CONDENAÇÃO GENÉRICA
LIQUIDAÇÃO
PEDIDO LÍQUIDO
INDEFERIMENTO LIMINAR
CASO JULGADO
Sumário

(da responsabilidade do relator):
I. A liquidação de uma condenação genérica impõe ao respetivo requerente uma alegação factual substanciada dos prejuízos a liquidar, nos estritos limites do decidido, devendo concluir por um pedido líquido;
II. As dificuldades no acesso a informação ou de produção de prova não afastam a necessidade de cumprimento de tais ónus, sob pena de ineptidão do requerimento inicial de liquidação;
III. O indeferimento liminar do incidente de liquidação tem como consequência a não renovação de uma instância finda, não traduzindo qualquer absolvição, seja de uma instância ativa ou de um pedido;
IV. Por consequência, e sem prejuízo dos efeitos próprios do caso julgado da decisão que não admitiu a renovação da instância, o indeferimento liminar de um pedido de liquidação de sentença não afasta a possibilidade de ser requerido novo incidente com idêntica finalidade.

Texto Integral

Decisão:
I. Caracterização do recurso:
I.I. Elementos objetivos:
- Processo - 22640/18.1T8LSB.9.L1 – ação popular - processo comum;
- Apelação – 1 (uma), nos autos;
- Tribunal recorrido – Juízo Central Cível de Lisboa - Juiz 14;
- Decisão recorrida: – Indeferimento liminar de incidente de liquidação de sentença, nos próprios autos;
- Âmbito do recurso – De direito. –
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I.II. Elementos subjetivos:
            - Recorrentes – requerentes de liquidação:
- Citizens’ Voice – Consumer Advocacy Association;
- AA;
- BB;
- Autores Populares;
            - Recorrida - requerida:
                     -  Vodafone Portugal – Comunicações Pessoais, S.A.–
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I.III. Síntese dos termos relevantes do processo anteriores ao incidente de liquidação:
- Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/2/2022 foi concedida revista apresentada per saltum relativa à sentença proferida em 1.ª instância, que absolvera a ré do pedido, cujo segmento decisório é o seguinte:
- Pelo exposto, concede-se a revista e revoga-se a decisão recorrida, condenando-se a Ré Vodafone, S.A., à restituição, aos autores populares, dos pagamentos adicionais que lhes tenham sido cobrados, em virtude da ativação automática de serviços adicionais não solicitados.
- Tendo os requerentes apresentado requerimento solicitando o andamento dos autos, foi, nestes, proferido despacho (a 25/1/2023), cujo trecho relevante é:
“Requerimento de 10/01/2023:
Os termos em que foi proferida a decisão final pelo Colendo STJ, condenando a Ré Vodafone, S.A. “à restituição, aos autores populares, dos pagamentos adicionais que lhes tenham sido cobrados, em virtude da ativação automática de serviços adicionais não solicitados”, não implica a dedução de incidente de liquidação em sede declarativa, nos termos do disposto nos arts. 358º e ss. do Cód. Proc. Civil, dependendo de simples cálculo aritmético.
Cada autor popular poderá/deverá, com base no Acórdão, especificar os valores que lhe foram cobrados em virtude da ativação automática de serviços adicionais não solicitados, apresentando tal cálculo, sendo caso disso, em requerimento executivo – cfr. arts. 704º, nº 6, e 716º, nº 1, do Cód. Proc. Civil.
Refira-se ainda que, caso se entendesse necessário tal incidente para a exequibilidade da decisão - cuja formalidade, de todo o modo, não se mostra respeitada - não poderia sequer falar-se de “incumprimento” por parte da Ré, já que o seu impulso sempre caberia a cada autor popular!
Assim, o requerido carece totalmente de fundamento legal.
- Foram apresentados, por apenso, requerimentos executivos para cobrança de quantia certa, incluindo liquidação individual da referida condenação em sede executiva, designadamente por:
- CC, no valor 8.294,90€ (oito mil duzentos e noventa e quatro Euros e noventa cêntimos);
- DD, no valor de 916,88€ (novecentos e dezasseis euros e oitenta e oito cêntimos);
- EE, no valor de 583,07€ (quinhentos e oitenta e três euros e sete cêntimos);
- FF, no valor de 236,09€ (duzentos e trinta e seis euros e nove cêntimos);
- BB, no valor de 6.267,52€ (seis mil duzentos e sessenta e sete euros e cinquenta e dois cêntimos);
- GG, no valor de 3.067,11€ (três mil e sessenta e sete euros e onze cêntimos);
- HH, no valor de 672,31€ (seiscentos e setenta e dois euros e trinta e um cêntimos);
- Do despacho acima referido (de 25/1/2023) recorreram os requerentes, recurso que veio a ser decidido por esta Relação, por acórdão de 10/10/2023, cujo segmento decisório é o seguinte:
Pelo exposto, acordam os juízes nesta 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a presente apelação procedente e revogando a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que pressuponha que a liquidação dos créditos reconhecidos no acórdão do STJ de 03-02-2022 não depende de simples cálculo aritmético, e portanto deve ter lugar em incidente de liquidação a deduzir nos próprios autos, sem prejuízo da apreciação de quaisquer outras questões de que o Tribunal a quo deva conhecer em sede de despacho liminar do requerimento inicial do mesmo incidente.
- Do teor da fundamentação de tal acórdão, aqui dado por integralmente reproduzido, consta, designadamente:
- A liquidação enxertada na fase inicial da ação executiva cujos trâmites implicam produção de prova e decisão judicial de liquidação) está gizada para execuções fundadas em título executivo, diversos das sentenças, de que conste obrigação pecuniária não liquidada nem liquidável por simples cálculo aritmético (nº 4), bem assim para execuções baseadas em decisões judiciais o equiparadas não envolvidas pelo regime específico do art.º 358º, nº 2 (como sucede com Indemnizações ilíquidas arbitradas em processo penal ou em procedimento que cautelar) e ainda para execuções fundadas em decisões arbitrais que condenem em quantia ilíquida não liquidável por simples cálculo aritmético (nº 5).”
