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CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
CUMPRIMENTO
PRAZO
INCUMPRIMENTO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
MORA
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
SINAL
Sumário
I - O prazo previsto num contrato-promessa para a celebração do contrato prometido pode revestir a natureza de prazo limite ou absoluto, cujo decurso determina o imediato incumprimento definitivo e possibilita a resolução ou de prazo fixo relativo, determinante da simples situação de mora. II - A qualificação do prazo em absoluto ou relativo depende da interpretação da vontade das partes e das suas declarações negociais. III - Não havendo, no momento da celebração do contrato-promessa, condições para a celebração do contrato definitivo, pois o prédio prometido vender não estava inscrito na matriz nem seu preço era determinável visto se desconhecer a sua área, impunha-se uma dilação entre a celebração dos dois contratos; por via disso, as partes convencionaram que "a escritura será marcada com o prazo máximo de três meses". IV - Tal expressão, só por si, não permite concluir que o prazo revista a natureza de absoluto; será antes, até porque foi alegada a prorrogação do prazo por um mês, um prazo fixo relativo, susceptível, tão somente, de constituir em situação de "mora debitoris" relativamente à obrigação de celebrar o contrato prometido aquele que devesse diligenciar pela marcação da escritura. V - A mora só se converte em incumprimento definitivo, nos termos do artigo 808 n.1 do Código Civil, se o credor, em consequência dela, perder o interesse que tinha na prestação ou se, esta não for realizada no prazo que razoavelmente for fixado pelo credor (interpelação admonitória). VI - A perda do interesse do credor tem que resultar da mora no cumprimento e não de qualquer outra circunstância. VII - A interpelação admonitória é uma intimação formal dirigida ao vendedor moroso para que cumpra a sua obrigação dentro de certo prazo determinado sob pena de se considerar o seu não cumprimento definitivo. VII - O regime do sinal previsto no n.2 do artigo 442 do Código Civil, não é aplicável à simples mora e só se justifica no caso de incumprimento definitivo do contrato-promessa.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório
MARIA..... e marido ROGÉRIO....., residentes no lugar......, freguesia de....., comarca de....., instauraram no Tribunal Judicial da Comarca de Lousada, onde foi distribuída ao -º Juízo, acção declarativa com processo sumário, contra ALCINA....., viúva, residente no lugar....., freguesia de....., desta comarca, pedindo que a ré seja condenada a ver resolvido o contrato promessa de compra e venda junto aos autos, como documento n.º 1, por incumprimento, a si exclusivamente imputável, das obrigações insertas no mesmo, e a entregar-lhes o dobro do sinal recebido, ou seja, o montante de 2.000.000$00.
Para tanto, alegaram, em síntese, que:
No dia 17/08/99, a ré e a autora celebraram o aludido contrato, mediante o qual aquela prometeu vender a esta o seu prédio rústico sito no lugar....., freguesia de....., omisso na matriz, pelo preço de 4.000$00 por metro quadrado, tendo a segunda feito entrega à primeira da quantia de 1.000.000$00 a título de sinal e princípio de pagamento e acordando ambas que a escritura seria marcada no prazo máximo de três meses.
Decorrido este prazo, indagaram junto da ré sobre os motivos da falta daquela escritura, a qual lhes disse que o processo de inscrição já estava concluído e que a mesma teria lugar no prazo máximo de um mês.
Tendo decorrido este novo prazo sem que a ré aprazasse a escritura, em 27/12/2000, a autora comunicou-lhe que considerava o contrato celebrado resolvido por incumprimento da ré.
Esta contestou por impugnação, dizendo ainda que procedeu à inscrição matricial do prédio em 12/10/99 e que os autores lhe pediram para atrasar a marcação da escritura, que agora não querem celebrar por se terem arrependido. Concluiu pela improcedência da acção.
