PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
CONVOLAÇÃO
OPOSIÇÃO
INEXISTÊNCIA
TAXA DE JUSTIÇA
OMISSÃO
Sumário

(da responsabilidade do relator):
I. São requisitos de convolação do procedimento administrativo para despejo apresentado no Balcão do Arrendatário e do Senhorio em processo judicial os previstos no art.º 15.º-F n.º 3 do NRAU, nomeadamente a dedução de oposição e a comprovação de pagamento da taxa devida;
II. A declaração de inexistência de uma oposição relevante, por não pagamento de taxa de justiça, mesmo que proferida em sede judicial, implica que não se possa sequer afirmar que exista um processo judicial de oposição ao despejo, por não ter sido cumprida uma condição legal de convolação do procedimento administrativo em processo judicial;
III. Não deve haver aplicação analógica do disposto no art.º 570.º n.º 3 do CPC a uma situação de omissão de pagamento de taxa pela oposição, sendo que a analogia que se poderia estabelecer no caso seria com o disposto no art.º 558.º n.º 1 al. f) do CPC, ou até com o disposto nos art.º 80.º n.º 1 al. d) e 79.º n.º 1 do CPTA.  

Texto Integral

Decisão:
I. Caracterização do recurso:
I.I. Elementos objetivos:
- Apelação – 1 (uma), nos autos;
- Tribunal recorrido – Juízo Local Cível da Amadora – Juiz 2;
- Processo em que foi proferida a decisão recorrida – Procedimento especial de despejo;
- Decisão recorrida – Despacho de não admissão de oposição.
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I.II. Elementos subjetivos:
            - Recorrente: - AA;
            - Recorrida: - BB. --
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I.III. Síntese dos autos:
- Apresentou a aqui recorrida requerimento de despejo junto do Balcão do Arrendatário e do Senhorio (BAS), relativo ao locado sito ---, Amadora;
- Citado, apresentou o requerido nesse serviço requerimento de oposição;
- Remetido à distribuição o procedimento e apresentado a despacho, foi proferida decisão, cujo dispositivo é o seguinte
Não foi comprovado o pagamento da taxa de justiça a que alude o artigo 15.º-F do NRAU nem o benefício de apoio judiciário, ficando, assim, o oponente sujeito às consequências ali previstas.
Termos em que se tem a oposição ao procedimento especial de despejo por não deduzida.
- Na sequência, recorreu o oponente, concluindo do seguinte modo:
A. A douta decisão recorrida, para além de padecer de nulidades, valorou erradamente a prova e não enquadrou, correctamente, em termos jurídicos, os factos e dados que resultam dos autos;
B. Houve lapso ou erro grave dos serviços de secretaria do Balcão do Arrendatário e do Senhorio quando não consideraram e valoraram os suportes e elementos que, legalmente, o recorrente juntou e apresentou nos autos, mormente o segundo dos dois emails que enviou e entregou no dia 27 de Dezembro de 2024, pelas 20h41m, que não foi devolvido ou indicado como não recepcionado, onde requerimento de oposição apresentado foi junto a prova do pagamento da taxa de justiça, que alias no mesmo vem expressamente referenciado como sendo o duc Nº 702 580 094 362 408
C. O que que enuncia o art.º 15-F do NRAU é que, com a oposição o requerido deve e não tem, de proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, vocábulo que, tendo origem etimológica na palavra dev, que no latim é "debere" tem o sentido e significado de ser devedor e não de imperativo de forma der, de ter
D. A necessidade de prestar caução apenas é exigível nos casos previstos no Nº 3 e 4 do Art.º 1083.º do Cód. Civil, ou seja, o que não se verifica e se subsume o recorrente, ou seja, quando o fundamento do procedimento consista na falta de pagamento de rendas;
E. No notificado ao recorrente não resulta nem é esclarecido, não sendo feita qualquer referência ou advertência do que podia e pode acontecer e sejam as consequências do não pagamento da taxa de justiça,
F. A mesma notificação tinha de ser feita e impunha-se nos termos do Nº 2 do Art.º 570.º do CPC que, aplicável, impõe que, se não for comprovado nos autos o pagamento da taxa de justiça deverá a parte ser notificada para liquidar a taxa de justiça no prazo de 10 dias, com acréscimo de multa de igual montante,
G. Este pagamento não foi originariamente considerado ser exigível e necessário como condição de procedibilidade do processo, uma vez que, recebida a oposição, o processo foi enviado à distribuição.
