse arguido e filho dessa mesma companheira, todos integrados no mesmo agregado há cerca de 12 anos e, como tal, naturalmente interessados no desfecho que dos autos possa resultar, os quais apresentaram um relato notoriamente colado àquela que foi a versão do arguido, pretendendo fazer passar que o mesmo se encontraria em casa na madrugada de 15 de novembro de 2021. A verdade é que não constam dos autos quaisquer elementos objetivos que se entendam suficientemente seguros para terem tal data tão bem presente na memória (que mais não seja do que a visão transmitida pelo arguido), mais a mais quando a testemunha BBB não deixou de referir que o arguido até costumava trabalhar durante a noite e, nessa medida, passava toda a noite fora de casa sempre que tal acontecia. Acresce, ainda, que a declaração genérica emitida pela “Strong Charon”, previamente junta aos autos pelo próprio arguido ainda em fase de inquérito, constante a fls. 472, da qual resulta que o arguido “se encontrou a prestar serviço no dia 15/11/2021”, por si, sem sequer exarar qual a baliza horária em que o terá feito, também não abala os depoimentos das testemunhas acima aludidas. No que se refere aos elementos psicológicos e volitivos imputados nesta parte aos arguidos, considerou-se que estes factos decorriam de forma segura, por inferência e com apoio nas regras da normalidade, das descritas condutas dos mesmos – aliás, tais factos encontram-se numa relação de quase necessidade com essas condutas. Assim, tudo visto, deram-se como demonstrados os factos 22. a 27. e quanto à factualidade dada como não provada sob d. e g. resultou como consequência do exposto e por não ter sido produzida prova bastante no preciso sentido em que vinha descrita, já que, ao contrário do arguido AA, que expressamente admitiu encontrar-se em exercício de funções de segurança privado, nenhum elemento objetivo permite referir que o arguido GG, embora presente no local, exercesse aí tais funções, o que, naturalmente, não afasta os comportamentos que quanto ao mesmo se apura. A factualidade apurada em 28. teve por base as declarações confessórias do arguido AA, em conjugação com o auto de busca e apreensão de fls. 280/281, fotografias de fls. 283/285 e autos de exame de fls. 286/288, 289/291 e 581/587. A factualidade apurada de 29. a 31. assentou naquilo que o arguido GG assumidamente declarou, em conjugação, relativamente à viatura de matrícula ..-RX-.., com o auto de busca e apreensão de fls. 297/298, fotografias de fls. 299/307 e auto de exame de fls. 323, e em relação à residência sita na ..., em Odivelas, com o auto de busca e apreensão de fls. 309/310, fotografias de fls. 313/322, autos de exame de fls. 323/326 e exames periciais de fls. 588/589 e 590/590-verso. A factualidade apurada em 32. decorre da informação policial de fls. 910/910-verso, corroborada pelas declarações do próprio arguido a que isso respeita. Dentro de todas as apreensões realizadas e no que se refere aos elementos psicológicos e volitivos imputados nesta parte aos arguidos, considerou-se que estes factos decorriam de forma segura, por inferência e com apoio nas regras da normalidade, das descritas condutas dos mesmos – aliás, tais factos encontram-se numa relação de quase necessidade com essas condutas, assim se demonstrando a factualidade apurada em 33. e 34. A factualidade atinente ao pedido de indemnização civil do “Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E.”, elencada em 35. a 38., para além do enquadramento que antecede (por referência à factualidade apurada quanto à acusação), mormente por referência à documentação clínica e pericial respetiva, teve por base o teor das faturas de fls. 696, 697, 698 e 699. A factualidade atinente ao pedido de indemnização civil do assistente CC, elencada em 39. a 48., para além do enquadramento acima, mormente por referência à documentação clínica e exame pericial respetivos, teve por base o teor de fls. 608/623 (referentes a faturas da “Axa Health” de 02.11.2021 a 31.01.2022, cujas traduções para português constam a fls. 1090/1105-verso, 1180/1196-verso, 1244/1264-verso, 1268/1283-verso e 1298/1300-verso) e de fls. 624/654 (referentes a faturas da “Compass Counseling” de 22.10.2021 a 14.03.2023, cujas traduções para português constam a fls. 1118/1179-verso), em conjugação com as declarações do próprio assistente, próprias de quem descreve aquilo que vivenciou e que ainda está muito presente na sua memória, bem como primacialmente da testemunha DDD, a qual, pela proximidade pessoal ao mesmo, logrou transmitir um conhecimento efetivo daquela que foi a vida do assistente subsequentemente ao evento e que descreveu de forma lógica e sequencial. Ademais, consideraram-se os elementos documentais de fls. 655/655-verso, 656/659, 660/661, 662 e 664/666 (cujas traduções para português constam a fls. 1197/1206-verso e 1209/1243-verso), alusivos a despesas de hotel, viagens de avião e de “uber”, sendo que apenas não foram consideradas as despesas que sempre incorreria nos dias 11.10.2021 e 12.10.2021, quanto a fls. 655/555-verso, já que a saída de Lisboa estava agendada para 13.10.2021, ficando assim de fora um total de 36,50 €, conforme factualidade não provada em j. Também se considerou o documento de fls. 663 (cuja tradução para português consta a fls. 1207/1208-verso), alusivo à aquisição de novos óculos graduados. Nesta parte, urge deixar expresso que quanto à documentação cujos valores vinham elencados em libras (GBP), dentro daquilo que foi peticionado (cfr. artigo 3º, nº 1, do Código de Processo Civil), considerou-se os valores convertidos para euros (EUR), tomando por referência a data respetivamente aposta nessa documentação (cfr. conversor do Banco de Portugal, disponível em https://www.bportugal.pt/page/conversor-de-moeda). Assim sendo, como consequência de todo o exposto e perante a ponderação dos elementos documentais juntos ou ausência deles, deram-se como não provados os factos h., j. e k. A factualidade atinente ao pedido de indemnização civil do assistente BB, elencada em 49. a 55., para além do enquadramento igualmente acima, mormente por referência à documentação clínica, mormente o episódio de urgência de fls. 678/678-verso, teve também por base o teor de fls. 679 (referente a recibo de pagamento da “HCA Healthcare UK”, cuja tradução para português consta a fls. 1303/1305), em conjugação com as declarações do próprio assistente, próprias de quem descreve aquilo que vivenciou e que ainda está muito presente na sua memória. Em contraponto, como consequência de todo o exposto e perante a ponderação dos elementos documentais juntos ou ausência deles, deu-se como não provado o facto i. No que respeita à ausência de antecedentes criminais conhecidos aos arguidos, adveio da valoração e exame dos respetivos certificado de registo criminal, sob as referências 39063924, 39063926 e 35603889. Por fim, em relação às condições sócio-económicos dos arguidos, atendeu-se essencialmente aos respetivos relatórios sociais, a fls. 890/892, 991/994, 996/999, sob as referências 38363919, 39268442 e 39295911, em conjugação com as declarações dos próprios arguidos. E, no caso do arguido GG, com os depoimentos das testemunhas AAA e BBB, já acima aludidas, e ainda da testemunha CCC, amigo desse mesmo arguido há mais de 10 anos, que o descreveu, em suma, como pessoa trabalhadora, respeitadora e bom pai. E, no caso do arguido AA, com os recibos de vencimento (de fevereiro a maio de 2024) juntos a fls. 1310/1313.
III.3 O Tribunal recorrido em sede de Acórdão Condenatório procedeu à seguinte Fundamentação de Direito, nas partes que relevam: D) Fundamentação jurídica Do crime de ofensa à integridade física (…) Prescreve o artigo 143º, nº 1, do Código Penal, que: “Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”. O bem jurídico tutelado é, naturalmente, a integridade física da pessoa humana, enquanto valor primordial da ordem jurídica, estreitamente conexionado com o bem-jurídico vida e também com tutela constitucional no artigo 25º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa. O elemento objetivo do tipo consubstancia-se no facto humano suscetível de provocar no corpo e/ou na saúde de outrem uma ofensa. Sendo certo que, para efeito de imputação objetiva do resultado típico proibido (a ofensa ao corpo e/ou saúde alheias) ao agente, se impõe a existência de um nexo causal entre o comportamento do agente e o evento. Preenche o tipo subjetivo de crime em questão quem representa como resultado da sua conduta a produção de uma ofensa na integridade física de outrem (no seu corpo ou saúde), quer obter esse resultado e age com vista à sua consumação, em qualquer das modalidades de dolo. Nos termos do artigo 144º, do Código Penal: “Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa de forma a: (…) b) Tirar-lhe ou afetar-lhe, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais, de procriação ou de fruição sexual, ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem; c) Provocar-lhe doença particularmente dolorosa ou permanente, ou anomalia psíquica grave ou incurável; ou (…) é punido com pena de prisão de dois a dez anos.” (…) Por seu turno, dispõe o artigo 145º, nº 1, alíneas a) e c), do Código Penal, sob a epígrafe “Ofensa à integridade física qualificada”, que: “1 – Se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido: a) Com pena de prisão até quatro anos no caso do artigo 143º; (…) c) Com pena de prisão de 3 a 12 anos no caso do artigo 144º e do nº 1 do artigo 144ºA”. 2 – São suscetíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no nº 2 do artigo 132º”. O artigo 132º, nº 2, do Código Penal, elenca, de entre as aludidas situações indiciadoras de uma conduta particularmente censurável ou perversa, a circunstância de o agente: “(…) g) Ter em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir um outro crime, facilitar a fuga ou assegurar a impunidade do agente de um crime; h) Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum; (…)”. A este propósito, e perante qualquer das circunstâncias qualificativas do tipo de crime sob análise, cumpre enaltecer tratar-se de um especial tipo de culpa que é conformado através da verificação da especial censurabilidade (advinda de formas de atuação especialmente desvaliosas) ou perversidade (fundando-se, aqui, o especial juízo de culpa, em qualidades da personalidade do agente) do agente. (…) E, por sua vez, “a prática do crime juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas”, consiste numa coautoria de três pessoas, à imagem do que exige o artigo 26º, do Código Penal. Conforme consagrado pelo artigo 26º, “2ª parte”, do Código Penal, a “coautoria” pressupõe os seguintes requisitos cumulativos: o acordo (decisão ou plano conjunto, que pode ser tácito ou implícito) e a execução conjunta do facto típico (cada coautor contribui objetivamente para a execução do facto típico, podendo essa execução ser parcial, portanto, circunscrever-se a uma parte da ação conjunta mas, de qualquer forma, terá de ser indispensável na obtenção do resultado pretendido) (cfr. neste sentido, entre outros, GERMANO MARQUES DA SILVA, “Direito Penal Português, Parte Geral”, II, Teoria do Crime, Lisboa: Verbo, 2005, págs. 289 e 290). Na realidade, a essência da coautoria consiste em que cada comparticipante quer causar o resultado como próprio, mas com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas. * No caso vertente, começando por atender à situação atinente ao NUIPC 780/21.0PCLSB, estando em causa a imputação aos arguidos AA, GG e HH, resultou apurado que os mesmos, por motivos desconhecidos, abordaram DD, desferindo-lhe socos e pontapés. Em consequência, DD sofreu escoriações na cabeça e teve a necessidade de ser transportado ao Hospital de São José, em Lisboa, pela ambulância do INEM. Em face do descrito quadro factual verificam-se inequivocamente todos os elementos objetivos do tipo penal de ofensa à integridade física, sendo a atuação dos arguidos em coautoria, com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas entre todos, bem como o nexo de causalidade entre a conduta dos arguidos e a perturbação corporal e do bem-estar físico de DD, sem que se tivesse apurado quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa. Acresce ainda que, pela forma e contexto como atuaram os arguidos, integrados num grupo de, pelo menos, cinco indivíduos (cfr. facto apurado em 6.), necessariamente sabiam da superioridade numérica com que atuavam, estando assim verificada uma especial censurabilidade, assente numa atuação com particular desvalor dos arguidos quererem causar o resultado como próprio. Assim sendo, e face ao descrito, dúvidas não restam que os arguidos incorrerem na prática, em coautoria, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 145º, nº 1, alínea a), com referência à alínea h), nº 2, do artigo 132º, ambos do Código Penal. * Olhando agora ao NUIPC 652/21.8PALSB, estando em causa a imputação aos arguidos AA, GG e HH, que integravam o sobredito grupo de, pelo menos, cinco indivíduos e que decidiram investir na direção do assistente BB, quando viram que estavam pelo mesmo a ser filmados, tendo um dos indivíduos desse grupo arrancado o telemóvel da mão deste, pisando-o no chão por diversas vezes, sem que voltasse a ser visto ou recuperado, sendo que, de imediato, vários desses indivíduos do grupo dos arguidos, entre os quais os arguidos AA e GG, desferiram socos na face e cabeça do assistente BB. Ora, em face do descrito quadro factual, verificam-se inequivocamente todos os elementos objetivos do tipo penal de ofensa à integridade física, bem como o nexo de causalidade entre a conduta dos arguidos e a perturbação corporal e do bem-estar físico do assistente BB (melhor descritas sob a factualidade 51. e 52.), quando não são descortináveis quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa. Acresce ainda que, pela forma e contexto como atuaram os arguidos, integrados num grupo de, pelo menos, cinco indivíduos, necessariamente sabiam da superioridade numérica com que atuavam, estando assim verificada uma especial censurabilidade, assente numa atuação com particular desvalor dos arguidos quererem causar o resultado como próprio, com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas entre todos, donde a verificação da coautoria. Assim sendo, sem prejuízo do que abaixo se dirá quanto ao enquadramento destes comportamentos no âmbito do crime de dano com violência, previsto e punido pelo artigo 214º, nº 1, alínea a), do Código Penal, urge considerar que, dúvidas não restam, de que os arguidos incorrerem na prática, em coautoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 145º, nº 1, alínea a), com referência à alínea h), nº 2, do artigo 132º, ambos do Código Penal, já não com referência à alínea g), deste mesmo preceito, já que a unidade da ação dos arguidos não permite configurar qualquer caráter instrumental desde crime, com vista à preparação, facilitação, execução ou encobrimento de “outro crime”. Em relação em assistente CC, que acompanhava o assistente BB, tendo-se apurado que, na mesma ocasião, vários dos referidos indivíduos do grupo dos arguidos, entre os quais os arguidos AA e HH desferiram murros no assistente CC, levando a que os seus óculos graduados saltassem da cara, nunca mais os recuperando, sendo que quando o mesmo fugia para a Travessa ... foi rasteirado por um dos referidos indivíduos do grupo dos arguidos, sendo depois repetidamente pontapeado pelo arguido GG, tendo um dos pontapés lhe acertado na cara, na zona do olho esquerdo, e outros levado a que os sapatos que tinha calçados saltassem. Em face do descrito quadro factual verificam-se inequivocamente todos os elementos objetivos do tipo penal de ofensa à integridade física, bem como o nexo de causalidade entre a conduta dos arguidos e a perturbação corporal e do bem-estar físico do assistente CC, quando não são descortináveis quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa. Aqui, pelos mesmos fundamentos já aduzidos em relação ao assistente BB, está também verificada a especial censurabilidade, incorrendo os arguidos na prática, em coautoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 145º, nº 1, alínea a), com referência à alínea h), nº 2, do artigo 132º, ambos do Código Penal, já não com referência à alínea g), deste mesmo preceito, já que a unidade da ação dos arguidos não permite configurar qualquer caráter instrumental desde crime, com vista à preparação, facilitação, execução ou encobrimento de “outro crime”. Diversamente, olhando às consequências que resultaram da atuação conjunta dos arguidos em relação ao assistente CC (melhor descritas em 14. a 16.), em conjugação com o teor do relatório pericial (que expressamente fez exarar que “não constituem desfiguração grave ou afetação funcional grave”), urge considerar que, dentro das densificações acima, as mesmas não são suscetíveis de integrar o disposto nas alíneas b) e c), do artigo 144º, do Código Penal, para efeitos de condenação pelo crime de ofensa à integridade física grave, pelo que não resta senão absolver os arguidos da prática desse mesmo crime, sem prejuízo da sua condenação por aquele constante do parágrafo antecedente. * Passando, por fim, ao NUIPC 1001/21.0PCLSB, estando em causa a imputação aos arguidos AA e GG e HH, resultou apurado que integravam um grupo de, pelo menos, quatro indivíduos e que, sem que nada o fizesse prever, desferiram em EE e FF pontapés e socos, atingindo nomeadamente a face dos mesmos. Em face do descrito quadro factual verificam-se inequivocamente todos os elementos objetivos do tipo penal de ofensa à integridade física, sendo a atuação dos arguidos em coautoria, bem como o nexo de causalidade entre a conduta dos arguidos e a perturbação corporal e do bem estar físico que necessariamente resultou para EE e FF, sem que se tivesse apurado quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa. Acresce ainda que, pela forma e contexto grupal como atuaram os arguidos, no interior de um bar, onde o arguido AA se encontrava em exercício de funções de segurança privado, visando dois clientes desse mesmo bar, necessariamente sabiam da sua superioridade numérica, estando assim verificada uma especial censurabilidade, assente numa atuação com particular desvalor dos arguidos quererem causar o resultado como próprio, com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas entre todos. Assim sendo, e face ao descrito, dúvidas não restam que os arguidos incorrerem na prática, em coautoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 145º, nº 1, alínea a), com referência à alínea h), nº 2, do artigo 132º, ambos do Código Penal. * Do crime de dano com violência Dispõe o artigo 212º, nº 1, do Código Penal, que: “Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa ou animal alheios, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”. Por sua vez, o artigo 214º, nº 1, alínea a), do Código Penal, estatui que: “Se os factos descritos nos artigos 212.º e 213.º forem praticados com violência contra uma pessoa, ou ameaça com perigo iminente para a vida ou a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, o agente é punido (…) com pena de prisão de 1 a 8 anos;” O bem jurídico protegido com a presente incriminação é complexo: não só a propriedade, mas também a vida, a integridade física e a liberdade de ação e de decisão. Trata-se de um crime de dano (quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido) e de resultado (quanto à forma de consumação do ataque ao objeto da ação). O tipo objetivo contém os mesmos elementos típicos do crime de dano e do crime de roubo (próprio). Em relação à conduta inerente ao crime de dano, tem por objeto coisa alheia. (…) * Tecido o enquadramento descrito, cumpre, neste momento, fazer corresponder às normas jurídicas acima elencadas a factualidade concretamente demonstrada nos autos. Apurou-se que quando o grupo dos arguidos viram que estavam a ser filmados, correram na direção do assistente BB, tendo um dos indivíduos desse grupo arrancado o telemóvel da mão deste, pisando-o no chão por diversas vezes, o que consubstancia a conduta típica de “destruir”, assim como “inutilizar”. Ademais, em consonância com o já acima expendido acima quanto ao crime de ofensa à integridade física qualificada, mais se apurou que, de imediato, vários desses indivíduos do grupo dos arguidos, entre os quais os arguidos AA e GG, desferiram socos na face e cabeça do assistente BB. Coloca-se então a questão da eventual punição pelo crime de ofensa à integridade física qualificado em concurso efetivo com o crime de dano com violência, também imputado. Aqui, urge ter presente a natureza não totalmente coincidente dos bens jurídicos protegidos, conforme expendido acima, no crime de ofensa à integridade física qualificada estritamente pessoal e no crime de dano com violência é visada a proteção também da propriedade. As situações de concurso resolvem-se precisamente nos mesmos termos do crime de roubo (cfr. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, ob. cit., pág. 593). “Há uma relação de concurso aparente (consunção) entre o crime de roubo e o crime de ofensas corporais simples cometidos sobre uma mesma pessoa (ou qualificadas nos termos do artigo 145º, nº 1, al. a).” (cfr. a. e ob. cit., pág. 581). Destarte, a atuação unitária da conduta do grupo dos arguidos torna evidente que a violência física sobre o assistente BB e o dano sobre o telemóvel do mesmo assumem uma mesma e única resolução criminosa, o que assim configura a tipificação objetiva do crime de dano com violência, deixando, nesta parte, de haver punibilidade (autónoma) do crime de ofensa à integridade física qualificada acima aventado, quando aquele outro, por mais grave, leva já contida a punição pretendida por este. Do ponto subjetivo, resulta apurado que ao atuarem conforme descrito, em conjugação de esforços e intentos, na execução de um plano conjunto, os arguidos quiseram destruir o telemóvel do assistente BB, assim evitando que os comportamentos levados a cabo quanto a DD fossem filmados, cientes que o telemóvel estava na mão do referido assistente, ao mesmo tempo que sabiam que atingiam o mesmo assistente na sua saúde e integridade física. A atuação dos arguidos, com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas entre todos, permite a verificação da coautoria, nos moldes atrás aludidos. Assim sendo, e face ao descrito, dúvidas não restam, de que os arguidos incorrerem na prática, em coautoria material, de um crime de dano com violência, previsto e punido pelo artigo 214º, nº 1, alínea a), do Código Penal. * Do crime de detenção de arma proibida (…) Dispõe o artigo 86º, nº 1, Regime Jurídico das Armas e Munições [RJAM], aprovado pela Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro, na redação introduzida pela Lei nº 50/2019, de 24 de julho, segundo o qual, para o que aqui releva: “1 – Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, exportar, importar, transferir, guardar, reparar, desativar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou transferência, usar ou trouxer consigo: (...) c) Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objeto, arma de fogo fabricada sem autorização ou arma de fogo transformada ou modificada, bem como as armas previstas nas alíneas ae) a ai) do n.º 2 do artigo 3.º, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias; d) Arma branca dissimulada sob a forma de outro objeto, faca de abertura automática ou ponta e mola, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, cardsharp ou cartão com lâmina dissimulada, estrela de lançar ou equiparada, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, as armas brancas constantes na alínea ab) do n.º 2 do artigo 3.º, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão elétrico, armas elétricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, artigos de pirotecnia, exceto os fogos-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho, e bem assim as munições de armas de fogo constantes nas alíneas q) e r) do n.º 2 do artigo 3.º, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias; e) Silenciador, moderador de som não homologado ou com redução de som acima dos 50 dB, freio de boca ou muzzle brake, componentes essenciais da arma de fogo, carregador apto a ser acoplado a armas de fogo semiautomáticas ou armas de fogo de repetição, de percussão central, cuja capacidade seja superior a 20 munições no caso das armas curtas ou superior a 10 munições, no caso de armas de fogo longas, bem como munições de armas de fogo não constantes na alínea anterior, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias. (…)”. No regime legal em análise entende-se por «arma de fogo», conforme artigo 2º, nº 1, alínea p), a arma portátil, com cano ou canos, concebida para disparar, apta a disparar ou suscetível de ser modificada para disparar projétil ou múltiplos projéteis, através da ação de uma carga propulsora combustível. «Componente essencial» da arma de fogo é o cano, a carcaça, a caixa da culatra, incluindo tanto a caixa da culatra superior como a inferior, quando adequado, a corrediça, o tambor, a culatra móvel ou o corpo da culatra, que, sendo objetos amovíveis, estão incluídos na categoria de armas de fogo de que fazem parte ou a que se destinem – 2º, nº 3, alínea u). «Carregador» é entendido como o contentor amovível onde estão alojadas as munições numa arma – artigo 2º, nº 2, alínea l). Por «munição de arma de fogo» é entendido o cartucho ou invólucro ou outro dispositivo contendo o conjunto de componentes que permitem o disparo do projétil ou de múltiplos projéteis, quando introduzidos numa arma de fogo – artigo 2º, nº 3, alínea p). As munições integradas nas alíneas q) e r), do nº 2, do artigo 3º, são respetivamente “As munições com bala perfurante, explosiva, incendiária ou tracejante, que não estejam integradas em coleções ou sejam destinadas a esse fim;” e “As munições expansivas, exceto se destinadas a práticas venatórias ou coleção quando autorizadas e as constantes da alínea d) do n.º 3;”, o que não é manifestamente a situação dos autos. «Bastão extensível» é entendido como o instrumento portátil telescópico, rígido ou flexível – artigo 2º, nº 1, alínea an). «Boxer» é entendido como o instrumento metálico ou de outro material duro destinado a ser empunhado e a ampliar o efeito resultante de uma agressão – artigo 2º, nº 1, alínea ap). Nos termos do artigo 3º, nº 2, do RJAM incluem-se na classe A, entre outras: as facas de abertura automática ou ponta e mola, estiletes, facas de borboleta, facas de arremesso, estrelas de lançar ou equiparadas, cardsharps e boxers – alínea e); quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão – alínea g); os bastões elétricos ou extensíveis, de uso exclusivo das Forças Armadas ou forças e serviços de segurança – alínea i). Enquanto tal, é proibido o seu uso, detenção ou porte (artigo 4º, nº 1, do RJAM). São armas da classe B1, nos termos do artigo 3º, nº 4, do RJAM, entre outras: as pistolas semiautomáticas com os calibres denominados 6,35 mm Browning (.25 ACP ou .25 Auto) – alínea a). As armas da classe B, B1, C e D são adquiridas mediante declaração de compra e venda, doação ou herança, carecendo de prévia autorização concedida pelo diretor nacional da PSP (artigos 5º, nº 1, 6º, nº 1, 7º, nº 1, e 8º, nº 1m do RJAM). (…) * Tecido o enquadramento descrito, importa agora atender à situação concreta de cada um dos arguidos nesta parte visado. (…) Assim sendo, incorreu o arguido AA na prática, em autoria, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea d), do RJAM, e o arguido GG, em autoria, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alíneas c), d) e e), do RJAM [considerando que, conforme visto acima, a punição pela alínea mais grave leva já contida a menos grave, havendo punição apenas por um crime e não vários crimes]. Com efeito, tendo ainda presente a factualidade que, nesta parte resultou não provada (em b. e c.), os arguidos AA e GG serão necessariamente absolvidos dos demais crimes imputados de detenção de arma proibida. *** E) Da escolha e medida da pena Ao crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, nº 1, 145º, nº 1, alínea a), e nº 2, com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea h), todos do Código Penal, corresponde uma moldura penal abstrata de pena de prisão de um mês até quatro anos (cfr. artigo 41º, nº 1, do mesmo Código). Ao crime de dano com violência, previsto e punido pelo artigo 214º, nº 1, alínea a), do Código Penal, corresponde uma moldura penal abstrata de pena de prisão de um a oito anos. E ao crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro, na redação introduzida pela Lei nº 50/2019, de 24 de julho, é aplicável uma moldura penal abstrata respetivamente de: um a cinco anos de prisão ou pena de multa entre 10 e 600 dias – alínea c); e pena de prisão de um mês a quatro anos ou pena de multa entre 10 e 480 dias – alínea e) (Cfr. artigos 41º, nº 1, e 47º, nº 1, do Código Penal). * Penas alternativas Atendendo à cominação de penas alternativas quanto ao crime de detenção de arma proibida, importa proceder à escolha da espécie de pena a aplicar. Segundo dispõe o artigo 70º, do Código Penal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Releva, no caso, a pluralidade de crimes (com exceção do crime de detenção de arma proibida, todos os restantes crimes são punidos unicamente com penas detentivas), sendo ainda de considerar que o cumprimento das exigências de prevenção, em qualquer uma das suas vertentes e que abaixo melhor serão descritas, não se compadece com a opção pela aplicação de penas não privativas da liberdade, enquanto penas principais, impondo-se assim a opção por penas detentivas. * Definidas em abstrato as molduras penais, impõe-se fixar a sua medida concreta, nos termos genericamente equacionados no artigo 71º, nº 1, do Código Penal, ou seja, tendo em atenção a culpa do agente e as exigências de prevenção de futuros crimes. De acordo com o artigo 40º, nº 1, do Código Penal, “a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Encontram-se, assim, expressas no referido preceito as finalidades subjacentes à aplicação de sanções de índole penal: fins de prevenção geral e fins de prevenção especial. A proteção de bens jurídicos (prevenção geral) traduz-se numa forma de prevenção positiva, com vista a dissuadir o agente da prática de futuros crimes. No dizer de MARIA FERNANDA PALMA, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, edição de 1998, da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa – AAFDL –, pág. 25, “a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial”. Assim sendo, no que ao caso respeita, mostram-se avultadas as exigências de prevenção geral no caso dos crimes de ofensa à integridade física qualificada, atenta a dignidade que assume o bem jurídico pelos mesmos protegido, de natureza pessoal e constitui decorrência direta da própria dignidade do ser humano, o mesmo sucedendo com o crime de dano com violência, no qual, de natureza complexa, para além da propriedade também são tutelados aqueles bens jurídicos pessoais, e a enorme frequência com que são cometidos todos estes ilícitos jurídico penais, mormente em contextos de ambientes de diversão noturna, de que é reflexo o constante sentimento de insegurança por parte dos membros da comunidade e mesmo do medo de circularem na via pública, potenciando a perda de confiança no próprio Estado como principal regulador da paz social. Quanto ao crime de detenção de arma proibida, são igualmente assinaláveis as exigências de prevenção geral, já que a sociedade se mostra especialmente sensibilizada e receosa perante condutas atentatórias da sua segurança, o que não deixa de ser posto em causa por parte de todos aqueles que detêm armas, bem como a facilidade com que se acede a esses mesmos objetos e a proliferação da criminalidade associada à sua utilização. No que concerne à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial) pretende-se, através da aplicação de sanções penais, que o mesmo as sinta atuarem sobre si e se sinta motivado a repensar, a reajustar o seu comportamento às exigências da vida em sociedade. Por sua vez, segundo dispõe o nº 2, do artigo 71º, do Código Penal, na determinação concreta da pena o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: i) o grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente. Em relação ao NUIPC 780/21.0PCLSB, em que está em causa o crime de ofensa à integridade física qualificada, praticado (em coautoria) pelos arguidos AA, GG e HH, urge considerar quer o contexto em que atuaram, quer a forma de comparticipação e que faz refletir uma maior energia criminosa, bem como as consequências que necessariamente resultaram para o visado (DD) e a necessidade que teve de ser transportado ao Hospital de São José, em Lisboa, pela ambulância do INEM. No que respeita ao NUIPC 652/21.9PALSB, em que em que está em causa o crime de ofensa à integridade física qualificada e o crime de dano com violência, praticados (em coautoria) pelos mesmos arguidos AA, GG e HH, cumpre desde logo atender quer ao contexto em que atuaram, quer à forma de