No mesmo sentido cfr., entre outros, os acs.:
- RP 20-10-2014 (João Nunes), p. 692/11.5TTMAI-C.P1;
- RL 27-02-2018 (Luís Espírito Santo), p. 17684/16.0T8LSB.L1-7; - RE 24-03-2020 (Manuel Bargado), p. 2285/14.6T8LLE.E1;
- RL 26-11-2020 (Mª do Céu Silva), p. 2029/19.6T8LSB-A.L1-8;
- RP 08-02-2022 (Fernando Vilares Ferreira), p. 601/21.3T8LOU-A.P1;
Portanto, dependendo a liquidação da alegação e prova de factos não demonstrados na decisão condenatória, a liquidação deve fazer-se no âmbito de um incidente de liquidação, que corre termos nos próprios autos do processo declarativo, operando-se a renovação da instância.
No caso vertente, do dispositivo do acórdão do STJ resulta de forma cristalina que a liquidação dos créditos nele referidos depende, pelo menos, do apuramento dos seguintes factos:
a) A identidade dos autores populares a quem foram cobradas quantias em virtude da ativação automática de serviços adicionais não solicitados;
b) Os montantes indevidamente cobrados a cada um desses autores;
c) As datas em que cada um desses montantes foi indevidamente cobrado.
- Na sequência da prolação do acórdão referido, foi instaurado o incidente de liquidação que constitui a base processual do recurso em apreço. –
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I.IV. Síntese do incidente de liquidação:
- Pediram os requerentes liquidação da condenação da requerida, como estabelecida genericamente pelo acórdão proferido nos autos pelo Supremo Tribunal de Justiça, acima referido.
- Concluem pedindo que seja:
A - Fixada globalmente a indemnização pela violação dos interesses dos titulares não individualmente identificados na ação popular no processo 22640/18.1T8LSB, em montante igual aos pagamentos adicionais que lhes foram cobrados, em virtude da ativação automática de serviços adicionais, com exceção daqueles que a aqui requerida prove terem sido solicitados explicitamente pelos seus clientes ou ex-clientes [cf. artigo 22 (1) (2) da Lei 83/95];
B - Apurado o valor referido no pedido anterior por intermédio de uma perícia colegial à contabilidade de custos da ré e de outros elementos que se mostrem necessários para o efeito;
C - Apurado o valor referido no pedido A supra com referência ao período entre a entrada em vigor (na União Europeia) da Diretiva 2001/83/EU (cf. peticionado na petição inicial na ação popular no processo 22640/18.1T8LSB), o que aconteceu no vigésimo dia seguinte ao da publicação da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia (22.11.2011), portanto em 12.12.2011, e até à data do trânsito em julgado da sentença do acórdão proferido nesse mesmo processo, que ocorreu em 17.02.2022;
D - Ao valor apurado por intermédio dos pedidos anteriores, designadamente para efeitos de fixação da indemnização global e cumprimento do disposto no artigo 22 (5) da Lei 83/95, quando o direito de indemnização prescreva [cf. artigo 22 (4) da Lei 83/95], deve ser deduzido os montantes que a ré tenha entretanto devolvido, a cada um dos seus clientes ou ex-clientes relativamente aos montantes pagos pelos serviços adicionais que o consumidor não consentiu expressamente (cf. peticionado na petição inicial na ação popular no processo 22640/18.1T8LSB);
E - Sejam apurados os valores individualmente identificados na ação popular no processo 22640/18.1T8LSB, quer relativamente aos autores intervenientes, BB e AA e quer a todos os restantes autores populares, todos aqui requerentes, que até à presente data reclamaram junto da ré a devolução dos valores referentes aos pagamentos adicionais que lhes foram cobrados, em virtude da ativação automática de serviços adicionais, com exceção daqueles que a aqui requerida prove terem sido solicitados explicitamente pelos seus clientes ou ex-clientes;
F - Ordenado que os valores apurados por intermédio do pedido imediatamente anterior sejam devolvidos a cada um dos seus clientes ou ex-clientes que tenham reclamado junto da ré relativamente aos montantes pagos pelos serviços adicionais que não consentiram expressamente nos termos e para os efeitos do pedido formulado na petição inicial do processo supra identificado, designadamente para que a ré seja condenada a devolver, a cada um dos seus clientes ou ex-clientes, consumidores de serviços de telecomunicações móveis, incluindo os AA., os montantes relativos aos pagamentos adicionais efetuados por serviços dos quais o consumidor não consentiu expressamente, desde a entrada em força da Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Outubro de 2011 e que tal pagamento seja feito automaticamente por crédito nas contas correntes dos clientes junto da Ré quando tal seja possível ou por transferência bancária para as contas a serem indicadas por cada cliente ou ex-clientes que reclamem e que assim o pretendam em alternativa ao crédito em conta corrente junto da Ré, e sob pena de desobedência, com multa a ser fixada por Vossa Excelência, mas nunca inferior a cinquenta mil euros por cada dia de atraso no cumprimento do então ordenado por Vossas Excelência.
G - Ordenar a ré a publicar a decisão transitada em julgado, a suas expensas e sob pena de desobediência e com multa a ser fixada por Vossa Excelência por cada dia de atraso sob a data limite que lhe for fixada para proceder à aludida publicação, com menção do trânsito em julgado, em dois dos jornais presumivelmente mais lidos pelo universo dos interessados, à escolha de Vossa 7/11 Excelência, mas que desde já se sugerem o Expresso (jornal com maior circulação paga e de informação geral) e pelo Correio da Manhã (jornal com a segunda maior circulação paga dos jornais de informação geral), em letra de tamanho normal e dominante em toda a publicação, e com a menção, pelo menos, das conclusões, sumário, dispositivo e nome dos Venerandos Juízes Conselheiros subscritores da sentença proferida no douto acórdão do STJ.