Foi proferido o despacho saneador e seleccionada a matéria de facto sem reclamação das partes.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi decidida a matéria de facto controvertida como consta do douto despacho de fls. 63 e 64, que não foi objecto de reclamações.
Seguiu-se douta sentença que decidiu julgar a acção improcedente e absolver a ré do pedido.
Inconformados com o assim decidido, os autores interpuseram recurso para este Tribunal, o qual foi admitido como de apelação e com efeito meramente devolutivo.
Apresentaram, oportunamente, a sua alegação com as seguintes conclusões:
1. O contrato junto aos autos consiste num contrato promessa unilateral;
2. Nessa medida, foi apenas a recorrida quem se vinculou a vender o identificado prédio e quem se vinculou às obrigações decorrentes do mesmo contrato, como seja a obrigação de proceder à marcação da escritura no prazo máximo de três meses;
3. A recorrida não procedeu à marcação da escritura naquele prazo, nem posteriormente;
4. Consequentemente, a recorrida incorreu em mora.
5. A actual redacção dos n.ºs 2 e 3 do art.º 442º do C. Civil permite a resolução imediata do contrato promessa de compra e venda perante a simples mora do contraente faltoso, com as sanções correspondentes;
6. A mora da recorrida, que deveria ter sido reconhecida pelo Tribunal, bastava para que os recorrentes pudessem resolver o contrato e exigirem o dobro do sinal prestado;
7. Assim não entendendo, a M.ma Juiz recorrida violou o disposto nos art.ºs 442º e 808º do Código Civil, o primeiro por errónea interpretação e o segundo por errónea interpretação e aplicação dos respectivos ditames;
8. Em todo o caso, dos elementos constantes na parte respeitante à fundamentação de facto, impunha-se que o Tribunal tivesse concluído que os recorrentes tiveram que arranjar um armazém que permitisse o desenvolvimento e funcionamento da actividade comercial da recorrente, como consequência da não realização da escritura.
9. Por outro lado, ao não ter sido marcada a escritura no prazo de três meses, nem sequer no prazo de um ano, tal facto acarretou para a recorrente a perda do interesse na prestação, a qual foi manifestada na presente acção.
10. A recorrida, ao não responder à carta remetida pela recorrente, aceitou a resolução do contrato, aceitou os seus motivos e concordou que a resolução do contrato havia ficado a dever-se exclusivamente a culpa sua.
Contra-alegou a apelada pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes (cfr. art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1, ambos do CPC), as questões a decidir consistem em saber se existe mora ou incumprimento por parte da ré e se a autora pode resolver o contrato promessa celebrado e obter dela o pagamento do dobro do sinal.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Fundamentação
1. De facto.
Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
A) A ré e a autora celebraram, em 17/8/1999, um contrato com o seguinte teor:
“Alcina....., ..., como promitente vendedora; e Maria.....,..., como promitente compradora.
A primeira outorgante declara que é dona e legítima possuidora de um prédio rústico sito no lugar....., freguesia de......, concelho de....., não inscrito na matriz e descrito ou não na Conservatória do Registo Predial, a confrontar de norte com a Estrada Municipal n.º.., sul e nascente com terrenos de Abílio..... e poente com Aterro sanitário da Câmara Municipal de....., pelo preço de quatro mil escudos por metro quadrado, promete vender ao segundo com as seguintes cláusulas:
a) O valor total será o resultado da multiplicação do número de metros quadrados que o prédio tiver pelo preço acima referido de quatro mil escudos por metro quadrado;
b) O número de metros quadrados será determinado por levantamento topográfico feito pelo comprador e pelo vendedor se assim o entender o vendedor;
c) Como sinal e princípio de pagamento do preço total o segundo outorgante entrega à primeira a quantia de um milhão de escudos, do qual esta dá a respectiva quitação;
d) A escritura será marcada com o prazo máximo de três meses.
Todas as despesas com a escritura, sisa, emolumentos notariais são da responsabilidade do comprador.