comparticipação e que faz refletir, frise-se, uma maior energia criminosa. No mais, começando pelo primeiro crime, impõe-se ter também presentes aquelas que foram as lesões (de monta) produzidas em CC (equimose periobitária esquerda, acompanhada de fratura com depressão do pavimento da órbita esquerda; fratura com depressão dos ossos próprios do nariz; e escoriação do cotovelo direito e brusite pós-traumática), as quais determinaram 1 (um) dia de afetação da capacidade para o trabalho geral e 30 (trinta) dias de afetação para o trabalho profissional, determinando ainda 151 (cento e cinquenta e um) dias para a consolidação médico-legal, com necessidade de sujeito a tratamento médico e acompanhamento psicológico, sendo que, como sequelas, resultaram pós-fratura do pavimento da órbita esquerda e dos ossos do nariz intervencionados, com diminuição da abertura ocular, enoftalmia ligeira do globo ocular esquerdo e espasmos involuntários da pálpebra esquerda. Ademais, pelos murros que sofreu, CC perdeu os seus óculos graduados, que saltaram da casa, nunca mais os recuperando. Por sua vez, no segundo crime, a par do valor apurado ao telemóvel de, pelo menos, 600,00 €, sem que voltasse a ser visto ou recuperado, urge considerar que BB sofreu três feridas incisivas na região occipital (uma com borda profunda e bem definida com cerca de 3,5 cm de extensão, a qual foi suturada, e duas mais superficiais), assim como equimose e edema periorbital bilateral (mais acentuada à direita), para o que recebeu tratamento médico. Em relação ao NUIPC 1001/21.0PCLSB, em que estão em causa dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, praticados (em coautoria) pelos arguidos AA e GG, impõe-se ter presente o contexto em que atuaram (que envolveram a atuação concertada com outros indivíduos não concretamente identificados), quer à forma de comparticipação e que faz refletir, frise-se novamente, uma maior energia criminosa, bem como as consequências que resultaram para os visados (EE e FF) e a necessidade que aquele primeiro teve de ser conduzido ao Hospital de São José, em Lisboa, a fim de receber tratamento médico. Por fim, no que respeita aos crimes de detenção de arma proibida, imputados aos arguidos AA e GG, o grau de ilicitude está refletido, desde logo, no número de artigos que, isoladamente, por si só consubstanciariam a prática do tipo criminal, ainda que assuma maior monta no caso do segundo arguido. ii) A intensidade do dolo ou negligência A intensidade do dolo é, como se viu, na modalidade de dolo direto, de alta intensidade, por ser a forma mais gravosa do dolo, quanto a todas as condutas. iii) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que os determinaram Ressalta, da imagem global dos factos pelos quais os arguidos vão condenados, uma natural indiferença por valores pessoais e patrimoniais alheios, sendo no caso dos crimes de detenção de arma proibida, como quase sempre sucede, de enaltecer o poder diferenciador que pode acarretar a detenção de uma arma. iv) As condições pessoais do agente e a sua situação económica. Olhando aos factos dados provados acima, todos os arguidos denotam presentemente inserção pessoal e familiar, mas que já existia na data dos factos praticados e que não foi suficiente para obviar a essa prática. Anota-se, ainda, percursos laborais estruturados, com o que se sustentam e nisso contribuem para o sustento das respetivas famílias, o que também já existia antes. v) A conduta anterior ao facto e a posterior a este Os arguidos não registam antecedentes criminais, o que é de valorar a seu favor, embora tal seja o exigível de qualquer cidadão. Ademais, olhando ainda à postura dos arguidos em audiência, temos que os arguidos AA e GG admitiram, apenas, por evidente, a posse dos objetos atinentes ao crime de detenção de arma proibida e que lhes foram encontrados. No mais, todos os arguidos negaram a demais factualidade apurada, assim evidenciando, nesta parte, uma total ausência de arrependimento ou capacidade de auto-censura, o que muito desabona em favor dos mesmos. vi) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena Nada de relevante se apurou nesta sede, que não tenha já sido valorado. Assim, face a todo o exposto, o Tribunal considera adequado e proporcional aplicar, a fim de garantir e salvaguardar as exigências de prevenção que o caso requer: (…) - ao arguido GG pela prática, em coautoria, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 145º, nº 1, alínea a), e 132º, nº 2, alínea h), do Código Penal [NUIPC 780/21.0PCLSB], a pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão; pela prática, em coautoria, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 145º, nº 1, alínea a), e 132º, nº 2, alínea h), do Código Penal [NUIPC 652/21.8PALSB], a pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão; pela prática, em coautoria, de um crime dano com violência, previsto e punido pelo artigo 214º, nº 1, alínea a), do Código Penal [NUIPC 652/21.8PSLSB], a pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão; pela prática, em coautoria, de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 145º, nº 1, alínea a), e 132º, nº 2, alínea h), do Código Penal [NUIPC 1001/21.0PCLSB], as penas de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão e de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão [respetivamente referentes a EE e a FF]; e pela prática, em autoria, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alíneas c), d) e e), do RJAM, a pena de 2 (dois) anos de prisão. - ao arguido HH pela prática, em coautoria, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 145º, nº 1, alínea a), e 132º, nº 2, alínea h), do Código Penal [NUIPC 780/21.0PCLSB], a pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão; pela prática, em coautoria, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 145º, nº 1, alínea a), e 132º, nº 2, alínea h), do Código Penal [NUIPC 652/21.8PALSB], a pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão; e pela prática, em coautoria, de um crime dano com violência, previsto e punido pelo artigo 214º, nº 1, alínea a), do Código Penal [NUIPC 652/21.8PALSB], a pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão. Cúmulo jurídico das penas aplicadas No caso de praticado mais do que um crime e fixadas as respetivas penas parcelares, cabe agora proceder ao seu cúmulo jurídico, nos termos do qual na medida dessa pena única a aplicar se deve ter em consideração, em conjunto, os factos e a personalidade dos arguidos (artigo 77º, nº 1, do Código Penal). Mas, antes de mais, há que determinar a moldura legal do cúmulo, que será compreendida entre um mínimo, referente à mais elevada das penas concretamente aplicadas, e um máximo, referente à soma dessas mesmas penas, com o limite de 25 anos (artigo 77º, nº 2, do Código Penal). (…) Olhando globalmente as circunstâncias atinentes aos crimes em causa, monta em especial, quanto a cada um dos arguidos, o número de crimes praticados e a pluralidade de bens jurídicos violados, e o que isso reflete da personalidade desvaliosa dos arguidos mas, por outro lado, a circunstância de resultar que têm por base atuações conexas e que se desenrolaram grosso modo em moldes temporais e geograficamente próximos. Ponderam-se, ainda, a ausência de antecedentes criminais dos arguidos. Assim, tudo visto, dentro das molduras abstratas que a seguir se enunciarão, será de fixar a pena concreta nos moldes que se seguem, quanto: (…) - ao arguido GG, sendo a moldura abstrata entre os 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão e os 12 (onze) anos e 2 (dois) meses de prisão, entende-se aplicar, em cúmulo, a pena única de 5 (cinco) anos de prisão; - ao arguido HH, sendo a moldura abstrata entre os 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão e os 7 (sete) anos de prisão, entende-se aplicar, em cúmulo, a pena única de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão; * Das penas de substituição Por força do artigo 50º, nº 1, do Código Penal: “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Como é sabido, à opção pela suspensão da execução da pena de prisão, enquanto medida de reação criminal autónoma, são alheias considerações relativas à culpa do agente, valendo exclusivamente as exigências postas pelas finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização. De molde que a opção por esta pena deverá assentar, em primeira linha, na formulação de um juízo positivo ou favorável à recuperação comunitária do agente através da censura do facto e da ameaça da prisão, sem a efetiva execução desta prisão, que ficaria suspensa, mas desde que esta opção não prejudique ou contrarie a necessidade de reafirmar a validade das normas comunitárias, ou seja, desde que o sentimento comunitário de crença na validade das normas infringidas não seja contrariado ou posto em causa com tal suspensão. Neste quadro, reconhecendo os efeitos que normalmente se encontram associados à execução de penas de prisão de curta duração, designadamente a desinserção familiar e profissional do condenado e a inevitável exposição ao contágio prisional, é manifesta a preferência do legislador pelas reações criminais não detentivas. No caso, olhando ao já referido acima quando às condições de vida dos arguidos e à circunstância de nenhum dos arguidos ter antecedentes criminais registados, sendo este o seu primeiro contacto conhecido com a justiça penal, admite-se que a ameaça da aplicação de uma pena de prisão (neste momento) seja suficiente para obstar à sua recidiva criminosa. Decerto, esta afirmação não é segura, mas, de um lado, do que se trata aqui é de formular um juízo de prognose, o qual, por definição, envolve necessariamente uma margem mais ou menos ampla de indefinição ou insegurança (é o risco co-natural à suspensão da pena, assumido aliás na possibilidade da sua futura revogação). Daí que se considere ser possível formular um juízo de prognose favorável à recuperação destes arguidos, podendo ser suspensa a execução das penas de prisão aplicadas. Sem prejuízo, considera-se, face às circunstâncias do caso e em salvaguarda das exigências de prevenção, conveniente e adequado a promover a reintegração dos arguidos na sociedade, que fiquem sujeitos a um regime de prova durante o tempo da suspensão e que se fixa em igual período ao das respetivas penas, assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social (artigos 53º, nºs 1 e 2, e 50º, nº 5, do Código Penal). Ademais, nos termos do disposto no nº 3, do artigo 54º, do Código Penal, “O tribunal pode impor os deveres e regras de conduta referidos nos artigos 51º e 52º e ainda outras obrigações que interessem ao plano de readaptação e ao aperfeiçoamento do sentimento de responsabilidade social do condenado (…)”. Olhando às consequências que advieram dos crimes praticados pelos arguidos, o regime de prova assentará, ainda, na obrigação de reparação de, pelo menos, parte dos danos causados, ao abrigo do disposto no artigo 51º, nº 1, alínea a), do Código Penal. A esse respeito, é certo que, nos termos do artigo 51º, nº 2, do Código Penal, os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir. Ainda assim, urge deixar expresso que a imposição desta obrigação não tem um valor absoluto, havendo sempre que considerar, em caso de eventual não cumprimento, as condições que rodearam ou determinaram esse incumprimento, a fim de apreciar a sua imputação aos arguidos. Nestas condições, não é, de todo, irrazoável a imposição dessa obrigação, dentro daquelas que são as condições atuais de vida dos arguidos (todos laboralmente integrados e aqueles que são os rendimentos pelos mesmos auferidos) e à capacidade aquisitiva que é de esperar de qualquer cidadão minimamente inserido na comunidade, de que os arguidos não são exceção, razão pela qual se considera ajustado exigir a cada um dos arguidos que proceda ao pagamento de uma quantia anual de 1.000,00 €, por um período que se fixa de três anos após o início da suspensão das penas aplicadas, num total 3.000,00 € (1.000,00 € x 3) cada um. Naturalmente que, sendo estas quantias satisfeitas, serão dedutíveis nos montantes arbitrados aos peticionantes de indemnizações civis, em face daquilo que abaixo será decidido a esse respeito e enquanto os mesmos não se mostrem satisfeitos. Nesse caso, os montantes supra fixados serão depositados, parcelar e anualmente, à ordem dos presentes autos até ao termo de cada um dos três primeiros anos do período de suspensão da pena e serão subsequentemente entregues aos demandantes, sendo no caso do demandante Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, E.P.E. satisfeita logo a totalidade do pedido de indemnização civil (excecionando apenas quanto ao arguido HH qualquer entrega por conta de EE) e, do remanescente, entregue 5/6 ao assistente CC e 1/6 ao assistente BB. * III. Da pena acessória de proibição de exercício de funções no âmbito da segurança privada (…) Ora, no caso dos autos, olhando à factualidade dada como provada, começando pelo arguido GG, temos que não se logrou demonstrar que tivesse praticado qualquer dos crimes enquanto no exercício da atividade de segurança privado ou por causa dessa atividade, razão pela qual, necessariamente, falece um dos pressupostos para a aplicação da pena acessória. Em relação ao arguido AA, muito embora tenha sido condenado por dois crimes de ofensa à integridade física qualificada (em relação a EE e FF), estando no âmbito do exercício das suas funções de segurança privado, a verdade é que, em nenhum desses dois crimes foi condenado em pena superior a três anos, razão pela qual igualmente falece um dos pressupostos para a aplicação da pena acessória. * IV. Pedidos de indemnização civil (…) Tudo visto ponderado, em face do quadro factual que ficou já antecedentemente descrito, julga-se justo, proporcional e adequado, a título de indemnização devida por danos não patrimoniais, fixar a favor do assistente CC um valor de 10.000,00 € (dez mil euros) e a favor do assistente BB um valor de 3.000,00 € (três mil euros). Por fim, diga-se que aos montantes dos danos fixados nos moldes acima relativamente ao demandado Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, E.P.E., tal como peticionado pelo mesmo, acrescem juros moratórios, à taxa legal, desde a notificação do pedido a cada um dos arguidos e até efetivo e integral pagamento (artigos 559º, nº 1, artigos 804º e 805º, nº 2, alínea b), e nº 3, e 806º, nº 2, do Código Civil). Os juros devidos são os legais, atualmente à taxa de 4 %, de acordo com o que estabelecem os artigos 559º, nº 1, e 806º, nº 2, do Código Civil, em conjugação com a Portaria nº 291/2003, de 8 de abril. Por sua vez, não tendo sido peticionados juros moratórios pelos assistentes CC e BB não cumpre fixá-los – cfr. artigos 3º, nº 1, e 609º, nº 1, do Código de Processo Civil, e acórdão uniformizador de jurisprudência nº 9/2015, disponível em “Diário da República”, 1.ª série, nº 121, 24 de junho de 2015; ainda que, nos termos do artigo 703º, nº 2, do Código de Processo Civil, haja sempre lugar a juros de mora, à taxa legal, mas só a partir da data da decisão condenatória. 3 Os arguidos respondem solidariamente nos pagamentos em que são condenados (artigo 497º, nº 1, do Código Civil). * V. Destino dos bens apreendidos (…)”
IV- Fundamentos do Recurso e respectiva apreciação. Apreciemos, então, as questões a decidir e supra elencadas.
IV.1- Recurso do arguido HH:
1.ª da Legalidade da Valoração das declarações e reconhecimentos efectuados pelos assistentes BB e CC
Alega o recorrente a propósito dos reconhecimentos realizados nos autos que: 66. O reconhecimento do arguido HH feito em audiência de julgamento, pelos assistentes e testemunhas, foi feito sem os formalismos exigidos pela lei. Isto é uma violação dos princípios constitucionais, como o da presunção de inocência (art.º 32.º, n.º 2 da CRP) e do direito a um processo equitativo (art.º 20º, n.º 4 e 32º, n.º 1 da CRP). 71. O assistente CC, no primeiro reconhecimento realizado perante OPC, que apesar de não realizado de acordo com os tramites legais, - foi através de videochamada, - não o identificou como sendo um dos agressores. No entanto, em julgamento, já tinha 100% de certeza… Volvidos mais de dois anos sobre os factos. 72. A narrativa dos assistentes, volátil, foi-se adaptando ao longo do processo, na falta de melhor identificação e/ou ausência de investigação, para sustentar as provas que entregaram nos autos e acusação pública deduzida.
O Tribunal recorrido em sede de motivação valorou os reconhecimentos como se segue: Aqui, relevam também os autos de reconhecimento pessoal realizados pelo assistente CC, em 10.07.2022, a fls. 362/363 e 365/366, no âmbito dos quais identificou sem qualquer dúvida respetivamente os arguidos AA e GG, o que em julgamento, com os mesmos confrontado, foi igualmente perentório nessa identificação, assim como logrou ainda identificar o arguido HH, esclarecendo quanto a este que só não o tinha feito igualmente na PSP porque na altura não teve 100 % de certeza, uma vez que o reconhecimento “foi pelo telefone”, mas que agora não tem dúvidas. Nesta medida, diga-se que o assistente vindo de mencionar foi clarividente, seguro e circunstanciado, ao ponto de concretizar as atuações que se recorda levadas a cabo por cada um dos arguidos, especificando que os arguidos AA e HH fizeram parte do grupo de indivíduos que “esmurraram o rapaz indiano” e que depois também fizeram o mesmo a si, sendo que do arguido GG só se apercebeu quando este veio a pontapeá-lo (a si) na cara. De igual forma relevam os autos de reconhecimento pessoal realizados pelo assistente BB, em 10.07.2022, a fls. 374/375 e 376/377, no âmbito dos quais identificou sem qualquer dúvida respetivamente os arguidos GG e HH,o que em julgamento, com os mesmos confrontado, foi igualmente perentório nessa identificação, assim como logrou ainda identificar o arguido AA, o que levou a cabo de forma muito assertiva, descrevendo, com precisão, aquilo que cada um levou a cabo, mormente a circunstância do arguido GG integrar o grupo que referiu acima e que decidiu filmar, vindo depois na sua direção e a pontapear o assistente CC, do mesmo modo que referiu que o arguido AA lhe desferiu murros a si ao assistente CC e o que o arguido HH fazia parte do grupo que se dirigiu ao dito “indiano”. Neste conspecto, quanto à identificação em audiência, impõe-se exarar que não se trata aqui de valorar um «reconhecimento» informal, mas de valorar a visualização dos arguidos por aqueles que prestam declarações (testemunhas/demandantes/assistentes), como elemento acessório, corroboratório do reconhecimento (caso tenha existido) – visualização aquela, aliás, que podia ter ocorrido em outro local que igualmente permitisse a identificação da pessoa visualizada, não se tratando de uma específica diligência probatória em julgamento, mas antes a ser valorada em conjunto com as demais provas produzidas.
Ora, um dos princípios basilares do processo penal, o princípio da legalidade ou legitimidade da prova, vem previsto no artigo 125.º do Código de Processo penal (CPP) e dele se retira que só poderão ser admitidas as provas que não forem proibidas por lei, não podendo ser admitidas quaisquer provas obtidas ilicitamente, ou que ponham em causa os direitos fundamentais (Vide, Henrique Eiras, Processo Penal Elementar, Quid Juris, 7ª Edição, 2008, pág. 138. 14).
Resulta o exposto no artigo 126.º n.º1 e n.º3 do CPP, reforçando o que determina a Constituição da República Portuguesa (CRP) nos seus artigos 32.º n.º8 e 34.º n.º4, ou seja, “são nulas, não podendo ser utilizadas as provas obtidas mediante tortura, coacção ou com ofensa da integridade física das pessoas”, e “ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência e nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular”. O princípio da legalidade é indissociável do princípio da necessidade e da adequação. Os direitos fundamentais e a salvaguarda da busca da verdade material, fundamentam as regras de proibição de prova, ao abrigo das quais são inadmissíveis todos os meios de prova que violem os bens jurídicos penalmente tutelados. O princípio da legalidade tem em vista uma justiça penal livre de suspeitas, de tentações ou de arbítrio, preservando assim um dos fundamentos do Estado de Direito.
Os art.º os 118º a 123º do CPP regulam, em geral, as consequências da inobservância das prescrições estabelecidas por lei para a prática dos actos processuais geradoras de invalidade.
E classifica-as a lei processual penal, em três espécies:
- As nulidades insanáveis – art.º 119º;
- As nulidades dependentes de arguição – art.º 120º
– E as irregularidades – art.º 123º.
O art.º 118º n. os 1 e 2 dispõe que a violação ou inobservância das disposições da lei de processo só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei e que, nos casos em que a lei não comina a nulidade, o acto ilegal é irregular.
Decorre da conjugação das normas dos art.ºs 119.º e 120º que para que a nulidade seja considerada insanável importa que a lei explicitamente o preveja, enumerando o art.º 119.º as nulidades insanáveis.
O art.º 120.º impõe que qualquer nulidade diversa das previstas no primeiro deve ser arguida, constituindo as dependentes da arguição as previstas no n.º 2 do art.º 120.º, além das que forem cominadas noutras disposições legais.
Só é insanável a nulidade a que a lei assim expressamente designe. Prevendo-se simplesmente nulidade, então, trata-se de vício dependente de arguição.
As nulidades insanáveis são, por definição, insusceptíveis de reparação, podendo ser conhecidas a todo o tempo na pendência do procedimento, oficiosamente ou a pedido, as quais tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar (n.º1 do art.º 122.º, do CPP).
Alega o arguido/recorrente que o reconhecimento pessoal efectuado em sede de julgamento não respeita os formalismos legais insertos no art.º 147.º, do CPP.
É certo que o reconhecimento de pessoas é um dos meios de prova previstos no C. Processo Penal cuja finalidade é apurar o responsável pelo crime, ou seja, identificar a pessoa que foi vista a praticar o facto criminoso, ou que tenha sido vista antes ou depois do facto, em circunstâncias fortemente indiciadoras de ter sido o seu autor.
É óbvio que o resultado probatório positivo, com o reconhecimento do arguido como autor dos factos criminosos em investigação, a traduzir já uma forte suspeição da sua culpabilidade, impõe ao legislador que prudentemente e de forma cuidadosa assegure as necessárias condições de genuinidade e seriedade do acto, impondo a observância de regras através das quais minimize o risco de precipitação ou de falta de rigor.
Assim, quanto ao procedimento a que deve obedecer o reconhecimento de pessoas, dispõe o art.º 147º, do C.P.P: 1 - Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação. 2 - Se a identificação não for cabal, afasta-se quem dever proceder a ela e chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual. 3 - Se houver razão para crer que a pessoa chamada a fazer a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo efectuar-se, se possível, sem que aquela pessoa seja vista pelo identificando. 4 - As pessoas que intervierem no processo de reconhecimento previsto no n.º 2 são, se nisso consentirem, fotografadas, sendo as fotografias juntas ao auto. 5 - O reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do n.º 2. 6 - As fotografias, filmes ou gravações que se refiram apenas a pessoas que não tiverem sido reconhecidas podem ser juntas ao auto, mediante o respectivo consentimento. 7 - O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer.
De notar que a prévia descrição da pessoa a reconhecer permite verificar se a pessoa que o sujeito descreve corresponde ao identificando, avaliar a capacidade perceptiva e de memorização de quem faz a descrição e fixar os parâmetros físicos para a escolha das pessoas que devem entrar na cena cognitiva, o que permite o controlo da credibilidade do reconhecimento e, consequentemente, da sua efectiva atendibilidade.
Do respeito pelo rigor imposto à respectiva disciplina resultará o valor da diligência como meio de prova, sempre a apreciar livremente pelo tribunal.
No reconhecimento podemos distinguir três modalidades: a)- o reconhecimento por descrição, b)- o reconhecimento presencial e c) - o reconhecimento com resguardo.
(Vão neste sentido Acórdão TRC 05.05.2010, processo 486/07.2GAMLD.C1, Acórdão do TRC de 10.11.2010 processo 209/09.1PBFIG.C1, Acórdão do TRL de 15.11.2011, processo 464.10.4PEAMD, L1.5.1E, Acórdão do TRP de 16.03.2022 processo 9106/18.9PRT.P1.FC, in www.dgsi.pt).
a)O reconhecimento por descrição, previsto no nº 1 daquele artigo, consiste em solicitar à pessoa que deve fazer a identificação que descreva a pessoa a identificar, com toda a pormenorização de que se recorda, sendo-lhe depois perguntado se já a tinha visto e em que condições e sendo, finalmente, questionada sobre outros factores que possam influir na credibilidade da identificação.
Em regra, esta modalidade de reconhecimento funciona como acto preliminar dos demais, e nele não existe qualquer contacto visual entre os intervenientes, ou seja, entre a pessoa que deve fazer a identificação e a pessoa a identificar.
b) O reconhecimento presencial, previsto no nº 2 do mesmo artigo, tem lugar quando a identificação realizada através do reconhecimento por descrição não for cabal – e ela só o será se satisfizer o critério probatório da fase processual em que o reconhecimento teve lugar.
Esta modalidade de reconhecimento obedece aos seguintes passos:
- Na ausência da pessoa que deve efectuar a identificação, são escolhidos, pelo menos, dois cidadãos, que apresentem as maiores semelhanças possíveis – físicas, fisionómicas, etárias, bem como, de vestuário – com o cidadão a identificar;
- Depois, este é colocado ao lado daqueles outros cidadãos e, se possível, apresentando-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que deve proceder ao reconhecimento [tal só não será possível no caso de uma alteração fisionómica irreversível];
- É então chamada a pessoa que deve efectuar a identificação que, depois de ficar diante do grupo onde se encontra o cidadão a identificar e portanto, depois de ter observado os seus elementos, é perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual, sendo perguntas e respostas – estas e qualquer outra que porventura, tenha sido efectuada, registada no auto respectivo.
c)O reconhecimento com resguardo, previsto no nº 3 ainda do art.º 147º, tem lugar quando existam razões para crer que a pessoa que deve efectuar a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento. Trata-se, pois, de uma forma de protecção da testemunha.
Esta modalidade de reconhecimento obedece à sequência descrita para o reconhecimento presencial, mas agora a pessoa que vai efectuar a identificação deve poder ver e ouvir o cidadão a identificar, mas não deve por este ser vista. Normalmente, o que sucede é que a pessoa que deve efectuar a identificação é colocada numa divisão distinta daquela onde se encontra o grupo que inclui o cidadão a identificar, separadas por um vidro polarizado que permite que aquela aviste, sem ser vista, o grupo [esta modalidade de reconhecimento não vale para a audiência].
Há ainda quem defenda uma modalidade de reconhecimento por fotografia, filme ou gravação, sendo, porém, considerado pela maioria da doutrina como uma modalidade de reconhecimento inserida na prova por reconhecimento presencial, o qual nos termos do n.º 5 do art.º 147.º, só pode valer como meio de prova se for seguido de reconhecimento efetuado nos termos do n.º 2 (neste sentido Germano Marques da Silva e Santos Cabral citados por Paulo Pinto de Albuquerque Comentário do Código de Processo penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Vol. I, 5.ª Edição atualizada UCP Editora.).
O reconhecimento de pessoas que não tenha sido efectuado nos termos que ficaram expostos, não vale como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorreu (nº 7, do art.º 147º, do C. Processo Penal), estando-se, perante uma proibição de prova, isto é, o reconhecimento é inválido e não pode, por isso, ser usado no processo designadamente, para fundamentar a decisão havendo quem entenda que se trata de uma nulidade - cfr. art.º 118º, nº 3, do CPP, a prova é nula e por isso não pode servir para fundamentar a decisão (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, 3ª Ed., 126].
Analisados os procedimentos constante dos autos de reconhecimento realizados em sede de inquérito, não vemos que se encontrem viciados no que ao seu formalismo concerne, por outro lado, os mesmos, enquanto prova autónoma pré-constituída, foram examinados em audiência de julgamento, sujeitos ao contraditório e valorados no âmbito da livre apreciação da prova.
Efectivamente, no Acórdão do Tribunal de Relação de Coimbra, processo n.º 486/07.2GAMLD.C1, de 5 de Maio de 2010, relator GOMES DE SOUSA foi sumariado o seguinte entendimento, que acolhemos: “1. O reconhecimento realizado em inquérito é uma “prova autónoma pré-constituída” a ser examinada em audiência de julgamento nos termos dos artigos 355.º, n.º 1, in fine, n.º 2 e artigo 356.º, n.º 1, b), do Código de Processo Penal, não lhe sendo aplicável o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 356.º do Código de Processo Penal. (…)”
Também no Acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa, de 15.11.2011 processo n.º 464/10.4PEAMD.L1-5, relator JORGE GONÇALVES, foi sumariado nesta parte o seguinte: “III.º O reconhecimento realizado em inquérito é uma “prova autónoma pré-constituída”, a ser examinada em audiência de julgamento e a valorar no âmbito da livre apreciação da prova (…);
Igualmente no aresto do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 40/08.1PBGMR.G1, de 3 de Maio de 2010, foi sintetizado o seguinte entendimento: I) A prova, por reconhecimento se for feita com as formalidades prescritas no art.º 147.º do CPP, atesta que em determinado dia quem fez o reconhecimento declarou que foi a pessoa identificada quem praticou os factos ou esteve em determinada situação. Não prova a autoria do crime, porque também o reconhecimento é filtrado pelo princípio da livre apreciação da prova. (…)” citado na Julgar n.º 18 BREVE EXCURSO PELA PROVA PENAL NA JURISPRUDÊNCIA NACIONAL 1 TIAGO CAIADO MILHEIRO pág.48.
Identicamente no mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 149/10.1PBBRG.G1, de 3.05.2011, relatora MARIA ISABEL CERQUEIRA (também citado no mesmo artigo na Julgar n.º 18): “I — O n.º 2 do artigo 355.º do CPP não impõe que as provas produzidas em inquérito e cuja leitura seja permitida em audiência só sejam válidas se a sua leitura for efectivamente feita, bastando-se com a legalidade da eventual leitura. II — A alínea b) do n.º 1 do art.º 356.º do CPP estatui que é permitida a leitura em audiência de autos de “De instrução ou de inquérito que não contenham declarações do arguido, do assistente, das partes civis ou de testemunhas.”. III — Por isso, não obstante não ter sido examinado e discutido em sede de audiência de julgamento, é válida a valoração do auto de reconhecimento efectuado em inquérito, indicado como prova na acusação, bastando tal indicação, para que o arguido não possa ignorar a sua existência e aptidão probatória, e possa defender-se desse auto “…em termos de dispor e poder usar todos os instrumentos processuais necessários e adequados para defender a sua posição e contrariar a acusação.”
Nos termos do art.º 355.º, do CPP “1. Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência. 2. Ressalvando-se do disposto no número anterior as provas contidas em atos processais cuja leitura, visualização ou audição em audiência seja permitidas, nos termos dos artigos seguintes.”
Na verdade, todas as provas que sirvam a convicção do tribunal têm de ser produzidas ou examinadas em audiência. As provas produzidas em audiência são aquelas que resultam da discussão do thema probandum. As examinadas são as respeitantes a prova pré-constituída. Ademais, as provas pré-constituídas contidas em actos processuais nas fases anteriores do processo e que constam validamente do processo, estão livremente disponíveis para consulta, em que o contraditório é garantido na medida em que todos os intervenientes têm acesso à imediação e oralidade do julgamento e a todas as provas que podem consultar no processo, estando nesta situação, entre outras (periciais, autos e exame, escutas declarações para memória futura), as contidas em actos de reconhecimento nos termos do art.ºs 147.º a 149.º, do CPP.
Ora, no caso dos autos, os reconhecimentos realizados em sede de inquérito, não padecem de qualquer invalidade formal, ademais, tratando-se de prova autónoma e pré-constituída, a mesma, por não provar por si a autoria dos factos, foi sujeita ao contraditório pelo arguido em sede de julgamento, bem como à livre apreciação que o julgador deve fazer das provas obtidas, nos termos do art.º 127.º do CPP, a valorar com as demais que existam nos autos – pericial, documental, declarações, testemunhal – e podia até vir a nem ter qualquer valor probatório, em sede de em julgamento, o que, no caso não ocorreu.