Termos em que, nos   demais de direito que V.Ex.ª, muito doutamente proverão, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado, revogando-se a decisão recorrida, assim se fazendo a costumada Justiça
- Notificada, contra-alegou a requerente de despejo, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
- Apresentados os autos a despacho, foi admitido o recurso e o Mm. Juiz a quo pronunciou-se pela inexistência das apontadas nulidades na decisão.
- Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II. Questões a apreciar:
Nos termos delimitados pelas alegações de recurso, serão questões a apreciar:
- A invocada nulidade da decisão, por desconsideração de invocada comprovação de pagamento de taxa de justiça;
- O invocado vício de preterição de notificação para pagamento de taxa de justiça omitida, no caso de se considerar que esse pagamento não foi demonstrado.
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III. Apreciação do recurso:
III.I. Elementos dos autos relevantes para apreciação da matéria recursória:
a) Por requerimento enviado por correio eletrónico dirigido ao Balcão do Arrendatário e do Senhorio (BAS), o requerido apresentou oposição ao requerimento de despejo, anexando um documento intitulado "atestado" com sinais de ter sido emitido pela freguesia de Mina de Água, Amadora, e procuração forense;
b) Não apresentou o oponente qualquer documento comprovativo de pagamento de taxa de justiça;
c) No corpo do correio eletrónico ou no corpo da oposição não consta qualquer referência a pagamento de taxa de justiça ou a benefício de apoio judiciário que o requerente pudesse ter;
d) Por comunicação de 5/2/25 foi dado conhecimento ao requerido do procedimento da sua remessa à distribuição aos Juízos Cíveis da Amadora;
e) Recebidos os autos na instância judicial, foi liminarmente prolatado o despacho objeto de recurso;
f) Com as alegações de recurso veio o recorrente apresentar os seguintes documentos:
- Cópia do formulário da oposição que teria apresentado junto do BAS onde consta, com interesse para o thema decidendum:
- Estar aposto sinal gráfico junto dos dizeres pré-elaborados no formulário "Não beneficia de apoio judiciário";
- Estar redigido manualmente junto dos dizeres pré-elaborados no formulário "Taxa de Justiça – N.º de referência do documento único de cobrança (DUC)" o número 702 580 094 362 408;
- Cópia de formulário de apoio judiciário em nome do opoente, com informação de envio de correio eletrónico ao Instituto da Segurança Social no dia 17/2/2025;
g) Com as alegações de recurso veio juntar documento comprovativo de pagamento de DUC, onde consta, como data de emissão, a de 18/2/2025 (data de interposição do recurso).
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III.II. O despacho recorrido – teor e síntese de fundamentos:
É o seguinte o teor do despacho recorrido (sem atualização de grafia):
AA apresenta requerimento, enviado por correio eletrónico, que chamou de oposição, pedindo a suspensão da instância e, em caso de improcedência, o diferimento do despejo do locado.
DA OPOSIÇÃO AO DESPEJO
O artigo 15.º-F do NRAU dispõe o seguinte:
1 - O requerido pode opor-se à pretensão de despejo no prazo de 15 dias a contar da sua notificação.
2 - A oposição é apresentada no BAS por via eletrónica. (…)
5 - Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
6 - Não se mostrando paga a taxa ou a caução prevista no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida.
7 - A oposição tem-se igualmente por não deduzida quando o requerido não efetue o pagamento da taxa devida no prazo de cinco dias a contar da data da notificação da decisão definitiva de indeferimento do pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa ou de pagamento faseado da taxa e dos demais encargos com o processo. (...).
O Regulamento das Custas Processuais aplica-se também ao procedimento especial de despejo, não apenas quando esteja a correr no tribunal, mas também quando esteja a correr no Balcão Nacional do Arrendamento (artigos 21.º a 26.º do Decreto-Lei n.º 1/2013, de 07- 01 e artigo 11.º da Portaria n.º 49/2024, de 10 de janeiro).
Dispõe o art.º 22º, nºs 1 e 2 deste Decreto-Lei:
Taxas de justiça devidas 1 - A taxa de justiça devida pela apresentação do requerimento de despejo corresponde à taxa de justiça prevista na tabela II do Regulamento das Custas Processuais para as execuções em que as diligências de execução não sejam realizadas por oficial de justiça.