O presente contrato fica sujeito ao regime de execução específica previsto no art.º 830º do Código Civil” (alínea A dos factos assentes).
B) Em 27/12/00, a autora, através do seu mandatário, enviou à ré uma carta registada com a/r com o seguinte teor:
“Conforme é do conhecimento de V. Exª, foi celebrado com a m/cliente Maria..... um contrato promessa de compra e venda segundo o qual V. Exª se comprometia a vender à mesma um prédio rústico sito no lugar de...., freguesia de....., então omisso à matriz.
Mais resulta do aludido contrato que a escritura deveria mostrar feita no prazo máximo de 3 meses.
Acontece que, decorrido o invocado prazo de 3 meses, V. Exª não havia procedido à inscrição na matriz do prédio que prometera vender, sendo que tal situação se manteve por muitos e muitos meses.
Apesar de todas as interpelações feitas pessoalmente pelo marido da m/cliente junto de V. Exª, a verdade é que, até hoje, V. Exª não outorgou a escritura definitiva do contrato promessa nem se tem mostrado disponível para o fazer.
Tal situação tem acarretado avultados prejuízos à m/cliente, dado que ao ter prometido comprar havia projectado a construção de um pavilhão para aí instalar a sua actividade comercial.
Por via dos sucessivos atrasos na outorga da escritura definitiva, a m/cliente viu-se forçada a recorrer a outro pavilhão, razão pela qual o interesse que legitimou a compra do prédio objecto do contrato promessa se encontra sem razão de ser.
Face ao exposto, a m/cliente incumbiu-me de transmitir a V. Exª o firme propósito de resolver o contrato promessa celebrado cm V. Exª em 17/8/99 e, como tal, o resolve, por culpa exclusiva do incumprimento do contrato promessa por parte de V. Exª.
Concomitantemente fica V. Exª notificada para proceder à devolução do sinal então recebido, no valor de 1.000.000$00, acrescido de igual montante, a título de cláusula penal.
Tais valores deverão mostrar-se satisfeitos no prazo de 15 dias, sob pena de procedimento judicial.” (al. B dos factos assentes).
C) Os autores tiveram que arranjar um armazém que permitisse o desenvolvimento e funcionamento da actividade comercial da autora (resposta ao quesito 7º).
D) A ré procedeu à participação do imóvel em 12/10/99, antes de se terem esgotado os 3 meses do prazo máximo para a marcação da escritura (resposta ao quesito 8º).
Atento o teor do documento junto a fls. 56 que não foi impugnado, considera-se provado mais o seguinte:
E) À carta aludida em B), respondeu a ré com outra carta datada de 10/1/2001, onde nega as alegadas interpelações, diz que o autor lhe pediu para atrasar a celebração do contrato prometido e que não aceita a resolução do contrato, mostrando-se disponível para outorgar a escritura logo que a autora queira.
2. De direito.
A estes factos há que aplicar o direito, tendo em vista a resolução das supra mencionadas questões, considerando-se os mesmos assentes, uma vez que não é caso para alterar a decisão do tribunal de 1ª instância nos termos do art.º 712º do CPC, não se percebendo o alcance da conclusão 8ª dos apelantes. Para o caso de pretenderem a alteração da resposta dada ao quesito 7º, por forma a considerar-se integralmente provado, cumpre, desde já, afirmar que tal desiderato é impossível, porquanto tem sido entendimento dominante na doutrina e na jurisprudência que, fora das situações previstas no n.º 1 daquele artigo, tendo sido formulados quesitos sobre determinada matéria de facto a que o Tribunal de 1ª instância tenha respondido, mormente quanto a factos que, apesar de quesitados, não ficaram provados, não pode a Relação alterar as respostas com base em simples presunções judiciais (cfr., neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 12/3/81, de 25/10/83, de 8/11/84 e de 13/2/95, no BMJ, respectivamente, nº 305º, pág. 276, 330º, 516, 341º, 388 e 344º, 361; de 6/7/93, na CJ – STJ -, ano I, tomo II, Pág. 187; de 8/2/2000 e de 20/6/2000, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954; desta Relação de 2/11/2000, 5/6/2001 e de 5/3/2002, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3; , na doutrina, Antunes Varela, RLJ ano 122º, págs. 213 e segs e 123º, 56 e segs).
