I. Se, com a acção de impugnação de decisão de arquivamento de participação disciplinar, a autora visa obter a reparação, ainda que reflexa, de valores eminentemente pessoais referentes à sua integridade moral, honra, bom nome e reputação, deve concluir-se que ela tem legitimidade processual para propor essa acção:
II. Os juízes não estão isentos de responsabilidade disciplinar pelas decisões jurisdicionais que proferem, se, por exemplo, abusarem da autoridade ou revelarem grave falta de consideração e respeito devido aos cidadãos;
III Com a introdução do novo art. 83º-E do EMJ, foi eliminada a referência, em matéria disciplinar, à aplicação subsidiária do regime disciplinar da função pública, que, assim, não se aplica;
IV. Não há fundamento para a anulação dos actos impugnados ( arquivamento e indeferimento da reclamação), que atribuíram aos despachos proferidos natureza meramente jurisdicional, se desses despachos não resulta a violação de qualquer dever funcional susceptível de fazer incorrer o juiz em responsabilidade disciplinar.
Acordam os Juízes da Secção do Contencioso:
*
AA intentou a presente acção de impugnação de actos administrativos contra o Conselho Superior da Magistratura.
Alega que a participação disciplinar contra a Sra. Juiz BB foi arquivada e que a impugnação administrativa que apresentou foi julgada improcedente por deliberação do CSM de .../.../2023.
Concluiu pedindo nos seguintes termos:
“a) Ser anulado o ato administrativo praticado pelo Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura no dia ... de ... de 2023 que arquivou a participação disciplinar apresentada pela Autora contra a Juiz Participada;
b) Ser anulado o ato administrativo praticado pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura no dia ... de ... de 2023 que julgou improcedente a reclamação apresentada pela Autora;
c) Devendo o Conselho Superior da Magistratura ser condenado a praticar novo ato administrativo que julgue procedente a participação disciplinar apresentada pela Autora contra a Juiz Participada, daí extraindo todas as legais consequências.”
Citado, o CSM apresentou contestação na qual invocou a falta de identificação dos contra-interessados, excepcionou a ilegitimidade para a propositura da presente acção e apresentou defesa por impugnação, afirmando que os factos participados pela autora não são passíveis de perseguição disciplinar, caindo, consequentemente, fora das competências do CSM previstas no art. 149º, nº 1, al. a) do EMJ.
Notificada, a autora respondeu à invocada excepção da ilegitimidade activa, pronunciando-se pela sua improcedência, e indicou a contra-interessada nos autos Dr.ª BB, requerendo a citação da mesma para os termos da acção.
Foi ordenada a citação da indicada contra-interessada.
Por despacho, dispensou-se a audiência prévia, nos seguintes termos:
“Como melhor resultará do acórdão, que se proferirá posteriormente, não resulta claro que o processo deva findar no despacho saneador pela procedência de excepção dilatória. Pelo contrário, afigura-se que não é de julgar procedente a excepção dilatória, o que implicaria, em princípio, a realização de audiência prévia, nos termos do nº 1 do art. 87º-B do CPTA..
Porém, afigurando-se por um lado, que é possível conhecer de imediato do mérito da causa (finalidade que, caso estivesse só ela em causa, justificaria a dispensa da audiência, nos termos do nº 2 do art. 87º-B do CPTA) e, por outro, que as questões (incluindo a da legitimidade) estão devidamente identificadas e foram já objecto de suficiente discussão nos articulados, decide-se, ao abrigo dos princípios de gestão processual e de adequação formal, dispensar a realização de audiência prévia, assim as partes não se oponham no prazo de 10 dias.
Notifique.”
O tribunal é o competente (art. 170º do EMJ) e o processo é o próprio (art. 66º do CPTA, ex vi art. 169º do EMJ).
Não se procede à audiência final ( art.91º do CPTA)
Da ilegitimidade da autora:
Na contestação, o CSM sustenta que a ora autora carece de legitimidade activa para a causa, por não ter interesse directo e legítimo, nem ser lesada, nos termos dos arts. 164º, nº 2, do EMJ e 55º do CPTA, aplicável ex vi do art. 169º do EMJ.
Cumpre conhecer da invocada excepção.
Dispõe o art. 169º do EMJ: “Os meios de impugnação jurisdicional de normas ou atos administrativos do Conselho Superior da Magistratura, ou de reação jurisdicional contra a omissão ilegal dos mesmos, seguem a forma da ação administrativa prevista no Código de Processo nos Tribunais Administrativos.”
Segundo o art. 50º, nº 1, do CPTA, aplicável ex vi daquele art. 169º, “a impugnação de um ato administrativo tem por objeto a anulação ou a declaração de nulidade desse ato”.
Nos termos do art. 164º, nº 2, do EMJ, “Têm legitimidade para impugnar, administrativa e jurisdicionalmente, os titulares de direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos que se considerem lesados pela prática ou omissão do ato administrativo.”.
Em anotação a este normativo, escreveram Carlos Castelo Branco e José Eusébio Almeida (Estatuto dos Magistrados Judiciais – Anotado e Comentado”, Almedina, 2020, pág. 934):
“Não estando em causa, nesta sede administrativa, a proteção dos chamados interesses difusos (cfr. art. 68º, nºs 2 a 4 do CPA), a legitimidade para reagir ao ato administrativo ou à omissão é conceitualmente semelhante ao que dispõe o CPA. Se no domínio do EMJ anterior à presente revisão se falava em “interesse directo, pessoal e legítimo” hoje refere-se, precisamente como no CPA (art. 186º, nº 1, alínea a), a titularidade de “direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos”, desde que se considerem lesados, acentuando-se deste modo o critério da lesividade do ato ou da sua omissão (Luís S. Cabral de Moncada, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 2.ª Edição, Revista e Actualizada, Quid Juris, 2017, p. 589)”.
Igualmente, o nº 4 do art. 268º da CRP estabelece a garantia “aos administrados da tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas.”.
Dispõe, por outro lado, o art. 55º, nº 1, al. a), do CPTA, aplicável por força do art. 169º do EMJ, que tem legitimidade para impugnar um acto administrativo quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
A propósito daquele art. 55º tem interesse o acórdão do STJ, Secção do Contencioso, de 28/02/2023, processo nº 28/22.0YFLSB, publicado em www.dgsi.pt:
“(…)
IV - A impugnação de um ato administrativo depende da legitimidade do impugnante e esta é conferida pelo art. 55º, nº 1, al. a), do CPTA a quem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
V - A invocação da violação de um direito ou interesse legalmente protegido não basta para o autor ver reconhecida a legitimidade porque a ilegalidade do ato não é critério legal aferir da legitimidade do autor porque este só poderá ser declarado parte legítima quando alegue em concreto factos que revelem ser o ato violador, para além de ilegal, lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e que retira vantagens imediatas da sua anulação.
VI - O interesse em agir em juízo será "direto" quando o benefício resultante da suspensão/impugnação do ato suspendendo tiver repercussão imediata no interessado de natureza patrimonial ou não patrimonial e será "pessoal" quando a projeção daquela suspensão/impugnação (nulidade/anulação) do ato se refletir de forma juridicamente relevante na própria esfera jurídica do impugnante.”
O acórdão do STJ, Secção do Contencioso, de 24/02/2021, processo nº 8/20.0YFLSB, pronunciou-se, também, nos termos assim sumariados:
“I. Após participação disciplinar, o interesse primordial que poderá estar em causa é um interesse público no correto exercício da ação disciplinar - e que esse interesse público é alheio ao interesse do particular participante, que não pode exercer o direito de impugnação contenciosa apenas para fazer valer a tutela da legalidade administrativa disciplinar, por si só e em exclusivo, todavia, se o aludido interesse é primordial, temos de convir que não é, necessariamente, exclusivo, porquanto nem sempre o exercício da ação de impugnação da decisão de arquivamento de participação disciplinar é ditado apenas pelo interesse da entidade funcional em causa - pelo que, subsequentemente, nem sempre essa impugnação se deve considerar subtraída e alheada dos interesses individuais ofendidos, nomeadamente, não se descortinam motivos pelos quais se tem de julgar vedada ao participante disciplinar a possibilidade de, mais do que (ou até em vez de) proclamar um interesse na prossecução do interesse público no correto exercício da perseguição disciplinar, alegar, ao invés, pretender pugnar pela defesa de interesses individuais como os inerentes à sua integridade física ou moral, honra, bom nome e reputação, donde, não se distingue fundamentos para, à luz do critério estabelecido na alínea a) do artº 55º do Código do Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), não lhe reconhecer legitimidade para impugnar a decisão de arquivar uma determinada participação disciplinar.”
Também o acórdão do STJ de 25/03/2021, processo 24/20.1YFLSB, foi sintetizado nos seguintes termos.