2 - A taxa de justiça devida pela apresentação da oposição ao requerimento de despejo, bem como pela resposta a este, corresponde à taxa de justiça prevista na tabela II do Regulamento das Custas Processuais para a oposição à execução ou à penhora.
No caso concreto, no seu articulado de defesa, o requerido não juntou qualquer comprovativo de pagamento de taxa de justiça, nem comprovou ser beneficiário de apoio judiciário.
De acordo com o nº 6 da citada norma legal, “não se mostrando paga a taxa ou a caução prevista no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida”.
Não obstante esta norma, tem-se colocado a questão de saber se, ainda assim, deve ser concedido prazo suplementar para o pagamento da taxa em falta, acompanhado da multa prevista no art.º 570º do Código de Processo Civil.
Não obstante alguma divergência jurisprudencial, seguimos na esteira do Acórdão da Relação de Coimbra de 12/9/2017, relatado por António Pires Robalo, que defende existir uma norma especifica que comina a falta de pagamento de taxa com a imediata cominação de se considerar a oposição como não deduzida. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/-/A48985123F67BF0A802581A1004FD7E5.
A fundamentação é a seguinte: “Ou seja, o termo “deve” utilizado no art.15º-F, n.º 3, da Lei n.º6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU) só pode significar que o demando (a), no prazo dos 15 dias aludidos no n.º 1 do preceito, tem de apresentar a oposição, pagar a taxa de justiça ou comprovar que já solicitou o pedido de apoio judiciário, e no caso dos n.ºs 3 e 4 do art.º 1083 do C. Civil depositar a caução, aqui consoante a posição defendida a respeito da concessão de apoio judiciário.
Assim, o n.º 3 e 4 do art.º 15-F do NRAU é incompatível com o art.º 570 do C.P.C., tanto mais que o PED não é uma ação de despejo, mas sim um procedimento especial de despejo como o próprio nome indica. No sentido de que o art.º 570 do C.P.C. é incompatível com o art.º 15 –F do NRAU - cfr. Ac. da Rel. de Lisboa de 1 de Abril de 2014 – 2095/13.8YLPRT.L1.1, relatado por Teresa Jesus Ribeiro de Sousa Henriques onde se escreve “(…) Ora o PED não é uma ação de despejo. É, como o nome indica, um procedimento especial que seguia, na ocasião, a forma de processo sumaríssimo (cfr. art.º 222º do CPC revogado, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14-08).
O NRAU distingue entre acção de despejo e procedimento especial de despejo. (cfr. art.14º e 15º).
A notificação efectuada ao abrigo do art.570º, n.ºs 3 e 4, do CPC colide com o disposto no n.º4 do art.15º-F do NRAU. Verificada a falta de pagamento da taxa de justiça impunha-se considerar a oposição como “não deduzida”. E o mesmo se diz quanto à falta de pagamento da caução. É o que resulta do supra referido art.15º-F. Neste sentido parece ser também o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 14-09-2023, relatado por Higina Castelo,  https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/f3a8adbd62af135980258a 30003380d3?OpenDocument: “De acordo com o disposto no artigo 9.º, n.º 2, do DL 1/2013, de 7 de janeiro (que procedeu à instalação e à definição das regras do funcionamento do Balcão Nacional do Arrendamento e do procedimento especial de despejo), compete exclusivamente ao tribunal, para o qual o BNA remete o processo após a apresentação da oposição, a análise dos requisitos da oposição, nomeadamente os previstos no n.º 4 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006; ou seja, compete ao tribunal aferir se a taxa de justiça referida no n.º 3 do mesmo artigo foi paga, sem o que a oposição se tem por não deduzida.
No procedimento especial de despejo, o pagamento da taxa de justiça é um requisito ou condição necessária da admissibilidade da oposição ao despejo, revestindo a natureza de pressuposto processual, cuja falta impede o juiz de conhecer do mérito da oposição e determina, de acordo com o estabelecidos nos nºs 4 e 5 do artigo 15.º-F, a sua desconsideração, ou seja, que se tenha a oposição por não deduzida – neste sentido, entre outros, o Ac. do STJ de 06/12/2018, proc. 1394/16.1YLPRT.L1.S1 (Cons. Rosa Tching).
Não foi comprovado o pagamento da taxa de justiça a que alude o artigo 15.º-F do NRAU nem o benefício de apoio judiciário, ficando, assim, o oponente sujeito às consequências ali previstas.