Refere o arguido/recorrente que: 68. Se para o assistente CC, conforme declarações supra: Ass.: que a pessoa que está mais à direita o pontapeou na cara; quando estava no chão e pontapeou repetidamente na cara no lado esquerdo quando estava no chão. Foi esmurrado na cara e encostado contra a parede foram os dois primeiros indivíduos que estão mais à esquerda. Juiz: Senhor HH e o Sr. AA. Mas isso acontece quando o telemóvel do amigo… Ass.: quando o tal indivíduo afro-caribenho se aproximou do amigo e tirou o telemóvel ao amigo estas pessoas se aproximaram pela frente e fizeram isso. 69. Para o assistente BB, conforme declarações supra: Ass.: Sim. Juiz: Vou pedir ao senhor primeiro arguido para se aproximar. Esta pessoa diz-lhe alguma coisa? Ass. Sim. Conhece. (…) Juiz: o outro senhor. Ass.: sim acredita que estava lá. Juiz: o que fez? Ass.: não me lembro do seu papel, mas parece-lhe que estava no local. Juiz: em que circunstâncias? Ass.: eu lembro-me pensa que foi no início no ataque aos turistas e depois a eles. Juiz: ataque o quê? Ass.: ele, parece que é a pessoa que está com o bastão, mas o cabelo parece que está diferente. Parece bastante com a pessoa que estava com o bastão. 70. Como é bom de ver a identificação foi feita em circunstâncias peculiares, o único arguido de origem indiana na sala de audiência era o arguido HH e os demais presentes na sala de audiência de origem indiana eram os assistentes que o identificaram com certeza, natural e simplesmente por exclusão dos demais.
Ora, quanto à identificação feita em julgamento, a mesma, por um lado não tem que obedecer aos requisitos previsto no art.º 147.º, do CPP, por outro, essa identificação foi sujeita ao contraditório em sede de audiência e à livre apreciação da prova pelo Tribunal recorrido, pelo que nenhuma nulidade foi acometida.
No sentido que não tem que obedecer ao art.º 147.º, do CPP entre outros, os seguintes acórdãos, todos disponíveis em www.dgsi.pt:
- O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 425/2005, de 25-08-2005 Processo n.º 452/05, 2.ª Secção, Relator: Conselheiro BENJAMIM RODRIGUES: Não julgar inconstitucional o 147º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual quando, em audiência de julgamento, a testemunha, na prestação do seu depoimento, imputa os factos que relata ao arguido, a identificação do arguido efectuada nesse depoimento não está sujeita às formalidades estabelecidas em tal preceito;
- Também no ACÓRDÃO Nº 386/2024, de 21 de maio de 2024 - Processo n.º 100/2024 1.ª Secção Relator: Conselheiro RUI GUERRA DA FONSECA é acolhido o mesmo entendimento:
“qui chegados, o ora Reclamante configurou o objeto do recurso nos seguintes termos: i) «o artigo 127.º, do CPP, quando interpretado no sentido de que o princípio da livre apreciação da prova permite a valoração, em julgamento, de uma identificação ou de um reconhecimento do arguido realizado sem a observância de nenhuma das regras definidas pelo artigo 147.º do CPP. ii) «o n.º 7 do artigo 356.º do CPP, quando interpretado no sentido de que os órgãos de polícia criminal podem ser inquiridos, em audiência de julgamento, como testemunhas, sobre o conteúdo de conversas informais que, portanto, não tenham sido feitas constar do respetivo auto de diligência probatória.» 15. No que diz respeito à primeira questão supra identificada [(i)], ao contrário do invocado pelo Reclamante — que assaca ao Tribunal a quo a interpretação de que constitui prova valorável, segundo o princípio da livre apreciação da prova, a identificação ou reconhecimento de um arguido realizado em sede de julgamento, sem observância das regras preceituadas no artigo 147.º do CPP — tal não encontra correspondência com o decidido. Com efeito, o Tribunal a quo – conhecedor da jurisprudência deste Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 137/2001), cujo thema que conduziu ao julgamento de inconstitucionalidade é sobreponível, ipsis verbis, à questão de constitucionalidade formulada pelo Reclamante — não valorou, em termos probatórios, um reconhecimento efetuado ao abrigo do regime previsto no artigo 147.º do CPP. Na verdade, a prova que foi tida em conta, considerada válida pelo Tribunal a quo, foi prova testemunhal, produzida em sede de audiência de julgamento, traduzida no facto de determinada testemunha, ante a presença do arguido em audiência, o ter identificado como autor dos factos, em causa nos autos. O que vem de expor-se é evidenciado no segmento da decisão recorrida em que se refere «[a]ssim sendo, e não obstante a utilizada denominação de “reconhecimento” a testemunha D. mais não fez que identificar o arguido como o segurança do … que agrediu o assistente na dita madrugada de 31 de outubro de 2014.».
- Acórdão do STJ de 06-11-2019, processo 68/16.9PRPRT.P1.S1, relator PIRES DA GRAÇA I - Na audiência houve lugar a identificação do arguido pela ofendida, meio de prova submetido ao princípio do contraditório (art.º 327.º, n.º 2, do CPP). Logo, trata-se de uma prova não proibida, a valorar de harmonia com o referido princípio da livre convicção (cf. art.º 355.º, do CPP). Em suma, o Tribunal não estava inibido de valorar a identificação feita em audiência de julgamento como simples prova testemunhal, de acordo com o princípio da livre valoração da prova. II - O reconhecimento em audiência corresponde ao relato de uma testemunha e não tem valor processual autónomo do depoimento prestado, sem que tal consideração prejudique os direitos do arguido, na medida em que, na audiência de julgamento, vigora em toda a sua plenitude o princípio do contraditório. Assim, é, linear que a situação em que a testemunha, ou a vítima, é solicitada a confirmar o arguido presente como agente da infracção não se configura um acto processual, consubstanciando o reconhecimento pessoal. Pelo contrário, tal confirmação da identidade de alguém que se encontra presente e perfeitamente determinado, apenas poderá ser encarado como integrante do respectivo depoimento testemunhal, inexistindo qualquer nulidade.
Lê-se na fundamentação desse acórdão, além do mais que: “Aliás, como resulta do acórdão deste Supremo de 16 de Junho de 2005, proc. nº 553/05-5ª. SASTJ, nº 92, 114, as regras de reconhecimento pessoal prescritas pelo art.º 147º do CPP não se aplicam em julgamento, mas antes à fase de inquérito e de instrução. O reconhecimento feito em audiência integra-se num conjunto probatório que lhe retira não só autonomia como meio de prova especificamente previsto no art.º 147º., como lhe dá sobretudo um cariz de instrumento, entre outros, para avaliar a credibilidade de determinado depoimento, inserindo-se assim numa estrutura de verificação do discurso produzido pela testemunha. Nesta perspectiva, tal reconhecimento feito em audiência, a avaliar segundo as regras próprias do art.º 127º do CPP, não carece, para ser válido, de ser precedido do reconhecimento propriamente dito – realizado na fase de investigação – o inquérito e a instrução. (…) Na situação em que a testemunha, ou a vítima, é solicitada a confirmar o arguido presente como agente da infracção, a confirmação da identidade de alguém que se encontra presente, e perfeitamente determinado, apenas poderá ser encarado como integrante do respectivo depoimento testemunhal. -(v. Ac. STJ de 3-03-2010) No caso em apreço, na audiência houve lugar à identificação do arguido pela ofendida, meio de prova submetido ao princípio do contraditório (artigo 327.º, 2, do CPP).
- Acórdão do STJ de 23-11-2011, processo 20/09.0GALLE.E1.S1, relator ARMÉNIO SOTTOMAYOR: I - Até à reforma do processo penal de 2007, a jurisprudência do STJ era firme no sentido de que o reconhecimento do arguido realizado em audiência de discussão e julgamento, em fase de produção de prova, não tinha de obedecer ao formalismo descrito no art.º 147.º do CPP (cf., entre outros, Ac. do STJ de 27-04-2006, Proc. n.º 1287/06). II - Com a reforma operada pela Lei 48/2007, de 29-08, o legislador aditou ao texto do anterior n.º 4 ─ actual n.º 7 ─ do art.º 147.º a expressão seja qual for a fase do processo em que ocorrer, o que tem o sentido de impor que, sempre que houver de se proceder ao reconhecimento, têm de ser observadas as formalidades previstas no n.º 2, sob pena da prova não ser válida. III - Dada a relevância na formação da convicção probatória, a prova por reconhecimento, que tem como pressuposto fundamental a indeterminação prévia do agente do crime, deve obedecer ao formalismo rígido enunciado nos n.ºs 1 e 2 do art.º 147.º do CPP. IV - Diversamente, a identificação do arguido, que se insere no âmbito do depoimento da testemunha, destina-se a permitir ao tribunal assegurar-se, em audiência, que o depoimento respeita à pessoa do arguido, de modo a que não ocorra incerteza quanto à identificação do agente do crime, não sendo a esse acto de identificação que o n.º 7 do art.º 147.º do CPP se refere quando determina que, em qualquer fase do processo, o reconhecimento seja feito com observância das respectivas formalidades. V - Tem valor probatório idêntico à identificação presencial do arguido, a identificação deste através da utilização dos meios técnicos de videoconferência, nomeadamente quando por esse meio o depoimento seja prestado ou as testemunhas se mostrem intimidadas se o seu depoimento vier a ocorrer na presença do arguido. VI - O acto de identificação que foi levado a efeito não é violador da CRP, conforme reconheceu o TC no Ac. n.º 425/2005, de 25-08-2005, ao afirmar que “nada impede o Tribunal de «confrontar» uma testemunha com um determinado sujeito para aferir da consistência do juízo de imputação de factos quando não seja necessário proceder ao reconhecimento da pessoa, circunstância em que não haverá um autêntico reconhecimento, dissociado do relato da testemunha.
-Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 27 Janeiro 2021 Processo 570/17.4GLSNT.L1-3 Relator RUI MIGUEL TEIXEIRA, cujo sumário em parte se transcreve:
1)– O reconhecimento operado em audiência não obedece aos requisitos do art.º 147º do C.P.P.;
No mesmo sentido também o acórdão da Relação do Porto de 16/03/2022 proc. 9106/18.9PRT.P1, relator PEDRO AFONSO LUCAS: I - O artigo 147º do Código de Processo Penal prevê três modalidades de reconhecimento: o reconhecimento por descrição, acto preliminar dos demais e no qual não existe qualquer contacto visual entre os intervenientes, o reconhecimento presencial, que tem lugar quando a identificação realizada através do reconhecimento por descrição não for cabal, e o reconhecimento com resguardo, que tem lugar quando existam razões para crer que a pessoa que deve efectuar a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento, tratando-se, pois, de uma forma de protecção da testemunha. II - O reconhecimento de pessoas que não tenha sido efectuado nos moldes ali previstos não vale como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorreu. III - O facto de não se estar perante uma prova por reconhecimento nos termos do art.º 147º do Cód. de Processo Penal não impede que o depoimento de uma testemunha, no sentido de identificar um arguido como sendo o agente dos factos, possa valer como meio de prova, sujeito à livre apreciação do tribunal
Saliente-se que o Tribunal colectivo esclareceu ademais, quanto à identificação em audiência, em linha com o entendimento sufragado nos referidos acórdãos que não se trata aqui de valorar um «reconhecimento» informal, mas de valorar a visualização dos arguidos por aqueles que prestam declarações (testemunhas/demandantes/assistentes), como elemento acessório, corroboratório do reconhecimento (caso tenha existido) a ser valorada em conjunto com as demais provas produzidas.
Do exposto se conclui que a valoração da identificação dos arguidos realizada em sede de audiência e valorados pelo Tribunal não violam qualquer preceito constitucional nomeadamente os art.ºs 32.º e 20.º, n.º4, nem qualquer preceito do CPP, nomeadamente o art.º 147.º, do CPP.
Por todo o exposto improcede este segmento do recurso.
2.ª Se o Acórdão proferido padece da nulidade por falta de exame crítico das provas e omissão de fundamentação quanto aos factos 1, 2,3, 4, 7 e 10 (art.º 374.º, n.º 2, do CPP)
Invoca o arguido o vício da nulidade da sentença, previsto na alínea a) do n.º1, do artigo 379º, do C.P.P que remete para o disposto no artigo 374º, nº 2, do citado diploma, o qual é um dos regimes especiais - exclusivo das sentenças, como alude o art.º 97º, nº 1 a) e 2 do citado diploma, - que estabelecem consequências para este tipo de actos, para além do regime regra das nulidades, previsto nos artigos 119º e 120º, do CP.P.
As nulidades aqui previstas referem-se a questões nucleares ou estruturais, destes actos decisórios, desde logo a omissão ou insuficiência da fundamentação ou do dispositivo da sentença.
Assim, preceitua o art.º 379º, do C.P.P, sob a epígrafe à “nulidade da sentença”, que: 1 - É nula a sentença: a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F; (…) c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. 2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º
De acordo com o n.º 3, do art.º 410º, do C.P.P, “o recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal à matéria de direito, e inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.”
Dispõe o art.º 374º, n.º 2, do C.P.P, referente aos “requisitos da sentença” que ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
O dever de fundamentação tem natureza constitucional, encontrando-se plasmada no art.º 205.º, da CRP e do art.º 97.º, n.º 5, do CPP.
As sentenças ou acórdãos judiciais, enquanto atos decisórios, carecem necessariamente de fundamentação, através da enumeração ou especificação da matéria de facto provada e não provada (reportada pelo menos à factualidade constante da acusação e/ou da pronúncia, da contestação do arguido, do pedido cível do demandante) e da motivação explícita do processo de convencimento ou da convicção do julgador - art.º 205.º, n.º 1, da CRP, 97.º, n.ºs 1, al. a) e 5, e 374º, ambos do C.P.P.
O dever de fundamentação abarca todos os vectores da decisão judicial (da matéria de facto à medida concreta da pena).
Na elaboração da sentença, após o primeiro momento de enumeração dos factos provados e não provados que fundamentam a decisão, segue o segundo momento que compreende o exame crítico da prova que deve fazer-se através de uma exposição tanto quanto possível completa, mas concisa dos motivos de facto e de direito que levaram à convicção do Tribunal, expondo as razões que em função das regras da experiência comum e ou da lógica, que constituem o substracto racional que levou a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou que valorasse de determinada forma os meios de prova, sendo certo que os motivos de facto que fundamentam a decisão não são os factos provado, mas sim as razões de ciência reveladas extraídas das provas, a razão de determinada opção relevante por um ou por outro meio de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, valor de documentos e exames que o tribunal privilegiou na formação da convicção. Em ordem a que os destinatários fiquem cientes do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.
A obrigatoriedade de indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e do seu exame crítico garante que a sentença seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas e que não foi arbitrária, não impondo, porém, a lei a menção a inferências indutivas levadas a cabo pelo tribunal ou a critérios de valoração da prova (neste sentido Fernando Gama Lobo, Código de Processo penal, em anotação ao art.º 374.º, do CPP Anotado, citando o Ac. STJ de 09/01/1997 in CJ-V-I-172.)
Não esclarece a lei processual, a profundidade exigível a esse exame crítico, que terá de ser ajustada às necessidades de cada caso, porquanto essa tarefa será em princípio, e de acordo com as regras da normalidade, mais sumária se, por exemplo, o julgador se fundou numa confissão integral e sem reservas do arguido, e terá, naturalmente, de ser mais profunda quando sobre a mesma materialidade exista prova entre si contraditória.
Esse exame crítico não tem, naturalmente, de reproduzir por escrito o teor de cada depoimento, assim como não tem, necessariamente, de se reportar a cada facto concreto de forma individualizada, porém, terá de, pelo menos, dar nota explicativa das provas que recaíram sobre os factos e das razões pelas quais se conferiu maior credibilidade e/ou peso probatório comparativo a uma prova, em detrimento da outra.
A crítica é a afirmação da sua credibilidade ou incredibilidade, ou seja, em derradeira operação valorativa, a afirmação das provas que que lhe merecem aceitação e das que lhe merecem rejeição, a razão porque umas são elegíveis e outras não, não enfermando de contradições ou lacunas de pensamento, não violadora das regras da experiência e do bom senso (neste sentido por todos Fernando Gama Lobo, Código de Processo penal Anotado, Maia Gonçalves, Código de Processo penal Anotado, Ac. STJ de 23/04/2008 proc. 05P662, de 21/03/2007 proc. 07PO24, de 26/10/2000, proc. 2528/2000 in www.dgsi.pt e Ac. STJ de 09/01/1997 in CJ V-I, pág. 172.).
Como ressalta da leitura da norma referida, a fundamentação não se satisfaz com a mera indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, nem com a súmula dos depoimentos/declarações que fundaram a convicção, exigindo-se, ao invés, um exame crítico dessas mesmas provas, o que se encontra em correspondência lógica com o processo mental desenvolvido pelo julgador na análise da prova que determinou a formação da sua convicção. Este é um processo complexo porquanto implica o convencimento ou não da ocorrência de factos, convencimento que não pode ter por fundamento ou justificação senão a prova produzida e avaliada de harmonia com regras da experiência e da lógica, exame crítico esse que é exigido pelo princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127º do CPP (veja-se por todos JOSÉ MOURAZ LOPES, Gestão Processual: tópicos para um incremento da qualidade da decisão judicial, JULGAR - N.º 10 – 2010, disponível in julgar.pt; no mesmo sentido v. SARA M. RODRIGUES, in O dever de fundamentação das decisões proferidas pela Autoridade da Concorrência em Processo Sancionatório, in Revista Julgar, julgar.pt e, entre outros).
A livre convicção não se confunde com convicção íntima, caprichosa e emotiva, dado que é um livre convencimento lógico, motivado, em obediência a critérios legais, passível de motivação e de controlo, na esteira de uma “liberdade de acordo com um dever”, no ensinamento do Professor Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, vol. I, Reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 201 a 206, que o processo penal moderno exige, dever esse que axiologicamente se impõe ao julgador por força do Estado de Direito e da Dignidade da Pessoa Humana.
De acordo com o aludido princípio da livre apreciação da prova, o Julgador é livre ao apreciar as provas, estando tal apreciação apenas vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório sendo que “A livre convicção não pode ser vista em função de qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios, mas antes deve perspetivar-se segundo as regras da experiência comum, num complexo de motivos, referências e raciocínio, de cariz intelectual e de consciência, que deve de todo em todo ficar de fora a qualquer intromissão interna em sede de conhecimento. Isto é, na outorga, não de um poder arbitrário, mas antes de um dever de perseguir a chamada verdade material, verdade prático-jurídica, segundo critérios objectivos e susceptíveis de motivação racional.” – cfr. Professor Figueiredo Dias, ob. e loc. citados e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08.02.2012, proferido no processo nº 38/10.0 TAFIG.C1, disponível inwww.dgsi.pt/jtrc.
O Tribunal Constitucional nos Acórdãos n.ºs 172/94, Diário da República, 2.ª série, de 19 de Julho de 1994 e n.º 573/98, Diário da República, 2.ª série, de 13 de Novembro de 1998, já se pronunciou no sentido da inconstitucionalidade da interpretação do art.º 374.º, n.º 2 do CPP segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1.ª instância.
O Julgador deverá explanar qual o entendimento de que se serviu para os factos serem julgados provados ou não provados com base naquele meio de prova a razão pela qual o tribunal valorou aquele meio de prova e não outro.
Porém, fundamentar não significa uma exposição exaustivamente, o que decorre, desde logo, da leitura do preceito em análise por referência à expressão “concisa” aí contemplada, (n.º 2 do art.º 374.º, do CPP) mas que se quer completa. Sendo a absoluta falta de fundamentação cominada com nulidade, por força do art.º 379.º, n.º 1, al. a), do CPP.
Volvendo ao caso dos autos e recordando os factos provados factos 1, 2, 3, 4, 7 e 10 que o recorrente refere ter havido omissão de fundamentação e exame crítico, são eles: NUIPC 780/21.0PCLSB 1. No dia 11 de outubro de 2021, a hora não concretamente apurada, depois da meia noite, quando DD se encontrava na Rua ..., em Lisboa, em frente ao nº 222, por motivos desconhecidos, foi abordado pelos arguidos AA, GG e HH. 2. Nessa ocasião os referidos arguidos desferiram socos e pontapés em DD. 3. Em face da atuação dos arguidos, DD sofreu escoriações na cabeça e teve a necessidade de ser transportado ao Hospital de São José, em Lisboa, pela ambulância do INEM. 4. Os arguidos atuaram em conjugação de esforços e intentos, na execução de um plano conjunto, com a intenção de molestarem fisicamente DD, aproveitando-se da sua superioridade numérica, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. NUIPC 652/21.8PALSB 7. Quando o grupo dos arguidos viram que estavam a ser filmados, correram na direção do assistente BB, tendo um dos indivíduos desse grupo arrancado o telemóvel da mão deste, pisando-o no chão por diversas vezes. 10. Na mesma ocasião, vários dos referidos indivíduos do grupo dos arguidos, entre os quais os arguidos AA e HH desferiram no assistente CC murros, levando a que os seus óculos graduados saltassem da cara, nunca mais os recuperando.
Resulta do exame da motivação da decisão de facto do Tribunal recorrido que a convicção do Tribunal baseou-se na análise da prova produzida em julgamento, apreciada segundo as regras da experiência comum e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, ínsito no artigo 127.º e 163.º do Código de Processo Penal, tendo exposto as razões subjacentes à formação da sobredita convicção.
Isso mesmo nos diz o seguinte segmento da motivação: “A convicção do Tribunal para a determinação da matéria de facto dada como provada e não provada fundou-se na prova produzida em audiência de julgamento, bem como no acervo documental dos autos, tudo a merecer apreciação segundo as regras da experiência e a livre convicção dos julgadores, sem descurar o disposto quanto ao valor da prova pericial, em conformidade com os artigos 127º e 163º, do Código de Processo Penal.”
Quanto aos factos relativos ao NUIPC 780/21.0PCLSB, (factos 1 a 4) o Tribunal recorrido, após analisar as provas por si atendidas, conclui que: “Começando pelo NUIPC 780/21.0PCLSB, temos que o arguido GGnegou sequer a respetiva presença na data e local dos factos, assim como referiu desconhecer quem seja o coarguido HH, o que este corroborou, sendo que em relação ao coarguido AA, referiu conhecê-lo desde 2016, por terem trabalhado juntos no festival “XXX”, na ..., mas que não se voltaram a ver, o que o mesmo também corroborou. O arguido AA, referindo trabalhar à data no estabelecimento “BT”, como segurança privado, pela “PPPP”, há cerca de 4 ou 5 meses a essa data, deu conta ter-se deslocado nessa mesma noite ao “CT Bar”, onde ia comer, aí encontrando mesas desarrumadas e as empregas a chorar, segundo lhe disseram por ter havido desacatos com clientes. No exterior, acrescentou recordar-se de ver um grupo de cerca de cinco indivíduos, que descreveu como “vigilantes”, com farda, alguns com inscrições nas costas a dizer “YYY”, a aproximarem-se e depois a afastarem-se de um outro grupo que descreveu como de “indianos”, nisso aludindo a “confrontos”, mas sem ter visualizado quaisquer murros ou pontapés. No mais, referiu conhecer o coarguido HH como cliente do estabelecimento onde trabalha, mas não se recordar de tê-lo visto nessa noite, informações que o mesmo corroborou. Por sua vez, nas declarações que prestou, o arguido HH, embora referindo ter estado por volta das 00h00 no estabelecimento “CT Bar”, onde lhe contaram que “um grupo de indianos tinha feito confusão”, depois de daí ter saído, já no exterior, apercebeu-se de um aglomerado de pessoas, a falar alto, onde estavam uns “indianos”, mas sem ter percecionado qualquer confronto físico. (…) Ademais, do auto de notícia de fls. 2/2-verso do NUIPC 780/21.0PCLSB – que a testemunha EEE, na sua qualidade de agente da PSP, referiu ter sido quem o elaborou, descrevendo aquilo que percecionou (contacto com DD) – resultam as circunstâncias de tempo e lugar a que se associam DD à factualidade sob apreciação, bem como ao transporte do mesmo a hospital, em conjugação com o que consta de fls. 699 e do episódio de urgência de fls. 1062/1963 (referência 39555230), onde ressalta ter sido assistido no Hospital de são José, em Lisboa. Não obstante as diligências a tanto empreendidas, não foi possível localizar e colher o depoimento de DD. Por sua vez, dos restantes elementos probatórios coligidos, consideram-se, desde logo, as declarações do assistente BB, que contextualizou ter visto um grupo de indivíduos com t-shirts pretas, a dizer “YYY”, cerca de seis/sete indivíduos, a correr e a chegar junto a um outro grupo, de quatro ou cinco indivíduos, um dos quais parecia “indiano”, a quem começaram a “bater”, com socos e pontapés. Outrossim, tivemos as declarações do assistente CC, parcialmente corroborantes, ao referir que um grupo de cinco/seis indivíduos passou a correr, dos quais pelo menos três desses indivíduos traziam t-shirts pretas, uma das quais dizia “YYY”, sendo que um rapaz que identificou como sendo “indiano” foi por esse grupo esmurrado contra um vidro, admitindo que o terá visto no hospital quando aí também se deslocou momentos depois nessa noite, o que, diga-se já, não deixa de assumir plausibilidade face aos elementos documentais acima aludidos (em particular, o indicado episódio de urgência). Aqui, relevam também os autos de reconhecimento pessoal realizados pelo assistente CC, em 10.07.2022, a fls. 362/363 e 365/366, no âmbito dos quais identificou sem qualquer dúvida respetivamente os arguidos AA e GG, o que em julgamento, com os mesmos confrontado, foi igualmente perentório nessa identificação, assim como logrou ainda identificar o arguido HH, esclarecendo quanto a este que só não o tinha feito igualmente na PSP porque na altura não teve 100 % de certeza, uma vez que o reconhecimento “foi pelo telefone”, mas que agora não tem dúvidas. Nesta medida, diga-se que o assistente vindo de mencionar foi clarividente, seguro e circunstanciado, ao ponto de concretizar as atuações que se recorda levadas a cabo por cada um dos arguidos, especificando que os arguidos AA e HH fizeram parte do grupo de indivíduos que “esmurraram o rapaz indiano” e que depois também fizeram o mesmo a si, sendo que do arguido GG só se apercebeu quando este veio a pontapeá-lo (a si) na cara. De igual forma relevam os autos de reconhecimento pessoal realizados pelo assistente BB, em 10.07.2022, a fls. 374/375 e 376/377, no âmbito dos quais identificou sem qualquer dúvida respetivamente os arguidos GG e HH,o que em julgamento, com os mesmos confrontado, foi igualmente perentório nessa identificação, assim como logrou ainda identificar o arguido AA, o que levou a cabo de forma muito assertiva, descrevendo, com precisão, aquilo que cada um levou a cabo, mormente a circunstância do arguido GG integrar o grupo que referiu acima e que decidiu filmar, vindo depois na sua direção e a pontapear o assistente CC, do mesmo modo que referiu que o arguido AA lhe desferiu murros a si ao assistente CC e o que o arguido HH fazia parte do grupo que se dirigiu ao dito “indiano”. Neste conspecto, quanto à identificação em audiência, impõe-se exarar que não se trata aqui de valorar um «reconhecimento» informal, mas de valorar a visualização dos arguidos por aqueles que prestam declarações (testemunhas/demandantes/assistentes), como elemento acessório, corroboratório do reconhecimento (caso tenha existido) – visualização aquela, aliás, que podia ter ocorrido em outro local que igualmente permitisse a identificação da pessoa visualizada, não se tratando de uma específica diligência probatória em julgamento, mas antes a ser valorada em conjunto com as demais provas produzidas. Por outro lado, das demais testemunhas inquiridas, com conhecimento direto da factualidade e fazendo descrições objetivas e sequenciais, próprias de quem relata acontecimentos marcantes que presenciaram, tivemos também o depoimento de OO, que mencionou ter visto um “indiano” deitado desmaiado no chão, o qual fazia parte do grupo inicial que descreveu como tendo estado anteriormente a isso a ser empurrado pelo “grupo de seguranças”, sendo que, confrontado com os arguidos em julgamento, apenas quanto ao arguido GG – por ter sido a única pessoa que disse ter olhado nos olhos (elucidando como elementos diferenciadores a “forma dos olhos”, “maças do rosto” e “barba”) – referiu ter sido quem viu atingir o assistente CC. A testemunha PP, igualmente presente no local, elucidando a hora aproximada em que o por si descrito sucedeu (já depois da meia noite), não mostrou qualquer hesitação em corroborar idêntica atuação ao arguido acabado de mencionar, assim como referiu que o arguido AA integrava o grupo de “seguranças” que descreveu ter visto. Ora, em face de todo o exposto, pela sequência de acontecimentos e lógica das coisas, concatenado todos elementos vindos de analisar e conjugados acima, quando não há notícia de na data, hora e local dos factos (segundo reportado por todos quanto nisso asseveraram) ter existindo outro confronto para além daquele que se retrata nestes autos e que determinou a chamada de atenção dos assistentes (um dos quais decidiu iniciar a filmagem do sucedido), em conjugação com a circunstância de um dos visados desse mesmo confronto (DD) ter sido transportado ao mesmo hospital onde os assistentes também se deslocaram, não pode senão concluir-se que os três arguidos, atuando conjuntamente, em grupo, participaram na factualidade imputada nos moldes que resultaram provados. No que se refere aos elementos psicológicos e volitivos imputados nesta parte aos arguidos, considerou-se que estes factos decorriam de forma segura, por inferência e com apoio nas regras da normalidade, das descritas condutas dos mesmos – aliás, tais factos encontram-se numa relação de quase necessidade com essas condutas. Assim, tudo visto, deram-se como demonstrados os factos 1. a 4. e quanto à factualidade dada como não provada em a. e f. resultou como consequência do exposto e por não ter sido produzida prova bastante no preciso sentido em que vinha descrita.”