Resulta dos factos provados, designadamente da matéria contida na supra referida alínea A), e do documento junto a fls. 6 dos autos, que a autora celebrou com a ré um contrato promessa de compra e venda, nos termos do qual esta prometeu vender àquela o prédio rústico, ali identificado, pelo preço que resultar da multiplicação da sua área, a determinar, por 4.000$00 cada metro quadrado.
Trata-se de um contrato promessa bilateral, visto que se verificam compromissos de ambas as partes que se vincularam a celebrar um contrato definitivo de compra e venda (cfr. art.º 410º, n.º 1 do C. Civil e Inocêncio Galvão Teles, Direito das Obrigações, págs. 83 e 84).
Apesar de não constar expressamente no documento elaborado para o efeito que a autora “promete comprar”, a verdade é que ela assumiu-se ali como “promitente compradora” e obrigou-se a proceder a um levantamento topográfico para determinação da área do prédio prometido vender e do preço da respectiva compra e venda, assinando tal documento.
Existe, assim, uma vinculação a prestações futuras por ambas as partes; vinculação essa de natureza obrigacional, ou seja, a de emissão de declarações de vontade correspondentes ao contrato prometido - a compra e venda.
Tratando-se de promessa de compra e venda de imóvel devia obedecer, como obedeceu, à forma escrita, mostrando-se assinado por ambas as partes (art.ºs 410º, n º 2 e 875º, ambos do C. Civil e 80º, n.º 1 do C. do Notariado).
É, pois, um contrato formal e substancialmente válido.
Nesse contrato nada ficou convencionado sobre quem impendia o dever de efectuar as diligências necessárias à marcação da escritura pública de compra e venda e interpelar a contraparte.
Quanto a esta matéria, as contraentes apenas convencionaram “a escritura será marcada com o prazo máximo de três meses”.
Mas que tipo de prazo é este?
É sabido que o prazo previsto num contrato promessa para a celebração do contrato prometido pode revestir a natureza de prazo limite ou absoluto, cujo decurso determina o imediato incumprimento definitivo e possibilita a resolução ou de prazo fixo relativo, determinante da simples situação de mora (cfr. Calvão da Silva, in Sinal e Contrato-Promessa, 8ª ed., págs. 130 e 131; Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. II, 4ª ed., pág. 44; e Ac. do STJ de 11/4/2000, na CJ – STJ -, ano VIII, tomo II, pág. 32).
No primeiro caso, as partes, ao fixarem o prazo máximo para a celebração da escritura, têm em vista o estabelecimento de um prazo limite, inequivocamente essencial, cujo decurso tacitamente pressupõe a perda do interesse delas na respectiva celebração e determina o imediato incumprimento definitivo.
No segundo, embora as partes tenham estabelecido um limite temporal para o cumprimento, o mesmo não traduz uma directa e consequente perda de interesse negocial, aceitando-se que a prestação ainda é possível no âmbito do contrato, caindo o devedor numa situação de mora.
A qualificação do prazo em absoluto ou relativo depende, como é óbvio, da interpretação da vontade das partes e das suas declarações negociais (cfr. Ac. do STJ de 12/7/2001, CJ – STJ -, ano IX, tomo III, pág. 30).
Assim, e uma vez que nada mais de relevante para o efeito se provou nem sequer foi alegado, é a partir das cláusulas insertas no contrato promessa que teremos de determinar a natureza do prazo fixado.