Termos em que se tem a oposição ao procedimento especial de despejo por não deduzida.
Notifique.
Custas a cargo do oponente.
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- Quadro da decisão:
Sintetizando as razões da decisão, a oposição foi rejeitada por não estar demonstrada a liquidação da taxa de justiça e por não ser aplicável ao procedimento em causa o disposto no art.º 570.º do CPC (preceito que concede à parte passiva num processo judicial a faculdade de liquidar a taxa cujo pagamento omitiu, com acréscimo de multa, e o direito de ser notificada para esse fim).
São dois os fundamentos recursórios:
a) Quanto à consideração de falta de pagamento da taxa, a invocação de um vício, que seria traduzido na desconsideração, pelo BAS, de informação relativa a DUC de pagamento efetuado;
b) Quanto à afirmação da desnecessidade de notificação à luz do art.º 570.º do CPC, sustentando a tese da sua imperatividade, no caso.
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III.III. A invocada nulidade da decisão por não pagamento da taxa de justiça devida pelo procedimento:
Relevando a síntese dos autos acima apresentadas, é manifesta a falta de sustentação do primeiro argumento recursório.
Mesmo com a documentação que apresenta em sede de recurso (cópia do formulário do requerimento de oposição), o recorrente não demonstra ter realizado qualquer liquidação da taxa devida.
A comprovação de pagamento não se faz com a inscrição manuscrita de números putativamente relativos a um DUC no espaço do formulário de um requerimento de oposição ao despejo. Faz-se com a junção do documento comprovativo da sua liquidação, algo que o recorrente não fez (o único documento comprovativo de liquidação apresentado e junto é o relativo a este recurso, emitido na data da respetiva interposição).
A norma é clara, exigindo a junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça e, portanto, é absolutamente irrelevante, em termos processuais, o que quer que se manuscreva no formulário (que tem, a este nível, uma mera função de ordenação administrativa do procedimento de despejo).
Não junto documento de pagamento, não está este demonstrado, valendo, no mais, o que consta da decisão recorrida, aqui dado por reproduzido, sem necessidade de considerações adicionais.
Este fundamento de recurso é, portanto, improcedente. –
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III.IV. O invocado vício de omissão de notificação para realização do omitido pagamento de taxa de justiça:
Não deixando de salientar a incompatibilidade material entre este fundamento recursório e o anterior, mesmo que apresentado subsidiariamente, o sentido da decisão recorrida foi, como sintetizado, o de proscrever a necessidade de notificação ao oponente para pagamento da taxa do procedimento, em caso de omissão.
A decisão alude a alguma divergência jurisprudencial sobre esta questão, mas, qualificando a taxa do procedimento como uma condição de admissibilidade especificamente prevista, ou um verdadeiro pressuposto processual, desqualificou o requerimento, não dando seguimento ao mesmo como oposição.
O quadro de avaliação não pode ser feito desconsiderando a estrutura procedimental dos autos, convolada em processo judicial apenas na sequência de distribuição.
Quer isto dizer que se trata de um procedimento de estrutura administrativa no momento em que o pagamento da taxa em apreço é devido, pagamento cujo incumprimento foi verificado e declarado em sede judicial.
Decorre do que antes se disse, prima facie, que regulação procedimental, no momento em que o pagamento da taxa em causa seria devido, deveria ser feita à luz do Código de Procedimento Administrativo e não à luz do Código de Processo Civil, designadamente no que concerne a alguma preterição de direito de audição do interessado inquilino (algo que não é, diga-se, matéria deste recurso).
Este não é, em todo o caso, um argumento definitivo no sentido de vedar a possibilidade de ser suscitado o suprimento da omissão de pagamento determinada em tribunal, desde logo por se tratar de um procedimento especial cuja tramitação típica prevê a sua transmutação em processo judicial.
Em todo o caso, não deixa de ser um elemento a ponderar, na medida em que pode criar uma interferência entre normas de processo civil e quadros de avaliação próprios de um contexto procedimental administrativo.
Uma outra linha geral, próxima, deve ser considerada. Refere-se esta não tanto à estrutura do processo, mas à sua finalidade, ou teleologia.
Trata-se de um regime legal abertamente destinado a facilitar, ou agilizar, os despejos, privilegiando a desjudicialização (formal e orgânica), em situações em que a cessação de um contrato de arrendamento decorra diretamente de documentação a apresentar pelo senhorio (o próprio contrato e comunicações comprovativas da sua cessação).