- Sustentam tal pretensão, nos termos do requerimento inicialmente apresentado, aqui dado por reproduzido, que viria a ser substituído por requerimentos apresentados posteriormente, na sequência de convites formulados para o seu aperfeiçoamento, suscitados pelo tribunal recorrido;
- Notificada, veio a requerida deduzir oposição à liquidação, concluindo pela inadmissibilidade do incidente.
- Vieram os requerentes apresentar novo requerimento, solicitando forma e entidade de administração da indemnização líquida a arbitrar;
- Após, apresentaram um outro requerimento juntando aos autos certidão, com nota de trânsito em julgado, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) objeto de liquidação;
- Na sequência, foi proferido despacho (a 2/5/2024, ref. Citius 439870419), com o seguinte teor (extrato):
Requerimentos que antecedem:
Proferida sentença de condenação à restituição, aos autores populares, dos pagamentos adicionais que lhes tenham sido cobrados, em virtude da ativação automática de serviços adicionais não solicitados entendimento do V. Tribunal da Relação que tal decisão terá que ser liquidada, devendo tal liquidação ter lugar no âmbito de incidente de liquidação, em termos do apuramento dos seguintes factos:
a) A identidade dos autores populares a quem foram cobradas quantias em virtude da ativação automática de serviços adicionais não solicitados;
b) Os montantes indevidamente cobrados a cada um desses autores;
c) As datas em que cada um desses montantes foi indevidamente cobrado.
Conforme e dependendo a liquidação da alegação e prova de factos não demonstrados na decisão condenatória, a liquidação deve fazer-se no âmbito de um incidente de liquidação, que corre termos nos próprios autos do processo declarativo, operando-se a renovação da instância", fazendo-se notar que a circunstância de ser necessário apurar outros factos constitui o fundamento da condenação genérica – art.º 609.º n.º 2 do CPC.
Ora, a verdade é que o requerimento de 10/01/2023 não respeita o formalismo legal de tal incidente cfr. arts. 609º, nº 2, 358º, nº 2, e 359º, do Cód. Proc. Civil não cumprindo o ónus de alegação (para posterior prova) nos termos descritos no V. Acórdão da Relação de Lisboa.
Assim, convida-se a Requerente a vir apresentar requerimento assinalados, sob pena de indeferimento.
- Na sequência, vieram os requerentes apresentar novo requerimento de liquidação, concluindo da mesma forma que no inicialmente apresentado.
Dizem, em síntese, para fundamentar os pedidos que apresentam:
- Que os autores populares, titulares dos interesses em causa não são possíveis de individualizar, sendo identificáveis como todos os cidadãos residentes em Portugal, que são ou foram consumidores de serviços de telecomunicações móveis da Vodafone Portugal – Comunicações Pessoais, S.A., em qualquer momento do período compreendido da entrada em vigor da diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Outubro de 2011 e a data da entrada deste processo em juízo, e a quem foram cobrados pagamentos adicionais, em virtude da ativação automática de serviços adicionais não solicitados nesse mesmo período;
- Que a requerida cobrou aos autores populares pagamentos adicionais, em montante que não é possível apurar, mas que cujo valor corresponde, exatamente, ao pagamento que os autores populares fizeram de todos os serviços de telecomunicações móveis adicionais não solicitados, ativados automaticamente pela requerida, entre as referidas datas;
- Que, sem prejuízo, o montante global indevidamente cobrado se estima, aproximadamente, em quatro mil milhões de euros, tendo em conta as receitas com os serviços adicionais que a requerida teve no período em questão;
- Que os autores populares clientes da requerida seriam, em 2022, na ordem dos 800 mil, tendo em conta os dados da ANACOM;
- Que a requerida cobrou a alguns autores populares pagamentos adicionais no montante de:
- 8.249,90 euros à autora popular CC, que tentou executar a sentença;
- 6.267,52 euros ao autor popular BB;
- 672,31 euros, ao autor popular HH;
- 3.067,11 euros, à autora popular GG;
- Que o período em que cada um dos montantes foi indevidamente cobrado não é possível de momento determinar, mas é determinável, tendo ocorrido entre 14/11/2011 e 17/2/2022.
- Notificada, veio a requerida apresentar nova oposição ao requerimento de liquidação reformulado, concluindo da mesma forma, pela inadmissibilidade do incidente.