E quanto ao NUIPC 652/21.8PALSB (factos 5 a 21): “Nesta parte, valorizou-se particularmente as declarações do assistente CC, o qual detalhou, de forma lógica e pelo posicionamento em que se colocou, aquilo que sucedeu ao telemóvel do assistente BB, da parte de um mesmo indivíduo que também o esmurrou, nos moldes que se deram como provados. Em relação ao valor desse telemóvel, consideraram-se as declarações do assistente BB, o qual referiu que o mesmo teria custado à volta de 1.000 libras, cerca de seis meses antes, vindo na sequência do sucedido a adquirir um novo, conforme fatura de fls. 762 (cuja tradução consta de a fls. 1301/1302-verso), a permitir assim apurar que o dito telemóvel custaria, pelo menos e com segurança, o valor que constava descrito na acusação. Quanto à identificação dos arguidos vale o que acima foi já expendido e aquela que foi a valoração de toda a prova testemunhal produzida. A circunstância do arguido AA trazer uma luva na mão, resultou das declarações nisso perentórias do assistente BB, a par do auto de visionamento de fls. 28, contemporâneo daquilo que está em causa nos autos (onde o arguido aparece com tal luva), em conjugação com os subsídios que nesse sentido acabaram por ser relatados pelas testemunhas PP e OO (embora não o identificando diretamente àquele arguido). Diferentemente, quanto às circunstâncias dos arguidos AA e GG trazerem consigo bastões extensíveis, embora o assistente BB tivesse referido a visualização desses mesmos objetos, não logrou dizer a quem, sendo que o auto de visionamento de fls. 27 e 29, por si só, não permite apontar nesse sentido. Por outro lado, em relação às consequências que resultaram para os assistentes, para além das declarações dos próprios e das referidas testemunhas, considerou-se quanto ao assistente BB o episódio de urgência de fls. 678/678-verso (com admissão às 02h39m, de 11.10.2021) e as fotografias de fls. 15 e 21, e quanto ao assistente CC o episódio de urgência datado de fls. 768/768-verso (com admissão às 02h45m, de 11.10.2021), o relatório clínico de fls. 769-verso (realizado às 03h09m, de 11.10.2021), o diário clínico de fls. 769 (reavaliação em 12.10.2021), o relatório de consulta de fls. 770/770-verso (em 16.10.2021), as declarações emitidas a fls. 771 e 771-verso (em 16.10.2021), as fotografias de fls. 17/19 e 816/849, os relatórios de consulta em 14.12.2021 e 21.12.2021, de fls. 772/772-verso e 775/775- verso (cujas traduções constam a fls. 1288/1290-verso e 1295/1297-verso), o relatório de admissão em clínica para reparação do pavimento orbital em 27.10.2021, de fls. 773 (cuja tradução consta a fls. 1293/1294-verso), o relatório de cirurgião ortopédico e dos membros superiores em 16.12.2021 de fls. 776 (cuja tradução consta a fls. 1286/1287-verso), os exames de radiologia de fls. 850/857 e os exames periciais de fls. 115/117-verso e do apenso I (preliminares) e de fls. 986/989 (final). Também a testemunha DDD, de forma coincidente, evidenciou o estado em que se encontrava o marido, o assistente CC, quando regressou de manhã ao hotel onde estavam hospedados e daquilo que subsequentemente o mesmo experienciou nos tempos que a isso se seguiram (para efeitos de recuperação), assim como o estado em que estava o assistente BB quando com o mesmo contactou nesse mesmo dia. No que se refere aos elementos psicológicos e volitivos imputados nesta parte aos arguidos, considerou-se que estes factos decorriam de forma segura, por inferência e com apoio nas regras da normalidade, das descritas condutas dos mesmos – aliás, tais factos encontram-se numa relação de quase necessidade com essas condutas.
Concluindo que: Assim, tudo visto, deram-se como demonstrados os factos 5. a 21. e quanto à factualidade dada como não provada sob b., c. e f. resultou como consequência do exposto e por não ter sido produzida prova bastante no preciso sentido em que vinha descrita.”
Não podemos deixar de discordar dos argumentos do arguido recorrente.
Efectivamente, destes excertos da decisão recorrida decorre que o Tribunal recorrido, além de indicar as provas que serviram para formar a convicção do tribunal examinou criticamente as provas produzidas, em especial os meios de prova oral (declarações dos arguidos e depoimentos dos assistentes e das testemunhas), bem como a prova por reconhecimento e documental, que serviram para formar a convicção do tribunal quanto a esses factos, denotando-se que realizou um raciocínio mental e critico de conjugação e complementação entre todos os meios de prova que indica, evidenciando que realizou criticamente uma operação de selecção dos meios de prova em que se baseou e considerou relevantes para a decisão quanto aos factos em causa. Mostra-se ainda que o Tribunal recorrido, referiu terem-lhe merecido credibilidade aos referidos depoimentos dos assistentes e testemunhas, conjugados entre si, e com os demais meios de prova por ele referidos, em detrimento dos depoimentos dos arguidos, explicando de forma compreensível e coerente porque desacreditou destes. De todas estas operações e raciocínios concluiu pela prova desses factos.
Não existe, pois, a alegada falta de exame crítico, à luz da livre convicção, o que é evidenciado pelas passagens por nós destacadas supra, que não enfermam de contradições de pensamento, não se inferindo qualquer violação de regras da experiência e do bom senso.
No acórdão recorrido em crise, não foi ademais violado o princípio da livre apreciação da prova inserto no art.º 127.º, do CPP, que em conjunto com o princípio da imediação enfatiza a livre convicção do Julgador da primeira instância, que realizou o julgamento e proferiu o acórdão condenatório, nem se evidenciando a violação das regras da experiência e da lógica, estando fundamentada.
Resulta, pois, da fundamentação em análise que o tribunal colectivo a quo cumpriu na totalidade as exigências previstas no artigo 374.º, n.º 2, do CPP, de acordo com a sua valoração da prova, e não do recorrente, expondo a conclusão a que chegou do raciocínio empreendido na valoração da prova que encetou, não deixando de se pronunciar quanto às questões que devesse apreciar.
Questão distinta é a discordância quanto à valoração realizada, o que corresponderá a impugnação sobre a matéria de facto a analisar infra.
Nessa medida, julgamos não provida a nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, al.s a) ou c) do CPP.
3.ª Impugnação da matéria de facto: se ocorre erro de julgamento ou erro notório quanto aos factos provados constantes dos pontos 1 a 21 (bloco de pontos 1º a 5º e bloco de pontos 6º a 21º)
Dispõe art.º 412.º, n.ºs 3, 4 e 6 do CPP: (Motivação do recurso e conclusões) 3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas. 4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. (…) 6 - No caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
É por demais, sabido, que o ordenamento jurídico-processual-penal consagra duas formas de impugnação da matéria de facto.
Uma designada por impugnação ampla, que consiste na reapreciação da prova gravada e que tem de ser invocada pelo recorrente, pois não é de conhecimento oficioso, recaindo sobre o recorrente o duplo ónus de especificação previsto no art.º 412º, nº3 e 4 do CPP.
Outra, designada por impugnação restrita, que consiste na invocação dos vícios previstos nas alíneas a), b) e c) do nº2 do art.410º, do CPP que, aliás, são de conhecimento oficioso.
São duas formas distintas de “atacar” a matéria de facto, estando por isso sujeitas a regimes processuais diferentes.
O erro de julgamento (em sentido amplo) e o erro notório na apreciação da prova são institutos distintos e como tal não devem ser confundidas.
Assim, enquanto o erro notório na apreciação da prova, constitui um vício intrínseco da sentença, e por isso, tem de resultar por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum do respectivo texto (art.410º, nº2, do CPP), o erro de julgamento não se confina a esse domínio, tratando-se de uma forma ampla de impugnação da matéria de facto, que todavia, deve ser exercida com observância do disposto no art.412º, nºs 3 e 4 do CPP, o que aqui não acontece.(Cf. Acórdão da Relação de Évora de 19/12/2019 processo 572/16.8T9TMR.E2, Relator GILBERTO CUNHA).
O erro de julgamento, ínsito no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Nesta situação, de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância. Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4, do artigo 412º, do Código de Processo Penal, embora não vise a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, mas um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente, isto é, erros in judicando (violação de normas de direito substantivo) ou in procedendo (violação de normas de direito processual), que o recorrente deverá expressamente indicar e se lhe impõe o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos constantes do nº 3, do artigo 412º, do Código de Processo Penal.
Neste sentido, entre muitos outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-09-2021, proferido no Processo n.º 797/14.0TAPTM.E2.S1 (Relator: NUNO GONÇALVES): No nosso sistema, o objeto do recurso ordinário é a sindicância da decisão impugnada, constituindo um remédio processual que permite a reapreciação, por um tribunal superior das questões que a decisão recorrida apreciou ou deveria ter conhecido e decidido. No julgamento do recurso não se decide, com rigor, uma causa, mas apenas questões específicas e delimitadas, que tenham sido objeto de decisão anterior pelo tribunal recorrido.”
Assim, impõe-se-lhe:
- a especificação dos “concretos pontos de facto” que considera incorrectamente julgados, especificação esta que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado;
-a especificação das “concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida”, especificação esta que só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida, acrescendo que o recorrente deve explicitar por que razão essa prova impõe decisão diversa.
- a especificação, se for caso disso, das “provas que devem ser renovadas”, que só se satisfaz com a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento no tribunal de primeira instância e das razões para crer que aquela renovação da prova permitirá evitar o reenvio do processo – cfr. artigo 430º, nº 1, do citado diploma.
No fundo, o que está em causa e se exige na impugnação mais ampla da matéria de facto é que o recorrente indique a sua decisão de facto, em alternativa à decisão de facto que consta da decisão recorrida, justificando, em relação a cada facto alternativo, que propõe porque deveria o Tribunal ter decidido de forma diferente.
Como se afirma no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nº 3/2012 de 08.03.2012, publicado no D.R. I Série, nº 77, de 18.04.2012, “Impõe-se ao recorrente a necessidade de observância de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta especificação dos concretos pontos da matéria de facto, que considera incorrectamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na acta, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso. Esta exigência é de entender como contemplando o princípio da lealdade processual, de modo a definir em termos concretos o exacto sentido e alcance da pretensão, de modo a poder ser exercido o contraditório. A reapreciação por esta via não é global, antes sendo um reexame parcelar, restrito aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, necessário sendo que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, não bastando remeter na íntegra para as declarações e depoimentos de algumas testemunhas. O especial/acrescido ónus de alegação/especificação dos concretos pontos de discórdia do recorrente (seja ele arguido, ou assistente), em relação à fixação da facticidade impugnada, bem como das concretas provas, que, em seu entendimento, imporão (iam) uma outra, diversa, solução ao nível da definição do campo temático factual, proposto a subsequente tratamento subsuntivo, justifica-se plenamente, se tivermos em vista que a reapreciação da matéria de facto não é, não pode ser, um segundo, um novo, um outro integral, julgamento da matéria de facto. Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1.ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1.ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo.”.
Tal como entendimento exarado no seguinte aresto do TRL de 02.12.2020 proc. 3606/15.0T9SNT.L15 (in www.dgsi.pt): “para dar cumprimento às exigências legais da impugnação ampla tem o recorrente nas suas conclusões de especificar quais os pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados, quais as provas (específicas) que impõe decisão diversa da recorrida, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as(…) ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportem entendimento divergente, com indicação de início e termo desses segmentos”.
No mesmo sentido, pronunciou-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-04-2021, proferido no Processo n.º 522/18.7PBELV.E1 (Relator: Paulo Ferreira da Cunha): O ónus que recai sobre o recorrente é de uma impugnação especificada, impugnatória de factos concretos, fazendo em cada ponto referência aos meios de prova que considere relevantes. A lei é exigente quanto ao modo de impugnação do recurso em matéria de facto, de harmonia com o disposto no art.º 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, sendo que a modificabilidade da decisão da 1.ª instância apenas ocorre nos termos apontados no art.º 431º do CPP, entre os quais a impugnação da matéria de facto nos termos do art.º 412.º, n.º 3, do mesmo diploma. Na impugnação da matéria fáctica não basta mera referência ou indicação genérica dos pontos de facto e das provas dissonantes, mas deve especificar-se os concretos pontos de facto e as concretas provas que impõem decisão diversa. (…) Torna-se necessário a indicação expressa dos concretos pontos de facto e das concretas provas que para esses concretos pontos de facto, impõem solução diversa. (destaques nossos).
Volvendo ao caso dos autos analisando as conclusões do recorrente, secundadas nas motivações, consideramos que o recorrente cumpre com suficiência a exigência legal do nº 3, do artigo 412º, do Código de Processo Penal, indicando, de forma expressa, os concretos pontos de facto (1.º a 5.º e 6.º a 21.º) e as concretas provas que, para esses concretos pontos de facto, no seu dizer, impõem solução diversa.
Analisemos, então, os concretos pontos de facto provados impugnados pelo recorrente, designadamente os pontos 1 a 4 (NUIPC 780/21.0PCLSB), que a propósito da segunda questão a apreciar se reproduziram.
Ora, invoca, em síntese, o recorrente que: 11. Nas primeiras declarações prestadas pelos assistentes (CC e BB), não houve dúvidas de que os agressores eram seguranças da empresa "YYY". 12. Essas afirmações foram feitas logo após as agressões – auto de notícia - e também perante Magistrado do Ministério Público (em março de 2022), folhas 153 dos autos -, como perante o Órgão de Polícia Criminal (em outubro de 2021). 13. Os assistentes identificaram os agressores como trajando roupas pretas com a palavra "YYY". A descrição feita pelo assistente CC apontava para cinco ou seis indivíduos, todos caucasianos excepto um, que era de tez negra. De imediato, o assistente CC assumiu que eram seguranças devido ao uniforme, o que fundamentou a sua certeza de que estavam ligados à empresa "YYY". 15. Durante o incidente, BB começou a filmar o que estava a suceder. Um dos indivíduos, identificado como pertencente ao grupo, de raça negra e com o logotipo "YYY", reparou que estavam a ser filmados, dirigiu-se ao BB, retirou-lhe o telemóvel, atirou-o ao chão e pisou-o repetidamente. 16. Os assistentes, neste primeiro momento identificaram os autores de tais actos de agressão com base na indumentária, tendo a mesma a inscrição "YYY". 17. Com essa informação encetaram, de mote próprio, uma pesquisa para encontrar conexões entre os indivíduos que usavam as t-shirts e a empresa de segurança "YYY" e entregaram fotografias dos supostos agressores às autoridades. 18. O estabelecimento comercial "CT Bar" foi apontado como o primeiro local onde os alegados agressores foram vistos pelos assistentes numa altercação, tendo sido utilizado como ponto de partida para a investigação. 19. Esta identificação não foi precisa o suficiente, foi baseada em percepções visuais e suposições sobre a indumentária dos agressores, sem provas adicionais que pudessem confirmar a ligação com a empresa de segurança, como sejam a lista de seguranças que estaria a laborar nessa noite nos estabelecimentos comerciais dessa zona de Lisboa, que é enviada para a PSP. 20. Em outubro de 2021, os assistentes CC e BB prestaram declarações perante Órgão de Polícia Criminal, nos quais identificaram sem hesitação os indivíduos que os agrediram. O assistente CC forneceu fotografias dos suspeitos como sendo dos agressores do indivíduo que estava na paragem de autocarro/eléctrico e que por sua vez o agrediu e ao seu amigo BB. 22. O arguido nessa noite e como os autos o demonstram não trajava qualquer t-shirt preta ou branca com inscrições, fossem elas de que índole fossem. Trajava um casado de fato de treino azul que lhe foi apreendido. Nada mais. 23. Mais um motivo porque não poderia estar no grupo, no mínimo de cinco seguranças, com a inscrição YYY, a correr em sentido inverso ao dos assistentes. 24. E, mais, em sede de audiência de discussão e julgamento o assistente CC, não garantiu com a certeza que se impunha que o individuo que viu no hospital a ser assistido era o mesmo que visualizou a ser agredido nessa mesma noite em que também foi agredido – declarações prestadas no dia 15 de Maio de 2024, gravadas no sistema digital dos Tribunais, com início pelas 11 horas e 45 minutos e o seu termo pelas 12 horas e 44 minutos, conforme declarações infra e reproduzimos mais adiante na nossa alegação: Ass.: Pensa que mais tarde nessa noite no hospital pensa que terá visto o jovem indiano. Juiz: Mas pensa? Tem certeza? Ass: Não tenho 100% de certeza, mas tem bastante certeza. Juiz: Mas viu essa pessoa a ser levada para o hospital? Ass: Não. 25. E talvez por isso, no episódio de urgência o senhor DD tenha transmitido ao médico que o assistiu que tinha caído. Ainda, de acordo com o próprio médico que o assistiu, o mesmo tinha um forte odor a álcool… 26. ... não há provas de que HH trabalhasse para a empresa "YYY" ou que estivesse a exercer funções de segurança naquele momento ou noutro momento qualquer, mesmo que não tivesse qualquer vínculo a uma empresa de Segurança Privada. 27. O arguido HH, está impedido legalmente de exercer a profissão de segurança. Nem sequer preenche os requisitos para obter tal licença.
Invoca assim o recorrente as primeiras declarações prestadas pelos assistentes no inquérito (CC e BB), as declarações de outubro de 2021, dos assistentes CC e BB que as prestaram declarações perante Órgão de Polícia Criminal, nos quais identificaram sem hesitação os indivíduos que os agrediram e que trajavam T-shirts da empresa de segurança YYY, sendo que o arguido/recorrente trajava um casaco de fato de treino azul que lhe foi apreendido não trabalha para essa empresa e está impedido de exercer essa actividade por não ter os requisitos.
Ora, como decorre do n.º1 do art.º 355.º, do CPP, não valem em julgamento, nomeadamente para efeitos de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tenham sido produzidas ou examinadas em audiência, ressalvando o n.º 2 as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência seja permitida, nos termos dos art.ºs 356.º, do CPP, sendo que, quanto às declarações do assistente, das partes civis e das testemunhas, só é permitida leitura tendo sido prestadas perante Juiz nos casos aí referidos ou perante autoridade judiciária nos termos do n.º 3 do mesmo artigo. No caso dos autos tal não aconteceu, pelo que o declarado anteriormente não pode ser valorado.
Analisando a motivação da decisão de facto no acórdão recorrido, relativamente aos factos 1 a 4 (NUIPC 780/21.0PCLSB), a mesma foi formada, com base nas declarações da testemunha EEE, na sua qualidade de agente da PSP, que referiu ter sido quem o elaborou, descrevendo aquilo que percecionou (contacto com DD) – resultam as circunstâncias de tempo e lugar a que se associam DD à factualidade sob apreciação, bem como ao transporte do mesmo a hospital, em conjugação com o que consta de fls. 699 e do episódio de urgência de fls. 1062/1063 (referência 39555230), onde ressalta ter sido assistido no Hospital de São José, em Lisboa. Não obstante não ter sido possível colher o depoimento de DD, baseou-se nos restantes elementos probatórios coligidos, consideram-se, desde logo, as declarações do assistente BB, que contextualizou ter visto um grupo de indivíduos com t-shirts pretas, a dizer “YYY”, cerca de seis/sete indivíduos, a correr e a chegar junto a um outro grupo, de quatro ou cinco indivíduos, um dos quais parecia “indiano”, a quem começaram a “bater”, com socos e pontapés, bem como as declarações do assistente CC, parcialmente corroborantes, ao referir que um grupo de cinco/seis indivíduos passou a correr, dos quais pelo menos três desses indivíduos traziam t-shirts pretas, uma das quais dizia “YYY”, sendo que um rapaz que identificou como sendo “indiano” foi por esse grupo esmurrado contra um vidro, admitindo que o terá visto no hospital quando aí também se deslocou momentos depois nessa noite, o que, diga-se já, não deixa de assumir plausibilidade face aos elementos documentais acima aludidos (em particular, o indicado episódio de urgência).
O Tribunal colectivo relevou também os autos de reconhecimento pessoal realizados pelo assistente CC, em 10.07.2022, a fls. 362/363 e 365/366, no âmbito dos quais identificou sem qualquer dúvida respetivamente os arguidos AA e GG, o que em julgamento, com os mesmos confrontado, foi igualmente perentório nessa identificação, assim como logrou ainda identificar o arguido HH, esclarecendo quanto a este que só não o tinha feito igualmente na PSP porque na altura não teve 100 % de certeza, uma vez que o reconhecimento “foi pelo telefone”, mas que agora não tem dúvidas. Nesta medida, diga-se que o assistente vindo de mencionar foi clarividente, seguro e circunstanciado, ao ponto de concretizar as atuações que se recorda levadas a cabo por cada um dos arguidos, especificando que os arguidos AA e HH fizeram parte do grupo de indivíduos que “esmurraram o rapaz indiano” e que depois também fizeram o mesmo a si, sendo que do arguido GG só se apercebeu quando este veio a pontapeá-lo (a si) na cara. De igual forma relevam os autos de reconhecimento pessoal realizados pelo assistente BB, em 10.07.2022, a fls. 374/375 e 376/377, no âmbito dos quais identificou sem qualquer dúvida respetivamente os arguidos GG e HH,o que em julgamento, com os mesmos confrontado, foi igualmente perentório nessa identificação, assim como logrou ainda identificar o arguido AA, o que levou a cabo de forma muito assertiva, descrevendo, com precisão, aquilo que cada um levou a cabo, mormente a circunstância do arguido GG integrar o grupo que referiu acima e que decidiu filmar, vindo depois na sua direção e a pontapear o assistente CC, do mesmo modo que referiu que o arguido AA lhe desferiu murros a si ao assistente CC e o que o arguido HH fazia parte do grupo que se dirigiu ao dito “indiano”.
O Tribunal colectivo esclareceu ademais, como já referido, que quanto à identificação em audiência, que não se trata aqui de valorar um «reconhecimento» informal, mas de valorar a visualização dos arguidos por aqueles que prestam declarações (testemunhas/demandantes/assistentes), como elemento acessório, corroboratório do reconhecimento (caso tenha existido) a ser valorada em conjunto com as demais provas produzidas.
Quanto às demais testemunhas inquiridas, o tribunal colectivo esclareceu que, com conhecimento direto da factualidade e fazendo descrições objetivas e sequenciais, próprias de quem relata acontecimentos marcantes que presenciaram, tivemos também o depoimento de OO, que mencionou ter visto um “indiano” deitado desmaiado no chão, o qual fazia parte do grupo inicial que descreveu como tendo estado anteriormente a isso a ser empurrado pelo “grupo de seguranças”, sendo que, confrontado com os arguidos em julgamento, apenas quanto ao arguido GG – por ter sido a única pessoa que disse ter olhado nos olhos (elucidando como elementos diferenciadores a “forma dos olhos”, “maças do rosto” e “barba”) – referiu ter sido quem viu atingir o assistente CC. A testemunha PP, igualmente presente no local, elucidando a hora aproximada em que o por si descrito sucedeu (já depois da meia noite), não mostrou qualquer hesitação em corroborar idêntica atuação ao arguido acabado de mencionar, assim como referiu que o arguido AA integrava o grupo de “seguranças” que descreveu ter visto.
O Tribunal colectivo concluiu assim, que pela sequência de acontecimentos e lógica das coisas, concatenado todos elementos vindos de analisar e conjugados acima, quando não há notícia de na data, hora e local dos factos (segundo reportado por todos quanto nisso asseveraram) ter existindo outro confronto para além daquele que se retrata nestes autos e que determinou a chamada de atenção dos assistentes (um dos quais decidiu iniciar a filmagem do sucedido), em conjugação com a circunstância de um dos visados desse mesmo confronto (DD) ter sido transportado ao mesmo hospital onde os assistentes também se deslocaram, não pode senão concluir-se que os três arguidos, atuando conjuntamente, em grupo, participaram na factualidade imputada nos moldes que resultaram provados. No que se refere aos elementos psicológicos e volitivos imputados nesta parte aos arguidos, considerou-se que estes factos decorriam de forma segura, por inferência e com apoio nas regras da normalidade, das descritas condutas dos mesmos – aliás, tais factos encontram-se numa relação de quase necessidade com essas condutas. Assim, tudo visto, deram-se como demonstrados os factos 1. a 4. e quanto à factualidade dada como não provada em a. e f. resultou como consequência do exposto e por não ter sido produzida prova bastante no preciso sentido em que vinha descrita.
Menciona o recorrente o facto de o assistente CC não ter garantido com certeza que o indivíduo que viu no hospital era o que tinha visualizado a ser agredido na mesma noite nas declarações que prestou em 15/05/2024.
Ouvida, por este Tribunal, a agravação do seu depoimento prestado em audiência, o assistente referiu, a esse propósito, que acha que viu no Hospital o Indiano, explicando melhor que ele assistente foi agredido que voltaram ao hotel e não conseguia respirar por causa da agressão nas costelas. O BB chegou também a escorrer sangue. Os donos do hotel chamaram uma ambulância para os levar ao Hospital e foram ao hospital. Nessa altura pensa ter visto o outro indivíduo ferido a entrar no hospital.
Ainda que o assistente nas declarações não o tenha, de facto, afirmado peremptoriamente o certo é que a convicção do Tribunal não resultou apenas das suas declarações, mas também nos demais meios de prova mencionados na convicção que conjugou com essas declarações, nomeadamente o depoimento de EEE em conjugação com o que consta de fls. 699 e do episódio de urgência de fls. 1062/1063 (referência 39555230), conjugado com ditas (no início da motivação) regras da experiência e a livre convicção dos julgadores, sem descurar o disposto quanto ao valor da prova pericial, em conformidade com os artigos 127º e 163º, do Código de Processo Penal. Sendo certo, ademais, que na ficha de urgência de fls. 150 e da referência 39555230, consta expressamente a menção na Triagem a “Agressão” e “trazido por INEM por alegada agressão”. Sendo certo que, ainda que consta também a menção “…após queda da própria altura”, daqui não se infere que a queda não possa na sequência de agressão, tanto mais que à Triagem foi comunicada “Agressão”.
Assim, não vemos qualquer erro de julgamento, quanto aos factos 1 a 5 dados como provados.
Quanto aos factos 6.º a 21.º refere o recorrente em síntese que: 30. A dinâmica dos eventos relatados pelos assistentes e identificação dos alegados agressores, mudou a partir do momento em que foram confrontados com os fotogramas retirados das filmagens de vídeo-segurança realizadas no CT Bar. 31. Nesses fotogramas, em que só vislumbramos um milésimo de segundo do desenrolar dos eventos, mostram o arguido HH no interior e exterior do bar. 32. Em momento algum ele aparece em grupo com os demais indivíduos que se assemelham com seguranças/ porteiros; com uma postura rígida ou de “ataque”. 33. Permanece no interior do Bar a conversar com o dono do mesmo como teve oportunidade de explicar e depois no exterior do mesmo a conversar com outras pessoas que ali estavam – fotograma de folhas 26 dos autos. 34. E, foi precisamente nesta altura, ao que aferimos dos depoimentos prestados pelos assistentes que visualizaram o arguido: no exterior do bar a conversar. Não o viram a correr em sentido ao contrário à marcha dos assistentes. Lembramos que todos eram corpulentos, com t-shirts pretas e com a palavra YYY inscrita. 35. O arguido HH trajava um casaco de fato de treino azul-escuro, com riscas e logotipo de uma marca de roupa, diferentemente do que os seguranças da empresa "YYY" supostamente usavam. 38. Os fotogramas revelam que a primeira contenda dentro do bar começou às 00h02m25s e durou cerca de dois minutos, supomos, porque apesar do Órgão de Polícia Criminal ter visualizado tais imagens, não fez constar tal do auto de visionamento. 39. Os envolvidos em tal altercação saíram do bar, ainda alterados, e foi precisamente neste momento que os assistentes visualizam a altercação que mencionam. E de seguida visualizam um grupo de seguranças/porteiros da YYY, a correr. 40. Nos momentos seguintes, o que constamos é a entrada de várias pessoas no bar, sendo que o arguido aos 00h15m31s estava a conversar com o dono/gerente do bar, outros indivíduos que aparentavam ser seguranças entraram no bar, um deles a falar ao telemóvel. 41. Depois saiu do bar e lá permaneceu até ir para a sua casa. Nenhuma prova foi feita em contrário que permita sustentar a tese do Acórdão. 44. Perante o supra exposto o Tribunal a quo, apesar de ter elementos probatórios para tal, não concretizou adequadamente a hora dos factos imputados ao arguido, deixando uma margem de dúvida sobre a participação do arguido nos mesmos, sendo certo que pouco depois da meia-noite, não pode significar toda a madrugada da noite do dia 11 de Outubro de 2021. 45. São consabidas as contradições das declarações prestadas pelos assistentes ao longo do processo, especialmente em relação à identificação dos agressores e da indumentaria que estariam a usar. 46. Inicialmente, todos os agressores foram descritos como funcionários da YYY, usando t-shirts pretas e brancas com logotipos da empresa. Mais tarde, os assistentes mudaram a sua versão para incluir pessoas que não usavam fardamento da empresa e indicaram que apenas alguns dos agressores usavam a t-shirts com o logotipo "YYY", mas todos trajavam t-shirts pretas ou roupas escuras. 47. (…) as declarações do assistente CC, prestadas no dia 15 de Maio de 2024 e citadas supra: Juiz Presidente: porque é que diz que eram porteiros? Ass.: porque baseado no tamanho deles, eram corpulentos e depois tinham uma roupagem própria e que tinham logos. Mas que cores? Ass.: Eram t-shirts pretas e brancas e com calças pretas. E disse também que conhece porteiros e que assumiu que eram porteiros. Juiz Presidente: essas t-shirts brancas e pretas tinham logotipo, logos de algum tipo? Ass: Sim. Eu reparei que duas t-shirts tinham logotipos nelas e diziam YYY. Juiz As brancas ou as pretas? Ass.: as pretas. As t-shirts pretas tinham o nome YYY escrito em branco. E nem todas as pessoas tinham logotipo nas t-shirts. 48. Mas para o assistente BB, nunca deixaram de pertencer à empresa YYY, como declarações transcritas supra: Ass.: Não. Deixou de ver o telefone dez segundos depois de ter voado e depois teve de defender-se e não conseguiu ter mais contacto com o telefone. Juiz: disse que alguém pisou o telefone… Ass.: Não eu não vi ninguém a pisar o telefone. Pensa que foi destruído porque não o conseguiu localizar, através da aplicação do telefone. Juiz: e depois o que aconteceu mais? Ass: estavam a bater na cabeça, bateram com o bastão na cabeça em dois sítios. Ele estava encostado junto a uma parede e manteve-se naquela posição a ser atacado, conseguiu levantar-se e dar a volta à esquina onde havia mais pessoas e conseguiu ver o CC a ser atacado. Juiz: o que é viu a fazerem ao amigo? Ass.: estava no chão, pontapeado no chão. Juiz: e essas pessoas que estava a referir eram as pessoas que estavam de preto com as tais inscrições YYY nas costas. Ass.: Sim. Juiz: e depois como é que o amigo saiu dali? Ass.: Honestamente, eu não sei como ele saiu daquela situação. Ele fugiu para o meio da rua e viu o amigo encostado entre uma parede e um carro, estava a ser atacado, e depois como mais ninguém o estava a seguir foi ver se o amigo estava lá, mas ele já não estava lá. Juiz: e depois? Ass.: encontrou dois dos amigos com quem estavam e foram à procura do CC, mas como não o viram, tentaram ligar e depois foi o CC que ligou para um dos amigos. Juiz: quem eram esses amigos? Ass.: são amigos de Los Angeles, OO and PP Juiz: Chegou a ir ao Hospital, chegou a chamar a polícia? (00h20m09s) 49. Além disso, os assistentes mencionaram que um dos indivíduos era de “raça negra” que se dirigiu a eles e retirou o telefone das mãos, para depois passar a um indivíduo afro-caribenho, sem uma identificação precisa, mas conveniente para sustentar a acusação deduzida. 50. Os assistentes declararam que os supostos seguranças passaram por eles, numa primeira fase, não havendo consenso sobre o número total que estaria no grupo de agressores; se estavam realmente fardados com a roupa adstrita à empresa YYY e no modo como ocorreu a “aproximação” aos assistentes. 51. Terá sido um individuo da “raça negra” que saiu do grupo e se dirigiu ao assistente BB, tirou-lhe o telemóvel das mãos e o espezinhou ou foi um indivíduo que vindo nas costas deles, afro-caribenho, atirou o telemóvel para o chão? 52. Essas contradições nas declarações dos assistentes prestadas em inquérito e em audiência de julgamento – declarações do assistente CC e BB prestadas em audiência de discussão e julgamento: (…) Não. Foi mais tarde que foi para o hospital. O BB estava a filmar e houve alguém que veio por trás agarrou no telefone e mandou-o para o chão e esmagou o telefone com o pé. Essa mesma pessoa esmurrou o BB, ainda tentou puxar o BB. (…) levantam dúvidas sobre a precisão das memórias dos assistentes, especialmente considerando que os factos ocorreram há mais de dois anos. 58. O Tribunal a quo desconsiderou as explicações do(s) arguido(s), ainda que fossem consistentes ao longo de todo o processo, credibilizando as declarações mutáveis dos assistentes em busca duma condenação exemplar como sinal para a sociedade em geral. 61. Face aos argumentos aduzidos e prova produzida em julgamento, a mesma que serviu para condenar concatenada com outra prova documental, que pura e simplesmente foi ignorada, mas de suma importância, a participação do arguido HH na factualidade vertida nos pontos 1 a 21, mormente os pontos 7.º e 10.º deverá ser dada como não provada.