“I. Nem sempre o exercício da ação de impugnação da decisão de arquivamento de participação disciplinar é ditado apenas pelo interesse da entidade funcional em causa, pelo que, subsequentemente, nem sempre essa impugnação se deve considerar subtraída e alheada dos interesses individuais ofendidos.
II. Nomeadamente, não se vislumbram motivos pelos quais se há de julgar vedada ao participante disciplinar a possibilidade de, mais do que (ou até em vez de) proclamar um interesse na prossecução do interesse público no correto exercício da perseguição disciplinar, alegar, ao invés, pretender pugnar pela defesa de interesses individuais como os inerentes à sua integridade física ou moral, honra, bom nome e reputação.
III. E, se assim for, não se divisam motivos para, à luz do critério estabelecido na alínea a) do nº 1 do artigo 55º do CPTA, não lhes reconhecer legitimidade para impugnar a decisão de arquivar uma determinada participação disciplinar.
IV. A legitimidade processual ativa radica no interesse concreto e individual da pessoa lesada, e, porque assim, a legitimidade da autora dependia, não da invocação genérica de que a atuação da entidade demandada era violadora do bloco de legalidade aplicável, mas da alegação especificada da forma como o ato impugnado era lesivo e de que modo o mesmo violava os seus próprios direitos e interesses. E ocorre que, conforme emerge grandemente do que vem de expender, essa alegação especificada foi feita.
V. Efetivamente, para além da ofensa do bloco de legalidade, traduzido na alegada violação dos deveres deontológicos a que o participado estava adstrito, a autora salientou ser o participado responsável de lesões na sua esfera jurídica pessoal, nomeadamente ao nível da honra e da boa imagem enquanto magistrada.
VI. Logo, resulta que a impugnação da deliberação da entidade demandada, que ordenou o arquivamento da participação disciplinar, aqui impugnada, visa, para além da defesa da legalidade em geral, a reparação de valores e interesses eminentemente pessoais, que terão sido lesados com essa decisão. O que significa que a autora também alegou ser titular de um interesse direto pessoal e legítimo, como prescreve o artigo 55º, nº 1, alínea a), do CPTA.
(…)”
Também o acórdão do STA de 19/05/2022, processo nº 098/20.5BALSB, se pronunciou nos termos assim sumariados:
“O participante disciplinar goza de legitimidade processual ativa para impugnar contenciosamente o ato que determina o arquivamento do processo de inquérito se, dos termos em que se mostra elaborada a petição da ação, se concluir que ele não se limita a invocar interesses coletivos, antes visa obter a reparação, ainda que reflexa, de valores eminentemente pessoais que hajam sido lesados com a conduta denunciada, como os inerentes à sua integridade física ou moral, honra, bom nome e reputação.”
Finalmente, no mais recente Acórdão do STJ de 27/02/2024, no processo nº 14/ 22.0YFLSB4, pode ler-se o seguinte :
“6. No âmbito do direito adjetivo administrativo, a legitimidade caracteriza-se como um pressuposto processual mediante o qual se procede a uma valoração da posição jurídica das partes face ao ato administrativo e face aos interesses nele coenvolvidos. No contexto das reações jurisdicionais a atos administrativos do Conselho Superior da Magistratura, dispõe o artigo 164º/2 do Estatuto dos Magistrados Judiciais que «[t]êm legitimidade para impugnar, administrativa e jurisdicionalmente, os titulares de direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos que se considerem lesados pela prática ou omissão do ato administrativo». Trata-se de norma que, em consonância com o disposto no artigo 186º/2/a, do Código de Procedimento Administrativo, erige o cariz lesivo (Luiz S. Cabral de Moncada, Código de Procedimento Administrativo Anotado, Coimbra, p. 859) que advém do ato praticado ou da sua omissão em critério aferidor da legitimidade processual.
Em face dos pedidos formulados pelo autor, a que correspondem diferentes formas processuais, importa considerar também as regras especiais de aferição da legitimidade dos particulares na ação de impugnação (alínea a) do nº 1 do artigo 55º CPTA) e na ação destinada à condenação à prática de ato devido (nº 1 do artigo 68º CPTA), aplicáveis ex vi do nº 2 do artigo 166º e artigo 169º, EMJ. Estatui o primeiro daqueles preceitos que «1. [t]em legitimidade para impugnar um ato administrativo:
a) Quem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos».
7. Resulta deste preceito que no contexto do meio processual impugnatório, a legitimidade adjetiva se encontra necessariamente ligada à invocação da titularidade, em nome próprio, do interesse que terá sido negado ou posto em causa por ato de uma autoridade pública. É esse o sentido do segmento normativo interesse direto e pessoal para qualificar o interesse. Importa enfatizar que não basta a invocação de um qualquer direito ou interesse para, automaticamente, deter legitimidade ativa, já que é mister que esse interesse seja, além de pessoal, direto. A qualificação do interesse como direto implica que o autor beneficie imediatamente da invalidação, em sentido lato, do ato impugnado. Como diz Mário Aroso de Almeida (Manual de Processo Administrativo, Reimpressão da 2.ª edição, 2016, Almedina, págs. 221-222) o caráter direto do interesse tem que ver com a questão de saber se existe um interesse atual e efetivo em pedir a anulação ou a declaração de nulidade do ato que é impugnado. Admitindo que o impugnante é efetivamente o titular do interesse, trata-se de saber se esse interesse é atual, no sentido de que existe uma situação efetiva de lesão que justifique a utilização do meio impugnatório, ou seja, o requisito do caráter direto tem que ver com a questão de saber se o alegado titular do interesse tem efetiva necessidade de tutela judiciária, com o seu interesse processual ou interesse em agir (no mesmo sentido, Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 5.ª edição, Almedina, pág. 209).
8. Dai que, interesses meramente “eventuais” ou “hipotéticos”, “longínquos”, “mediatos” ou “indiretos”, “remotos” ou “diferidos” não conferem legitimidade – ou, em diferente perspetiva, interesse em agir – para a impugnação de atos administrativos (Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos - Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais Anotados, vol. I, Almedina, pág. 364).”.
Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que a autora sustenta que, no âmbito do exercício das suas funções jurisdicionais, a Juíza participada violou os deveres especiais de imparcialidade, de zelo e de correcção, “devido à forma inconsequente, desrespeitosa, e, em certa medida, difamatória como se referiu à Autora, no âmbito do processo nº 1.122/16.1... – Autos principais e apenso C”. (art. 98º PI).
Mais refere que a Juíza participada actuou para consigo com “grave falta de consideração e respeito e acusações difamatórias” (art. 21º PI), com “incompreensível animosidade desrespeitosa e revestida de abuso de autoridade” (art. 41º PI), com “grave falta de consideração e respeito por si e pelo seu trabalho” (art. 56º PI), acrescentando, a propósito da alegada celebração de contratos de promessa, que “as acusações proferidas pela Meritíssima Juiz são manifestamente injuriosas e ofensivas” (art. 72º PI).
Verifica-se, assim, que, nos termos em que se mostra elaborada a petição inicial, a autora visa obter a reparação, ainda que reflexa, de valores eminentemente pessoais que considera terem sido lesados com a conduta denunciada, no caso, referentes à sua integridade moral, honra, bom nome e reputação.
Nessa conformidade, e secundando os fundamentos constantes dos arestos acima mencionados, tendo a autora interesse directo e pessoal na anulação dos atos que impugna (que procederam e confirmaram o arquivamento da participação apresentada contra a Juíza participada), conclui-se pela sua legitimidade processual para a presente acção.
Não ocorrem outras excepções dilatórias ou nulidades processuais que importe conhecer.
Da anulação dos actos administrativos:
Para o efeito, relevam as seguintes circunstâncias de facto alegadas e provadas por documentos:
“1. A ora Autora, nomeada Administradora de Insolvência no âmbito do processo de insolvência 1122/16.1..., que corre termos no Juízo de ... de ... – Juiz ..., apresentou queixa contra a Senhora Juiz de Direito BB.
2. Em ........2023 a Exma. Senhora Dr.ª AA (doravante Autora) apresentou, junto do CSM, “queixa decorrente da conduta da Exma. Senhora Juiz de Direito Dr.ª BB” , Juiz ... do Juízo de ...de ..., Tribunal Judicial da Comarca de ....
3. Em tal queixa a Autora enunciava um conjunto de actos, praticados no âmbito do processo judicial nº 1122/16.1... que, na sua óptica, constituem a prática de infracção disciplinar.
4. Ao processo foi atribuído o nº2023/GAVPM/....
5. A mesma foi apreciada pela Exma. Senhora Vogal do CSM, Juíza de Direito, Dr.ª CC, que propôs o arquivamento da queixa, nos seguintes termos:
“No caso, a única questão suscitada relativamente à Senhora Juiz é processual e, portanto, contende com o exercício da sua actividade jurisdicional. Sendo a questão em causa jurisdicional sua apreciação está vedada ao Conselho Superior da Magistratura.