- Disse:
- Reiterar o teor da oposição inicialmente apresentada, em que dissera;
- Que a decisão em causa não constitui qualquer condenação genérica, antes uma mera determinação de reembolso e, por isso, não permite a dedução deste incidente;
- A Diretiva invocada pelos requerentes não tem efeito direto, não podendo ser invocada como fundamento para sustentar a liquidação;
- Os autores populares indeterminados estão erradamente identificados, face ao teor do decidido pelo acórdão objeto de liquidação, correspondendo a um universo de clientes específico – clientes Red;
- Que a decisão pretendida liquidar não condenou a requerida no pagamento de qualquer indemnização, sendo inaplicável o disposto no art.º 22.º da Lei de Ação Popular;
- Que se trata de uma questão de devolução de uma quantia declarada indevidamente cobrada ao abrigo de uma relação contratual e não de uma indemnização, a liquidar globalmente, ou condenação num pedido genérico;
- Que foi já decidido nos autos, por acórdão do Tribunal da Relação, ante uma pretensão de liquidar a condenação, que teria que ser instaurado o competente incidente, aí indicando:
a) A identidade dos autores populares a quem foram cobradas quantias em virtude da ativação automática de serviços adicionais não solicitados;
b) Os montantes indevidamente cobrados a cada um desses autores;
c) As datas em que cada um desses montantes foi indevidamente cobrado;
- Que os requerentes não deram cumprimento aos ónus impostos;
- Que a requerida tem cumprido voluntariamente o decidido pelo STJ, tendo procedido à restituição de valores cobrados a um total de 1849 clientes ou ex-clientes que apresentaram reclamações relativa a cobrança de valores indevidos, não tendo sequer aguardado por qualquer condenação;
- Que o cumprimento voluntário da obrigação constitui um facto extintivo da mesma, o que deve ser declarado;
- Que a Diretiva que os requerentes pretendem que sustente a liquidação não tem efeito direto, tendo sido transposta para a ordem nacional pela Lei n.º 47/2014 de 28/7, que entrou em vigor em 13/6/2014, não podendo a liquidação abranger período anterior;
- Que a presente ação foi configurada por referência a um consumidor e autor identificado, BB, a condenação deve reportar-se ao respetivo serviço de telecomunicações móveis, designado comercialmente como “RED”, versão RED 6.5 GB, sendo esse o universo de clientes que se deve considerar abrangido pela condenação;
- Que tal abrangência é também a que decorre da força de caso julgado do acórdão proferido;
- Que não se encontra em condições de apresentar as faturas completas de serviços cobrados, incluindo os dados relativos a dados e tráfego, por não estar legalmente autorizada a conservá-las e pela dimensão incomportável dos dados em causa.
- Juntou documentação relativa aos reembolsos efetuados a clientes;
- Pronunciou-se a autora pugnando pela irrelevância da documentação apresentada e solicitando condenação da requerida em multa;
- Respondeu a requerida pronunciando-se pela falta de sustentação do pedido de condenação em multa formulado;
- Apresentados os autos, foi proferido despacho (a 6/11/2024 – ref. Citius 439876868), cujo trecho essencial e dispositivo é o seguinte:
 (...)
Conforme reconhecido, os termos da condenação estão fixados: “à restituição, aos autores populares, dos pagamentos adicionais que lhes tenham sido cobrados, em virtude da ativação automática de serviços adicionais não solicitados”.
Conforme também reconhece a Requerente, “importa desde logo individualizar todos os autores populares representados nesta ação e que não se tenham excluído. Depois de individualizado cada um dos autores nesse universo importa apurar os valores que a ré lhes cobrou ilegalmente à luz do entendimento do acórdão proferido”.
Este ónus de “individualização” cabia, precisamente, à Requerente, em conformidade, de resto, com o teor do Acórdão do V. Tribunal da Relação e com o convite feito, nessa sequência, por despacho de 02/05/2024, em termos de deverem ser alegados factos, para posterior prova, referentes: - à identidade dos autores populares a quem foram cobradas quantias em virtude da ativação automática de serviços adicionais não solicitados; - aos montantes indevidamente cobrados a cada um desses autores; - às datas em que cada um desses montantes foi indevidamente cobrado.
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No artigo 9º da Petição corrigida (de 14/05/2024) são identificados os seguintes autores populares:
- CC, com referência ao montante indevidamente cobrado de 1. € 8.249,90;
- BB, com referência ao montante indevidamente cobrado de 2. € 6.267,52;
- GG, com referência ao montante indevidamente cobrado de 3. € 672,31;
- HH, com referência ao montante indevidamente cobrado de 4. € 3.067,11, que já recebeu.
Alega-se ainda, no artigo 11º, que “as datas exatas em que cada um desses montantes foi indevidamente cobrado (…) ocorreram entre 14.11.2011 e 17.02.2022”.
Não obstante, conclui-se pedido seja:
(...)
Conforme decorre do disposto no art.º 359º do Cód. Proc. Civil no incidente de liquidação o autor “conclui pedindo quantia certa”.
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A dificuldade na concretização dos factos nos termos úteis do que foi (já) peticionado não pode dar lugar à alteração do pedido (já) feito e decidido na ação, nomeadamente fixando-se um “montante global estimado” por referência a um universo indeterminado.
Tal consubstanciaria não uma liquidação, mas, antes, uma alteração à decisão já proferida e transitada, em frontal contradição com o também já decidido pelo V. Tribunal da Relação de Lisboa por referência à petição de liquidação inicialmente apresentada.
Assim, verifica-se uma contradição entre o pedido formulado e a causa de pedir, continuando o requerimento “aperfeiçoado” a não respeitar o formalismo legal do incidente de liquidação.
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Convida-se (novamente) a Requerente a vir apresentar requerimento em que o pedido seja o corolário lógico da alegação subjacente a um pedido de liquidação por referência aos termos supra enunciados, sob pena de ineptidão.
- Na sequência deste despacho vieram os requerentes apresentar um novo requerimento inicial, (o terceiro e o segundo requerimento destinado a aperfeiçoamento), concluindo com os seguintes pedidos:
A. ordenado a que sejam individualizados os autores populares e apurado, individualmente, os valores cobrados a estes pelos serviços adicionais não solicitados entre as datas de 14.11.2011 e 17.02.2022, por intermédio de uma pericial colegial;
B. condenada a requerida a restituir cada um dos autores populares, a individualizar por intermédio da perícia colegial requerida, o valor total do pagamento que cobrou a cada um deles pelos serviços adicionais não solicitados, a apurar individualmente por intermédio da perícia colegial requerida, com referência ao período entre a entrada em vigor (na União Europeia) da diretiva 2001/83/EU (cf. peticionado na petição inicial na ação popular no processo 22640/18.1T8LSB), o que aconteceu no vigésimo dia seguinte ao da publicação da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia (22.11.2011), portanto em 12.12.2011, e até à data do trânsito em julgado da sentença do acórdão proferido nesse mesmo processo, que ocorreu em 17.02.2022, o que deverá ser feito
a. por pagamento direto aos autores populares que ainda sejam seus clientes a ser feito automaticamente por crédito nas contas correntes destes junto da requerida quando tal seja possível ou por transferência bancária para as contas a serem indicadas por cada cliente ou ex-clientes que reclamem e que assim o pretendam em alternativa ao crédito em conta corrente junto da requerida;
b. por pagamento indireto, por intermédio da entidade que for designada para proceder a esse pagamento pelo tribunal, mediante a identificação de cada consumidor e a apresentação do seu número de identificação bancária.