Quanto ao NUIPC 652/21.8PALSB (factos 5 a 21) o Tribunal Colectivo motivou a decisão de facto baseando-se no seguinte“ Nesta parte, valorizou-se particularmente as declarações do assistente CC, o qual detalhou, de forma lógica e pelo posicionamento em que se colocou, aquilo que sucedeu ao telemóvel do assistente BB, da parte de um mesmo indivíduo que também o esmurrou, nos moldes que se deram como provados. Em relação ao valor desse telemóvel, consideraram-se as declarações do assistente BB, o qual referiu que o mesmo teria custado à volta de 1.000 libras, cerca de seis meses antes, vindo na sequência do sucedido a adquirir um novo, conforme fatura de fls. 762 (cuja tradução consta de a fls. 1301/1302-verso), a permitir assim apurar que o dito telemóvel custaria, pelo menos e com segurança, o valor que constava descrito na acusação. Quanto à identificação dos arguidosvale o que acima foi já expendido e aquela que foi a valoração de toda a prova testemunhal produzida.”
Referindo-se aos autos de reconhecimento pessoal realizados pelo assistente CC, que em julgamento, com os mesmos confrontado, logrou identificar o arguido HH, esclarecendo quanto a este que só não o tinha feito igualmente na PSP porque na altura não teve 100 % de certeza, uma vez que o reconhecimento “foi pelo telefone”, mas que agora não tem dúvidas. Depoimento que o Tribunal considerou clarividente, seguro e circunstanciado, ao ponto de concretizar as atuações que se recorda levadas a cabo por cada um dos arguidos, especificando que os arguidos AA e HH fizeram parte do grupo de indivíduos que “esmurraram o rapaz indiano” e que depois também fizeram o mesmo a si, sendo que do arguido GG só se apercebeu quando este veio a pontapeá-lo (a si) na cara. De igual forma relevam os autos de reconhecimento pessoal realizados pelo assistente BB, em 10.07.2022, a fls. 374/375 e 376/377, no âmbito dos quais identificou sem qualquer dúvida respetivamente os arguidos GG e HH,o que em julgamento, com os mesmos confrontado, foi igualmente perentório nessa identificação, assim como logrou ainda identificar o arguido AA, o que levou a cabo de forma muito assertiva, descrevendo, com precisão, aquilo que cada um levou a cabo, mormente a circunstância do arguido GG integrar o grupo que referiu acima e que decidiu filmar, vindo depois na sua direção e a pontapear o assistente CC, do mesmo modo que referiu que o arguido AA lhe desferiu murros a si ao assistente CC e o que o arguido HH fazia parte do grupo que se dirigiu ao dito “indiano”. Neste conspecto, quanto à identificação em audiência, impõe-se exarar que não se trata aqui de valorar um «reconhecimento» informal, mas de valorar a visualização dos arguidos por aqueles que prestam declarações (testemunhas/demandantes/assistentes), como elemento acessório, corroboratório do reconhecimento (caso tenha existido) – visualização aquela, aliás, que podia ter ocorrido em outro local que igualmente permitisse a identificação da pessoa visualizada, não se tratando de uma específica diligência probatória em julgamento, mas antes a ser valorada em conjunto com as demais provas produzidas.
Concluindo que: Assim, tudo visto, deram-se como demonstrados os factos 5. a 21. e quanto à factualidade dada como não provada sob b., c. e f. resultou como consequência do exposto e por não ter sido produzida prova bastante no preciso sentido em que vinha descrita.
Reapreciado a prova gravada, procedeu-se à audição da seguinte prova produzida em audiência de julgamento, e fazendo uma súmula dos depoimentos:
- O arguido AA, que disse ser gestor de frota da empresa novigater, não confessou a totalidade dos factos, confessou apenas os factos relativamente às buscas e ao que foi encontrado. Diz que a 11/10/2021 estava no local, porque trabalhava num bar BT, normalmente ia ao CT Bar comer uns pãezinhos e beber um café. Estavam as mesas desarrumadas e as empregadas a chorar a dizer que tinha havido agressão. Foi à porta do bar com uma funcionária e viu vigilantes a envolver-se em confrontos, pareciam ser da YYY. Estava a 800 metros e não reconheceu o grupo, acha que eram indianos, para aí umas 7 pessoas. Estava a trabalhar nesse dia a fazer segurança. Já trabalhou na YYY durante um mês. Na altura trabalhava há uns 4/5 meses no bar que refere. Usava a farda da profile que era preta. Quanto ao arguido GG, chegou a trabalhar com ele num festival como segurança e só agora o voltou a ver quando foi detido. Diz que não conseguiu ver pontapés. Viu um grupo a aproximar-se do outro e as pessoas a afastarem-se, o que lhe pareceu um confronto. Não viu polícias.
Não sabe porque o identificaram, mas trabalhou muitas vezes nos bares no local.
Quanto ao arguido GG, afirma que nas datas que estão nos factos não estava presente em nenhum dos locais e que ele já não tinha qualquer ligação com a empresa YYY e tinha já entregue o fardamento. Conheceu o arguido AA em 2016 tendo trabalhado com a mesma empresa de segurança no festival XXX.
Disse que não conhece o arguido HH. Não conhece os ofendidos nem nunca tinha ouvido falar. Confirma a busca na casa em Odivelas. Afirma que no dia 11/10 trabalhou no festival ZZZ na ... em Lisboa, até às 8 horas da manhã, tinha como farda uma t shirt amarela a dizer ZZZ. A YYY também estava a fazer serviço para o festival ZZZ.
Quanto ao arguido HH, admite que por volta da meia noite esteve no bar “CT Bar”, o gerente falou-lhe que tinha havido confusão por um grupo de Indianos. Depois de sair viu uns cidadãos africanos e estava a ver uma luta de indianos à beira do mini preço. Diz que nunca ouviu falar da empresa YYY.
Quanto a BB, assistente referiu que sabe quem são os arguidos mas não os conhece. Explicou no decurso das declarações que estava em Lisboa a celebrar o aniversário de uma amiga da mulher. Vieram jantar a Lisboa e falaram-lhe na Rua … e foram lá. Viu um grupo de bandidos com T-shirts pretas a dizer YYY, cerca de 6/7 que, quando chegaram junto a um grupo de 4 ou 5 começaram a bater-lhes, com socos na cara e pontapés. Todos eles atacaram. Ele, assistente, começou a filmar com o seu telemóvel. Então alguém o atacou por trás, deu-lhe uma palmada no telemóvel e a pessoa não o deixou apanhar o telemóvel do chão. Todos do grupo viraram-se para ele assistente e atacaram-no com murros e com um bastão extensível. Que o telemóvel era um iPhone, teve que comprar um outro do mesmo modelo, referindo o seu custo. Diz que nem sabe como saiu da situação, começou a fugir para o meio da rua e viu o amigo CC a ser atacado. Explica que foram para o Hotel e depois foram ao hospital em ambulância e no hospital falaram com a polícia. Ficou no Hospital durante algum tempo e depois foram-se embora de Portugal. Levou pontos na cabeça que tirou já em Inglaterra. Confirma que fez reconhecimentos, explicando como foram feitos, à distância, por videochamada. Não teve dúvidas em identificar em audiência quais os arguidos, que o atacaram.
CC, assistente esclareceu que veio, no dia 10/10 numa viagem de trabalho, a Portugal, por 3 dias, a sua mulher e dois amigos foram jantar a Lisboa, que também tinham viajado a lazer para Portugal. Um dos amigos era BB. Depois do jantar ele e o amigo resolveram ir caminhar um pouco. Viram um grupo de seguranças porteiros correr em direcção a eles e passaram por eles. Era 5/6, alguns deles com t-shirts brancas e pretas, e algumas com o dizer “YYY”. Cerca de 3 pessoas deles, com t.shirts pretas e uma dizia YYY, foram em direcção a umas pessoas e houve uma briga e agrediram um indiano e uma pessoa do sexo masculino foi arrastada pelo chão. O seu amigo BB decidiu filmar o incidente. Refere que nunca tinha visto as referidas pessoas. Acha que viu o Indiano que foi agredido no Hospital. Um deles veio junto de BB agrediu-o e arrancou-lhe o telemóvel que foi parar ao chão. A pessoa que atacou o amigo estava com roupa escura. Outros indivíduos, no mínimo de 3 vieram também em direcção ao amigo BB e deu-lhe murros e um outro também lhe deu murros, chegando a vê-lo agachado no chão com as mãos na cara a ser agredido. O declarante tentou fugir, mas também foi agredido com murros e pontapés. Passaram-lhe uma rasteira e os sapatos saltaram, caiu no chão, os pontapés continuaram, conseguiu levantar-se foi repetidamente esmurrado e pontapeado pelas mesmas pessoas com as t-shirts pretas. Foi pontapeado no lado esquerdo da cara. Tinha óculos que foram perdidos na sequência de estar a ser esmurrado. Teve que comprar outros óculos. O telemóvel do amigo não mais o encontraram.
Voltaram ao hotel e não conseguia respirar por causa da agressão nas costelas. O BB chegou também a escorrer sangue. Os donos do hotel chamaram uma ambulância para os levar ao Hospital e foram ao hospital. Nessa altura pensa ter visto o outro individuo ferido a entrar no hospital. Fez raio x ao tórax tinha costelas partidas à frente e atrás e o seu olho estava descer e nariz estava partido por causa dos pontapés. O BB levou pontos na cabeça. Depois de várias horas no hospital, o médico disse que tinha que fazer intervenção cirúrgica para colocar o olho no sítio. Saiu do Hospital com os polícias que lá estavam.
Teve indicação do médico para não viajar e que tinha que fazer intervenção cirúrgica, esperou 2 dias para ver a evolução, foi depois ao Hospital acompanhado da mulher. Disseram-lhe que tinha que fazer cirurgia o mais rápido possível. A polícia e o hospital informaram que podia identificar as pessoas para serem processadas.
Tentou obter outra opinião de médicos em Londres. Esperou 10 dias para viajar de avião para Londres e regressaram a Londres. Em Londres foi operado ao olho e reconstruída a parte inferior do olho e foi operado também ao nariz para pô-lo no sítio. Foi várias vezes à polícia. Ficou no hotel o tempo todo e adquiriu novos bilhetes de avião.
Afirma que viu um bastão negro na mão de um dos indivíduos, mas não se lembra de ter sido usado. Diz que entregou fotos à polícia de pessoas que identificou na internet. Descreveu as pessoas que tinha visto.
Confirma que fez reconhecimentos na polícia. Meses mais tarde fez reconhecimento por chamada de vídeo. Identificou com 100% de certeza dois indivíduos e um outro sem 100% de certeza. Em audiência, pedido para virar para trás para ver os arguidos e se lhe diziam alguma coisa, reconheceu os indivíduos/arguidos. Explicou o que cada um fez.
Relativamente à testemunha EEE, agente da PSP, não conhece os arguidos, à data trabalhava na esquadra do Bairro alto e foi chamado à Rua …, confirmou a elaboração e assinatura do auto de notícia 2/2 dos autos (NUIPC 780/21.0PCLSB).
A testemunha PP, advogada, sendo uma sua prima casada com o assistente CC, conhecendo, por isso, este, sendo BB seu amigo, não tem nenhuma relação com os arguidos. Que esteve presente no local. Viu o CC e o BB a serem agredidos, explicando o que viu. Confirmou que os mesmos foram assistidos no hospital. Mais lhe foram mostrados os arguidos presentes em audiência, que se aproximaram da câmara, explicando o que se recordava.
OO, marido da testemunha anterior, que conhece os assistentes CC e BB, explicando porque os conhece, em relação aos arguidos não os conhece. Explicou que após jantar foram dar um passeio, ele a esposa, o CC e o BB. E na Rua … viram seguranças com t-shirts pretas. Viu um homem a atacar o CC, tinha uma t-shirt preta. Chegou a ver o CC cheio de sangue na cabeça. Viu também um “indiano” caído no chão. Uma pessoa que não o deixou passar para ir ter com o CC foi o arguido que identificou em audiência que corresponde ao arguido GG e que foi quem viu agredir o ofendido CC. Sabe que o CC e o BB foram ao hospital, tendo no hotel sido chamada ambulância. Explicou quais os traços do arguido GG que o levou a reconhecê-lo em audiência. “Barba, maças do rosto”, foi a única pessoa que olhou nos olhos.
Quanto à testemunha DDD, casada com o assistente CC desde outubro de 2022 e que conhece o assistente BB desde abril de 2019. A mesma esclareceu que não presenciou os factos porque no momento das agressões aos referidos marido e amigo não estava com eles. Viu-os depois no hotel. Tendo descrito as lesões que o CC apresentava explicando o que aconteceu após isso na vida do ofendido.
Ora, todos estes depoimentos, em especial os dos assistentes BB e CC, devidamente conjugados, tendo em conta também os autos de reconhecimento pessoal realizados pelos assistentes a fls. 362, 363, 365, 366, 374, 375, 376 e 377, são os mesmos de molde a concluir que bem andou o Tribunal recorrido em dar como provados os factos 5.º a 21.º, nomeadamente no que respeita ao arguido/recorrente como co-autor dos factos 9 a 16, não se verificando qualquer erro de julgamento.
O Tribunal Colectivo acolheu a versão apresentada pelos assistentes, em detrimento do depoimento dos arguidos, à luz da livre convicção, explicando porque neles acreditou.
Ademais, em caso de impugnação alargada e reapreciação da matéria de facto, o tribunal ad quem deverá avaliar “se a convicção expressa pelo Tribunal recorrido tem suporte adequado naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si e, consequentemente, a Relação só pode alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excepcionais, de manifesto erro na apreciação da prova. O controlo da matéria de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode subverter ou aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída, dialecticamente, na base da imediação e da oralidade. (...) Por outro lado, reapreciação só pode determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão (Acórdão da Relação de Coimbra de 12-09-2012, proferido no processo n.º 245/09.8 GBACB.C1) destaque nosso.
E, no caso dos autos, a convicção do Tribunal tem suporte adequado e verosímil na gravação da prova produzida em audiência, cujos depoimentos nomeadamente dos assistentes não manifestaram contradições de relevo, e com a prova pré-constituída, nomeadamente, os autos de reconhecimento.
Refere o recorrente ser a versão dos factos acolhida pelo Tribunal violadora do princípio da livre apreciação da prova (art.º 127.º, do CPP).
É certo que a livre convicção não se confunde com convicção íntima, caprichosa e emotiva, dado que é o livre convencimento lógico, motivado, em obediência a critérios legais, passíveis de motivação e de controlo, na esteira de uma “liberdade de acordo com um dever”, no ensinamento do Professor Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, vol. I, Reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 201 a 206, que o processo penal moderno exige, dever esse que axiologicamente se impõe ao julgador por força do Estado de Direito e da Dignidade da Pessoa Humana.
De acordo com o aludido princípio da livre apreciação da prova, o julgador é livre ao apreciar as provas, estando tal apreciação apenas vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório sendo que “A livre convicção não pode ser vista em função de qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios, mas antes deve perspetivar-se segundo as regras da experiência comum, num complexo de motivos, referências e raciocínio, de cariz intelectual e de consciência, que deve de todo em todo ficar de fora a qualquer intromissão interna em sede de conhecimento. Isto é, na outorga, não de um poder arbitrário, mas antes de um dever de perseguir a chamada verdade material, verdade prático-jurídica, segundo critérios objectivos e susceptíveis de motivação racional.” – cfr. Professor Figueiredo Dias, ob. e loc. citados e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08.02.2012, proferido no processo nº 38/10.0 TAFIG.C1, disponível inwww.dgsi.pt/jtrc.
A actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sociocultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente. Isto é, a perceção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a imediação das provas, sendo certo que, não raras vezes, o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios, que tenham merecido a confiança do tribunal.
Como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2010, proferido no processo nº 11/04.7 GCABT.C1.S1, disponível inwww.dgsi.pt/jstj, “Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.”.
No acórdão recorrido em crise, não foi violado o princípio da livre apreciação da prova inserto no art.º 127.º, do CPP, que, em conjunto com o princípio da imediação, evidencia a livre convicção dos juízes da primeira instância que compuseram o Tribunal Colectivo, que realizou o julgamento e proferiu o acórdão condenatório, a qual se mostra consentânea com as regras da experiência e da lógica.
O Tribunal recorrido, fundamentou de forma suficiente os factos dados como provados, em especial os mencionados pelo recorrente como incorretamente julgados, por reporte à prova produzida, concluindo no final a convicção positiva, denotando no seu raciocínio ausência de quaisquer dúvidas, explicando, todo o processo de formação da sua convicção fazendo um exame crítico da prova.
Decidiu-se, no douto Acórdão da Relação de Coimbra de 9/9/2009 (Pº 564/07.8PAVCD.P1) o seguinte: «Acresce que vigorando no âmbito do processo penal o princípio da livre apreciação da prova, com expressa previsão no art.º 127º, a impor, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação, tanto mais que sendo a apreciação da prova em primeira instância enriquecida pela oralidade e pela imediação, o tribunal de 1ª instância está obviamente mais bem apetrechado para aquilatar da credibilidade das declarações e depoimentos produzidos em audiência, pois que teve perante si os intervenientes processuais que os produziram, podendo valorar não apenas o conteúdo das declarações e depoimentos, mas também e sobretudo o modo como estes foram prestados, já que no processo de formação da convicção do juiz “desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um determinado meio de prova) e mesmo puramente emocionais”, razão pela qual quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum».
Ao Tribunal de recurso cabe apenas verificar se os juízos de racionalidade, de experiência e de lógica confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. “Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração” (Paulo Saragoça da Matta, “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, texto incluído na colectânea “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, pág. 253).
Como vimos, o percurso seguido pelo Tribunal a quo na convicção formada e nos motivos dela determinantes, mostra-se, perfeitamente explicado, de forma lógica e objectivável e, nessa medida, porque beneficiou da imediação e da oralidade, deve prevalecer.
Como refere o Acórdão deste TRL de 11.03.2021, Proc. nº 179/19.8JDLSB.L1-9 relator ABRUNHOSA DE CARVALHO: “(…) II – Os Tribunais da Relação têm poderes de intromissão em aspectos fácticos (art.ºs 428º e 431º/b) do CPP), mas não podem sindicar a valoração das provas feitas pelo tribunal em termos de o criticar por ter dado prevalência a uma em detrimento de outra, salvo se houver erros de julgamento e as provas produzidas impuserem outras conclusões de facto; III – Normalmente, esses erros de julgamento capazes de conduzir à modificação da matéria de facto pelo tribunal de recurso consistem no seguinte: dar-se como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha que nada disse sobre o assunto; dar-se como provado um facto sem que tenha sido produzida qualquer prova sobre o mesmo; dar-se como provado um facto com base no depoimento de testemunha, sem razão de ciência da mesma que permita a referida prova; dar-se como provado um facto com base em prova que se valorou com violação das regras sobre a sua força legal; dar-se como provado um facto com base em depoimento ou declaração, em que a testemunha, o arguido ou o declarante não afirmaram aquilo que na fundamentação se diz que afirmaram; dar-se como provado um facto com base num documento do qual não consta o que se deu como provado; dar-se como provado um facto com recurso à presunção judicial fora das condições em que esta podia operar; IV - Quando o tribunal recorrido forma a sua convicção com provas não proibidas por lei, prevalece a convicção do tribunal sobre aquelas que formulem os Recorrentes; (…).”
Efectivamente, a valoração probatória efectuada pelo tribunal colectivo, alicerçada nas regras da experiência comum e descredibilizando, em parte, as declarações prestadas pelos arguidos em audiência, na sua presença, beneficiando da imediação e da oralidade, não nos merece qualquer censura, sendo, aliás, insindicável por este tribunal ad quem, na medida em que se mostra conforme às regras da lógica e da experiência, tal como explanado na motivação da decisão recorrida.
Por razões que se prendem em particular com a ausência de imediação e de oralidade, o poder de apreciação do Tribunal de recurso não é equivalente a um segundo julgamento, não podendo assim esperar-se que aí seja encetada uma alteração da matéria de facto provada apenas por ser possível uma outra análise da prova; essa alteração deverá ocorrer apenas se a análise da prova o impuser, como decorre do art.º 412.º, n.º 3, alíneas b) e c) do Código de Processo Penal, o que significa que não basta contrapor-se à convicção do julgador uma outra convicção diferente para provocar uma modificação na decisão de facto, sendo necessário demonstrar-se que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados é, pelo menos, desprovida de razoabilidade (cfr. sobre esta matéria, entre tantos outros, os Acs. da RL de 10.10.2007 e da RE de 1.04.2008, relatados por Carlos de Almeida e Ribeiro Cardoso; sobre a não imperatividade constitucional de um sistema de «segundo julgamento», vide o Ac. do TC n.º 59/2006, inwww.tribunalconstitucional.pt).
O que o Recorrente pretende é que esta Relação se substitua ao Tribunal de 1ª Instância no juízo de facto realizado, como se estivéssemos diante um novo e inicial julgamento, o que não é possível.
Pelo exposto, e, em suma, as premissas do Acórdão recorrido, secundadas pelas considerações supra, no que toca à matéria de facto, encontram-se fundadas na prova produzida conjugada com as regras de experiência comum e são suficientes para dar os mesmos como provados e para alcançar o enquadramento jurídico penal e a conclusão condenatória do arguido, como realizada pelo Tribunal recorrido.
Do exposto se conclui pela inexistência de erro de julgamento, merecendo esta questão o não provimento por este Tribunal de recurso.
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4.ª Da verificação de vícios previstos no art.º 410.º, do CPP em especial o erro notório na apreciação da prova nomeadamente, por violação do princípio da presunção de inocência por dúvida razoável.
Analisando, os fundamentos do recurso em termos de impugnação restrita da matéria de facto a fim de concluir se ocorre algum dos vícios de erro notório na apreciação da prova ou de insuficiência para a decisão da matéria de facto, aliás de conhecimento oficioso (Cfr. Jurisprudência uniformizadora: Ac. Do STJ n.º 7/95 de 19/10/95, in DR de 28/12/1995), previstos no n.º 2 do art.º 410.º, do CPP, em especial o alegado “erro notório” na apreciação da prova, diremos que em comum aos três vícios aí previstos, o vício que inquina a sentença ou o acórdão em crise tem que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum (parte final do n.º 2 do referido art.º). Quer isto significar que não é possível o apelo a elementos estranhos à decisão, como por exemplo quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento, só sendo de ter em conta os vícios intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma – cfr. Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal Anotado”, Almedina, 16ª ed., pág. 871.
Os três vício, consubstanciam, em suma, vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto [constituem vícios da decisão relativa à matéria de facto e não do julgamento], verificando-se quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
O erro notório na apreciação da prova (vício a que alude a alínea c), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), constituiu uma “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Ou, dito de outro modo, há tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.” – cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, ob. e loc. citados.
Um tal vício de erro notório na apreciação da prova não se verifica quando a discordância resulta da forma como o tribunal apreciou a prova produzida. O simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal e expressa na decisão recorrida não conduz ao aludido vício.
Se os factos descritos na decisão e considerados provados e não provados se apresentam, aos olhos de um homem dotado de mediana inteligência e experiência da vida, contraditórios ou de verificação impossível, no contexto daquela descrição e a respectiva análise crítica pelo Juiz não obedece a claros princípios de racionalidade, ou viola regras de prova vinculada ou conhecimentos comuns inquestionáveis. (cfr. Fernando Gama Lobo, Código de Processo Penal Anotado, 4.ª edição, Almedina, pág. 958.)
O erro notório na apreciação da prova constitui vício intrínseco e endógeno da decisão, independente de qualquer elemento que lhe seja exterior, designadamente de meios de prova produzidos [ressalvada a desconsideração de prova de valor legalmente vinculado] ou que o deveriam ter sido, e que decorre de aquela assentar em premissas ou chegar a conclusões entre si excludentes ou frontalmente contrariadas por regras científicas ou por qualquer regra da normalidade e experiência.
Retornando ao caso dos autos relativamente, em especial, ao erro notório na apreciação da prova, alega o arguido/recorrente que perante as provas produzidas e a existência de duas versões sobre os mesmos, uma delas assente nas declarações do arguido e testemunhas que arrolaram, a desconsideração de outras provas e a incongruências e contradições, impunha-se ao julgador a aplicação do princípio da presunção de inocência previsto no art.º 32.º, da CRP.
É certo que o princípio in dubio pro reo, emanado do princípio político-jurídico da presunção de inocência, até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (art.º 32.º, n.º 2, da CRP), vem sendo assumido, genericamente, que se encontra, intimamente ligado ao da livre apreciação da prova (art.º 127.º do CPP), do qual constitui faceta, e este último apenas comporta as excepções integradas no princípio da prova legal, ou tarifada, ou as que derivem de uma apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova produzida e ofensiva das regras da experiência comum.
Como decorre da Jurisprudência do STJ o princípio inserto no art.º 127.º, do CPP estabelece três critérios para a apreciação da prova:
1. O primeiro é a apreciação da prova meramente objectiva quando a lei o determina (por exemplo na apreciação do caso julgado (art.º 84.º) na apreciação da prova pericial (art.º 163ª) na apreciação do valor probatório de alguns documentos (art.º 169.º) na confissão integral e sem reservas (art.º 344.º);
2. O segundo também objectivo advém de conhecimentos científicos genéricos e das regras da experiência comum, da normalidade do pensar e agir humano;
3. O terceiro será eminentemente subjectivo que resulta da livre convicção objectivável e motivável do julgador (neste sentido Acórdão do STJ de 18/01/2010, processo 3105/00, in www.dgsi.pt. e Fernando Gama Lobo, Código de Processo penal Anotado, Almedina, 4.ª Edição)
Na realidade, ao Tribunal de recurso cabe apenas verificar se os juízos de racionalidade, de experiência e de lógica confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar, “Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração” (Paulo Saragoça da Matta, “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, texto incluído na colectânea “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, pág. 253).
O princípio in dubio não é uma regra para a apreciação da prova, pois que apenas se aplica depois de finalizada a valoração e apreciação crítica da prova. O princípio in dubio pro reo é, assim, apenas uma regra de decisão da prova.
O uso do princípio in dubio pro reo só deve ocorrer quando, após a produção e a apreciação dos meios de prova relevantes, o julgador se defronte com a existência de uma dúvida razoável sobre a verificação dos factos e, perante ela, se lhe imponha decidir a favor do arguido. Não se trata, pois, de uma dúvida hipotética, abstrata ou de uma mera hipótese.
Como princípio que se projecta em sede de apreciação da prova, a sua violação é tradicionalmente tratada como erro notório na apreciação da prova (artigo 410º, nº 2, al. c) do Código de Processo Penal) e, por isso, tal como sucede com os demais vícios da sentença, tem que resultar ou decorrer do próprio texto da decisão recorrida.
A ideia central que preside a este princípio é a de que mais vale absolver um culpado do que condenar um inocente, i.e., quando há um conflito entre ius puniendi e ius libertatis, o Estado deve inclinar-se a favor deste, o in dubio pro reo significa que num non liquet seja valorado pro reo, se dê a acusação como não provada e, consequentemente, decida a favor do arguido .
O princípio in dubio pro reo resulta, igualmente, do princípio da culpa, que se retira dos artigos 18º/2 e 27º da CRP. Com efeito, o princípio da culpa, é um princípio material de direito penal substantivo e sem determinação da culpa, não pode recair sobre quem quer que seja um juízo de censurabilidade.
Neste sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de novembro de 2002, Proc. nº 3316/02-5ª in www.dgsi.pt: “I – O princípio in dubio pro reo constitui um princípio probatório segundo o qual a dúvida em relação à prova da matéria de facto tem sempre de ser valorada favoravelmente ao arguido, e traduz o correspetivo do princípio da culpa em direito penal, sendo a dimensão jurídico processual do princípio jurídico-material da culpa concreta como suporte axiológico-normativo da pena”.
É certo que a “verdade absoluta” é propriedade que o transcende o julgador não irá sentenciar com base numa verdade “real”, “absoluta”, mas sim com base na verdade processual, motivável e objetivável através das regras da experiência. O julgador não decide com base num critério de verdade, – no sentido de “verdade absoluta” – mas com base num critério de convicção – convicção de que, após a produção de prova, os factos carreados para o processo correspondem a uma verdade íntima, convicta. (Cf. artigo da JULGAR on line de janeiro de 2021, relativo ao Princípio in dubio pro reo – considerações gerais, de JOSÉ PENIM PINHEIRO).
Se o juiz não lograr tal convicção, isso equivale a duvidar. Na dúvida in dubio pro reo. Mas é qualquer dúvida que motiva a decisão absolutória?
A resposta é não. A dúvida que fundamenta o apelo ao princípio in dubio pro reo deve ser insanável, razoável e objetivável.
Definindo, então, o conceito de dúvida razoável, em primeiro lugar, deverá ser insanável, pressupondo, por conseguinte, que houve todo o empenho no esclarecimento dos factos, sem que tenha sido possível ultrapassar o estado de incerteza.
Deverá ser razoável, ou seja, impõe-se que se trate de uma dúvida racional e argumentada.