Em face do supra exposto, apesar da participação ter sido merecedora da melhor consideração, não se justifica a intervenção do Conselho Superior da Magistratura sugerindo-se, por esse efeito, o arquivamento do presente procedimento.
À consideração do Exmo. Senhor Vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura.”
6. O Exmo. Senhor Vice-Presidente do CSM concordou com a proposta de arquivamento e a Autora foi notificada dessa decisão.
7. Não se conformando com tal decisão a Autora apresentou impugnação administrativa em ........2023, a qual mereceu deliberação do Plenário do CSM em ........2023, com o seguinte conteúdo:
“(…)
Incide a impugnação sobre a decisão proferida, por vogal do Conselho Superior da Magistratura, que consta do ponto 2 da factualidade supra elencada.
Somos de entender que a referida decisão não nos merece qualquer reparo, concordando-se, na íntegra, com o seu teor.
Na verdade, a decisão impugnada ao concluir que a Exma. Senhora Juíza agiu no âmbito do poder jurisdicional, não olvida que o Conselho Superior da Magistratura é responsável pela gestão e disciplina da magistratura judicial (cfr. artigo 136.° do Estatuto dos Magistrados Judiciais). Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à Lei (cfr. artigo 203.° da Constituição da República Portuguesa).
Vale isto por dizer que, o Conselho Superior da Magistratura não assume a função de julgador ou de aplicador do direito, não cabendo na sua esfera de competência a alteração de decisões tomadas pelos Tribunais.
Desta feita, as decisões judiciais só podem ser impugnadas por meio de recurso, quando este é admissível, sendo que o controlo jurisdicional da sua legalidade é efectuada pelos tribunais superiores nos respectivos processos judiciais, como aconteceu no caso em apreço.
Com efeito, na mencionada decisão impugnada conclui-se que, a Exma. Senhora Juíza, ao condenar a Senhora Administradora de Insolvência em multa e não justificar ab initio a sua falta à assembleia de credores, por motivo de doença e não obstante a sua comunicação, o fez actuando "no quadro da função de julgar". Adianta que, tal matéria está fora do âmbito de apreciação do Conselho Superior da Magistratura, por se tratar de matéria jurisdicional.
Não podíamos estar mais de acordo. Na verdade, a queixa apresentada pela recorrente invoca a violação dos deveres de urbanidade, excesso e abuso de poder e grave falta de consideração por ter, por um lado, a Exma. Senhora Juíza extraídos as legais consequências da falta da mesma a diligência judicial e de, por outro lado, ter, com base na informação constante do mesmo, sindicado a sua actividade processual no âmbito do processo de insolvência.
Tais despachos têm um cariz exclusiva e estritamente jurisdicional. A Exma. Senhora Juíza limitou-se, assim, a apreciar a falta da Sr.a Administradora de Insolvência e a valorar, in casu, os procedimentos tendentes à realização das vendas em processo de insolvência, pugnando pela sua transparência e celeridade.
Com efeito, da factualidade não resulta que a Exma. Senhora Juíza tenha actuado em violação de algum dever funcional.
De salientar ainda que, nos termos da lei, a realização de inquérito, prévio à decisão de instauração de procedimento disciplinar (ou da conversão do inquérito neste procedimento), tem por finalidade a averiguação de determinados factos (cfr. artigo 123.°-C, n.° 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais), apurando se existem indícios suficientes quanto à verificação de infracção disciplinar (cfr. artigo 126.° do Estatuto dos Magistrados Judiciais).
Ora, nem todos os factos de que haja notícia justificam a abertura de inquérito para a sua averiguação pois que, factos há que não permitam indiciar, sequer, qualquer infracção disciplinar, como é o caso em apreço.
In casu cumpre, desde logo, esclarecer que não há fundamento que justifique a abertura de inquérito (ou de procedimento disciplinar) para averiguar a conduta da Exma. Senhora Juíza.
Acresce que, para aferir da alegada infracção do comportamento da Exma. Senhora Juíza que se traduz no teor de decisões judiciais tal implicaria um prévio juízo sobre tais decisões, nomeadamente, sobre a sua legalidade, o seu acerto ou desacerto.
Ora, como já se referiu a apreciação do acerto ou da justeza de tal decisão é algo que está absolutamente vedado ao Conselho Superior da Magistratura, como vedada lhe está a alteração de decisões tomadas pelos Tribunais.
Por que assim é, o simples teor de uma decisão judicial, proferida no uso do poder jurisdicional, desacompanhada de qualquer outro facto ou elemento de prova, será sempre insuficiente para dar azo à abertura de um inquérito disciplinar, na medida em que não permite, isoladamente, indiciar qualquer comportamento violador de dever funcional por parte de quem a profere, in casu, da Exma Senhora BB.
Assim, a decisão impugnada procedeu à correcta interpretação e aplicação do regime legal pertinente para a apreciação e decisão da questão suscitada pelo reclamante, não existindo motivo para deferir o presente recurso, o contrário se concluindo.
III. DECISÃO
Em face de todo o exposto, acordam os membros do Plenário do Conselho Superior da Magistratura em julgar improcedente a impugnação administrativa interposta apresentada pela Exm.a Senhora Administradora de Insolvência AA.”.
8. Em ........2023, foi a Autora notificada da deliberação do Plenário Ordinário do Conselho Superior da Magistratura, ora Réu, de ........2023, que, por unanimidade, deliberou concordar com o projeto elaborado pela Exma Senhora Dra. DD de julgar improcedente a impugnação administrativa apresentada pela AI.
9. Do despacho de ........2022 consta:
“Liquidação (CIRE)
Inf. AI sobre o estado da liquidação – ........2022 e ........2022:
Tomei conhecimento das informações.
Porque o tribunal não alcança a razão, deverá a Sra. Administradora esclarecer porque não promove um único leilão que abranja todos os bens da massa insolvente que estejam em condições de ser vendidos, e está, constantemente, a promover leilões parciais, o que evidencia alguma falta de organização na liquidação e na forma como apresenta as informações no processo, além de contribuir para o avolumar da atividade processual.
Inf. AI ........2022 – ref. Citius ...:
Dê conhecimento ao requerente de ........2022, com a informação de que a administração da massa insolvente e a venda dos bens da massa são da competência da Sra. Administradora.
Req. ........2022:
Já ordenado nesta data no processo principal, onde o rateio deve ter lugar.
Inf. do IMT I.P. - ........2022:
Dê conhecimento à Sra. Administradora.”
10. A autora apresentou requerimento em ........2022 ao rateio parcial apresentado.
11. Conforme participado, no âmbito do mencionado processo judicial de insolvência foi convocada a Assembleia de Credores para o dia ........2022, pelas 10 horas.
12. Porém, a Autora não compareceu, tendo a Srª Juiz, por despacho de ........2022, condenado a Administradora em 4 UCs de multa e adiado a Assembleia para ........2022.
13. A Autora fez chegar no dia ........2022 ao Tribunal requerimento e atestado médico.
14. Em ........2022 foi proferido o seguinte despacho:
“Justificação da falta da Sra. Administradora – ........2022:
Não obstante os motivos conclusivos sobre a incapacidade da Sra. Administradora atestados pelo médico subscritor do atestado junto, por ora justifico a falta.
Adverte-se que, de futuro, a verificar-se nova situação de doença, a Sra. Administradora deverá indicar onde se encontra, por forma a permitir ao tribunal enviar profissional de saúde para atestar a sua incapacidade para comparecer.
*
Apreciação proposta de rateio parcial – ........2022
A Sra. Administradora da Insolvência, em cumprimento da obrigação imposta pelo artigo 178º, nº1, do CIRE, veio apresentar rateio parcial das quantias depositadas à ordem da massa insolvente.
O mapa de rateio foi publicado no Portal Citius.
No prazo legal para o efeito, foram apresentadas duas reclamações:
Pelo credor Condomínio do Edifício ... sito em ..., que alegou que o valor reservado pela Sra. Administradora, correspondente a 10% das quantias apuradas, é insuficiente para fazer face às despesas da massa, considerando que, só as despesas de condomínio vencidas na pendência do processo, ascendem a € 393.021,29;
Pelo credor ..., que alegou que o mapa de rateio parcial viola o principio da proporcionalidade, ao imputar a totalidade dos créditos privilegiados dos trabalhadores e ao Fundo de Garantia Salarial às verbas já liquidadas e oneradas com hipotecas(125, 134, 136, 137, 138, 139 e 140), quando existem outras verbas já liquidadas, sobre as quais os trabalhadores têm idênticos privilégios, o mesmo sucedendo com os créditos da Autoridade Tributaria relativas a IMI, IRS, IVA e IUC, que não obedecem ao decidido na sentença de verificação e graduação de créditos. Alega, ainda, este credor, que a Sra. Administradora deveria ter feito uma estimativa relativamente aos seus créditos hipotecários que não irão obter pagamento pela venda dos bens hipotecados e considerá-los nos créditos comuns.