C. Fixado o montante global apurado por intermédio do pedido A;
D. condenando e ordenando a ré a entregar ao Ministério da Justiça os montantes correspondentes aos direitos prescritos dos autores populares a quem não sejam restituídos os valores referidos no pedido B por uma qualquer razão impeditiva, que os escriturará em conta especial e os afetará ao pagamento da procuradoria, nos termos do artigo 21 da lei 83/95, e ao apoio no acesso ao direito e aos tribunais de titulares de direito de ação popular que justificadamente o requeiram nos termos do artigo 22 (5) da lei 83/95.
E. ordenar a requerida a publicar a decisão transitada em julgado, a suas expensas e sob pena de desobediência e com multa a ser fixada por Vossa Excelência por cada dia de atraso sob a data limite que lhe for fixada para proceder à aludida publicação, com menção do trânsito em julgado, em dois dos jornais presumivelmente mais lidos pelo universo dos interessados, à escolha de Vossa Excelência, mas que desde já se sugerem o Expresso (jornal com maior circulação paga e de informação geral) e pelo Correio da Manhã (jornal com a segunda maior circulação paga dos jornais de informação geral), em letra de tamanho normal e dominante em toda a publicação, e com a menção, pelo menos, das conclusões, sumário, dispositivo e nome dos Colendos Juízes Conselheiros subscritores da sentença proferida no douto acórdão do STJ.
Dizem, em síntese:
- Os autores populares titulares dos interesses em causa não são possíveis de individualizar, devendo ser realizada uma perícia colegial para o efeito;
- Tal perícia deverá determinar o universo dos cidadãos residentes em Portugal, que são ou foram consumidores de serviços de telecomunicações móveis da VODAFONE PORTUGAL – COMUNICAÇÕES PESSOAIS, S.A., em qualquer momento do período compreendido da entrada em vigor da diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Outubro de 2011 até à data da entrada deste processo em juízo, e a quem foram cobrados pagamentos adicionais, em virtude da ativação automática de serviços adicionais não solicitados nesse período;
- A requerida cobrou aos autores populares pagamentos adicionais, cujo montante não é possível apurar, mas que é que possível de determinar mediante tal perícia colegial;
- Sem prejuízo desse apuramento, a quantia cobrada aos autores populares pelos pagamentos adicionais corresponde, exatamente, ao pagamento que os autores populares fizeram de todos os serviços de telecomunicações móveis adicionais não solicitados, ativados automaticamente pela requerida, entre a data da entrada em vigor da diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Outubro de 2011 até à data da entrada deste processo em juízo;
- Estima-se que, em termos globais, o valor supra referido seja de aproximadamente quatro mil milhões de euros, tendo em conta as receitas com os serviços adicionais que a requerida teve no período em questão.
- Sendo que os autores populares, enquanto clientes da requerida, seriam, em 2022, na ordem dos 800 mil, tendo em conta os dados da ANACOM;
- Quanto a alguns autores populares os pagamentos adicionais mostram-se já determinados;
- Assim, correspondem ao montante de: 1. 8.249,90 euros, relativamente à autora popular CC, que tentou executar a sentença;
- 2. 6.267,52 euros quanto autor popular (e representante da classe no processo principal) BB;
- 3. 672,31 euros, ao autor popular HH;
- 4. 3.067,11 euros à autora popular GG, que, inclusivamente já os recebeu;
- Para além destes autores, muitos mais, na ordem dos 800 mil, poderão ser individualizados;
- A Diretiva 2011/83/UE entrou em vigor em 25.10.2011;
-  As datas exatas em que cada um desses montantes foi indevidamente cobrado não é possível de momento determinar, mas é determinável, tendo os pagamentos adicionais ocorrido entre 14.11.2011 e 17.02.2022;
- A condenação objeto de liquidação foi feita em termos genéricos;
- A requerida, notificada, pronunciou-se pela inadmissibilidade do requerido, nos termos em que o fizera anteriormente.
- Após, foi proferido despacho, a 8/1/2025 (ref. Citius 441539800), com o seguinte teor (transcrição integral):
Requerimento de 22/11/2024:
Nos termos já expostos no despacho de 06/11/2024, considerando que foi mantido um pedido global estimado por referência a um universo indeterminado, o que consubstancia não uma liquidação, mas a pretensão de uma alteração aos termos da decisão já proferida e transitada, verifica-se (mantida) uma contradição entre o pedido formulado e a causa de pedir, não sendo respeitado o formalismo legal do incidente de liquidação.
Assim, e sem necessidade de mais considerações, atentos os despachos anteriormente proferidos, vai indeferido, não se considerando renovada a instância – cfr. art.º 358º, nº 2, do Cód. Proc. Civil.
Notifique.
- Deste despacho, não se conformando, recorreram os requerentes de liquidação, por recurso que qualificam de revista e interposto per saltum;
- Apresentado a despacho, foi o recurso admitido como apelação e como tal admitido;
- Este despacho foi notificado e os autos subiram a esta instância, na forma de apelação, nada tendo sido dito ou requerido;
- Foi o recurso admitido nesta instância.