Do seu teor infere-se que, no momento da celebração do contrato promessa, não havia condições para a celebração do contrato definitivo, pois o prédio prometido vender não estava inscrito na matriz, nem o seu preço era determinável visto se desconhecer a sua área.
Daí que se impusesse uma dilação entre a celebração dos dois contratos, tendo, para tanto, as partes convencionado que “a escritura será marcada com o prazo máximo de três meses”.
Contudo, esta expressão “será marcada”, só por si, não revela a essencialidade do prazo em termos de interesse contratual das partes, não permitindo a conclusão de que, pelo simples decurso desse prazo, ocorre a perda de interesse caracterizadora das situações de fixação de prazo limite absoluto, tanto mais que não surge acompanhada de qualquer outra indicação nesse sentido, designadamente de expressões como improrrogável, impreterivelmente, sob pena de imediata resolução, etc.
Aliás, os próprios autores/recorrentes não o interpretaram como tal, na medida em que alegaram a prorrogação do prazo por um mês (cfr. art.ºs 9º e 11º da petição inicial).
Estamos, por conseguinte, perante um prazo fixo relativo, susceptível, tão somente, de constituir em situação de mora debitoris relativamente à obrigação de celebrar o contrato prometido aquele que devesse diligenciar pela marcação da escritura.
Como já se referiu, o contrato promessa é omisso quanto à pessoa a quem incumbia esta obrigação.
Os apelantes entendem que competia à ré proceder à marcação da escritura, por se tratar de uma promessa unilateral.
Todavia, já tentámos demonstrar que estamos perante um contrato promessa bilateral, por ambas as outorgantes terem assumido compromissos.
Mas ainda que fosse obrigação da recorrida, o que se desconhece, também a apelante não procedeu, como devia, ao levantamento topográfico necessário para a determinação do preço e celebração do contrato prometido.
Ao deixarem de cumprir, no tempo previsto, estas obrigações contratuais, o comportamento das contraentes revela, com toda a probabilidade, a declaração tácita de prorrogação do prazo inicialmente convencionado.
Deste modo, a celebração do contrato prometido, inicialmente sujeita a prazo fixo, embora relativo, transformou-se em obrigação sem prazo, ou obrigação pura, apenas exigível com a necessária interpelação (art.ºs 777º, n.º 1 e 805º, n.º 1, ambos do C. Civil).
A autora não interpelou a ré para cumprir a eventual obrigação de marcação da escritura. Note-se que os autores não provaram quaisquer factos donde se pudesse extrair alguma interpelação, nem sequer que a ré estivesse em atraso quanto à inscrição do prédio na matriz, como lhes competia nos termos do art.º 342º, n.º 1 do C. Civil (cfr. respostas negativas dadas aos quesitos 1º a 4º). Provou-se antes que a ré procedeu à participação do imóvel em 12/10/99, ainda dentro do prazo inicialmente fixado no contrato promessa.
Por isso, não se encontra demonstrado que a ré tenha incorrido em mora.
E ainda que tivesse, como defendem os apelantes, a mora jamais lhes permitiria resolver o contrato e exigir o pagamento do sinal em dobro, pois entendemos que tal só é possível nos casos de incumprimento definitivo.
A mora, que pressupõe a possibilidade da prestação, embora retardada, só se converte em incumprimento definitivo nos termos do n.º 1 do art.º 808º do Código Civil se o credor, em consequência dela, perder o interesse que tinha na prestação ou se esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor.
A perda do interesse não pode resultar de um mero capricho do credor.
A falta de utilidade da prestação ou eventual prejuízo para o accipiens terão que resultar objectivamente das condições e das expectativas concretas que estiveram na origem da celebração do negócio (cfr. nº 2 do citado artº 808º), bem como das que, posteriormente, venham a condicionar a sua execução (sobre o repúdio da fundamentação puramente subjectiva da perda do interesse e o papel do STJ na apreciação objectiva, cfr. Antunes Varela, RLJ, ano 118, págs. 54 a 57, em anotação ao ac. do STJ de 3/11/81).