*
A Sra. Administradora respondeu alegando que:
O pagamento dos credores privilegiados seguiu a ordem prevista na sentença de graduação de créditos;
Não lhe é possível prever o valor da liquidação dos imóveis hipotecados ainda não vendidos;
Os imóveis da massa sitos no condomínio... ainda não foram vendidos pelo que as despesas do condomínio serão imputadas ao produto da venda das respetivas verbas.
*
Cumpre apreciar e decidir:
O mapa de rateio parcial apresentado pela Sra. Administradora não obedece ao disposto na lei, nem na sentença de verificação e graduação de créditos.
Além dos erros apontados pelos credores, aos quais assiste inteira razão, não respeita os princípios orientadores definidos no CIRE para o efeito, e foi elaborado de forma pouco clara para permitir a sua fiscalização pelos interessados. Além de omitir receitas já apuradas, como sejam as apreensões em dinheiro depositado em contas bancárias.
O mapa de rateio parcial, salvo algumas especificidades decorrentes da circunstância de ser parcial, por não estar concluída a liquidação, não estarem consolidadas as despesas da massa, e inexistência de decisão final relativa aos créditos e existência de conflito relativo à propriedade de alguns bens, obedece às mesmas regras da elaboração do rateio final.
Analisado o mapa de rateio parcial apresentado verifica-se que:
Em primeiro lugar:
A Sra. Administradora deveria ter começado por discriminar o valor apurado com a venda de cada bem já liquidado e indicação de outras receitas, nomeadamente, se a massa produziu rendimentos. E não limitar-se a dizer genericamente o montante apurado com certas categorias de bens.
Em segundo lugar:
Para justificar o montante que reserva para as despesas da massa, deveria ter em consideração, destas despesas, as que já apurou, pagas ou não, e fazer um juízo de prognose relativamente às que previsivelmente irão ocorrer até ao final do processo. Não podendo para esta reserva, contar com valores que ainda irão ser apurados, pois antes das dividas da insolvência são pagas as dividas da massa insolvente e estas têm que ficar integralmente asseguradas antes de qualquer pagamento aos credores da insolvência, sejam eles quais forem.
As despesas da massa são pagas, em primeiro lugar, pelo rendimento da massa insolvente, e a seguir pela saem precípuas do produto da venda dos bens da massa proporcionalmente – artigo 172º, nºs 1 e 2, do CIRE.
Por isso, a Sra. Administradora não pode justificar o não pagamento das dividas da massa, que devem ser pagas à medida que se vão vencendo (nº3), alegando que ainda não vendeu algum ou alguns bens. As dividas da massa insolvente têm que ficar asseguradas na sua totalidade, na altura da elaboração do rateio parcial.
O tribunal desconhece as despesas que a sra. Administradora já fez com a administração e liquidação, mas a avaliar pelo tempo do processo, a necessidade de regularização da situação jurídica dos bens, e as várias tentativas de venda, imagina que não serão de montante irrisório. A essas despesas acrescem ainda as custas do processo e outras despesas que virão a ocorrer com a administração, liquidação e partilha. Quanto a estas a Sra. Administradora deveria ter feito uma estimativa avaliando-as em função das que já teve e das diligencias que falta fazer para concluir as operações de liquidação.
Tendo tudo isso em conta, afigura-se que o valor salvaguardado é manifestamente insuficiente.
Se a essas acrescerem despesas de condomínio vencidas na pendencia do processo, no valor referido por um dos condomínios onde existem imoveis da massa, cujo pagamento não tem que aguardar a liquidação das frações a que se reportam tais despesas, maior será a discrepância entre o valor salvaguardado e aquele que vai ser efetivamente necessário para pagar estas despesas, que têm, repete-se, que ser pagas antes do pagamento a qualquer credor da insolvência.
Em terceiro lugar:
A Sra. Administradora, depois de ter apurado um valor provável das despesas da massa, deveria ter feito a imputação dessas despesas primeiramente, nos rendimentos da massa ( que se desconhece se existem) e na devida proporção ao produto de cada bem, com a limitação de 10% relativamente aos bens objeto de garantias reais – artigo 172º, nº2, do CIRE. Operação que foi omitida no rateio apresentado.
Em quarto lugar:
Por referência a cada verba já liquidada, distribuir o respetivo valor pelos credores pela ordem de prioridade fixado na sentença de graduação de créditos.
Nesta operação a Sra. Administradora deveria ter tido em consideração o que ficou decidido na sentença de verificação e graduação de créditos, e não teve.
Não se compreende a imputação feita das dividas de IMI, porque essa discriminação não foi feita pela Sra. Administradora, sendo que cada imóvel só responde pelo valor do imposto que lhe respeita.
Sendo o valor dos bens insuficiente para o pagamento integral dos créditos, o valor a pagar a cada um deve ser apurado na devida proporção – artigo 604º do Código Civil
Existindo credores com preferência essa proporção é apurada dentro da respetiva classe de credores.
Existindo credores com garantias/privilégios sobre mais de um bem, antes de avançar para o apuramento da proporção em relação aos demais credores com garantia/preferência em relação a cada bem, tem que ser apurada a proporção a pagar, a cada um desses credores, pelo produto da venda de todos os bens sobre os quais tenham garantia/privilégio.
A Sra. Administradora deveria ter imputado os créditos dos trabalhadores, do Fundo de Garantia salarial e da Autoridade Tributária relativos a IVA e IRS, proporcionalmente a cada um dos bens sobre que os quais recaem os privilégios de que estes gozam, e depois, por referência a cada um desses bens, estabelecer a devida proporção com os demais credores que gozem de idêntica garantia sobre esse mesmo bem. Não o tendo feito, violou o princípio da igualdade e da proporcionalidade conforme refere o credor ...
Como também referiu este credor, o valor dos créditos garantidos não pago pelo valor dos bens dados em garantia, deve ser considerado comum e levado em consideração, nessa qualidade, ao rateio parcial.
Efetivamente, não estando liquidados todos os bens hipotecados, é impossível saber com exatidão, valor dos créditos garantidos que não vai ser pago pelo valor da venda desses bens.
Todavia, para essa situação, o artigo 174º do CIRE, apresenta solução no seu nº 2: esse valor é apurado no rateio parcial, por estimativa.
Diz a sra. Administradora não ter forma de prever esse valor, por não saber por quanto irão ser vendidos os bens. Esta justificação não acolhe face à solução legal. A sra. Administradora tem que fazer uma estimativa. E essa estimativa, parece evidente, ter que ser feita por referência ao valor mínimo, pelo qual os imóveis estão a ser colocados à venda. Sendo certo que qualquer risco decorrente desta estimativa será corrigido no rateio final, pois o valor não será entregue ao credor, antes fica depositado até se apurar o montante que efetivamente tem direito.
Em face do exposto, e pelas razões explicadas, de harmonia com o previsto no artigo 178º, nº3, do CIRE, não valido os pagamentos, conforme proposto pela Sra. Administradora.
Determino que a Sra. Administradora, em 10 dias, apresente novo rateio que obedeça às regras supra referidas.
Para melhor avaliação pelos credores e pelo tribunal, deverá, com o rateio parcial, apresentar no processo extrato completo da conta da massa insolvente, desde a sua abertura até à presente data. “
15. Notificada do despacho de 6.7 a administradora apresentou requerimento, a que a Srª Juiz respondeu mediante despacho de ........2022:
“Req. AI ........2022:
O tribunal não pediu explicações à Sra. Administradora sobre o rateio parcial, apreciou reclamações ao rateio e, dando-lhes procedência, determinou a apresentação de novo rateio em obediência ao previsto na lei.
Assim, a Sr. Administradora deverá, em cinco dias, apresentar rateio conforme lhe foi determinado e dar cumprimento ao previsto no artigo 178º, nº2, do CIRE, após o que corre o prazo para os credores se pronunciarem, sob pena de multa.
*
No que respeita à Assembleia de Credores que se encontra agendada, apesar de a Sra. Administradora dizer que não vai comparecer, mantem-se o agendamento, uma vez que não foi feita prova de qualquer impedimento justificativo do adiamento. “
16. Em ........2022 pelas 14 h e 25h a administradora de insolvência deu conta mediante requerimento da sua impossibilidade de estar em 15.7, por motivo do agendamento para essa data de escrituras (juntando, para prova, documentos).