Finalmente, deverá ser objetivável, ou seja, é necessário que possa ser justificada perante terceiros, o que exclui dúvidas arbitrárias ou fundadas em meras conjeturas e suposições. (neste sentido Ac. STJ de 12/01/2023 processo n.º 569/20.3JAAVR.P1.S1 relatora LEONOR FURTADO in www.dgsi.pt).
A doutrina e a jurisprudência têm, assim, adotado o critério anglo-saxónico da dúvida razoável (a doubt for which reasons can be given).
Em jeito de densificação, atento o conceito indeterminado de dúvida razoável o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-09-2015, Proc. nº 2/13.7GCETR.P1, in www.dgsi.pt vem afirmar que quando se afirma a necessidade da “prova para além de qualquer dúvida razoável” não se pretende excluir qualquer “sombra de dúvida” (“proof beyond the shadow of a doubt”), que corresponderia ao grau máximo de convicção, praticamente, uma certeza absoluta. A dúvida meramente subjetiva não é razoável. Daqui se infere que a dúvida na mente do julgador passível de motivar uma decisão absolutória, deve assentar numa neutralização razoável aos fundamentos da acusação. Tal deve ser objeto de uma averiguação casuística.
Como escreve FERNANDO GAMA LOBO “O princípio in dúbio pro reo não é mais do que um corolário da presunção de inocência, consagrado constitucionalmente no art.º 32.º, n.º 2 da CRP. Produto da Revolução Francesa, repousa na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art.º 11.º) e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art.º 6.º). Tem na apreciação da prova o seu campo jurídico de aplicação natural e lógico, a qual é da competência do Juiz. Com efeito enquanto não for demonstrada a culpabilidade do arguido, não é admissível a sua condenação. Tal princípio, serve para resolver a dúvida que surjam numa situação probatória incerta. Mas a dúvida tem que ser do juiz e não dos restantes intervenientes processuais (…).” in Código de Processo Penal Anotado, 4.ª edição.
O princípio in dubio pro reo estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido, ou seja, o julgador deve valorar sempre em favor do arguido um non liquet.
A violação do princípio in dubio pro reo impõe que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados.
O Tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito desse princípio se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo - e não os sujeitos processuais ou algum deles - chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido.
Como em parte sumariado no Acórdão da Relação de Coimbra de 12-09-2018 proc. 28/16.9PTCTB.C1Relator ORLANDO GONÇALVES:
“(…) IV - O princípio do “in dubio pro reo” é exclusivamente probatório e aplica-se quando o tribunal tem dúvidas razoáveis sobre a verdade de determinados factos, ao passo que o princípio da presunção de inocência se impõe aos juízes ao longo de todo o processo e diz respeito ao próprio tratamento processual do arguido. V- O princípio in dubio pro reo estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido, ou seja, o julgador deve valorar sempre em favor do arguido um non liquet. VI -A violação do princípio in dubio pro reo exige que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados.”
O in dubio pro reo é convocável em matéria de prova quando o tribunal se encontre numa situação de dúvida razoável quanto a algum ponto da matéria de facto, circunstância em que a deve resolver em benefício do arguido; e, inversamente, já não colhe pertinência o in dubio pro reo quando o tribunal, com apoio nos meios de prova disponíveis e lendo-os criticamente à luz das regras da experiência comum, não tem qualquer dúvida razoável quanto aos factos a deles extrair ou, tendo-a tido em algum momento, a esclareceu, convencendo-se positivamente do facto em causa (entre tantos outros, vide o Acs. do STJ de 7.11.2002, da RC de 12.09.2018 e da RP de 28.10.2015, relatados por Oliveira Guimarães, Orlando Gonçalves e Ernesto Nascimento, respetivamente, inwww.dgsi.pt; vide ainda Paulo Pinto de Albuquerque, ob cit., pg. 1121).
Regressando ao caso concreto, o Tribunal de 1ª Instância não manifestou qualquer dúvida razoável a respeito de qualquer dos factos dados como provados, com apoio nos meios de prova disponíveis e lendo-os criticamente à luz das regras da experiência comum.
O Tribunal de 1.ª instância justificou devidamente a versão que acolheu, como se denota da motivação.
Como vimos, o percurso seguido pelo Tribunal a quo na convicção formada e nos motivos dela determinantes, mostra-se, perfeitamente explicado, de forma lógica e objetivável e explicável pelas regras da experiência comum e, nessa medida, porque beneficiou da imediação e da oralidade, deve prevalecer e ser acolhida.
Não há, pois, qualquer ofensa ao princípio da presunção de inocência ou da sua manifestação probatória do in dubio pro reo.
Do exposto se conclui não existir qualquer erro notório na apreciação da prova.
Quanto aos demais vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do CPP, de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão:
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (vício a que alude a alínea a), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), vício endógeno da sentença, com assento exclusivamente na matéria de facto considerada provada (não releva a não provada) ocorrerá, como ensina Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82). quando exista “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher… só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final.”
Em suma, se as premissas da decisão, no que toca à matéria de facto, são suficientes para alcançar a conclusão condenatória que se alcançou ,então não há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; se os factos reportados na sentença como provados, não constituem um acervo factual de elementos, inclusivamente de ordem típica, que consubstanciem o necessário e suficiente para se chegar à conclusão condenatória a que se chegou, então há insuficiência para a decisão da matéria de facto considerada provada. (cf. Fernando Gama Lobo, Código de Processo Penal Anotado, 4.ª edição, Almedina, pág. 954.)
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (vício a que alude a alínea b), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), consiste na “incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão. Ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente.” – cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82).
O vício da “contradição insanável da fundamentação só existe quando numa análise global, se possa concluir que em termos lógicos e racionais, a decisão não fica suficientemente esclarecida, dada a colisão entre os vários fundamentos invocados, enquanto o vício da “contradição insanável entre a fundamentação e a decisão” só existirá, quando, perante a mesma análise global e de acordo com o mesmo tipo de raciocínio, seja de concluir que a fundamentação em análise justifica um decisão precisamente oposta ou no mínimo não concordante com a tomada. (cfr. Fernando Gama Lobo, Código de Processo Penal Anotado, 4.ª edição, Almedina, pág. 954.)
Vista a factualidade dada como provada não existe lacuna no apuramento da matéria de facto, indispensável para a decisão de direito nem a mesma é insuficiente para fundamentar a solução de direito nem o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final.
Em suma, as premissas do acórdão, no que toca à matéria de facto, são suficientes para alcançar a conclusão condenatória que se alcançou.
O Tribunal recorrido não teve dúvidas em dar os factos como provados, da forma como o fez, após o exame crítico das provas produzidas.
É manifesto que o texto do acórdão recorrido não revela qualquer vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão nem erro notório na apreciação da prova.
Tem-se por definitiva a decisão sobre a matéria de facto proferida na 1ª Instância.
Improcede, pois, o recurso interposto pelo arguido quanto à impugnação da matéria de facto relevante para enquadramento jurídico penal.
5.ª. Da escolha e medida da pena e da suspensão com a condição do pagamento da quantia indemnizatória.
Considera o arguido que a pena que lhe foi aplicada é exagerada, e que deveria ter sido reduzida, bem como a condição do pagamento da quantia indemnizatória não deveria ter sido aplicada. Vejamos.
É lapidar o Acórdão do STJ de 19.05.2021, relatado por Ana Barata Brito, in www.dgsi.pt “No que respeita à decisão sobre a pena, mormente à sua medida, começa por lembrar-se que os recursos não são re-julgamentos da causa, mas tão só remédios jurídicos. Assim, também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico. Daqui resulta que o tribunal de recurso intervém na pena, alterando-a, quando detecta incorrecções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de primeira instância. O recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar. A sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso, abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (Figueiredo Dias, DPP, As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197).” No mesmo sentido Acórdão da Relação de Lisboa de 20/02/2025, processo 538/23.1SXLSB.L1-9, relator JORGE ROSAS DE CASTRO e, na doutrina, entre outros Figueiredo Dias, DPP, As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197. Atentemos:
O critério de escolha da pena encontra-se fixado no art.º 70º do C. Penal nos termos do qual, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Responde o art.º 40º do C. Penal, à questão de saber quais são as finalidades, dispondo no seu nº 1 que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, acrescentando no seu nº 2 que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, em concordância com o que estabelece o art.º 71º, nº 1 do mesmo código.
Com a inserção deste dispositivo estiveram no pensamento legislativo somente razões pragmáticas. Tratou-se tão só de dar ao interprete e ao aplicador do direito criminal critérios de escolha e medida das penas e das medidas de segurança, em vista de serem atingidos os fins últimos para os quais todos os outros convergem, que são a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo que a medida da culpa condiciona a própria medida da pena, sendo assim um limite inultrapassável desta (neste sentido Maia Gonçalves, Código penal Português anotado e comentado, 8.ª Edição Almedina Coimbra pág. 291).
Dispõe o art.º 71.º do C. Penal (Determinação da medida da pena) que:
“1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.” (destaque nosso)
Deste modo, são elementos fundamentais da operação da escolha e determinação da pena, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração social do agente, logo, fins de prevenção – geral e especial – por um lado, e a sua limitação pela medida da culpa do agente, por outro.
A prevenção geral reflecte a necessidade comunitária da punição do caso concreto e a culpa, dirigida ao agente do crime, constitui o limite inultrapassável da pena (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 214 e ss.).
É sabido que a determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização (de harmonia com o disposto nos art.º 71.º, n.º 1 e 40.º do CP), deve, no caso concreto, corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão.
É esta a enumeração dos factores de medida da pena que estão exemplificativamente estabelecidos no artigo 71º, nº 1 e 2 nas alíneas a) a f) do Código Penal, e que Figueiredo Dias dividiu em três categorias: relativos à execução do facto; os relativos à personalidade do agente e relativos à conduta do agente anterior ou posterior ao facto.
Cada circunstância tem uma conexão de sentido com a culpa do agente ou com as necessidades de socialização, sendo que as considerações atinentes à culpa reportam-se ao momento da prática do facto e as considerações referentes à prevenção reportam-se ao momento do julgamento.
Entre as circunstâncias relativas ao facto encontram-se as consequências do facto, o grau de perigo criado pelos actos de execução (nos crimes tentados e nos crimes de perigo) o modo de execução do facto (nos crimes de forma livre) a intensidade do dolo (nos crimes dolosos) e o grau de descuido e desatenção (nos crimes negligentes). Todas estas circunstâncias relevam, quer do ponto de vista da culpa, mas também para aferir das necessidades de socialização, ou, em casos extremos, de inocuização do agente.
As consequências do facto podem ser típicas ou extratípicas, aquelas são abrangidas pelo dolo do agente, estas não o devem ser, sendo as consequências típicas a ponderar pela via da culpa e as extratípicas pela via da prevenção. O modo de execução do crime é circunstância agravante quando apresenta uma maior gravidade do que a necessária para a execução, quando se verifica uma pluralidade de acções, instrumento particularmente grave, manifesta superioridade do agente sobre a vítima (idade, sexo, enfermidade, arma) ou do tempo do crime (noite).
As formas mais graves do ilícito subjectivo funcionam como circunstâncias agravantes e as menos graves como atenuantes (o dolo directo mais grave do que o necessário e este do que o eventual).
Entre as circunstâncias relativas ao agente encontram-se como circunstâncias agravantes certos motivos (motivo torpe) intenção lucrativa ou libidinosa, impulsos afectivos (prazer de matar, ódio, cólera) e caraterísticas da atitude interna (crueldade, avidez ou frieza de animo). Ao invés funcionam como circunstâncias atenuantes os estados asténicos, emoção violente, compaixão, desespero, perturbação, medo, susto, solicitação ou provocação da vítima.
Entre os motivos podem incluir-se como circunstâncias agravantes, ter sido o crime cometido em resultado de dádiva, como meio de realizar outro crime, motivações racistas ou xenófobas.
Os sentimentos manifestados no cometimento do crime, aqueles elementos que caracterizam a atitude interna que não cabem no crime nem nos motivos.
As condições pessoais e a situação económica relevam ao nível da culpa, para efeitos da determinação dos deveres especiais de cuidado cuja observância se impunha ao agente. Deve ponderar-se a menor capacidade do agente para ser influenciado pela pena, a idade avançada, a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita, manifestada no facto.
A conduta do agente anterior ou posterior ao facto releva ao nível da prevenção, sendo que a anterior inclui os antecedentes criminais que constem do registo criminal, em especial relacionados com a prática dos crimes em causa; o modo de vida do agente, nas suas vertentes familiar, profissional e social. A circunstância atenuante relativa à conduta posterior do agente é a reparação dos danos causados, pode ser por terceiros mas devido a iniciativa do agente. A conduta processual do agente pode funcionar como atenuante, como é o caso da confissão, a colaboração com as autoridades.
A duração excessiva do processo também pode ser ponderada do ponto de vista das necessidades de prevenção, desde que o arguido não tenha contribuído para o atraso. (por todos Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 6.ª Edição Actualizada pág. 416 a 419).
Volvendo ao caso dos autos, não pondo em causa a suspensão da pena, mas apenas a medida da pena concreta e a sujeição ao pagamento de indemnização, refere o arguido que o Tribunal não atendeu aos seguintes aspectos na determinação da medida da pena, considerando a pena única exagerada e desproporcionada: - foram actos isolados no seu percurso de vida em território nacional, não existe nenhum crime averbado no seu registo criminal; - nem praticou factos similares até ao encerramento do inquérito; - nem muito menos que exercesse as funções de segurança privada ou que lhe fossem aprendidos objectos relacionados com tal actividade.
Ora, ao crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, nº 1, 145º, nº 1, alínea a), e nº 2, com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea h), todos do Código Penal, corresponde uma moldura penal abstrata de pena de prisão de um mês até quatro anos (cfr. artigo 41º, nº 1, do mesmo Código).
Ao crime de dano com violência, previsto e punido pelos art.º 212.º, n.º 1 e artigo 214º, nº 1, alínea a), do Código Penal, corresponde uma moldura penal abstrata de pena de prisão de um a oito anos.
No caso dos autos o Tribunal Colectivo atendeu a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: Em relação ao NUIPC 780/21.0PCLSB, em que está em causa o crime de ofensa à integridade física qualificada, praticado (em coautoria) pelos arguidos AA, GG e HH, urge considerar quer o contexto em que atuaram, quer a forma de comparticipação e que faz refletir uma maior energia criminosa, bem como as consequências que necessariamente resultaram para o visado (DD) e a necessidade que teve de ser transportado ao Hospital de São José, em Lisboa, pela ambulância do INEM. No que respeita ao NUIPC 652/21.9PALSB, em que em que está em causa o crime de ofensa à integridade física qualificada e o crime de dano com violência, praticados (em coautoria) pelos mesmos arguidos AA, GG e HH, cumpre desde logo atender quer ao contexto em que atuaram, quer à forma de comparticipação e que faz refletir, frise-se, uma maior energia criminosa. No mais, começando pelo primeiro crime, impõe-se ter também presentes aquelas que foram as lesões (de monta) produzidas em CC (equimose periobitária esquerda, acompanhada de fratura com depressão do pavimento da órbita esquerda; fratura com depressão dos ossos próprios do nariz; e escoriação do cotovelo direito e brusite pós-traumática), as quais determinaram 1 (um) dia de afetação da capacidade para o trabalho geral e 30 (trinta) dias de afetação para o trabalho profissional, determinando ainda 151 (cento e cinquenta e um) dias para a consolidação médico-legal, com necessidade de sujeito a tratamento médico e acompanhamento psicológico, sendo que, como sequelas, resultaram pós-fratura do pavimento da órbita esquerda e dos ossos do nariz intervencionados, com diminuição da abertura ocular, enoftalmia ligeira do globo ocular esquerdo e espasmos involuntários da pálpebra esquerda. Ademais, pelos murros que sofreu, CC perdeu os seus óculos graduados, que saltaram da casa, nunca mais os recuperando. Por sua vez, no segundo crime, a par do valor apurado ao telemóvel de, pelo menos, 600,00 €, sem que voltasse a ser visto ou recuperado, urge considerar que BB sofreu três feridas incisivas na região occipital (uma com borda profunda e bem definida com cerca de 3,5 cm de extensão, a qual foi suturada, e duas mais superficiais), assim como equimose e edema periorbital bilateral (mais acentuada à direita), para o que recebeu tratamento médico. (…) ii) A intensidade do dolo ou negligência A intensidade do dolo é, como se viu, na modalidade de dolo direto, de alta intensidade, por ser a forma mais gravosa do dolo, quanto a todas as condutas. iii) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que os determinaram Ressalta, da imagem global dos factos pelos quais os arguidos vão condenados, uma natural indiferença por valores pessoais e patrimoniais alheios, sendo no caso dos crimes de detenção de arma proibida, como quase sempre sucede, de enaltecer o poder diferenciador que pode acarretar a detenção de uma arma. iv) As condições pessoais do agente e a sua situação económica: Olhando aos factos dados provados acima, todos os arguidos denotam presentemente inserção pessoal e familiar, mas que já existia na data dos factos praticados e que não foi suficiente para obviar a essa prática. Anota-se, ainda, percursos laborais estruturados, com o que se sustentam e nisso contribuem para o sustento das respetivas famílias, o que também já existia antes. v) A conduta anterior ao facto e a posterior a este: Os arguidos não registam antecedentes criminais, o que é de valorar a seu favor, embora tal seja o exigível de qualquer cidadão. (…) No mais, todos os arguidos negaram a demais factualidade apurada, assim evidenciando, nesta parte, uma total ausência de arrependimento ou capacidade de auto-censura, o que muito desabona em favor dos mesmos. vi) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena Nada de relevante se apurou nesta sede, que não tenha já sido valorado.
Assim, face a todo o exposto, o Tribunal considera adequado e proporcional aplicar, a fim de garantir e salvaguardar as exigências de prevenção que o caso requer:
- ao arguido HH pela prática, em coautoria:
- de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 145º, nº 1, alínea a), e 132º, nº 2, alínea h), do Código Penal [NUIPC 780/21.0PCLSB], a pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;
-pela prática, em coautoria, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, 145º, nº 1, alínea a), e 132º, nº 2, alínea h), do Código Penal [NUIPC 652/21.8PALSB], a pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão; e
- pela prática, em coautoria, de um crime dano com violência, previsto e punido pelo artigo 214º, nº 1, alínea a), do Código Penal [NUIPC 652/21.8PALSB], a pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.
Cúmulo jurídico das penas aplicadas:
No caso de praticado mais do que um crime e fixadas as respetivas penas parcelares, cabe agora proceder ao seu cúmulo jurídico, nos termos do qual na medida dessa pena única a aplicar se deve ter em consideração, em conjunto, os factos e a personalidade dos arguidos (artigo 77º, nº 1, do Código Penal). Mas, antes de mais, há que determinar a moldura legal do cúmulo, que será compreendida entre um mínimo, referente à mais elevada das penas concretamente aplicadas, e um máximo, referente à soma dessas mesmas penas, com o limite de 25 anos (artigo 77º, nº 2, do Código Penal).
Mais considerou o Tribunal colectivo que: Olhando globalmente as circunstâncias atinentes aos crimes em causa, monta em especial, quanto a cada um dos arguidos, o número de crimes praticados e a pluralidade de bens jurídicos violados, e o que isso reflete da personalidade desvaliosa dos arguidos mas, por outro lado, a circunstância de resultar que têm por base atuações conexas e que se desenrolaram grosso modo em moldes temporais e geograficamente próximos. Ponderam-se, ainda, a ausência de antecedentes criminais dos arguidos. Assim, tudo visto, dentro das molduras abstratas que a seguir se enunciarão, será de fixar a pena concreta nos moldes que se seguem, quanto:
(…) - ao arguido HH, sendo a moldura abstrata entre os 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão e os 7 (sete) anos de prisão, entende-se aplicar, em cúmulo, a pena única de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão.
Quanto à suspensão da pena, considerou o Tribunal recorrido que: No caso, olhando ao já referido acima quando às condições de vida dos arguidos e à circunstância de nenhum dos arguidos ter antecedentes criminais registados, sendo este o seu primeiro contacto conhecido com a justiça penal, admite-se que a ameaça da aplicação de uma pena de prisão (neste momento) seja suficiente para obstar à sua recidiva criminosa. Decerto, esta afirmação não é segura, mas, de um lado, do que se trata aqui é de formular um juízo de prognose, o qual, por definição, envolve necessariamente uma margem mais ou menos ampla de indefinição ou insegurança (é o risco co-natural à suspensão da pena, assumido aliás na possibilidade da sua futura revogação). Daí que se considere ser possível formular um juízo de prognose favorável à recuperação destes arguidos, podendo ser suspensa a execução das penas de prisão aplicadas. Sem prejuízo, considera-se, face às circunstâncias do caso e em salvaguarda das exigências de prevenção, conveniente e adequado a promover a reintegração dos arguidos na sociedade, que fiquem sujeitos a um regime de prova durante o tempo da suspensão e que se fixa em igual período ao das respetivas penas, assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social (artigos 53º, nºs 1 e 2, e 50º, nº 5, do Código Penal). Ademais, nos termos do disposto no nº 3, do artigo 54º, do Código Penal, “O tribunal pode impor os deveres e regras de conduta referidos nos artigos 51º e 52º e ainda outras obrigações que interessem ao plano de readaptação e ao aperfeiçoamento do sentimento de responsabilidade social do condenado (…)”. Olhando às consequências que advieram dos crimes praticados pelos arguidos, o regime de prova assentará, ainda, na obrigação de reparação de, pelo menos, parte dos danos causados, ao abrigo do disposto no artigo 51º, nº 1, alínea a), do Código Penal. A esse respeito, é certo que, nos termos do artigo 51º, nº 2, do Código Penal, os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir. Ainda assim, urge deixar expresso que a imposição desta obrigação não tem um valor absoluto, havendo sempre que considerar, em caso de eventual não cumprimento, as condições que rodearam ou determinaram esse incumprimento, a fim de apreciar a sua imputação aos arguidos. Nestas condições, não é, de todo, irrazoável a imposição dessa obrigação, dentro daquelas que são as condições atuais de vida dos arguidos (todos laboralmente integrados e aqueles que são os rendimentos pelos mesmos auferidos) e à capacidade aquisitiva que é de esperar de qualquer cidadão minimamente inserido na comunidade, de que os arguidos não são exceção, razão pela qual se considera ajustado exigir a cada um dos arguidos que proceda ao pagamento de uma quantia anual de 1.000,00 €, por um período que se fixa de três anos após o início da suspensão das penas aplicadas, num total 3.000,00 € (1.000,00 € x 3) cada um. Naturalmente que, sendo estas quantias satisfeitas, serão dedutíveis nos montantes arbitrados aos peticionantes de indemnizações civis, em face daquilo que abaixo será decidido a esse respeito e enquanto os mesmos não se mostrem satisfeitos. Nesse caso, os montantes supra fixados serão depositados, parcelar e anualmente, à ordem dos presentes autos até ao termo de cada um dos três primeiros anos do período de suspensão da pena e serão subsequentemente entregues aos demandantes, sendo no caso do demandante Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, E.P.E. satisfeita logo a totalidade do pedido de indemnização civil (excecionando apenas quanto ao arguido HH qualquer entrega por conta de EE) e, do remanescente, entregue 5/6 ao assistente CC e 1/6 ao assistente BB. (…)
Como decorre do excerto supra citado o Tribunal recorrido considerou os factores previstos no art.º 71.º, do CP, tendo enunciado acertadamente as regras legais aplicáveis, considerando os factores relevantes, a favor e a desfavor, nomeadamente, no que toca à aferição do grau de ilicitude dos factos, ao modo de execução, aos deveres impostos, do nível de culpa e das exigências de prevenção geral e especial, à personalidade do arguido que revelou fraca autocensura, à ausência de antecedentes criminais registados, às suas condições pessoais e económicas.
Ao contrário do referido pelo arguido/recorrente Tribunal valorou a conduta anterior e posterior do arguido, considerou a ausência de antecedentes criminais, bem como as suas condições profissionais, percursos laborais estruturados.
Concorda-se com o Tribunal recorrido que as necessidades de prevenção especial de ressocialização não são elevadas, no confronto com as necessidades elevadas de prevenção geral positiva de integração, sendo grau de censurabilidade elevado, assim como é elevado o grau de culpa e também o de ilicitude dos factos, sendo o dolo directo intenso, como intenso é o grau de violação dos deveres impostos.
Ponderando todos os factores supra e os mencionados pelo recorrente, entendemos ser justa, proporcional e adequada a medida concreta da pena de prisão fixada a cada um dos crimes e a medida da pena única.
Ademais, quer na operação pela pena de prisão quer na determinação concreta da pena não se vislumbram quaisquer incorreções ou distorções no processo aplicativo ou na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena, nem foram desrespeitados os princípios gerais e as operações de determinação impostas por lei, nem foram violadas regras da experiência sendo que a quantificação não se revela desproporcionada
Assim, não se vê, na ponderação e conjugação dos vários factores e princípios que concorrem na operação de determinação concreta da pena, que o tribunal recorrido tenha revelado desproporção ou inadequação ou incorrido em violação de qualquer preceito, nomeadamente, os art.ºs 40.º, 70.º e 71.º do CP.
Pelo que consideramos adequada e proporcional a condenação cada uma das penas parcelares bem como a pena única de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, mantendo-se a condenação realizada pelo Tribunal a quo.
Não põe o arguido em causa a suspensão de execução da pena, apenas se insurge contra a condição de pagamento da quantia indemnizatória. Porém, a sujeição a tal pagamento encontra-se prevista no art.º 54.º, do CPP, não merecendo qualquer censura a sua aplicação.
Concorda-se assim, na totalidade com a decisão recorrida, porquanto não violou os normativos correspondentes à determinação da medida da pena nomeadamente os previstos nos artigos 40.º, 50.º, 53.º, 70.º e 71.º, do código penal nem o art.º 18.º, da CRP.
Em síntese, o recurso improcede totalmente porque nenhuma censura nos merece o acórdão recorrido.
*** IV.2- Recurso do arguido GG
1.ª Das insuficiências do inquérito/ investigação quanto aos crimes alegadamente cometidos no dia 11 de Outubro de 2021 e no dia 15 de Novembro de 2021 (conclusões 4 a 14).
Vem o arguido invocar que: 4ª- Na sua contestação à acusação do Ministério Público, o recorrente rejeitou, como já o havia feito durante o inquérito, que tivesse cometido os crimes imputados, por não ter estado no local dos factos, e na hora referida na acusação. 5ª- Provavelmente, os colhidos indícios carreados para os autos através da Polícia de Segurança Pública, tiveram na origem imagens retiradas da rede social Facebook, a partir das quais os próprios ofendidos e suas testemunhas “passaram a reconhecer “ o recorrente, pela simples circunstância do mesmo usar barba e ter tatuagens nos braços. 6ª- Aliás, a prova por reconhecimento feita na PSP, permitiu indicar o recorrente como suspeito, na medida em que era o único dos três intervenientes que usava barba e tinha tatuagens, tornando facilitada a sua identificação, até porque a PSP já tinha informado os intervenientes da fotografia existente e identificação do então arguido 7ª- Durante o julgamento, houve intervenientes que “sustentaram” a douta acusação, dizendo que nas agressões participaram 6 ou 7 elementos da YYY. 8ª- Não se compreende que só aparecessem três arguidos no julgamento, quando no início da investigação apareceram 4 suspeitos, mas esta circunstância residiu em erro reconhecido pela Polícia. 9ª- Esta circunstância de erro, foi acompanhada de outra, quando não foram visualizadas as gravações das câmaras de vigilância CCTV da zona dos factos. 10ª- Como também não foi solicitado à empresa YYY o registo dos seguranças de serviço na referida zona, quando os ofendidos e testemunhas afirmaram que os 6/7 agressores tinham uniforme da YYY. 11ª- Foi, pois, com base neste quadro manifestamente insuficiente e tendencioso que se concretizou a douta acusação. 12ª- Também na investigação levada a cabo aos factos de 15.11.2021, no bar BT, houve deficiências e vícios, pois neste caso, teve-se acesso a imagens do interior do referido bar, bem como às imagens extraídas da rede social Facebook, nomeadamente, no respeitante ao ora recorrente. 13ª- O recorrente não aparece nas ditas imagens do interior do bar, pois nunca lá esteve, particularmente ou em serviço. 14ª- As invocadas insuficiências na investigação sobre os dois momentos a que se reporta a douta acusação – 11.10.2021 e 15.11.2021 - provocaram o julgamento do recorrente e posterior condenação.
Vejamos,
O arguido/recorrente aceitando apenas a condenação pelo crime de detenção de arma proibida, refere a existência das referidas falhas na investigação que levaram à dedução da acusação contra o arguido, ainda que nenhuma ilação retire quanto a eventual vício no procedimento, apenas considerando a existência de indícios insuficientes para a dedução da acusação.
Sempre se dirá, porém que analisado o despacho do Ministério com que encerrou o inquérito, vemos que o mesmo procedeu ao arquivamento parcial por inexistência de indícios suficientes para deduzir acusação quanto ao arguido QQ, nos termos do art.º 277.º, do CPP, bem como quanto a coautores desconhecidos, porquanto considerou que das diligências de inquérito realizadas resulta que nos factos ocorridos em 11 de outubro de 2010 (NUIPC 652/21.8PALSB e 780/21.0PCLSB) e bem assim nos factos ocorridos em 15 de novembro de 2021 (NUIPC 1001/21.0PCLSB), os arguidos contra os quais se deduz acusação praticaram os factos em co-autoria com outros indivíduos. Foram realizadas pela PSP as diligências que se afiguraram necessárias e possíveis com vista ao apuramento dos factos ilícitos e de quem foram os seus autores. Vistos os autos, foi considerado pelo Ministério Público que não resultam indícios que permitam identificar os outros co-autores dos factos participados. As diligências levadas a cabo não surtiram qualquer efeito no sentido da descoberta da identidade dos mesmos.
Mais considerou o Ministério Público não existirem no momento quaisquer diligências úteis a realizar para obtenção de melhores indícios, acusando os arguidos AA, GG e HH, com base nas provas que menciona no despacho de acusação:
Pericial:
• Relatório da perícia de avaliação do dano corporal do ofendido CC, de fls. 116 a 117.