Cumpre conhecê-lo. –
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II. Objeto do recurso:
II.I. Conclusões apresentadas pelos recorrentes:
1. Os autores interpõem recurso de revista, per saltum, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 627, 629 (1), 631, 637, 639, 644 (1,a) e 647 (1), todos do CPC, por terem legitimidade para tal e estarem em tempo de o fazer (cf. artigo 638, do CPC), por não se conformarem com a sentença proferida e ora recorrida e com a mesma discordarem.
2. O histórico da ação principal e do incidente de liquidação, cuja decisão sobre o mesmo proferido se encontra ora sob recurso, é o que consta no §1 desta peça processual, que aqui se dá como reproduzida, por questão de proficiente e como mero obiter dictum.
3. A causa de pedir neste incidente de liquidação é, essencialmente, o seguinte [s]endo que os autores populares, titulares dos interesses em causa, que de momento não são possíveis de individualizar, mas possíveis de identificar como todos os cidadãos residentes em Portugal, que são ou foram consumidores de serviços de telecomunicações móveis da VODAFONE PORTUGAL – COMUNICAÇÕES PESSOAIS, S.A., em qualquer momento do período compreendido da entrada em vigor da diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Outubro de 2011 até à data da entrada deste processo em juízo, e a quem foram cobrados pagamentos adicionais, em virtude da ativação automática de serviços adicionais não solicitados nesse mesmo período. A requerida cobrou aos autores populares pagamentos adicionais, em montante que de momento não é possível apurar, mas que cujo valor corresponde, exatamente, ao pagamento que os autores populares fizeram de todos os serviços de telecomunicações móveis adicionais não solicitados, ativados automaticamente pela requerida, entre a data da entrada em vigor da diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Outubro de 2011 até à data da entrada deste processo em juízo. Sem prejuízo, o montante global é, estima-se, de aproximadamente quatro mil milhões de euros, tendo em conta as receitas com os serviços adicionais que a requerida teve no período em questão. Sendo que os autores populares, enquanto clientes da requerida, seriam, em 2022, na ordem dos 800 mil, tendo em conta os dados da ANACOM. Sendo que, a requerida cobrou a alguns autores populares pagamentos adicionais no montante de: 1. 8.249,90 euros, como foi o exemplo da autora popular CC, que tentou executar a sentença; ou 2. 6.267,52 euros, ao autor popular (e representante da classe no processo principal) BB; 3. 672,31 euros, ao autor popular, ao autor popular HH; 4. 3.067,11 euros, à autora popular GG, que inclusivamente já os recebeu.
4. Já o pedido, nesta mesmo liquidação, é o seguinte:
A- ordenado a que sejam individualizados os autores populares e apurado, individualmente, os valores cobrados a estes pelos serviços adicionais não solicitados entre as datas de 14.11.2011 e 17.02.2022, por intermédio de uma pericial colegial;
B- condenada a requerida a restituir cada um dos autores populares, a individualizar por intermédio da perícia colegial requerida, o valor total do pagamento que cobrou a cada um deles pelos serviços adicionais não solicitados, a apurar individualmente por intermédio da perícia colegial requerida, com referência ao período entre a entrada em vigor (na União Europeia) da diretiva 2001/83/EU (cf. peticionado na petição inicial na ação popular no processo 22640/18.1T8LSB), o que aconteceu no vigésimo dia seguinte ao da publicação da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia (22.11.2011), portanto em 12.12.2011, e até à data do trânsito em julgado da sentença do acórdão proferido nesse mesmo processo, que ocorreu em 17.02.2022, o que deverá ser feito a. por pagamento direto aos autores populares que ainda sejam seus clientes a ser feito automaticamente por crédito nas contas correntes destes junto da requerida quando tal seja possível ou por transferência bancária para as contas a serem indicadas por cada cliente ou ex-clientes que reclamem e que assim o pretendam em alternativa ao crédito em conta corrente junto da requerida; b. por pagamento indireto, por intermédio da entidade que for designada para proceder a esse pagamento pelo tribunal, mediante a identificação de cada consumidor e a apresentação do seu número de identificação bancária.
C- fixado o montante global apurado por intermédio do pedido A;
D- condenando e ordenando a ré a entregar ao Ministério da Justiça os montantes correspondentes aos direitos prescritos dos autores populares a quem não sejam restituídos os valores referidos no pedido B por uma qualquer razão impeditiva, que os escriturará em conta especial e os afetará ao pagamento da procuradoria, nos termos do artigo 21 da lei 83/95, e ao apoio no acesso ao direito e aos tribunais de titulares de direito de ação popular que justificadamente o requeiram nos termos do artigo 22 (5) da lei 83/95.
E- ordenar a requerida a publicar a decisão transitada em julgado, a suas expensas e sob pena de desobediência e com multa a ser fixada por Vossa Excelência por cada dia de atraso sob a data limite que lhe for fixada para proceder à aludida publicação, com menção do trânsito em julgado, em dois dos jornais presumivelmente mais lidos pelo universo dos interessados, à escolha de Vossa Excelência, mas que desde já se sugerem o Expresso (jornal com maior circulação paga e de informação geral) e pelo Correio da Manhã (jornal com a segunda maior circulação paga dos jornais de informação geral), em letra de tamanho normal e dominante em toda a publicação, e com a menção, pelo menos, das conclusões, sumário, dispositivo e nome dos Colendos Juízes Conselheiros subscritores da sentença proferida no douto acórdão do STJ.
5. A decisão ora recorrida é o indeferimento do requerimento de liquidação de sentença pelo tribunal a quo, com a fundamento na contradição entre a causa de pedir e o pedido formulado, aplicando, contrario sensu, o artigo 358 (2) do CPC.
6. Tal alegação, contudo, não encontra suporte nos factos ou no direito, visto que a causa de pedir para a liquidação da sentença mantém-se alinhada com os factos e fundamentos que sustentaram a petição inicial no processo principal.