17. Na acta de 15.7 a Sra. Juiz exarou os seguintes despachos:
“ DESPACHO:
“A Senhora Administradora de Insolvência, devidamente notificada para comparecer nesta Assembleia e não compareceu. Comunicou que não poderia comparecer, tendo apresentado como justificação o facto de ter escrituras agendadas para o dia de hoje. Para comprovar o impedimento juntou ao processo a ... dois documentos da sua autoria e outro de autoria desconhecida.
Tais documentos não provam, nem que a Senhora Administradora tem qualquer impedimento, nem que este impedimento é anterior ao agendamento a desta assembleia.
Em face do exposto, considero injustificada a falta.
Vai a senhora administradora condenada em multa que fixo em 4 unidades de conta.
*
Do antecedente despacho foram logo todos os presentes notificados, os quais disseram ficar bem cientes.
*
Seguidamente constatou-se que os números de credores presentes com direito de voto perfazem o valor total de € 30.251.826,76 (Trinta milhões, duzentos e cinquenta e um mil, oitocentos e vinte e seis euros e setenta e seis cêntimos).
*
Após, pela Mm. ª Juiz de Direito foi proferido o seguinte:
DESPACHO
“Considera-se regularmente constituída a assembleia de credores a fim de deliberar sobre o ponto único da ordem de trabalhos.”
*
De seguida, em face da impossibilidade de cumprir com a ordem de trabalhos por falta da Sra. Administradora da insolvência, pelos credores presentes foi requerido o agendamento de nova Assembleia de credores, e que se adite à ordem de trabalhos, além dos pontos que que já constavam para esta, a apreciação do plano de liquidação entretanto apresentado pela Sra. Administradora.
Mais foi requerido que, em virtude de não se compreender o estado da liquidação do ativo que se suspendam os atos de liquidação ativo até a realização da Assembleia de credores.
*
De seguida, pela Mm. ª Juiz de Direito foi proferido o seguinte:
DESPACHO
“Com anuência de todos os presentes e de harmonia com o previsto no artigo 55º, nº 5, e artigo 75, nº1, do CIRE, designo para realização da Assembleia de Credores o dia 26 de Agosto de 2022, às 11H00, com a seguinte ordem de trabalhos:
1. Prestação de esclarecimentos pela Administradora de Insolvência;
2. Apreciação do estado da liquidação do ativo.
3. Apreciação e aprovação do plano de liquidação apresentada pela Senhora Administradora.
*
Determino a suspensão dos atos de liquidação do ativo até realização da assembleia de credores, o que deve ser notificado de imediato à Sra. Administradora.
Determino a notificação da Senhora Administradora para comparecer pessoal e presencialmente neste Tribunal na data da Assembleia supra referida, sob pena de o Tribunal poder ordenar a sua detenção à autoridade policial.
Qualquer ato praticado pela Sra. Administradora no processo, bem como os requerimentos por esta apresentados devem ser notificados à Comissão de credores.
Notifique.”
*
Do antecedente despacho foram logo todos os presentes notificados, os quais disseram ficar bem cientes.
*
Pelas 11 horas e 35 minutos, deu-se por suspensa a presente diligência.
*
A presente ata foi integralmente revista e por mim, EE elaborada, que depois de lida e achada, conforme, vai ser assinada por assinatura eletrónica pela Mm. ª Juiz de Direito.”
18. A ........2022 a Sra. Juiz proferiu o seguinte despacho:
Req. AI ........2022:
A presença em escrituras públicas ou a marcação de escrituras publicas prova-se com a declaração de comparência/marcação emitida pelo Notário.
Os documentos juntos pela Sra. Administradora, porque emitidos pela própria, não comprovam justificadamente a sua ausência na Assembleia de credores destes autos, motivo pelo qual se mantém a não justificação da falta e a multa aplicada.
*
Rateio Parcial – ........2022:
O rateio parcial difere do rateio final apenas pela circunstância de ainda não terem sido liquidados todos os bens nem apuradas todas as despesas da massa, impondo-se ao Administrador da Insolvência que faça uma estimativa das despesas que previsivelmente irão ocorrer até ao final da liquidação e que distribua os valores já arrecadados pela massa assegurando que retém o valor necessário para pagamento das despesas da massa, que em caso algum pode ser distribuído pelos credores.
Em tudo o mais, o rateio parcial obedece às regras do rateio final.
No rateio agora apresentado a Sra. Administradora não cumpre com o previsto na lei:
- A Sra. Administradora faz estimativa dos valores pelos quais espera vender os bens ainda não liquidados, operação que não tem qualquer utilidade para o rateio, uma vez que neste só pode contar, para calcular o valor a reter para pagamento das dividas da massa, com o valor que já apurou até esse momento;
- Não é dado cumprimento ao disposto no artigo 172º, nº2, do CIRE, imputação das dividas da massa ao produto de cada bem já liquidado;
- Não obedece à sentença de verificação e graduação de créditos, A Sra. Administradora propõe o pagamento de créditos de IVA, que apenas beneficiam de privilégio mobiliário geral, pelo produto da venda de bens imóveis.
Todos os credores, incluído os comuns, têm que ser comtemplados pelo rateio parcial desde que para tal haja valores suficientes para assegurar o pagamento das despesas da massa, apuradas e estimadas, e os credores graduados com prioridade.
Em face do exposto, não autorizo os pagamentos nos termos propostos pela Sra. Administradora, que deverá, em 10 dias, proceder a novo rateio parcial suprindo as deficiências apontadas.”
19. Em ........2023, proferiu o seguinte despacho:
“Tendo a Sra. Administradora proposto a dispensa da liquidação das verbas 175 e 179, juntos os documentos pedidos pelos credores com vista à pronúncia sobre a dispensa da liquidação dessas verbas, os quais foram notificados aos credores, nada tendo sido dito, dispenso a liquidação das referidas verbas.
*
Foi também pedida a dispensa da liquidação das verbas 161 a 174.
Os credores solicitaram documentos com vista a analisarem a situação.
A Sra. Administradora vem alegar dificuldades na obtenção dos documentos (req.........2023).
Nesta parte, deverão os autos aguardar que a Sr. Administradora reúna os documentos.
*
Relatórios de avaliação ........2023:
Tendo os relatórios sido notificados aos credores, nada sendo por eles oposto dentro do prazo de 10 dias, deverão os imóveis avaliados (verbas 135, 142, 143, 146, 147, 148, 148, 153, 159 e 160), ser vendidos pelo valor de mercado fixado na avaliação.
*
Relatório de avaliação em falta:
Decorridos quase três meses desde a adjudicação da avaliação, continuam em falta os relatórios relativos à avaliação das verbas 5 a 7, 9 a 31, 33 a 47, 50 a 54, 56, 59 61, 62 do concelho de ..., verba 65 e 117, do concelho de ..., verbas 118 a 122, do concelho de ... ( quarteira) verbas 126 a 130 do concelho de ....
Falta ainda a avaliação determinada no despacho de ........2022, relativamente às verbas nºs 156 e 157, com vista a ser ponderada a dispensa da sua liquidação
Notifique a Sra. Administradora para, em cinco dias, esclarecer o atraso.”
20. Em ........2023 a Sra. Juiz proferiu o seguinte despacho:
“Inf. AI ........2023 e ........2023:
Tomei conhecimento das avaliações.
A comissão de credores deverá juntar ao processo deliberação sobre o prosseguimento da venda pelos preços da avaliação e sobre a venda em lotes como parece indicar ser intenção da Sra. Administradora pela forma como fez a avaliação.
*
Continua em falta a avaliação das verbas nºs 156 e 157 com vista a decidir do prosseguimento para venda destes imóveis ou a dispensa da sua liquidação.
*
Req. AI ........2023 e inf. de ........2023:
Não obstante o tempo decorrido desde que a Assembleia de credores deliberou a apresentação de propostas de advogados com vista à defesa dos interesses da massa insolvente, e apesar de a necessidade de contratação de advogado já existido, nomeadamente com vista à contestação do apenso J, onde a massa insolvente está a ser representada por advogada, vem a Sra. Administradora, apenas agora, apresentar três orçamentos
A Comissão de credores deverá, pois, pronunciar-se sobre a questão, decidindo se deve manter-se a Advogada já contratada pela Sra. Administradora e que está a representar a massa no apenso J, ou se deverá a Sra. Administradora contratar novo advogado, nomeadamente aceitando um dos três que a própria selecionou.
*
No que respeita as propostas de venda que a Sra. Administradora diz ter recebido, este tribunal tem o entendimento de que as vendas em processo de insolvência, porque são vendas judiciais, devem ser transparentes e, por essa razão, devem fazer-se através da plataforma e-leilões, a não ser que haja razões que justifiquem o recurso a outro tipo de venda e os credores a ela deem o seu acordo.
Este processo já teve complicações suficientes algumas delas resultantes das opções de venda feitas pela Sra. Administradora, com celebrações de contratos promessa com supostos interessados na aquisição, que resultaram em incumprimentos desses contratos e vendas não concluídas, e enredos jurídicos que a Sra. Administradora não soube resolver, com atrasos de anos na liquidação do ativo.