Nessa medida, estando o serviço administrativo compelido a seguir o interesse público que lhe foi atribuído, deverá privilegiar as práticas procedimentais que promovam essa finalidade de agilização e celeridade e, portanto, tendencialmente postergando desvios à tramitação típica.
Quer isto dizer, vertendo especificamente à omissão de pagamento da taxa de justiça pela oposição, no momento de apresentação da mesma, leva a concluir que os particulares interessados no procedimento (neste caso do arrendatário), deverão partir do princípio que o comportamento previsível da administração, neste caso, não induz qualquer confiança tutelável que lhe será dada uma segunda oportunidade para, em sede administrativa, liquidar o pagamento omitido.
Se estas linhas mestras do regime depõem no sentido da inadmissibilidade de um convite ao pagamento omitido, a natureza constitucional do direito à habitação não pode deixar de ser posta em perspetiva nesta análise, como se impõe em qualquer avaliação interpretativa de normas que possam refletir-se na subsistência de um arrendamento habitacional.
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Feito este enquadramento, deve salientar-se, como referido na decisão recorrida, que a questão tem merecido respostas divergentes ao nível dos tribunais superiores.
Assim, em acórdão desta Relação de 14/9/23 (Higina Castelo, dgsi.pt)[i] foi acolhido o entendimento que a falta de pagamento da taxa devida pelo opoente é uma questão a apreciar previamente e impede o conhecimento do mérito da oposição. De forma clara quanto a este entendimento, consta nesse aresto que o pagamento da taxa de justiça é requisito da admissibilidade da oposição ao despejo, revestindo a natureza de pressuposto processual, cuja falta determina, de acordo com o estabelecido no n.º 4 do artigo 15º-F do NRAU, que a oposição se tenha por não deduzida.
Em sentido contrário, i.e. impondo a notificação para colmatar a falta de pagamento ao abrigo do art.º 570.º do CPC, outras decisões se têm perfilado, convocando o princípio do contraditório, enquanto integrante do direito a um processo equitativo, como consagrado no art.º 20, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e estabelecendo a necessidade de uma interpretação conforme à Constituição do art.º 15-F, nº 3 do NRAU (assim, acórdãos desta Relação de 10/10/24 (Marília Leal Fontes, dgsi.pt)[ii]; de 20/6/2024 (Nuno Lopes Ribeiro, dgsi.pt)[iii].
No mesmo sentido, convocando o contraditório, o tratamento equitativo das partes e a efetividade da tutela jurisdicional, também acórdão da Relação de Évora de 11/4/2024 (Maria Adelaide Domingos, diariodarepublica.pt)[iv].
Parece poder confirmar-se a existência de duas correntes jurisprudenciais bem distintas sobre a questão e talvez se possa até afirmar que a corrente que sustenta a necessidade de notificação para suprimento da omissão de pagamento da taxa tem reunido a maior adesão nas decisões mais recentes sobre a questão, o que não pode deixar de ser um elemento ponderoso a considerar.
Na decisão da questão entende-se, todavia, que não pode deixar de se ressaltar a natureza administrativa do procedimento, no momento em que o ato omitido se verifica.
É certo que o processo administrativo se transmuta em processo judicial, mas isso, nos termos da lei, não decorre da simples dedução de oposição.
O legislador estabelece, de forma muito clara, que é requisito dessa convolação também a liquidação da taxa devida (ou de caução relativa a rendas), e respetiva comprovação - não se mostrando paga a taxa ou a caução previstas no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida (art.º 15.º-F, n.º 6 do NRAU).
O legislador, de forma que não se pode senão como especialmente significativa, recusa a expressão não admissão e acolhe a expressão oposição não deduzida.
O significado desta formulação legal tem que ter tradução jurídica e esta tem que ser a simples desconsideração sequer da existência de uma oposição qua tale.
Trata-se de um procedimento administrativo que, na sua estrutura típica, pressupõe uma convolação direta em processo judicial, mas essa transmutação só ocorre ante verificação de requisitos expressamente previstos, designadamente os referidos – dedução de oposição e pagamento de taxa.
A interpretação racional do preceito, e a sua teleologia, alinham-se com o que resulta da literalidade do preceito para estabelecer a conclusão que esta conformação processual traduz uma manifestação muito direta da supra referida finalidade do regime legal – agilização da desocupação de imóveis anteriormente locados, finda a base contratual de cedência, por simples via administrativa.