7. A decisão recorrida, salvo o devido respeito, errou ao aplicar o conceito de contradição, uma vez que os requisitos e a fundamentação para a liquidação da sentença emergem diretamente dos factos e conclusões da sentença condenatória, conforme estabelecido no processo principal.
8. Seguindo o ensinamento do Colendo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 16.12.2021, processo 970/18.2T8PFR.P1.S1, uma liquidação de sentença destina-se apenas a especificar a concretização da condenação genérica, sem contrariar ou alterar o caso julgado. A liquidação deve respeitar estritamente os limites e o espírito da condenação original.
9. A lei estabelece que a indemnização por violação de interesses coletivos, quando não individualmente identificados, deve ser fixada de forma global, o que se aplica diretamente ao caso dos autos, onde a ré foi condenada a restituir valores cobrados de forma indevida.
10. O tribunal a quo, salvo sempre o devido respeito, cometeu um erro ao interpretar o pedido de fixação do montante global como uma extensão ou alteração do caso julgado, quando, de facto, tal pedido visa apenas a implementação prática da condenação já decidida e confirmada judicialmente e como imposto pelo artigo 22 (2) da lei, que aliás, não só é imperativo, como de aplicação oficiosa pelo tribunal – vejamos como detalhe:
11. Seguindo a orientação do acórdão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça de 16.12.2021, processo 970/18.2T8PFR.P1.S1, as sentenças, enquanto atos jurídicos, devem ser interpretadas de acordo com as regras de interpretação dos negócios jurídicos. Portanto, a interpretação de uma sentença deve estar alinhada com os artigos 236 e 295 do CC, respeitando o texto e o espírito da lei.
12. Conforme delineado no mesmo acórdão, a liquidação de uma sentença visa exclusivamente concretizar o objeto de uma condenação genérica, sempre dentro dos limites do caso julgado, sem alterar, expandir ou contradizer o que foi estabelecido na decisão condenatória.
13. A liquidação deve respeitar estritamente o caso julgado, sem introduzir novos elementos ou modificar os termos da condenação.
14. O incidente de liquidação não pode resultar na negação de um direito anteriormente estabelecido pela sentença, enfocando-se exclusivamente na determinação da medida exata da condenação.
15. Ora, o pedido de liquidação considera especificamente a lei aplicável às ações populares, especificamente o artigo 22 (2), (4) e (5) da Lei 83/95.
16. Esta disposição legislativa estabelece que a indemnização por violação de direitos de titulares não individualmente identificados deve ser fixada globalmente e, após o prazo de prescrição, entregue os valores prescritos ao Ministério da Justiça para fins específicos de justiça e acesso ao direito.
17. A decisão inicial de condenação reconheceu os danos sofridos pelos autores populares e impôs à ré a obrigação de compensar esses danos – restituindo os valores ilicitamente cobrados a estes.
18. A liquidação da sentença, tal como formulada, seja quanto à causa como ao pedido, respeita integralmente essa decisão, procurando apenas implementar o mecanismo através do qual a compensação é calculada e distribuída, conforme os princípios do artigo 22 da lei 83/95 e da lei geral.
19. Contrariamente ao entendido pelo tribunal a quo, o pedido de liquidação formulado não apresenta qualquer contradição com a causa de pedir, como bem se vislumbra do confronto entre o pedido e a respetiva causa.
20. O pedido de liquidação de sentença pede a implementação prática das disposições do julgado, sem desvios dos princípios ou da substância da decisão original, do acórdão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça, já transitado em julgado.
21. A análise das disposições legais e do enquadramento jurisprudencial citado em § 7, que aqui se dá como reproduzido, demonstra que o facto de a condenação determinar a restituição de valores indevidamente recebidos não impede a aplicação do mecanismo previsto no artigo 22 (2) da lei 83/95, que dispõe sobre a fixação global de indemnizações em ações populares quando os titulares dos interesses lesados não estão individualmente identificados.
22. A letra do artigo 22 (2) da leiº 83/95 refere-se ao termo indemnização, mas não exclui a figura da restituição.
23. Os artigos 562.º e 564.º do Código Civil confirmam que a obrigação de indemnizar se destina a reparar danos, incluindo a devolução de quantias indevidamente cobradas.
24. Em obediência ao artigo 9 do Código Civil, a interpretação das normas jurídicas deve ser unitária e coerente com o sistema, sem se limitar ao sentido literal estrito que possa excluir situações materialmente idênticas (como a restituição).
25. O artigo 22 (4) da lei 83/95 estabelece que o direito à indemnização prescreve no prazo de três anos a contar do trânsito em julgado da sentença que o reconheceu.
26. Se se entendesse que este dispositivo não abrange os casos de restituição, tal criaria uma incoerência injustificada, conduzindo, para a mesma conduta lesiva, a prazos de prescrição diferentes consoante a forma de reparação (restituição ou indemnização).
27. A jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal de Justiça (v.g. acórdão de 25.01.2024, processo 5368/23.8T8LSB.S1) confirma que os prazos e efeitos fixados no artigo 22 (4) se aplicam no caso de uma condenação à restituição em ações populares.
28. O referido acórdão foi proferido em referência exatamente aos meus autores populares neste processo, numa ação também ela popular, promovida pela também aqui representante da classe, entendeu, na sua fundamentação, o Colendo Supremo Tribunal de Justiça que: O art.º 22º da Lei nº 83/95 estatui que “a responsabilidade por violação dolosa ou culposa dos interesses previstos no art.º 1º, constitui o agente causador no dever de indemnizar o lesado ou lesados pelos danos causados.” E o nº4 diz que “o direito à indemnização prescreve o prazo de 3 anos a contar do trânsito em julgado da sentença que o tiver reconhecido.” Significa isto que sendo de 02.02.2022 o acórdão do STJ proferido na acção nº 22640/18.1T8LSB, os autores populares dispõem de um prazo de três a contar do trânsito em julgado daquele acórdão, o que ocorreu em data que desconhecemos, para reclamar da Ré o reembolso dos pagamentos adicionais que lhes tenham sido cobrados e que aquela decisão considerou ilegais.