Por outro lado, não basta a simples diminuição do interesse do credor, exigindo-se ainda uma perda efectiva desse interesse, ou seja, impõe-se uma perda subjectiva do interesse com justificação objectiva.
Para Antunes Varela, na sequência do preceituado no nº 1 do referido artº 808º, a perda do interesse tem que resultar da mora no cumprimento e não de qualquer outra circunstância (cfr. local citado, pág. 56).
Independentemente da perda do interesse do credor, a lei permite também que este, em caso de mora, fixe ao devedor um prazo razoável para cumprir, sob pena de se considerar impossível o cumprimento (segunda parte do nº 1 do mesmo artº 808º).
Esta interpelação admonitória, com fixação de prazo peremptório para o cumprimento, ainda permite ao devedor discutir a razoabilidade do prazo suplementar que o credor fixou, uma vez que a lei alude a prazo que razoavelmente for fixado.
Ora, no caso em análise, não se verifica a perda efectiva do interesse dos apelantes na celebração do contrato prometido, com justificação objectiva, em consequência da mora, tanto mais que não foi dado como provado que o armazém por eles conseguido se deveu a inércia da ré (cfr. resposta restritiva ao quesito 7º).
E não se vislumbra que tenha sido fixado à recorrida qualquer prazo razoável para proceder à marcação da escritura com vista à celebração do contrato prometido, isto é, que lhe tenha sido feita a chamada interpelação admonitória.
Não tem essa virtualidade a carta que lhe foi enviada em 27/10/2000, visto que nela se optou logo pela resolução do contrato promessa e por pedir a devolução do sinal em dobro.
Apesar de nela se fazer referência a “interpelações feitas pessoalmente” pelo apelante e de se imputar o incumprimento à recorrida, a verdade é que não foram demonstradas tais interpelações, não há factos que permitam concluir pelo incumprimento por parte da ré, nem esta aceitou a resolução nem a imputação que lhe é feita, mostrando-se ainda disposta a cumprir.
Contrariamente ao defendido pelos apelantes, não houve qualquer aceitação tácita, nem da resolução nem dos motivos invocados, pois a recorrida respondeu à mencionada carta com a referenciada na alínea E) dos factos provados, onde nega as invocadas interpelações e declara não aceitar a resolução nem os fundamentos; carta essa que se mostra junta a fls. 56 por fotocópia e que aqueles omitem nas alegações de recurso!
A interpelação admonitória não é uma interpelação qualquer. Ela constitui uma expressa advertência ao devedor moroso de que, se não cumprir dentro do prazo razoável que o credor lhe fixar, incumpre definitivamente o contrato (cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª ed., pág. 899). Ou, no dizer de Baptista Machado, “é uma intimação formal dirigida ao devedor moroso para que cumpra a sua obrigação dentro de certo prazo determinado, sob pena de se considerar o seu não cumprimento definitivo” (cfr. Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Obras Dispersas, vol. I, pág. 164).
Tal interpelação não foi feita, nem se mostra que a apelante tenha perdido o interesse que tinha na prestação, como se deixou dito.
Por isso, a existir mora por parte da recorrida, ela não se converteu em incumprimento definitivo.
No Ac. do STJ de 12/1/99, proferido no processo n.º 1.163/98, citado no Ac. do mesmo Tribunal de 27/4/99, na CJ – STJ -, ano VII, tomo II, pág. 62, escreveu-se: “é hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência que o incumprimento do contrato promessa tem de ser aferido pelas regras gerais do não cumprimento das obrigações a que se refere o citado art.º 808º. Assim sendo, não basta que, havendo sido estipulado um prazo para a celebração do contrato prometido, um dos promitentes não o tenha respeitado e não haja, por isso, outorgado o contrato definitivo. Num caso desses, sendo a prestação ainda possível, entrar-se-á apenas numa situação de mora ou atraso no cumprimento da prestação, prevista nos art.ºs 804º, n.º 2 e 805º, n.º 2. Tal incumprimento ainda não definitivo basta para que possa haver lugar a execução específica do contrato promessa (art.º 830º, n.º 1), mas é insuficiente para fundamentar a sua resolução contratual. Para constituir fundamento de resolução do contrato ... o incumprimento culposo, equiparável à impossibilidade da prestação imputável ao devedor, tem de ser definitivo”.