Quer isto dizer que, uma vez que até que sejam satisfeitos os aludidos requisitos de convolação, não só não existe oposição, como não existe sequer um processo judicial.
Assim sendo, salvaguardando todo o respeito por opinião diversa, não se pode estabelecer uma analogia entre esta situação e a prevista no art.º 570.º n.º 3 do CPC (notificação da secretaria para pagamento de taxa de justiça omitida pelo réu, acrescida de multa), sendo que, a existir uma analogia, terá que ser feita com a regra processual relativa à não comprovação de pagamento de taxa de justiça no momento de entrada da ação em juízo, omissão esta que dará lugar a recusa de petição pela secretaria (art.º 558.º n.º 1 al. f) ou, caso se sobrelevar a natureza administrativa do procedimento em questão, poder-se-ia até recorrer a uma analogia sistémica com o disposto nos art.º 80.º n.º 1 al. d) e 79.º n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) – Lei n.º 15/2002 (cujo conteúdo material é equivalente ao do processo civil – recusa de petição pela secretaria do tribunal em situação de não comprovação de pagamento de taxa de justiça).
No momento da entrada do procedimento em juízo, o que se prefigura é um ato administrativo que declara cessado um contrato de arrendamento, ato esse a que o legislador atribuiu exequatur.
Pondo a questão em termos de constitucionalidade e iluminando-a sob este prisma, o que poderia ganhar relevo seria uma avaliação à luz da Lei Fundamental de todo o regime legal de despejo.
Nesse debate podem ser consideradas razões de acesso à justiça (nomeadamente se uma defesa apresentada em procedimento administrativo tem garantias suficientes ou existe alguma reserva de jurisdição), mas o ponto central do debate constitucional teria que se centrar onde se tem centrado sempre acerca das causas e procedimentos de cessação do arrendamento: - a proporcionalidade e o equilíbrio entre a tutela constitucional da propriedade e da habitação.
Não é esse, em todo o caso, o debate que foi suscitado nestes autos.
Dir-se-á que relevar a simples existência de um ato administrativo implica alguma ficção jurídica, na medida em que, de facto, o procedimento foi judicialmente distribuído e deu lugar a uma decisão judicial, cuja é objeto de recurso e, assim sendo, materialmente, existe um processo judicial.
É certo que a mudança de natureza não é isenta de dúvidas e, nessa medida, mais fácil seria a avaliação se o legislador tivesse construído a solução legal da forma típica, i.e., mantendo a matriz básica de formação de qualquer ato administrativo, com decisão final em sede procedimental e a possibilidade de impugnação judicial dos atos definidores de direitos.
Esta convolação de procedimento em processo, sem uma separação formal absoluta entre o administrativo e o judicial, induz dificuldades que a situação em apreço documenta.
Todavia, porque assim é, ou seja, e porque a dificuldade de compatibilização existe, compreende-se que o responsável do serviço administrativo, o secretário do BAS, remeta a distribuição judicial o procedimento, ante a entrada de expediente qualificado pelo requerido como oposição, e não faça uma rejeição imediata do expediente, nessa sede, por falta de liquidação da taxa.
Todavia, essa remessa à distribuição e subsequente decisão judicial não traduzem, neste contexto, uma rejeição da oposição, em sentido próprio, apenas uma declaração de inexistência da mesma (nos termos definidos pelo art.º 15.º-F n.º 6 do NRAU), o que significa uma confirmação atípica (porque feita em sede judicial, no âmbito de um procedimento administrativo) da validade e eficácia do pedido feito pelo interessado-senhorio (de declaração de exequibilidade da entrega de imóvel anteriormente arrendado ao contrainteressado inquilino).
Conclui-se, assim, que bem andou o tribunal a quo ao declarar a inexistência de uma oposição, nos termos decididos.
É o que se decide, confirmando-se a decisão recorrida. –
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III. Decisão:
Face ao exposto, nega-se a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique-se e registe-se. –
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Lisboa, 22-05-2025
João Paulo Vasconcelos Raposo
Inês Moura
Laurinda Gemas
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[i] https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/f3a8adbd62af135980258a30003380d3?OpenDocument
[ii] https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/10026c94e9809cad80258bba0055b712?OpenDocument
[iii] https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/9a7c846384060aee80258b4e00684afc?OpenDocument
[iv] https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/2240-2024-878629275