Documental:
Autos Principais – 652/21.8PALSB
• Informação de serviço, de fls. 1 a 4;
• Aditamento, de fls. 7 a 9, 66, 98 a 100;
• Fotogramas, de fls. 13 a 21;
• Auto de visionamento, de fls. 22 a 30;
• Declaração de CC, de fls. 31;
• Mail, de fls. 32 a 42, 43 a 44;
• Cópia de notícias de comunicação social, de fls. 60 a 62;
• Auto de notícia, de fls. 63;
• Informação clínica de DD, de fls. 149 a 151;
• Print de ficha de segurança privado de AA, de fls 175 a 177;
• Print de ficha de segurança privado de AA, de fls 175 a 177;
• Print de ficha de segurança privado de GG, de fls 178 a 180;
• Informação da AT de AA, de fls. 185 a 191;
• Informação da AT de GG, de fls. 192 a 198;
• Informação da AT de GG HH, de fls. 206 a 213;
• Auto de busca e apreensão à residência de AA, fotogramas das armas apreendidas, de fls. 280 a 285;
– Auto de exame e avaliação à soqueira, de fls. 286 a 288;
– Auto de exame e avaliação ao Bastão extensível, de fls. 289 a 291;
• auto de busca e apreensão à viatura de GG e fotogramas às armas apreendidas, de fls. 297 a 307;
• auto de busca e apreensão à residência de GG e fotogramas às armas apreendidas, de fls. 309 a 322;
– Auto de exame e avaliação aos bastões e chicote artesanal apreendidos a GG, de fls. 323;
– Auto de exame e avaliação à pistola 6.35mm, de fls. 324;
• auto de busca e apreensão à residência de HH, de fls. 333 a 336, 338 a 348;
• Reconhecimento pessoal de AA, por CC, de fls. 362 a 364;
• Reconhecimento pessoal de GG, por CC, de fls. 365 a 367;
• Reconhecimento pessoal de GG, por BB, de fls. 374 a 375;
• Reconhecimento pessoal de HH, por BB, de fls. 376 a 378;
• CRC de HH, de fls. 383;
• CRC de GG, de fls. 384;
• CRC de AA, de fls. 385;
• CRC de QQ, de fls. 243;
APENSO 780/21.0PCLSB
• Auto de notícia, de fls. 2;
APENSO 1001/21.0PCLSB
• Informação de serviço, de fls. 2;
• Auto de notícia, de fls. 3 a 4;
• Auto de denúncia, de fls. 7 a 8;
• Fotografia do Bar tirada pelo ofendido, de fls. 49;
• fotografia das lesões da vítima EE, de fls. 50 a 57;
• Reconhecimento pessoal de GG, de fls. 58 e 59;
• Reconhecimento pessoal de AA, de fls, 60 e 61,
• Relatório , de fls. 62.
APENSO 1 – DOCUMENTAÇÃO CLÍNICA DO OFENDIDO CC.
Testemunhal:
1. CC, m.i. a fls. 10 a 12 e 153 a 159, presidido por Magistrada do MP, a notificar nos termos do artigo 75.º a 77.º, com mandatário constituído a fls. 129;
2. BB, m.i. a fls. 5, a notificar nos termos do artigo 75.º a 77.º;
3. DD, m.i. a fls. 2, a notificar nos termos do artigo 75.º a 77.º, Apenso 780/21.0PCLSB;
4. EEE, Agente da PSP Esquadra do Bairro Alto;
5. FF, m.i. a fls. 28 a 29, notificado nos termos do artigo 75.º a 77.º a fls. 9 a 11, do apenso 1001/21.0PCLSB;
6. FFF, m.i. a fls. 12 a 13, do apenso 1001/21.0PCLSB;
7. GGG, m.i. a fls. 14 a 15, do apenso 1001/21.0PCLSB;
8. EE, m.i. a fls. 62, a notificar nos termos do artigo 75.º a 77.º, do apenso 1001/21.0PCLSB;
9. HHH, Agente Principal da PSP, da 1.ª Esquadra de Investigação Criminal de Lisboa;
Resulta dos autos que o arguido/recorrente não requereu a abertura de instrução com vista, a contrariar a existência de indícios suficientes mencionada pelo Ministério Público, (art.º 283.º do CPP), a qual, de qualquer forma, é facultativa. Seguindo o processo para julgamento, todas as provas mencionadas pelo Ministério Público seriam examinadas em audiência e sujeitas ao contraditório dos arguidos, da mesma forma as provas que o arguido requeresse na contestação, nos termos dos art.ºs 327.º e 355.º, do CPP, pelo que não vemos que tenha sido acometida qualquer nulidade ou irregularidade, nem tão pouco a mesma é alegada.
Pelo que não vemos que o alegado constitua fundamento do recurso, ou sequer o recorrente alega um qualquer vício de procedimento, qual a sua consequência ou norma violada, ou esclarece em que medida afecta o decidido em sede de acórdão condenatório objecto recurso, impondo-se a sua rejeição por manifesta improcedência.
2.ª Impugnação da matéria de facto: se ocorre erro de julgamento quanto aos factos provados constantes dos pontos 1, 2, 3, 4, 9, 11, 22 e 24 e dos pontos f) e g) dos não provados, no que respeita ao recorrente.
Alega o arguido nas conclusões, além do mais, que: 18ª- Toda a decisão recorrida só teve em consideração o que foi dito pelos assistentes e suas testemunhas, dentro do contexto das vicissitudes invocadas para a investigação que foi produzida, como anteriormente se referiu. 19ª- a prova feita pelo recorrente sobre a sua inocência deveria ter sido valorada positivamente no douto Acórdão, ao invés de não a considerar, por as testemunhas serem amigas ou colegas do recorrente, no que tange à prática dos crimes ocorridos a 11.10 e 15.11, ambos de 2021. 20ª- A decisão de que se recorre até aceita que, o recorrente tivesse estado, em 11.10.2021, no Festival ZZZ, mas entende que o recorrente poderia ter saído durante algum tempo do local para praticar os crimes pelos quais veio a ser condenado. 21ª- Essa circunstância era impossível de se concretizar, já que entre a ... e o ..., não se pode só contabilizar o espaço a percorrer, mas também o mudar de farda, o desarrumar e o arrumar da viatura, as deslocações do recorrente da viatura e para a viatura, não se compadecem com o pouco tempo relevado pelo Tribunal. 22ª- Há elementos fotográficos junto aos autos (relevados pelo Tribunal), que permitem comprovar a permanência do recorrente no Festival ZZZ, bem como testemunhas que afirmam que o mesmo se encontrou em permanência no local desde as 15H00 do dia 10 de Outubro até às 08H00, do dia 11 de Outubro. 23ª- Os depoimentos das testemunhas de defesa gravados no sistema existente no Tribunal, são substancialmente verdadeiros, pois não é crível, nem admissível que cerca de 10 deles, após juramento, faltassem à verdade. 25ª- Ora, sendo esses depoimentos insuspeitos, por verdadeiros, não poderia o Tribunal desvalorizá-los, como o fez e tomar a decisão que tomou. 26ª- A situação ocorrida no bar BT, aparece desvirtuada, pois o recorrente não esteve lá, como afirmou ao Tribunal e foi corroborado pelo arguido AA e pela sua companheira e pelo filho desta, nos depoimentos seguros que fizeram na audiência de julgamento. 27ª- Depoimentos esses que também foram “atacados” na decisão recorrida devido ao seu “interesse” na decisão da causa. 28ª- Os depoimentos dos amigos, colegas e familiares de um arguido, no entender do Tribunal “a quo”, não podem ser verdadeiros, porque defendem os interesses do mesmo, devido à sua proximidade, o que os torna parciais perante a verdade material, o que ofende gravemente os direitos do arguido a defender-se. 31ª-E é destes depoimentos que se retiram as conclusões que permitem inocentar o recorrente. 32ª- Com efeito, os depoimentos das testemunhas produzidos na sessão de julgamento de 22.05.2024, quer de QQ, entre as 16H28 e as 16H49, quer de RR, entre as 16H50 e as 17H16, de SS, entre as 17H16 e as 17H34, mas também na sessão de julgamento de 05.06.2021, TT, entre as 10H24 e as 11H04, de UU, entre as 11H04 e as 11H22, de VV, entre as 11H32 e as 12H10, de WW, entre as 12H14 e as 12H28, de XX, entre as 14H42 e as 14h54, de YY, entre as 14H54 e as 15H18, de ZZ, entre as 15H18 e as 15H31, de AAA, entre as 15H31 e as 15H46, de BBB, entre as 15H46 e as 16H11 e finalmente de CCC, entre as 15H53 e as 16H11, demonstraram à saciedade da razão do recorrente quanto à sua inocência desde o início do processo. 32ª- O recorrente não cometeu qualquer crime, à exceção daquele que admitiu, de detenção de arma proibida. 33ª- Existe manifesto erro na apreciação da matéria de facto dada como (mal) provada e consequentemente, o erro havido não permitiu as conclusões tiradas e assumidas pelo Tribunal “a quo”. 42ª-Com base nesse erro, foi considerada provada a matéria contida nos números 1 a 4, 9 e 11 dos factos provados. 43ª-No que tange à ocorrência de 15.11.2021, no BT, não podem deixar de relevar, ao contrário da visão do Tribunal, os depoimentos da companheira do recorrente e do seu enteado, bem como do depoimento do coarguido AA e do recorrente. 44ª- São testemunhos tão idóneos como outros quaisquer, mesmo atendendo à sua proximidade familiar ou posição processual relativamente ao recorrente. 45ª- Como também, e apesar de tudo, o depoimento sério prestado pelo arguido AA, quando afirmou que o recorrente não estava no BT no dia em causa, confirmando a imagem do local que foi junta aos autos e onde se vislumbra o referido arguido AA. 46ª- O recorrente foi considerado como boa pessoa, sem antecedentes criminais, trabalhador, amigo da família, respeitado e respeitador, bem inserido socialmente, tudo no sentido de que não seria possível enquadrá-lo na prática de atos criminosos, como aqueles que foram cometidos. 47ª- No caso submetido à douta apreciação e decisão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa pretende-se a costumada Justiça, com a reapreciação e consideração dos argumentos agora utilizados. 48ª-Na eventualidade de assim se não entender, o que não se concede, há também a possibilidade de se entender existirem dúvidas na apreciação da matéria de facto, caso em que se apela à aplicação do princípio “ in dubio pro reo “.
O Ministério Público diz em resposta, além do mais, que: XVI. os arguidos limitam-se a contestar a convicção adquirida pelo tribunal recorrido sobre os factos dados como provados, não aceitando, apenas porque a decisão lhes é desfavorável, que o Tribunal tenha valorado todas as provas em conjunto, as pré constituídas e as constituídas em audiência de discussão e julgamento e as conjugasse por recurso às regras da experiência comum e à livre convicção do julgador com respeito pelo disposto no artigo 127.º do CPP, como se extrai do teor do douto acórdão. XIX. Mas ainda que se pudesse conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto, o que se admite por necessidade de raciocínio, desde já se diga que não poderia ser alterada uma vez que nenhuma prova foi apresentada que impusesse decisão diversa da proferida no Acórdão recorrido, mas tão somente valoradas de forma diferente o que é insuficiente para lograr o efeito pretendido, já que a lei só permite a alteração da decisão da matéria de facto caso as provas imponham essa alteração. XXI. O que realmente resulta, desde logo, das conclusões do recurso, é a divergência entre a convicção pessoal do arguido sobre a prova produzida em audiência e aquela que o Tribunal firmou sobre os factos, o que se prende com a apreciação da prova em conexão com o princípio da livre apreciação da mesma consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal, cumprindo não olvidar, como é jurisprudência corrente dos nossos Tribunais Superiores, que o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum. XXVIII. A propósito do invocado princípio in dubio pro reo, a acrescer a tudo o que já se referiu, dir-se-á, em síntese, que o que dele resulta é que quando o tribunal fica na dúvida quanto à ocorrência de determinado facto, deve daí retirar a consequência jurídica que mais beneficie o arguido, quer na instrução, quer no julgamento. XXX. Só haverá violação do mencionado princípio quando, perante uma dúvida sobre factos essenciais para a decisão da causa, venha o julgador a decidir em desfavor do arguido. Tal não ocorreu, manifestamente, no caso dos autos, mostrando-se a factualidade julgada provada estribada em prova produzida em julgamento e em consonância com essa prova. Não vislumbramos no acórdão recorrido, quer na matéria de facto julgada provada, quer na sua fundamentação, que, ao fazer esta opção fáctica, o Tribunal a quo tivesse tido qualquer hesitação quanto à valoração da prova, não se vislumbrando também que, na concreta situação dos autos, devesse ter tido qualquer dúvida. Apreciemos,
Como já por nós mencionado a propósito do recurso anteriormente apreciado do arguido HH que aqui se considera reproduzido e que nos dispensamos de repetir na totalidade, apenas no essencial, o ordenamento jurídico-processual-penal consagra duas formas de impugnação da matéria de facto.
São duas formas distintas de “atacar” a matéria de facto, estando por isso sujeitas a regimes processuais diferentes: a impugnação ampla, em que recai sobre o recorrente o duplo ónus de especificação previsto no art.º412º, nº3 e 4 do CPP e a impugnação restrita (revista alargada), que consiste na invocação dos vícios previstos nas alíneas a), b) e c) do nº2 do art.410º, do CPP.
O erro de julgamento (em sentido amplo) e o erro notório na apreciação da prova são institutos distintos e como tal não devem ser confundidas.
Assim, enquanto o erro notório na apreciação da prova, constitui um vício intrínseco da sentença, e por isso, tem de resultar por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum do respectivo texto (art.º 410º, nº 2, do CPP), o erro de julgamento não se confina a esse domínio, tratando-se de uma forma ampla de impugnação da matéria de facto, que todavia, deve ser exercida com observância do disposto no art.412º, nºs 3 e 4 do CPP, o que aqui não acontece.(Cf. Acórdão da Relação de Évora de 19/12/2019 processo 572/16.8T9TMR.E2, Relator GILBERTO CUNHA).
O erro de julgamento, ínsito no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado, não se restringindo a apreciação ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4, do artigo 412º, do Código de Processo Penal, não visando a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, mas um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente, isto é, erros in judicando (violação de normas de direito substantivo) ou in procedendo (violação de normas de direito processual), que o recorrente deverá expressamente indicar e se lhe impõe o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos constantes do nº 3, do artigo 412º, do Código de Processo Penal.
Volvendo ao caso dos autos, examinadas as motivações e as conclusões de recurso o recorrente cumpre as exigências previstas do n.º 3 do art.º 412.º, do CPP, porquanto o recorrente especifica, em concreto, quais os factos que considera erradamente julgados, e especifica por referência a esses factos, quais as provas concretas que, em seu entender, imporiam decisão diversa.
Quanto aos factos provados constantes dos factos provados 1, 2, 3, 4, 9, 11, e do não provado f), indica o recorrente os depoimentos das testemunhas por si arroladas.
Recordemos os factos em causa:
Os provados: NUIPC 780/21.0PCLSB (factos 1 a 4) 1. No dia 11 de outubro de 2021, a hora não concretamente apurada, depois da meia noite, quando DD se encontrava na Rua ..., em Lisboa, em frente ao nº 222, por motivos desconhecidos, foi abordado pelos arguidos AA, GG e HH. 2. Nessa ocasião os referidos arguidos desferiram socos e pontapés em DD. 3. Em face da atuação dos arguidos, DD sofreu escoriações na cabeça e teve a necessidade de ser transportado ao Hospital de São José, em Lisboa, pela ambulância do INEM. 4. Os arguidos atuaram em conjugação de esforços e intentos, na execução de um plano conjunto, com a intenção de molestarem fisicamente DD, aproveitando-se da sua superioridade numérica, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. NUIPC 652/21.8PALSB (factos 9 e 11) 9. De imediato, vários desses indivíduos do grupo dos arguidos, entre os quais os arguidos AA e GG, desferiram socos na face e cabeça do assistente BB. 11. Após, quando o assistente CC fugia para a Travessa ... foi rasteirado por um dos referidos indivíduos do grupo dos arguidos, sendo depois repetidamente pontapeado pelo arguido GG, tendo um dos pontapés acertado na cara, na zona do olho esquerdo, e outros levado a que os sapatos que tinha calçados saltassem.
O não provado: f. Que nas circunstâncias referidas em 1. e 6. o arguido GG se encontrava no recinto do Festival ZZZ, na ..., em Lisboa.
O Tribunal recorrido fundamentou a decisão de facto da seguinte forma: “Começando pelo NUIPC 780/21.0PCLSB, temos que o arguido GGnegou sequer a respetiva presença na data e local dos factos, assim como referiu desconhecer quem seja o coarguido HH, o que este corroborou, sendo que em relação ao coarguido AA, referiu conhecê-lo desde 2016, por terem trabalhado juntos no festival “XXX”, na ..., mas que não se voltaram a ver, o que o mesmo também corroborou. O arguido AA, referindo trabalhar à data no estabelecimento “BT”, como segurança privado, pela “PPPP”, há cerca de 4 ou 5 meses a essa data, deu conta ter-se deslocado nessa mesma noite ao “CT Bar”, onde ia comer, aí encontrando mesas desarrumadas e as empregas a chorar, segundo lhe disseram por ter havido desacatos com clientes. No exterior, acrescentou recordar-se de ver um grupo de cerca de cinco indivíduos, que descreveu como “vigilantes”, com farda, alguns com inscrições nas costas a dizer “YYY”, a aproximarem-se e depois a afastarem-se de um outro grupo que descreveu como de “indianos”, nisso aludindo a “confrontos”, mas sem ter visualizado quaisquer murros ou pontapés. No mais, referiu conhecer o coarguido HH como cliente do estabelecimento onde trabalha, mas não se recordar de tê-lo visto nessa noite, informações que o mesmo corroborou. Por sua vez, nas declarações que prestou, o arguido HH, embora referindo ter estado por volta das 00h00 no estabelecimento “CT Bar”, onde lhe contaram que “um grupo de indianos tinha feito confusão”, depois de daí ter saído, já no exterior, apercebeu-se de um aglomerado de pessoas, a falar alto, onde estavam uns “indianos”, mas sem ter percecionado qualquer confronto físico. (…) Ademais, do auto de notícia de fls. 2/2-verso do NUIPC 780/21.0PCLSB – que a testemunha EEE, na sua qualidade de agente da PSP, referiu ter sido quem o elaborou, descrevendo aquilo que percecionou (contacto com DD) – resultam as circunstâncias de tempo e lugar a que se associam DD à factualidade sob apreciação, bem como ao transporte do mesmo a hospital, em conjugação com o que consta de fls. 699 e do episódio de urgência de fls. 1062/1963 (referência 39555230), onde ressalta ter sido assistido no Hospital de são José, em Lisboa. Não obstante as diligências a tanto empreendidas, não foi possível localizar e colher o depoimento de DD. Por sua vez, dos restantes elementos probatórios coligidos, consideram-se, desde logo, as declarações do assistenteBB, que contextualizou ter visto um grupo de indivíduos com t-shirts pretas, a dizer “YYY”, cerca de seis/sete indivíduos, a correr e a chegar junto a um outro grupo, de quatro ou cinco indivíduos, um dos quais parecia “indiano”, a quem começaram a “bater”, com socos e pontapés. Outrossim, tivemos as declarações do assistente CC, parcialmente corroborantes, ao referir que um grupo de cinco/seis indivíduos passou a correr, dos quais pelo menos três desses indivíduos traziam t-shirts pretas, uma das quais dizia “YYY”, sendo que um rapaz que identificou como sendo “indiano” foi por esse grupo esmurrado contra um vidro, admitindo que o terá visto no hospital quando aí também se deslocou momentos depois nessa noite, o que, diga-se já, não deixa de assumir plausibilidade face aos elementos documentais acima aludidos (em particular, o indicado episódio de urgência). Aqui, relevam também os autos de reconhecimento pessoal realizados pelo assistente CC, em 10.07.2022, a fls. 362/363 e 365/366, no âmbito dos quais identificou sem qualquer dúvida respetivamente os arguidos AA e GG, o que em julgamento, com os mesmos confrontado, foi igualmente perentório nessa identificação, (…). Nesta medida, diga-se que o assistente vindo de mencionar foi clarividente, seguro e circunstanciado, ao ponto de concretizar as atuações que se recorda levadas a cabo por cada um dos arguidos, especificando que os arguidos AA e HH fizeram parte do grupo de indivíduos que “esmurraram o rapaz indiano” e que depois também fizeram o mesmo a si, sendo que do arguido GG só se apercebeu quando este veio a pontapeá-lo (a si) na cara. De igual forma relevam os autos de reconhecimento pessoal realizados pelo assistente BB, em 10.07.2022, a fls. 374/375 e 376/377, no âmbito dos quais identificou sem qualquer dúvida respetivamente os arguidos GG e HH,o que em julgamento, com os mesmos confrontado, foi igualmente perentório nessa identificação, assim como logrou ainda identificar o arguido AA, o que levou a cabo de forma muito assertiva, descrevendo, com precisão, aquilo que cada um levou a cabo, mormente a circunstância do arguido GG integrar o grupo que referiu acima e que decidiu filmar, vindo depois na sua direção e a pontapear o assistente CC, do mesmo modo que referiu que o arguido AA lhe desferiu murros a si ao assistente CC e o que o arguido HH fazia parte do grupo que se dirigiu ao dito “indiano”. Neste conspecto, quanto à identificação em audiência, impõe-se exarar que não se trata aqui de valorar um «reconhecimento» informal, mas de valorar a visualização dos arguidos por aqueles que prestam declarações (testemunhas/demandantes/assistentes), como elemento acessório, corroboratório do reconhecimento (caso tenha existido) – visualização aquela, aliás, que podia ter ocorrido em outro local que igualmente permitisse a identificação da pessoa visualizada, não se tratando de uma específica diligência probatória em julgamento, mas antes a ser valorada em conjunto com as demais provas produzidas. Por outro lado, das demais testemunhas inquiridas, com conhecimento direto da factualidade e fazendo descrições objetivas e sequenciais, próprias de quem relata acontecimentos marcantes que presenciaram, tivemos também o depoimento de OO, que mencionou ter visto um “indiano” deitado desmaiado no chão, o qual fazia parte do grupo inicial que descreveu como tendo estado anteriormente a isso a ser empurrado pelo “grupo de seguranças”, sendo que, confrontado com os arguidos em julgamento, apenas quanto ao arguido GG – por ter sido a única pessoa que disse ter olhado nos olhos (elucidando como elementos diferenciadores a “forma dos olhos”, “maças do rosto” e “barba”) – referiu ter sido quem viu atingir o assistente CC. A testemunha PP, igualmente presente no local, elucidando a hora aproximada em que o por si descrito sucedeu (já depois da meia noite), não mostrou qualquer hesitação em corroborar idêntica atuação ao arguido acabado de mencionar, assim como referiu que o arguido AA integrava o grupo de “seguranças” que descreveu ter visto. Ora, em face de todo o exposto, pela sequência de acontecimentos e lógica das coisas, concatenado todos elementos vindos de analisar e conjugados acima, quando não há notícia de na data, hora e local dos factos (segundo reportado por todos quanto nisso asseveraram) ter existindo outro confronto para além daquele que se retrata nestes autos e que determinou a chamada de atenção dos assistentes (um dos quais decidiu iniciar a filmagem do sucedido), em conjugação com a circunstância de um dos visados desse mesmo confronto (DD) ter sido transportado ao mesmo hospital onde os assistentes também se deslocaram, não pode senão concluir-se que os três arguidos, atuando conjuntamente, em grupo, participaram na factualidade imputada nos moldes que resultaram provados. Não obstante, diga-se a este propósito que os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelo arguido GG, no caso as testemunhas: QQ, SS, WW, XX, YY, ZZ, RR, TT, UU e VV, todos com ligação ao festival ZZZ, na ..., em Lisboa, no essencial, fosse como colaboradores da empresa que fazia a segurança privada ao festival (as seis primeiras), fosse como membros ou associados à produção do festival (as duas seguintes, ainda que dessas a testemunha RR tivesse sido também já segurança privado, atividade onde conheceu o arguido), fosse como “voluntários” no festival (as duas últimas, as quais também já foram seguranças privados, atividade onde conheceram o arguido), foram coincidentes em atestar que o arguido GG também se encontrava nesse festival, como voluntário. Ora, não se colocando em causa que o arguido GG tenha estado no referido festival, em conjugação, também, com os elementos documentais (fotografias e cartaz) de fls. 1046/1049, de onde isso igualmente parece resultar, a verdade é que, do extenso rol de depoimentos que quanto a isso atestaram, de forma inegavelmente colada à versão desse mesmo arguido, temos que nenhuma dessas testemunhas logrou convencimento deque nas concretas circunstâncias em que os factos decorreram o arguido aí estivesse. De facto, o único elemento objetivo que para isso aponta (um vídeo colocado pelo arguido na rede social “Facebook” , onde esteve pelas 23:29, de 10.10.2021), não coincide com o concreto dia e hora (necessariamente aproximada, já depois da meia noite) em que os factos que ao mesmo são imputados tiveram lugar, tanto mais que, geograficamente, situando-se o dito festival na zona da ..., em Lisboa, como disseram, entre outras, as sobreditas testemunhas XX e YY, nisso perguntada, chegou a testemunha VV a dizer que entre o recinto do festival e o ..., também em Lisboa, seriam cerca de 15 minutos em viatura automóvel. Acresce, ainda, que a quase totalidade das aludidas testemunhas, conhecidas do arguido de vários anos, a quem assumem ligações profissionais ou de amizade, de forma notoriamente exagerada – face àquelas que eram as funções desse arguido como “voluntário” (cuja contrapartida era receber alguns bilhetes grátis e refeições no recinto) – quiseram fazer passar que o arguido chegava a estar mais de doze horas seguidas no recinto do festival, sendo que resultou também à evidência que inexistia, sequer, qualquer forma de registo e controlo das entradas e saídas desse recinto pelos ditos “voluntários”, o que torna fácil qualquer entrada e saída, a qualquer hora, sem sequer ser notada, mormente quando estamos a falar de um festival onde estavam milhares de frequentadores, a par de algumas dezenas de seguranças, de voluntários e de colaboradores na produção do festival, conforme nesse sentido depuseram várias testemunhas, mormente os depoimento de WW, YY, TT e VV. Assim sendo, não teve este conjunto de depoimentos a virtualidade de abalar a credibilidade daqueles outros (de assistentes CC e BB e testemunhas que com os mesmos se encontravam – OO e PP) que nenhumas dúvidas mostraram em apontar o arguido GG como autor dos factos apurados. No que se refere aos elementos psicológicos e volitivos imputados nesta parte aos arguidos, considerou-se que estes factos decorriam de forma segura, por inferência e com apoio nas regras da normalidade, das descritas condutas dos mesmos – aliás, tais factos encontram-se numa relação de quase necessidade com essas condutas. Assim, tudo visto, deram-se como demonstrados os factos 1. a 4. e quanto à factualidade dada como não provada em a. e f. resultou como consequência do exposto e por não ter sido produzida prova bastante no preciso sentido em que vinha descrita. Enquanto decorrência do exposto, a permitir dar como demostrada a dinâmica que subsequentemente se seguiu, tivemos as declarações dos mesmos assistentes, cujas descrições foram corroborantes, em conjugação, ainda, com os depoimentos das testemunhas OO e PP, também acima aludidas. Nesta parte, valorizou-se particularmente as declarações do assistente CC, o qual detalhou, de forma lógica e pelo posicionamento em que se colocou, aquilo que sucedeu ao telemóvel do assistente BB, da parte de um mesmo indivíduo que também o esmurrou, nos moldes que se deram como provados. Em relação ao valor desse telemóvel, consideraram-se as declarações do assistente BB, o qual referiu que o mesmo teria custado à volta de 1.000 libras, cerca de seis meses antes, vindo na sequência do sucedido a adquirir um novo, conforme fatura de fls. 762 (cuja tradução consta de a fls. 1301/1302-verso), a permitir assim apurar que o dito telemóvel custaria, pelo menos e com segurança, o valor que constava descrito na acusação. Quanto à identificação dos arguidos vale o que acima foi já expendido e aquela que foi a valoração de toda a prova testemunhal produzida. (sublinhados e destaques nossos).
Quanto ao NUIPC 652/21.8PALSB (factos 5 a 21) o Tribunal Colectivo motivou a decisão de facto baseando-se no seguinte“ Nesta parte, valorizou-se particularmente as declarações do assistente CC, o qual detalhou, de forma lógica e pelo posicionamento em que se colocou, aquilo que sucedeu ao telemóvel do assistente BB, da parte de um mesmo indivíduo que também o esmurrou, nos moldes que se deram como provados. Em relação ao valor desse telemóvel, consideraram-se as declarações do assistente BB, o qual referiu que o mesmo teria custado à volta de 1.000 libras, cerca de seis meses antes, vindo na sequência do sucedido a adquirir um novo, conforme fatura de fls. 762 (cuja tradução consta de a fls. 1301/1302-verso), a permitir assim apurar que o dito telemóvel custaria, pelo menos e com segurança, o valor que constava descrito na acusação. Quanto à identificação dos arguidosvale o que acima foi já expendido e aquela que foi a valoração de toda a prova testemunhal produzida.” Referindo-se aos autos de reconhecimento pessoal realizados pelo assistente CC, que em julgamento, com os mesmos confrontado, logrou identificar o arguido HH, esclarecendo quanto a este que só não o tinha feito igualmente na PSP porque na altura não teve 100 % de certeza, uma vez que o reconhecimento “foi pelo telefone”, mas que agora não tem dúvidas. Depoimento que o Tribunal considerou clarividente, seguro e circunstanciado, ao ponto de concretizar as atuações que se recorda levadas a cabo por cada um dos arguidos, especificando que os arguidos AA e HH fizeram parte do grupo de indivíduos que “esmurraram o rapaz indiano” e que depois também fizeram o mesmo a si, sendo que do arguido GG só se apercebeu quando este veio a pontapeá-lo (a si) na cara. De igual forma relevam os autos de reconhecimento pessoal realizados pelo assistente BB, em 10.07.2022, a fls. 374/375 e 376/377, no âmbito dos quais identificou sem qualquer dúvida respetivamente os arguidos GG e HH,o que em julgamento, com os mesmos confrontado, foi igualmente perentório nessa identificação, assim como logrou ainda identificar o arguido AA, o que levou a cabo de forma muito assertiva, descrevendo, com precisão, aquilo que cada um levou a cabo, mormente a circunstância do arguido GG integrar o grupo que referiu acima e que decidiu filmar, vindo depois na sua direção e a pontapear o assistente CC, do mesmo modo que referiu que o arguido AA lhe desferiu murros a si ao assistente CC e o que o arguido HH fazia parte do grupo que se dirigiu ao dito “indiano”. Neste conspecto, quanto à identificação em audiência, impõe-se exarar que não se trata aqui de valorar um «reconhecimento» informal, mas de valorar a visualização dos arguidos por aqueles que prestam declarações (testemunhas/demandantes/assistentes), como elemento acessório, corroboratório do reconhecimento (caso tenha existido) – visualização aquela, aliás, que podia ter ocorrido em outro local que igualmente permitisse a identificação da pessoa visualizada, não se tratando de uma específica diligência probatória em julgamento, mas antes a ser valorada em conjunto com as demais provas produzidas.