Donde claramente resulta que os apelantes jamais podem obter a resolução do contrato e o pagamento do dobro do sinal.
É que, tal como grande parte da doutrina e da jurisprudência, entendemos que o regime do sinal previsto no n.º 2 do art.º 442º do C. Civil, mesmo após a redacção dada pelo DL n.º 379/86, de 11/4, não é aplicável à simples mora e só se justifica no caso de incumprimento definitivo do contrato promessa (cfr. Calvão da Silva, ob. cit., págs. 108 a 113; Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª ed., págs. 128 e segs.; Antunes Varela, RLJ, ano 119º, pág. 216; e Acs. do STJ de 7/3/91, BMJ n.º 405, pág. 456; de 4/11/93, CJ – STJ -, ano I, tomo III, pág. 105; de 24/10/95, CJ, ano III, tomo III, pág. 78; de 27/11/97, BMJ n.º 471, pág. 388; de 8/2/2000, CJ, ano VIII, tomo I, pág. 72; e de 12/7/2001, CJ, ano IX, tomo III, pág. 30, entre muitos outros).
É o que resulta da letra da lei ao dispor “se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação...”, sendo que a expressão “deixar de cumprir” é equivalente a incumprimento definitivo, pressuposto a que anda associada a perda de sinal pelo tradens.
O mesmo também resulta da expressão usada a seguir, na segunda parte do aludido preceito, “se o não cumprimento do contrato for devido... tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou” ou, mais à frente, “...à data do não cumprimento da promessa”.
Igual conclusão se retira da primeira parte do n.º 3 do mesmo artigo ao estabelecer “em qualquer dos casos previstos no número anterior, o contraente não faltoso pode, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, nos termos do art.º 830º”, o que equivale a dizer que o promitente comprador só pode optar por esta faculdade, se este artigo lho permitir, no caso de mora ou provisório inadimplemento, a fim de evitar o incumprimento definitivo, porque mantém o interesse na prestação que lhe é devida. Havendo incumprimento definitivo, não tem cabimento a execução específica, pelo que ao credor resta recorrer à resolução do contrato, com a indemnização determinada nos termos do art.º 442º.
O n.º 4 deste art.º também consagra que o aumento do valor da coisa ou do direito, a perda do sinal ou o pagamento do dobro deste são a indemnização devida pelo não cumprimento do contrato, não havendo lugar qualquer outra indemnização, na ausência de estipulação em contrário.
Acresce que não é de crer que o legislador tivesse querido estabelecer a mesma sanção indemnizatória para dois ilícitos tão distintos – a mora e o incumprimento definitivo -, com consequências diversas, consagrando a tutela moratória e a tutela compensatória nos mesmos termos e no mesmo artigo, tanto mais que aquele se presume “razoável, quer na escolha da substância legal quer na sua formulação técnica”, consagrando as soluções mais acertadas e exprimindo o seu pensamento em termos adequados (cfr. art.º 9º, n.º 3 do C. Civil e Manuel de Andrade, Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis, 3ª ed., pág. 103).
Deste modo, improcedem todas as conclusões dos apelantes, pelo que a sentença recorrida deve manter-se, ainda que com fundamentos algo diversos.
III. Decisão
Por tudo o exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença impugnada.
*
Custas pelos recorrentes.
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Porto, 01 de Abril de 2003
Fernando Augusto Samões
Alziro Antunes Cardoso
Albino de Lemos Jorge