Assim, fica o aviso à Comissão de credores e à Sra. Administradora, a quem cabe decidir o preço e a modalidade da venda dos bens que integram a massa insolvente, de que deverão optar por soluções que, sem prejudicar os interesses da massa insolvente, deem garantias de isenção e transparência.
Além disso, a função da Sra. Administradora neste processo é liquidar o ativo, objetivo que não é conseguido com a celebração de contratos promessa.
*
Sobre estes assuntos das vendas e contratação de mandatário pela massa, deverá a Comissão de credores, enquanto órgão colegial que é, deliberar sobre as propostas da Sra. Administradora e juntar ao processo a respetiva ata, em 10 dias.
Notifique deste despacho a Comissão de credores e a Sra. Administradora.”
Estes os factos provados.
Notificada da deliberação do Plenário do CSM de ... de ... de 2023, vem a autora requerer a respectiva anulação.
Mais requer a anulação do acto administrativo praticado pelo Senhor Vice-Presidente do CSM no dia ... de ... de 2023, que a antecedeu e, ainda, a condenação do CSM à prática de novo acto administrativo que julgue procedente a participação disciplinar apresentada pela autora contra a Juiz participada.
Sustentando que a Sra. Juíza participada tem adoptado comportamentos que constituem violação reiterada dos deveres profissionais que sobre si impendem, a autora alega que a decisão impugnada padece de omissão de apreciação por desconsiderar toda a factualidade que descreveu na participação disciplinar que formulou junto do CSM contra aquela.
Afirma que, ao não concluir pela condenação da Sra. Juíza participada pela prática dos ilícitos disciplinares que a autora lhe imputou, o réu CSM efectuou uma análise incorrecta dos factos e, concomitantemente, afastou-se de uma “coerente aplicação do Direito”, o que fere o acto impugnado de ilegalidade (art. 101º da petição).
Acrescenta que o que está em causa na participação, na reclamação e na impugnação não são meras questões processuais passíveis de recurso, nem referentes à actividade jurisdicional propriamente dita, mas antes condutas que extravasam o processo, exorbitam o âmbito das funções da participada e são violadoras dos deveres que sobre si impendiam (e impendem) por força do seu estatuto profissional (arts. 76º e 20º da petição).
Mais refere que, ao considerar erradamente que as questões em apreço têm natureza jurisdicional e, nessa medida, estão fora da competência do CSM, o Plenário do CSM defendeu um conceito demasiado lato de “função jurisdicional”, que praticamente esvazia os poderes disciplinares do próprio Conselho, o que viola os arts. 203º, 216º e 217º, nº 1, todos da CRP, assim como os arts. 81º, 82º e 149º, al, a), todos dos EMJ, e determina a anulabilidade do acto, nos termos do artigo 163º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA) (arts. 104º e 105º da petição).
Alega que tal acto administrativo é, igualmente, anulável, por violar os arts. 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 2, 5º, nº 2, 81º e 82º do EMJ e, bem assim, os arts. 215º, nº 1, e 216º, nº 2, da CRP, ao “entender, no fundo, que os poderes de disciplina e de direção dos atos processuais não são sindicáveis ao nível disciplinar, quando, da conjugação dos preceitos normativos aplicáveis, se conclui que toda a atividade jurisdicional (aí incluídos aqueles poderes de disciplina e de direção) está submetida à lei (a qual, por seu turno, inclui o Estatuto dos Magistrados Judiciais e as regras deontológicas aí plasmadas)” (arts 106º e 107º da petição).
Por fim, sustenta que os actos administrativos praticados, quer pelo Senhor Vice-Presidente, quer pelo Plenário do CSM, são anuláveis, nos termos do art. 163º, nº 1 do CPA, na medida em que erram na aplicação dos arts. 70º, nºs 1 e 2, e 73º, nºs 1 e 2, alínea a), c), e) e h), e nºs 3 ,5, 7 e 10, e 183º da LGTFP ex vi art. 82º EMJ, “já que nos termos do disposto nestes artigos, a violação de tais deveres implica a aplicação de uma sanção disciplinar aos seus infratores”. ( art. 108º da petição).
Subjacente às decisões de arquivamento e ao indeferimento da reclamação está a consideração de que a Senhora Juíza não actuou em violação de algum dever funcional, tendo os despachos que proferiu natureza meramente jurisdicional.
Comecemos, por isso, pelas imputadas infracções disciplinares.
A autora sustenta que Sra. Juíza participada violou os deveres especiais de imparcialidade, de zelo e de correcção, “devido à forma inconsequente, desrespeitosa, e, em certa medida, difamatória como se referiu à Autora, no âmbito do processo nº 1.122/16.1... – Autos principais e apenso C”, assinalando os comportamentos que considera constituírem infracção disciplinar, por “grave falta de consideração e respeito para consigo”, (art. 83º-H, nº 1, al. b), do EMJ), por claro “excesso e abuso de autoridade para com a Administradora” (falta disciplinar prevista na mesma disposição): a condenação indevida em multa (arts. 27º a 29º da petição); as insinuações e suspeições relacionadas com a doença da administradora (arts. 30º a 34º da petição); a não justificação de falta justificada por documentos e a advertência para a possibilidade de detenção para comparência (arts. 36º a 42º); a crítica à administradora por promover muitos leilões (art. 46º da petição), por omitir receitas, por ter elaborado um rateio parcial pouco claro e por ter apresentado explicações (arts. 47º a 52º da petição); o proferimento de “despachos contraditórios entre si” (art. 53º da petição); o dirigir-se à Administradora “com flagrante e injustificada agressividade” (art. 57º da petição): o “acusa[r] a Administradora de criar complicações e enredos jurídicos, celebrar contratos promessa que terão resultado em incumprimentos e vendas não concluídas” (art. 66º da petição); “as acusações (…) manifestamente injuriosas e ofensivas” (art. 72º da petição); o “grave abuso de poder e de autoridade”, em actuações que são reiteradas e constituem circunstâncias especiais de agravamento da conduta da Participada, nos termos do art. 85º-A do EMJ. (art. 74º da petição).
Para concretização do que alega, enuncia os seguintes actos praticados contra si na qualidade de administradora de insolvência:
- despacho que a condenou indevidamente em multa por falta injustificada (despacho de ........2022);
- despacho que, dando sem efeito aquela condenação, a advertiu de que caso viesse a apresentar situação de doença deveria “indicar onde se encontra, por forma a permitir ao tribunal enviar profissional de saúde para atestar a sua incapacidade para comparecer” (despacho de ........2022);
- Despacho que a condenou em multa por falta de comparência à Assembleia agendada “para o dia 15” (em acta de ........2022);
- Despacho que determinou a sua notificação para comparecer na Assembleia de Credores agendada para o dia .../.../2022 “sob pena de o Tribunal poder ordenar a sua detenção às autoridades policiais”;
- Despacho de .../.../2022 com o seguinte teor: “deverá a Administradora esclarecer porque não promove um único leilão que abranja todos os bens da Massa Insolvente que estejam em condições de ser vendidos, e está, constantemente, a promover leilões parciais, o que evidencia alguma falta de organização na liquidação e na forma como apresenta as informações no processo, além de contribuir para o avolumar da atividade processual”;
- Despacho de .../.../2022, onde, além do mais, se afirmou que “O Tribunal não pediu explicações à Sra. Administradora sobre o rateio parcial”;
- Despachos de .../.../2022 e .../.../2022, contraditórios entre si;
- Despacho de .../.../2022, onde a participada criticou a forma de escrever e de expor a informação da administradora nas informações trimestrais: “para evitar fazer perder tempo ao Tribunal com leitura desnecessária, de hoje em diante apenas deverá limitar-se a informar, de forma sucinta e objetiva, o estado da liquidação por referência aos bens que falta vender, partindo da informação que anteriormente haja apresentado, evitando informação repetitiva”;
- Despacho de .../.../2023, onde, além do mais, a participada profere acusações incompreensíveis à administradora: “no que respeita às propostas de venda que a Sra. Administradora diz ter recebido, este tribunal tem o entendimento de que as vendas em processo de insolvência, porque são vendas judiciais, devem ser transparentes”.
Verifica-se, assim, que no caso em apreciação, a autora não se conforma com o teor daqueles despachos, assentando neles a alegação de que a conduta da Mma. Juíza participada é violadora dos deveres profissionais a que os juízes se encontram sujeitos.
Prescreve o art. 203º da CRP:
“Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei”.
Em concretização daquele normativo, dispõe o art. 4º do EMJ, na redação introduzida pela Lei nº Lei nº 67/2019, de 27/08:
“1 - Os magistrados judiciais julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores.