Concluindo que: Assim, tudo visto, deram-se como demonstrados os factos 5. a 21. e quanto à factualidade dada como não provada sob b., c. e f. resultou como consequência do exposto e por não ter sido produzida prova bastante no preciso sentido em que vinha descrita. (sublinhados e destaques nossos).
Reapreciada a prova gravada e fazendo uma síntese dos depoimentos, vemos que:
- QQ, explicou que trabalha em segurança privada para várias empresas, referiu conhecer o arguido GG desde os tempos da infância. Não conhece os outros arguidos nem os assistentes no processo.Ele testemunha também chegou a ser constituído arguido, mas não chegou a ser acusado. Referiu que esteve no festival ZZZ na ... ao serviço da empresa YYY e usavam a farda da empresa. Diz que estavam muitos seguranças no evento e o arguido GG esteve no local como segurança, até à uma hora da manhã diz que o GG esteve lá. Fazia parte do staff do evento, tinha uma t-shirt amarela a dizer ZZZ. Referiu que o GG trabalhou na YYY com contrato de trabalho. Mas na data do evento ZZZ já não trabalhava na YYY.
- RR, segurança, conhece o arguido GG porque trabalharam juntos na YYY. Não conhece os outros arguidos. Explicou que é fornecido fardamento pela YYY aos seguranças. Ele testemunha, esteve também a trabalhar no festival ZZZ. Confirmou que ele e o GG estavam a trabalhar no festival a dar apoio à produção, foi ele que convidou o GG a participar no festival. Eram voluntários. Diz que o GG esteve presente no evento todos os dias. O festival decorreu em 4 dias. Diz que decorreu em 7, 8, 9 e 10. Nessa noite o GG saiu do recinto às 8 horas da manhã do dia 11. A testemunha saiu por volta das 4 horas. Diz que eram voluntários comiam e bebiam no festival, recebiam bilhetes para dar aos amigos. O GG também era segurança de profissão. A YYY era a empresa que fazia segurança ao festival. A YYY tem fardamento preto e cinzento. A YYY era a empresa de segurança do festival. Na altura o arguido GG já não tinha contrato com a YYY. Não sabe desde quando. Confirma que quando saem da YYY devolvem o fardamento.
- SS, Director regional de segurança privada. Conhece o arguido GG desde altura em que trabalhou na YYY. Disse que era amigo do GG. Diz que o GG que trabalhou para a YYY até Agosto de 2021. O procedimento normal é devolver o fardamento no final do contrato. Diz que foi coordenador da equipa se segurança privada do festival ZZZ e o GG estava a trabalhar no evento mas no staff da produção e não pela YYY. A última noite do festival terminou à meia noite. GG no evento usava t-shirt do evento. Havia duas fardas uma cinzenta e uma preta. O horário de trabalho era dentro do horário do evento.
- TT, produtor de espetáculos, não assistiu aos factos, conhece o arguido GG desde 2018, o mesmo colabora no festival ZZZ, que correu na matinha em 2021, e era um dos voluntários. Diz no dia em causa foi o último dia do festival em que actuou III. Diz que o GG estava presente fazia parte da equipa de voluntários, não esteve sempre com ele, lembrasse de o ter visto e que esteve no briefing por volta da uma hora da manhã. O n.º de voluntários seria à volta de 20. O festival abria às 3 e fechava às 3 da manhã. No último dia fechava mais cedo. Diz que não controlava as entradas dos voluntários. O Sr. RR era o responsável pelos voluntários. A YYY era a empresa que fazia a segurança do perímetro e controlada o acesso de todo o staf que entrava no recinto. Nem todos os voluntários estavam presentes no briefing, mas diz que o GG esteve presente, O GG entrava à tarde e saía de madrugada. Só o conhece destes eventos. Era a testemunha que definia os sítios onde os voluntários trabalhavam, mas não estava lá a controlar. O RR é que arranjava as pessoas. A testemunha saiu por volta das 4 horas da manhã. Não viu o arguido GG sair, acha que ele esteve pelo menos até há uma, mas a testemunha não fez o controlo de entradas e saídas nem se saiam e voltavam ou não. A sua empresa foi contratada para gerir o espaço. O GG enquanto voluntário poderia sair e voltar a entrar. O concerto da III do último dia acabou por volta das 23h30m, por volta da meia noite é que se começa a arrumar. Crê que GG estava lá, mas não esteve com ele nem o viu directamente.
- UU, conhece o GG desde 2015, ele fazia segurança na YYY. A testemunha é técnico da acção educativa, trabalha com jovens problemáticos, e no festival ZZZ ele e os jovens trabalharam como voluntários. O festival durou dois fins de semana e cruzou-se com o GG nesse festival. Os voluntários não tinham farda das tinha uma t-shirt com o nome do festival. Esteve lá entre as 14h e as duas da manhã e encontrou o GG várias vezes, mesmo no último dia. Antes de sair chegou a estar com o GG. Os voluntários entravam pela entrada principal. Tinham que estar no recinto enquanto decorre o evento se quisessem sair o segurança não pedia nenhuma informação.
- VV, conhece o GG, confirma que o mesmo trabalhou na YYY. A testemunha deixou de trabalhar para a YYY quando ela abriu insolvência, o GG já lá não trabalhava, há cerca de um ano atrás, mais ou menos. Em Outubro de 2021 trabalhava na YYY e não se lembra se o GG ainda lá trabalhava ou não. Diz que quando saem da empresa têm que entregar o fardamento, se não entregarem perdem a caução. O festival ZZZ, já o frequentou. Em 2021 existiu e foi na ..., não sabe as datas concretas. Diz que o GG esteve nesse festival. Diz que a seguir ao termo dos concertos costuma haver um briefing. Diz que o GG esteve os três dias no festival. Diz que da ... ao ... demora 15/20 minutos de carro. Como voluntários não eram remunerados, podiam era levar família e amigos. Diz que ele e o GG estavam em palcos diferentes, a 200 metros de distância. O UU estava no mesmo palco que ele. Diz que não havia registo de entradas e saídas das pessoas.
- JJJ, segurança, freelancer. Conhece o arguido GG com quem se cruzou durante vários eventos, em que participava como segurança. Trabalhou com o GG em 2021, ele era segurança da YYY e o GG voluntário no festival ZZZ onde a testemunha esteve durante todo o evento. O evento terminou em 10 ou 11 de Outubro, por volta da meia noite e pouco. Confirma que viu o GG no festival, como voluntário. Normalmente os voluntários usavam credencial, as saídas dos voluntários não tinham qualquer controlo e não tinham que dar qualquer justificação para sair, não tem na memória as entradas e saídas do Sr. GG.
- XX, conhece o arguido GG conheceram-se quando trabalhava em segurança, em 2027/2019 ou 2020, na empresa YYY, de onde o arguido GG saiu primeiro. Confirmou que esteve no festival ZZZ, onde esteve também o arguido GG. O último dia terminou mais cedo.
- YY, vigilante em várias empresas, conhece o GG que trabalhava na YYY quando a testemunha também entrou para essa empresa e da qual o arguido saiu em Agosto de 2021. A testemunha também trabalhou no festival ZZZ, em 2021. O Sr. GG também participou no de 2021 e no de 2022. O GG trabalhava no staff, era voluntário, cruzava-se com ele várias vezes. Era o responsável de uma entrada. Diz que o staff podia entrar e sair. Admite que podia não se aperceber de entradas e saídas do staff, em relação ao arguido GG, ele pode ter saído entre as 15 e as 22. Admite que o GG podia ter saído e não ter visto. Já não trabalha para a YYY.
- ZZ, segurança, chegou a trabalhar com o arguido, que chegou a ser seu supervisor. Também trabalhou na YYY. Diz que o arguido GG esteve no festival ZZZ. Confirma que o GG fez voluntariado no festival ZZZ, não se recorda a data. Diz que ele esteve no de 2023. Nesse dia esteve com ele. O festival eram mais de 4 dias. O GG pertencia ao Staff. O trabalho da testemunha rodava, não estava sempre no mesmo sítio. Não controlava as entradas do staff.
- BBB, analista de dados num banco. Referiu que no dia 10 para 11 de Outubro o arguido GG foi trabalhar no festival ZZZ, saiu ao final da tarde e voltou no dia seguinte. Dá-se bem com o companheiro da sua mãe, o arguido GG.
- CCC, viúvo, reformado, motorista de serviço público. Conhece o arguido GG. Morou ao pé dele. Frequenta a casa dele. O GG é trabalhador e bom pai e nunca se meteu em problemas. Gosta de ajudar toda a gente. Vive com a companheira um filho e um outro filho da sua companheira. A actividade dele era trabalhar em eventos, festas. É respeitado e respeitador.
- KKK, administrativa da YYY na empresa de segurança “YYY – Segurança Privada, Lda.”, desde agosto de 2018, conhece os arguidos GG e AA porque já trabalharam na YYY. O arguido AA saiu em 2019 e o GG já era trabalhador quando ela entrou. Explicou os procedimentos quando cessa o vínculo do trabalhador. No decorrer das suas declarações foi a testemunha confrontada com os documentos de fls. 872 e seguintes dos autos.
Ora, visto todos estes depoimentos ressalta dos mesmos à evidencia e com relevo que não presenciaram os factos em causa nos autos, não tendo estado no local na altura em que os mesmos ocorreram, por isso, perante depoimentos/declarações presenciais que mereceram a credibilidade do Tribunal, não vemos como as referidas testemunhas que a eles não assistiram pudessem por em causa a credibilidade dos depoimentos/declarações presenciais dos assistentes CC e BB e testemunhas que com os mesmos se encontravam – OO e PP, tanto mais que, do depoimento das mesmas testemunhas, decorre que não podem assegurar com a necessária certeza que o arguido GG não se tivesse ausentando do festival por algum tempo e a ele tivesse voltado, sendo certo que o mesmo era um voluntário, e que, de resto, não havia registo de entradas e saídas.
Quanto aos factos 22 e 24, dados como provados, e ao não provado g) recorde-se, são os seguintes: 22. No dia 15 de novembro de 2021, pelas 03H00, um grupo de cerca de, pelo menos, 4 indivíduos, entre os quais os arguidos AA e GG, encontravam-se no estabelecimento denominado BT, que se situa na Rua ..., em Lisboa. 24. Sem que nada o fizesse prever, juntamente com os demais indivíduos do grupo referido acima, os mencionados arguidos desferiram em EE e FF pontapés e socos, atingindo nomeadamente a face dos mesmos. 26. Em consequência das atuações sofridas, EE foi conduzido ao Hospital de São José, em Lisboa, a fim de receber tratamento médico. 27. Atuaram os referidos arguidos, em conjugação de esforços com os restantes indivíduos do grupo, com vista a molestarem fisicamente EE e FF, aproveitando-se da superioridade numérica, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
E o não provado é o seguinte: g. Que nas circunstâncias referidas em 22. o arguido GG se encontrava na sua residência.
O Tribunal Colectivo da 1.ª Instância motivou da seguinte forma os factos provados: Passando agora à factualidade atinente ao NUIPC 1001/21.0PCLSB, temos que o arguido AA, embora admitindo em julgamento que trabalhava a essa data como segurança privado no estabelecimento denominado “BT”, para a empresa “PPPP”, no horário entre as 23h00 e as 05h00, negou qualquer participação nos factos imputados, que nesse local tivesse estado o coarguido GG ou sequer que aí tivesse existido qualquer confronto físico. Em sentido similar, o arguido GG, à semelhança daquilo que havia já referido em sede de 1º interrogatório de arguido detido, negou, em absoluto, que alguma vez tivesse sequer estado no aludido estabelecimento, onde nunca trabalhou como segurança privado. Por sua vez, passando aos depoimentos das testemunhas nesta parte ouvidas, tivemos FF, EE, FFF e GGG, os quais, diga-se já, de forma clara, objetiva e sequencial, sem nada que fizesse desmerecer a respetiva credibilidade, apresentaram relatos que se conjugam e entrecruzam, dando nota do sucedido no estabelecimento em causa, onde se tinham deslocado para beber um copo, assim permitindo apurar os factos tal qual se deram como provados. A este propósito, desde logo as duas primeiras referidas testemunhas, nenhumas dúvidas tiveram em descrever a atuação de um grupo de indivíduos (entre 4 ou 5), que entenderam ser seguranças (pela indumentária que tarjavam – alguns vestidos de preto – e porque a abordagem inicial teve a ver com um boné que a testemunha FF tinha colocado e que um deles disse para tirar). Aqui, relevam os autos de reconhecimento pessoal realizados pela testemunha GGG, em 10.07.2022, a fls. 58/59 e 60/61 do NUIPC 1001/21.0PCLSB, no âmbito dos quais identificou sem qualquer dúvidarespetivamente os arguidos GG e AA, o que em julgamento, com os mesmos confrontada, foi igualmente perentória nessa identificação, ao ponto de concretizar as atuações de que se recorda levadas a cabo por cada um desses arguidos, dizendo que chegou a estar cara a cara com o arguido GG, perguntando-lhe “porque está batendo no meu amigo”. Também em audiência de julgamento, se a testemunha FF foi incapaz de identificar qualquer dos arguidos, já a testemunha FFF mostrou alguma certeza na identificação de ambos, enquanto a testemunha EE identificou o arguido GG, já não o arguido AA, em moldes que se afiguram plausíveis e que espelham o lapso temporal de vários anos decorrido, a par da capacidade de memorização que diverge de pessoa para pessoa, em particular pelo grau de intervenção nos factos e posicionamento na data em que os mesmos ocorrem, necessariamente subjacente a essa mesma memorização. Vale aqui também o que já acima se disse quanto a não se tratar de valorar um «reconhecimento» informal em audiência, mas de valorar a visualização dos arguidos pelas testemunhas, como elemento acessório, corroboratório do reconhecimento (caso tenha existido) – visualização aquela, aliás, que podia ter ocorrido em outro local que igualmente permitisse a identificação da pessoa visualizada, não se tratando de uma específica diligência probatória em julgamento, mas antes a ser valorada em conjunto com as demais provas produzidas. Ademais, com exceção da testemunha EE, todas as restantes três testemunhas reportaram que um dos sobreditos indivíduos tinha numa das mãos uma peça de metal que encaixa nos dedos, que identificaram como “soco inglês”, mas sem diretamente mencionarem que fosse algum dos arguidos nessa parte visados. A fls. 49 do NUIPC 1001/21.0PCLSB consta a foto do estabelecimento e a fls. 50/57 seguintes as fotografias que retratam o estado em que ficou EE e que tornam plausível a deslocação ao hospital (em conjugação com fls. 698), o que o próprio confirmou, assim como o corroboraram os depoimentos das restantes testemunhas a este respeito inquiridas. Dos relatos das mencionadas testemunhas resulta, ainda, a circunstância de terem, por ocasião dos factos, empreendido participação criminal junto das autoridades policiais, conforme se depreende do auto de notícia de fls. 3/4 e auto de denúncia de fls. 7/8, ambos do NUIPC 1001/21.0PCLSB, a permitir melhor concretizar as circunstâncias de tempo e lugar que dos mesmos se retira. Por outro lado, diga-se que os depoimentos das testemunhas aludidas acima não saem minimamente abalados pelos depoimentos prestados, ao invés,pelas testemunhas arroladas pelo arguido GG, no caso AAA e BBB, respetivamente companheira desse arguido e filho dessa mesma companheira, todos integrados no mesmo agregado há cerca de 12 anos e, como tal, naturalmente interessados no desfecho que dos autos possa resultar, os quais apresentaram um relato notoriamente colado àquela que foi a versão do arguido, pretendendo fazer passar que o mesmo se encontraria em casa na madrugada de 15 de novembro de 2021. A verdade é que não constam dos autos quaisquer elementos objetivos que se entendam suficientemente seguros para terem tal data tão bem presente na memória (que mais não seja do que a visão transmitida pelo arguido), mais a mais quando a testemunha BBB não deixou de referir que o arguido até costumava trabalhar durante a noite e, nessa medida, passava toda a noite fora de casa sempre que tal acontecia. Acresce, ainda, que a declaração genérica emitida pela “Strong Charon”, previamente junta aos autos pelo próprio arguido ainda em fase de inquérito, constante a fls. 472, da qual resulta que o arguido “se encontrou a prestar serviço no dia 15/11/2021”, por si, sem sequer exarar qual a baliza horária em que o terá feito, também não abala os depoimentos das testemunhas acima aludidas. No que se refere aos elementos psicológicos e volitivos imputados nesta parte aos arguidos, considerou-se que estes factos decorriam de forma segura, por inferência e com apoio nas regras da normalidade, das descritas condutas dos mesmos – aliás, tais factos encontram-se numa relação de quase necessidade com essas condutas. Assim, tudo visto, deram-se como demonstrados os factos 22. a 27. e quanto à factualidade dada como não provada sob d. e g. resultou como consequência do exposto e por não ter sido produzida prova bastante no preciso sentido em que vinha descrita, já que, ao contrário do arguido AA, que expressamente admitiu encontrar-se em exercício de funções de segurança privado, nenhum elemento objetivo permite referir que o arguido GG, embora presente no local, exercesse aí tais funções, o que, naturalmente, não afasta os comportamentos que quanto ao mesmo se apura. A factualidade apurada em 28. teve por base as declarações confessórias do arguido AA, em conjugação com o auto de busca e apreensão de fls. 280/281, fotografias de fls. 283/285 e autos de exame de fls. 286/288, 289/291 e 581/587.
Reexaminando a prova gravada, vemos que:
- EE, bar tender, não conhecia os RR. antes do processo. Diz que como nunca lhe aconteceu ficou bem nítido na sua mente. Era de madrugada estava ele o FF e mais duas amigas deste, entraram no BT, perto da … street. O amigo FF estava de boné, foi-lhe dito no bar que não podia estar com o boné, ele tirou o boné, mas dois homens foram ter com o FF e puseram-no na rua aos empurrões. Empurraram também a testemunha e um deu-lhe um soco no nariz e ele, testemunha, perdeu a consciência, quando acordou estava nos braços de duas amigas e cheio de sangue. Foram de ambulância para o hospital e falaram com a polícia. Os que atacaram eram seguranças, com t-shirt preta. Foi depois de tirar o boné que apareceram três, eram seguranças do bar. Tinham tatuagens. Foram empurrando o FF para a saída do bar. Um deles tentou dar um soco na testemunha. Num dos socos que lhe acertou de raspão chegou a cair nas cadeiras. Acertou de raspão entre o ombro e o pescoço.
Foi já à porta que lhe deram um soco no nariz. Ficou umas 8 horas no hospital, tendo feito raio x. Tinha os olhos roxos, inchados, um corte na boca e no nariz. Foi num domingo de madrugada. Voltou para o trabalho na terça feira, em lagos, mas com dificuldade, e com o rosto todo preto. O FF ficou com uma marca na parte de trás da cabeça depois das agressões. A polícia, estava a passar e esteve no local.
No decorrer das suas declarações foi a testemunha confrontada com os documentos de fls. 49 e seguintes do apenso nº 1001/21.0PCLSB, tendo identificado um dos arguidos presentes, como sendo um dos que estava vestido de preto e que o agrediu.
- FFF, estafeta, não conhece os arguidos, conhece os ofendidos. Saíram para passear, foram a um bar próximo do ..., o BT. Assistiu a agressão aos FF, deram-lhe uns tapas e ao EE que ficou mais ferido, bem machucado, com murro, tendo caído no chão. Eram seguranças com camisolas pretas, para aí uns três. Um deles vestido de preto, tinha uma soqueira (soco inglês) na mão para poder bater. Diz que deram no EE socos e pontapés. Foi chamada a polícia e ambulância. O EE foi para o Hospital, e a testemunha foi depois lá ter.
No decorrer das suas declarações a testemunha foi confrontada com os documentos de fls. 284 a 287 dos autos principais e de fls. 49 e seguintes do apenso nº 1001/21.0PCLSB (fotos do EE). Perguntado, identificou com alguma certeza dois dos arguidos como autores.
Refere que os seguranças estavam vestidos de preto. Para além de soqueira não viu outro objecto nem se recorda se algum tinha luvas.
- FF, pelo nome não sabe quem são os arguidos, confirmou terem sido agredidos ele e o EE. Diz que os seguranças lhe disseram para tirar o boné, apareceram 5 seguranças à volta de si, deram-lhe socos e chutos. O EE também foi agredido e caiu no chão.
A discoteca onde tinham ido com os amigos GGG, EE e FFF era na zona do ... em Lisboa. O episódio com o boné ocorreu dentro da discoteca e foram os 5 seguranças ter consigo, estavam vestidos com roupa preta. Um segurança colocou um “soco inglês na mão”.
O seu amigo estava consigo dentro da discoteca. Recorda-se que um deles tinha uma tatuagem na mão. O EE foi assistido no Hospital, a testemunha chegou a ir ao Hospital ter com o seu amigo.
No decorrer das suas declarações foi a testemunha confrontada com os documentos de fls. 287 e 288.
- GGG, confirma que os seus amigos foram agredidos e que chegou a ir fazer reconhecimentos no processo. Diz tudo começou por causa de um boné, dentro da boite. Dentro do estabelecimento quando o segurança pede para ele tirar o boné, ele argumenta, o segurança começou então a agredi-lo e a pô-lo lá fora, ele ficou ensanguentado. Os seguranças estavam todos de preto. Confirma que o EE também foi agredido, com um soco que o fez cair, e ficou a sangrar, diz que o EE caiu não desmaiou, ficou uns segundos e ela acordou-o. Viu o que se passou dentro e fora da boîte. Confirmou que um segurança tinha um soco inglês. Lembra-se de duas pessoas que agrediram os seus amigos. Reconheceu dois arguidos como sendo os autores das agressões, um deles o GG que não conhecia. Foi à delegacia umas três vezes. E fez reconhecimento na esquadra.
- AAA, referiu que é mulher do arguido GG, com quem vive em união de facto há 12 anos. Diz que no fim de semana em causa o GG, seu companheiro dormiu em casa. Confirma os objectos apreendidos em sua casa. Explicou que o seu companheiro fazia segurança para várias empresas, chegou a trabalhar para a YYY de onde saiu em Agosto de 2021. Admitiu que ele já fez vários trabalhos à noite.
- BBB, analista de dados num banco. Diz que no fim de semana em causa, a testemunha tinha jogo e o arguido GG dormiu em casa, apercebeu-se que foi para o quarto e que não saiu, às 3 horas da manhã estava em casa e foi trabalhar no outro dia de manhã. Dá-se bem com o companheiro da sua mãe, o arguido GG.
Ora, mais uma vez não vemos como as testemunhas AAA e BBB, não sendo presenciais nem tendo estado no local dos factos pudessem afastar a credibilidade, nomeadamente da testemunha presencial GGG e do ofendido EE, estes presenciais e que mereceram a credibilidade do Tribunal, que acolheu os depoimentos como relevantes e apreciou à luz do princípio da livre apreciação das provas inserto no art.º 127.º, do CPP, não sendo os depoimentos das aludidas testemunhas AAA e BBB capazes de abalar a credibilidade das referidas testemunhas presenciais nem de molde a confirmar com segurança e certeza que o arguido GG não tenha saído de casa na noite do dia em causa (15/11/2021).
Ademais, o Tribunal recorrido acolheu a versão decorrente dos depoimentos presenciais das referidas testemunhas e não o depoimento dos arguidos e das testemunhas BBB e AAA, sendo esta versão fundada nessas provas produzidas oralmente e perante o Tribunal Colectivo.
Destarte, e como já referido a propósito do recurso do arguido HH, por razões que se prendem em particular com a ausência de imediação e de oralidade, o poder de apreciação do Tribunal de recurso não é equivalente a um segundo julgamento, não podendo assim esperar-se que aí seja encetada uma alteração da matéria de facto provada apenas por ser possível uma outra análise da prova; essa alteração deverá ocorrer apenas se a análise da prova o impuser, como decorre do art.º 412.º, n.º 3, alíneas b) e c) do Código de Processo Penal, o que significa que não basta contrapor-se à convicção do julgador uma outra convicção diferente para provocar uma modificação na decisão de facto, sendo necessário demonstrar-se que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados é, pelo menos, desprovida de razoabilidade.
Se do recurso resultar apenas a exposição de uma outra, possível, leitura da prova, nomeadamente dando mais valor a este ou àquele meio de prova, a esta ou àquela passagem dos depoimentos, do que se trata é então que a Recorrente pretende apenas fazer sobrepor a sua convicção à do Tribunal de 1ª Instância, o que já não pode lograr, considerando que o Tribunal recorrido beneficiou da imediação e da oralidade e deu credibilidade aos depoimentos à luz do princípio da livre convicção (art.º 127.º, do CPP).
O que a Recorrente pretende é que esta Relação se substitua ao Tribunal de 1ª Instância no juízo de facto realizado, como se estivéssemos diante um novo e inicial julgamento, o que não é possível.
Do exposto se conclui pela não verificação de erro de julgamento e com a consequente improcedência deste segmento do recurso.
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3.ª Da verificação de vícios previstos no art.º 410.º, do CPP em especial do erro notório na apreciação da prova nomeadamente, por violação do princípio da presunção de inocência por dúvida razoável.
Vistas a motivação e as conclusões, não mencionando nem distinguindo o recorrente a impugnação alargada (art.º 412.º, do CPP) da restrita (art.º 410.º, do CPP), parecendo-nos que pretendia em primeira linha a primeira, invocando os segmentos dos depoimentos que para si imporiam decisão diversa, porém, parece-nos em segunda linha pretender também a restrita considerando a alegação de “manifesto erro notório” e a pretendida aplicação do “in dúbio pro reo” e ainda menção das alíneas a) e c) do n.º1, do art.º 410.º, do CPP em sede de requerimento de recurso.
Analisando, então, os fundamentos do recurso em termos de impugnação restrita da matéria de facto a fim de concluir se ocorre algum dos vícios de erro notório na apreciação da prova ou de insuficiência para a decisão da matéria de facto, aliás de conhecimento oficioso diremos que em comum aos três vícios aí previstos, o vício que inquina a sentença ou o acórdão em crise tem que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum (parte final do n.º2 do referido art.º) sem o apelo a elementos estranhos à decisão, como por exemplo quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.
O erro notório na apreciação da prova (vício a que alude a alínea c), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), enquanto falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
Um tal vício de erro notório na apreciação da prova não se verifica quando a discordância resulta da forma como o tribunal apreciou a prova produzida. O simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal e expressa na decisão recorrida não conduz ao aludido vício.
Revisitando ao caso dos autos relativamente ao erro notório e a aplicação do princípio da presunção de inocência previsto no art.º 32.º, da CRP.
Dando aqui por reproduzido o que já dissemos a propósito do recurso do arguido HH, tendo as provas sido apreciadas à luz do principio da livre apreciação da prova (art.º 127.º do CPP), não estando em causa excepções integradas no princípio da prova legal, ou tarifada, ou as que derivem de uma apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova produzida e ofensiva das regras da experiência comum, não vemos que se impusesse ao Tribunal a aplicação do princípio do in dúbio pro reo .
Sendo o princípio in dubio pro reo uma regra de decisão da prova, que só deve ocorrer quando, após a produção e a apreciação dos meios de prova relevantes, o julgador se defronte com a existência de uma dúvida razoável sobre a verificação dos factos e, perante ela, se lhe imponha decidir a favor do arguido, de tal dúvida não se defrontou o Tribunal recorrido, nem tal resultar ou decorrer do próprio texto da decisão recorrida.
A violação do princípio in dubio pro reo impunha que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados.
No acórdão recorrido em crise, não foi violado o princípio da livre apreciação da prova inserto no art.º 127.º, do CPP, que em conjunto com o princípio da imediação enfatiza a livre convicção dos juízes da primeira instância que compuseram o Tribunal Colectivo, que realizou o julgamento e proferiu o acórdão condenatório, a qual se mostra consentânea com as regras da experiência e da lógica, e não se lhe impunha acolhesse a versão do arguido/recorrente.
No caso em análise, o Tribunal de 1ª Instância não manifestou qualquer dúvida razoável a respeito de qualquer dos factos dados como provados, com apoio nos meios de prova disponíveis e lendo-os criticamente à luz das regras da experiência comum.
O Tribunal recorrido justificou devidamente a versão que acolheu, como se denota dos excertos supra transcritos, mostrando-se, o raciocínio perfeitamente explicado, de forma lógica, objetivável e explicável pelas regras da experiência comum e, nessa medida, porque beneficiou da imediação e da oralidade, deve prevalecer e ser acolhida. Não há, pois, que apelar à apreciação do in dubio pro reo.
Do exposto se conclui não existir qualquer erro notório na apreciação da prova.
Quanto à alegada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, igualmente, um vício intrínseco e endógeno da decisão, vista a factualidade dada como provada não existe lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito nem a mesma é insuficiente para fundamentar a solução de direito nem o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final.
Não vemos igualmente que quanto ao recorrente o acórdão condenatório padeça de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (vício a que alude a alínea b), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal
É, pois, patente que o texto do acórdão recorrido não revela qualquer vício intrínseco e endógeno de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão nem erro notório na apreciação da prova.
Pelo exposto, e, em suma, as premissas do Acórdão recorrido, secundadas pelas considerações supra, no que toca à matéria de facto, encontram-se fundadas na prova produzida conjugada com as regras de experiência comum e são o bastante para dar os mesmos como provados e para alcançar o enquadramento jurídico penal e a conclusão condenatória do arguido, como realizada pelo Tribunal recorrido.
Consequentemente improcede o recurso quanto à impugnação da matéria de facto e o consequente pedido de absolvição do arguido/recorrente pela prática dos crimes pelos quais veio a ser condenado pelo Tribunal colectivo recorrido, não nos merecendo qualquer censura, quanto à suficiência da matéria de facto provada para o enquadramento jurídico-penal dessa materialidade feito no acórdão recorrido com o preenchimento dos elementos objectivo e subjectivo dos tipos legais dos crime por que os arguido/recorrente foi condenado na 1ª Instância.
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Em conclusão, o recurso improcede também nesta parte, e, por consequência, na totalidade.
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V – Dispositivo
Face ao exposto, acordam os Juízes que integram a 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em:
Negar provimento aos recursos, interpostos pelos arguidos HH e GG, confirmando, o Acórdão Condenatório recorrido.
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Condenar cada um dos arguidos no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC para cada um deles nos termos dos art.ºs 513º n. º1 e 514.º, do Código de Processo Penal, 8º/9.º do Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26 de fevereiro) e Tabela III anexa a este último diploma.
Notifique.
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Lisboa, 22/05/2025
(Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários)
Maria de Fátima R. Marques Bessa
Isabel Maria Trocado Monteiro
Nuno Matos
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1. Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995
2. Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, 5ª Secção.