2 - A independência dos magistrados judiciais manifesta-se na função de julgar, na direção da marcha do processo e na gestão dos processos que lhes forem aleatoriamente atribuídos.
3 - A independência dos magistrados judiciais é assegurada pela sua irresponsabilidade e inamovibilidade, para além de outras garantias consagradas no presente Estatuto, e ainda pela existência do Conselho Superior da Magistratura.”.
Trata-se de uma redacção resultante da Lei nº 67/2019, de 27 de Agosto, que, além do mais, introduziu aquele nº 3, afirmando a competência do CSM enquanto garante da independência dos magistrados judiciais.
Dispõe o art. 5º do EMJ:
“ (…)
2 - Só nos casos especialmente previstos na lei os magistrados judiciais podem ser sujeitos, em razão do exercício das suas funções, a responsabilidade civil, criminal ou disciplinar.
3 - Fora dos casos em que a falta constitua crime, a responsabilidade civil apenas pode ser efetivada mediante ação de regresso do Estado contra o respetivo magistrado, com fundamento em dolo ou culpa grave.
4 - A decisão de exercer o direito de regresso sobre os magistrados judiciais cabe ao Conselho Superior da Magistratura, a título oficioso ou por iniciativa do membro do Governo responsável pela área da justiça.”.
É verdade que não compete ao CSM sindicar actos jurisdicionais no aspecto que se relaciona com a jurisdicionalidade dos mesmos (e com o seu mérito).
Tal não significa, porém, que as decisões jurisdicionais sejam imunes à responsabilização disciplinar dos juízes, quando estes abusam da autoridade ou revelam grave falta de consideração e respeito devido aos cidadãos (art. 83º-H, nº 1, al. b) do EMJ).
Como decorre do art. 7º-D do EMJ, “Os magistrados judiciais devem adoptar um comportamento correcto para com todos os cidadãos com que contactem no exercício das suas funções , designadamente na relação com os demais magistrados funcionários advogados outros profissionais do furo e intervenientes processuais “
Este dever de correcção está, aliás, consagrado no art. 9º do CPC.
Deve dizer-se, porém, que este dever não se pode confundir com a falta da necessária firmeza ou com a renúncia do juiz ao dever de gestão processual consagrado no art. 6º do CPC. Com efeito, o processo de liquidação insolvencial é um processo de gestão difícil, que requer celeridade e eficácia, as quais não se compadecem com as faltas dos intervenientes e com os adiamentos provocados por essas faltas. É, pois, neste contexto que deve ser abordada a actividade da participada Juiz do ponto de vista disciplinar.
Vejamos, então, as decisões proferidas que constituem pretensas infracções disciplinares.
Despacho de .../.../2022 ( factos 12 a 14; arts. 27º a 29º da petição):
Verifica-se apenas que a Senhora Juiz condenou a Sra. Administradora em 4 UCs de multa (facto 12), mas que, mediante o requerimento de .../.../2022 (facto 13), considerou justificada a falta (facto 14).
Não se vislumbra, assim, que a Senhora Juiz tenha condenado a administradora em multa por falta injustificada, apesar da justificação.
Despacho de .../.../2022 (facto 14; arts. 30º a 34º da petição):
“14. Em ........2022 foi proferido o seguinte despacho:
“Justificação da falta da Sra. Administradora – ........2022:
Não obstante os motivos conclusivos sobre a incapacidade da Sra. Administradora atestados pelo médico subscritor do atestado junto, por ora justifico a falta.
Adverte-se que, de futuro, a verificar-se nova situação de doença, a Sra. Administradora deverá indicar onde se encontra, por forma a permitir ao tribunal enviar profissional de saúde para atestar a sua incapacidade para comparecer.” (facto 14)
O despacho em causa não evidencia qualquer falta de respeito (art. 83º-H, nº 1, al. alínea b) do EMJ).
Em primeiro lugar, deve lembrar-se que a falta de colaboração, por ausência, é passível de multa. É o que decorre do art. 417º do CPC: “ …aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis…”
Por outro lado, sendo verdade que o atestado médico, para justificar a falta de comparecimento, não tem que indicar o motivo concreto da doença (cfr. Assento de 3.4.1991, publicado no Diário da República n.º 120/1991, Série I-A de 25.5.1991, a propósito do art. 117º, nº 3 do CPP) o recurso pelo juiz à verificação da doença não é algo que seja estranho ao nosso ordenamento jurídico processual. Atente-se, por exemplo, no disposto no nº 4 do art. 117º do CPP ou nos arts. 457º e 506º do CPC.
Assim, e independentemente de a autora/administradora ter apresentado atestado médico, sempre é possível sustentar que o juiz pode, por aplicação analógica do disposto nos arts. 457º e 506º do CPC, fazer verificar por médico da sua confiança o atestado médico e dar conhecimento prévio da sua intenção de o fazer em caso de falta. Aliás, não se mostra sequer discutida a legalidade de tal despacho.
Como assim, e tendo, também, em consideração que a administradora tinha já faltado à assembleia de .../.../2022, dando conhecimento da sua impossibilidade apenas no mesmo dia, é natural que a juiz a advertisse para as consequências de nova falta por motivo de doença.
E não se diga que, por não ter feito a verificação da doença da primeira vez (com que foi surpreendida na hora), não podia advertir a administradora para as consequências de uma segunda falta. A juiz não pode estar limitada ou condicionada no exercício dos seus poderes, se tiver razões para crer ou suspeitar que a alegada doença não é verdadeira.
Não existem, assim, razões para considerar que a actuação da juiz extravasou o exercício do seu poder jurisdicional e envolveu qualquer excesso ou abuso de autoridade ou grave falta de respeito para com a administradora da insolvência.
Despacho de .../.../2022 (factos 16 e 17; arts. 36º a 42º da petição):
Está provado que:
“16. Em ........2022 pelas 14 h e 25h a administradora de insolvência deu conta mediante requerimento da sua impossibilidade de estar em 15.7, por motivo do agendamento para essa data de escrituras (juntando, para prova, documentos).
17. Na acta de 15.7 a Sra. Juiz exarou os seguintes despachos:
“ DESPACHO:
“A Senhora Administradora de Insolvência, devidamente notificada para comparecer nesta Assembleia e não compareceu. Comunicou que não poderia comparecer, tendo apresentado como justificação o facto de ter escrituras agendadas para o dia de hoje. Para comprovar o impedimento juntou ao processo a 14 de Julho dois documentos da sua autoria e outro de autoria desconhecida.
Tais documentos não provam, nem que a Senhora Administradora tem qualquer impedimento, nem que este impedimento é anterior ao agendamento a desta assembleia.
Em face do exposto, considero injustificada a falta.
Vai a senhora administradora condenada em multa que fixo em 4 unidades de conta.
(…)
De seguida, pela Mm. ª Juiz de Direito foi proferido o seguinte:
DESPACHO
“Com anuência de todos os presentes e de harmonia com o previsto no artigo 55º, nº 5, e artigo 75, nº1, do CIRE, designo para realização da Assembleia de Credores o dia ... de ... de 2022, às 11H00, com a seguinte ordem de trabalhos:
(…)
Determino a notificação da Senhora Administradora para comparecer pessoal e presencialmente neste Tribunal na data da Assembleia supra referida, sob pena de o Tribunal poder ordenar a sua detenção à autoridade policial.”
Também aqui a impugnante considera que os despachos revelam falta de respeito e abuso de autoridade.
Porém, o referido despacho de 15.7, no que respeita à prova documental junta para justificação da falta, foi proferido, de forma fundamentada, no uso dos poderes jurisdicionais da juiz, não se podendo aqui sindicar o respectivo mérito. Não revela qualquer abuso de autoridade, nem dos seus termos resulta qualquer falta de respeito.
Igualmente não compete ao CSM ou a este Tribunal avaliar da legalidade do despacho que determinou a notificação da administradora para comparecer pessoal e presencialmente no Tribunal na data da Assembleia, “sob pena de o Tribunal poder ordenar a sua detenção à autoridade policial “
No entanto, sempre se dirá que é admissível sustentar, juridicamente, o recurso à comparência da administradora sob custódia, se tivermos em consideração que o art. 417º prevê o recurso aos meios coercitivos que forem possíveis (para assegurar a colaboração) e o art. 508º, nº 4 do CPC prevê a comparência da testemunha, que tenha faltado sem justificação, sob custódia.
Aliás, neste contexto, deve recordar-se que a administradora faltou sucessivamente, pelo menos, às convocações de 4 e 15 de Julho (falta injustificada), prejudicando, assim, objectivamente, o célere andamento do processo.
Não se demonstra, pois, que, com os referidos despachos, a Sra. Juiz tenha incorrido na prática de qualquer infracção disciplinar.
Despacho de .../.../2022 (facto 9; art. 46º da petição):
Também a impugnante se insurge contra os termos deste despacho “ …deverá a Sra. Administradora esclarecer porque não promove um único leilão que abranja todos os bens da massa insolvente que estejam em condições de ser vendidos, e está, constantemente, a promover leilões parciais, o que evidencia alguma falta de organização na liquidação e na forma como apresenta as informações no processo, além de contribuir para o avolumar da atividade processual.”
Porém, também, aqui o pedido de esclarecimento da juiz se insere na sua actividade jurisdicional. Embora o segmento “ que evidencia alguma falta de organização na liquidação e na forma como apresenta as informações no processo…”, possa traduzir um juízo de censura, não necessariamente indispensável, o mesmo não envolve, contudo, grave falta de respeito ou de consideração.
- Despacho de .../.../2022 ( facto 15º; art. 52 da petição)
“15. Notificada do despacho de 6.7 a administradora apresentou requerimento, a que a Srª Juiz respondeu mediante despacho de ........2022:
“Req. AI ........2022:
O tribunal não pediu explicações à Sra. Administradora sobre o rateio parcial, apreciou reclamações ao rateio e, dando-lhes procedência, determinou a apresentação de novo rateio em obediência ao previsto na lei.
Assim, a Sr. Administradora deverá, em cinco dias, apresentar rateio conforme lhe foi determinado e dar cumprimento ao previsto no artigo 178º, nº2, do CIRE, após o que corre o prazo para os credores se pronunciarem, sob pena de multa.”
Se é verdade que a passagem de que “o Tribunal não pediu explicações à Sra. Administradora sobre o rateio parcial”, revela alguma rispidez, não se pode, todavia, afirmar que a mesma revela grave falta de respeito.
- Despachos de .../.../2022 e .../.../2022 (factos 14 e 18; art. 53º da petição):
Alega a autora que existe contradição entre os dois despachos.
Assim, argumenta, enquanto se afirma no despacho de ... de ... de 2022 que a administradora deverá ficcionar os valores de venda dos imóveis ainda não vendidos- “Diz a sra. Administradora não ter forma de prever esse valor, por não saber por quanto irão ser vendidos os bens. Esta justificação não acolhe face à solução legal. A sra. Administradora tem que fazer uma estimativa. E essa estimativa, parece evidente, ter que ser feita por referência ao valor mínimo, pelo qual os imóveis estão a ser colocados à venda. Sendo certo que qualquer risco decorrente desta estimativa será corrigido no rateio final, pois o valor não será entregue ao credor, antes fica depositado até se apurar o montante que efetivamente tem direito.”- já no despacho proferido em ... de ... de 2022 se afirma que: “A Sra. Administradora faz estimativa dos valores pelos quais espera vender os bens ainda não liquidados, operação que não tem qualquer utilidade para o rateio, uma vez que neste só pode contar, para calcular o valor a reter para pagamento das dividas da massa, com o valor que já apurou até esse momento”.
Porém, estes despachos têm natureza jurisdicional não cumprindo ao CSM ou a este Tribunal avaliar da contradição entre os mesmos. Nem se descortinam nos mesmos elementos que denunciem qualquer abuso de autoridade por parte da Sra. Juiz.
- Despacho de .../.../2022 (art. 54º da petição):
Alega a autora que este despacho a participada terá criticado a forma de escrever e de expor a informação da administradora nas informações trimestrais: “para evitar fazer perder tempo ao Tribunal com leitura desnecessária, de hoje em diante apenas deverá limitar-se a informar, de forma sucinta e objetiva, o estado da liquidação por referência aos bens que falta vender, partindo da informação que anteriormente haja apresentado, evitando informação repetitiva”.
Embora não se tenha encontrado prova documental do alegado, sempre se dirá que se tal despacho, a existir, contém uma certa aspereza de linguagem que pode ser vista como autoritária e algo desprimorosa para a autora, está, todavia, longe de revelar abuso de autoridade ou de evidenciar grave falta de respeito.
- Despacho de .../.../2023 (facto 20; art. 57º a 64º a 71º da petição):
Alega a autora que a juiz profere acusações incompreensíveis à administradora, quando escreveu que: “no que respeita às propostas de venda que a Sra. Administradora diz ter recebido, este tribunal tem o entendimento de que as vendas em processo de insolvência, porque são vendas judiciais, devem ser transparentes”.
Deve, no entanto, esclarecer-se que a juiz acrescenta: “…e, por essa razão, devem fazer-se através da plataforma e-leilões, a não ser que haja razões que justifiquem o recurso a outro tipo de venda e os credores a ela deem o seu acordo.”
Insurge-se a autora contra o facto de a juiz se referir às propostas de venda “que a Sra. Administradora diz ter recebido”, assim pondo em causa que as propostas tenham sido efectivamente recebidas, quando as mesmas foram comunicadas mediante requerimentos de 13 e 20 de Março e se foram, inclusivamente, acompanhadas de cheques.
Todavia, este Tribunal não dispõe de toda a informação a que a Sra. Juiz teve acesso, inclusivamente ao teor dos ditos requerimentos.
Porém, se as propostas foram veiculadas pela administradora, como parece terem sido, não é líquido que a juiz ao aludir às “propostas de venda que a Sra. Administradora diz ter recebido” tenha pretendido pôr em causa a autenticidade das propostas.
Não se denota, por isso, qualquer falta de respeito grave à Sra. Administradora.
Do despacho de ........2023 consta ainda:
“Este processo já teve complicações suficientes algumas delas resultantes das opções de venda feitas pela Sra. Administradora, com celebrações de contratos promessa com supostos interessados na aquisição, que resultaram em incumprimentos desses contratos e vendas não concluídas, e enredos jurídicos que a Sra. Administradora não soube resolver, com atrasos de anos na liquidação do ativo.
Assim, fica o aviso à Comissão de credores e à Sra. Administradora, a quem cabe decidir o preço e a modalidade da venda dos bens que integram a massa insolvente, de que deverão optar por soluções que, sem prejudicar os interesses da massa insolvente, deem garantias de isenção e transparência.
Além disso, a função da Sra. Administradora neste processo é liquidar o ativo, objetivo que não é conseguido com a celebração de contratos promessa.”
Alega a autora que os enredos não foram criados por ela mas sim por contratos de arrendamento falseados e simulados ( que deram origem a processo-crime), não sendo verdade que a autora tenha celebrado qualquer contrato-promessa.
Todavia, o Tribunal não dispõe de informação circunstanciada sobre toda a matéria invocada, por forma a poder avaliar se, por detrás dela, as imputações feitas pela juiz são destituídas de fundamento e se revelam, por isso, injuriosas e ofensivas.
Em suma:
Não se divisa qualquer infracção disciplinar que justifique a anulação dos actos administrativos que arquivaram a participação disciplinar e julgaram improcedente a reclamação, uma vez que os actos praticados são de natureza meramente jurisdicional, não resultando dos factos participados e provados a violação de qualquer dever funcional susceptível de fazer incorrer a Sra. Juiz em responsabilidade disciplinar.
Como assim, a conduta da mesma não era susceptível de perseguição disciplinar caindo, por consequência, fora da competência do CSM prevista no art. 149º, nº 1, al. a do EMJ.
Não ocorre, por conseguinte, qualquer violação dos artºs. 203º, 216º e 217º nº 1, todos da CRP e 81º, 82º e 149º alínea a) do EMJ.
Não se verifica, também, a violação dos artº 70º nºs 1 e 2, 73º, nºs 1 e 2, alíneas a), c), e) e h), 3, 5, 7 e 10, e 183º da Lei Geral dos Trabalhadores da Função Pública ex vi art. 82º do EMJ, por pretensa violação dos deveres aí previstos e a não aplicação de uma sanção disciplinar aos seus infractores, desde logo porque, de acordo com a introdução do novo art. 83º-E do EMJ, pela Lei 67/2009 de 27 de Agosto, foi eliminada a referência, em matéria disciplinar, à aplicação subsidiária do regime disciplinar da função pública, ou seja, da referida LGTFP.
Em todo o caso, e como acima se assinalou, não se verifica a violação de qualquer dever funcional (designadamente o da urbanidade, subjacente à infracção disciplinar do art. 83º-H, nº 1, al. b) do EMJ) que mereça ser sancionada, não havendo, por isso, e também por essa razão, fundamento para a anulação dos actos impugnados que atribuem aos despachos natureza meramente jurisdicional sem violação de qualquer dever funcional.
Improcedem, assim, as pretensões da autora.
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça em julgar a acção improcedente.
Custas pela Autora fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) unidades de conta (art. 527º, nº 1, do CPC e art. 7º, nº 1, e Tabela I-A, ambos do RCP).
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Lisboa, 29 de Maio de 2025
António Magalhães
Ana Paula Lobo
Antero Luís
Mário Belo Morgado
Jorge Gonçalves
A. Barateiro Martins