29. Para que não hajam dúvidas, a douta decisão, versa exatamente sobre a causa e pedido neste exato processo (22640/18.1T8LSB), afirmando, clara e explicitamente, que a decisão do acórdão que fundamenta este exato pedido de execução de sentença, prescreve passado três anos a contar do trânsito em julgado, por força do artigo 22 (4) da lei 83/95.
30. Por sua vez, o artigo 22 da lei 83/95 surgiu para preencher a lacuna do artigo 52 (3) da CRP, assegurando às ações populares não apenas a declaração de ilicitude de condutas, mas também a condenação em quantias monetárias devidas.
31. O Professor Doutor José Lebre de Freitas enfatiza que a fixação global da indemnização, quando os lesados não estão individualizados, é de natureza oficiosa, não dependendo de um pedido expresso de indemnização
32. A ratio legis do artigo 22 (2) e (5) da lei 83/95 reside em atribuir caráter efetivo à condenação, seja por via de indemnização ou de restituição, e em conferir um efeito dissuasor contra comportamentos ilícitos, inclusive ao obrigar a entrega de valores não reclamados ao Ministério da Justiça.
33. Não faz sentido que o legislador estabeleça um prazo de três anos para os casos em que se pede indemnização e deixe para os restantes casos, incluindo a restituição, o vazio, que assim atira par prazo geral de vinte anos, pois isso criaria disparidades injustificadas e ilógicas, sem qualquer fundamento.
34. A jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal de Justiça (incluindo o acórdão de 25.01.2024, supra citado) confirma a aplicação do artigo 22 (4) e (5) da lei 83/95 a ambas as figuras, assegurando a coerência do sistema jurídico.
35. Mais não seja, tal aplicação sempre teria de ocorrer por integração de lacuna, por analogia, como impõe o artigo 10 do CC, caso a interpretação da norma não permita esse desiderato, ou, quando muito, por interpretação extensiva do artigo 22 (2) da lei 83/95, à luz do artigo 11 do CC.
36. O artigo 22 (2) da lei 83/95 impõe ao juiz ou juíza o dever de fixar, globalmente, o valor devido quando os titulares não se encontram individualmente identificados, para que o caso julgado abranja todos os lesados.
37. Essa obrigação, oficiosa, mantém-se quer a reparação tome a forma de indemnização ou restituição, uma vez que, na essência, em ambos o caso se trata de compensar um prejuízo injustamente sofrido.
38. Ao indeferir o incidente de liquidação de sentença, a decisão recorrida não atendeu à unidade do sistema jurídico, ignorando a possibilidade de fixação de um valor global mesmo quando a condenação comporte devolução de valores e não apenas indemnização stricto sensu.
39. Não se descortina qualquer base legal para afastar a aplicação do artigo 22 (2), (4) e (5) da lei 83/95 ao caso dos autos e, concomitantemente, não se vislumbra qualquer contradição do pedido com a causa de pedir ou mesmo uma tentativa de violar o caso julgado na ação principal, estendendo o mesmo para além da condenação – principalmente quando a fixação global da indemnização é de caracter oficioso.
40. Contudo, ainda que assim não fosse, e como uma vez mais ensina o Colendo Supremo Tribunal de Justiça, no douto acórdão de 13.09.2023, processo 493/13.6TVPRT-E.P1.S1: [t]endo o requerente da liquidação de sentença formulado um pedido incompatível com o âmbito de aplicação do art.º 359.º, n.º l, do CPC, pode o tribunal conhecer do mérito da causa (decidindo sobre a não verificação dos pressupostos de aplicação do meio pretendido), nos termos do art.º 278.º, n.º 3, in fine, do CPC, em vez de se limitar a absolver da instância.
Termos ex vi supra em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta decisão e declarada renova a instância por força do incidente de liquidação de sentença e diferido o pedido ali formulado.
Subsidiariamente, caso assim não se entenda, seja a decisão substituída por outra que simplesmente absolva a ré da instância, permitindo assim aos autores suscitarem novamente o incidente de liquidação de sentença, omitindo o segmento do pedido ora em crise.
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- Os recorridos, notificados, contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão.
- Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. –
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II.II. Questões a apreciar:
Pretendendo os recorrentes pôr em causa a declaração de ineptidão do requerimento de liquidação declarado em 1.ª instância, o objeto imediato deste recurso é a aferição da suficiência da alegação feita e da sua consonância com os pedidos deduzidos.
Decorrendo da síntese antes apresentada que se trata de uma condenação genérica, mas que a respetiva necessidade de liquidação, e forma necessária para tanto, foi já objeto de decisão desta Relação (estabelecendo a necessidade de instauração do competente incidente), decisão esta que se tornou definitiva, deve a indagação ser feita por referência ao teor da decisão condenatória objeto de liquidação e aos limites já definidos para a mesma. –
Caso de confirme a decisão recorrida, cumpre conhecer dos seus efeitos, como solicitado pelos recorrentes, designadamente por referência à possibilidade de ser instaurado novo incidente com a mesma finalidade.
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III. Decisão do recurso:
III.I. Quadro sintético de avaliação:
De acordo com o que foi acima referido, para efeitos de contextualização da decisão, são as seguintes as linhas principais a considerar:
a) A condenação genérica objeto de liquidação determinou a restituição de valores relativos a serviços indevidamente cobrados a clientes da ré;
b) Tal condenação comporta os autores populares singularmente identificados na ação, que são também requerentes, e um conjunto indeterminado de clientes da ré;
c) Foram propostas por apenso execuções para cobrança de quantia certa, por pessoas singulares, procedendo à liquidação do crédito reclamado nessa sede executiva;
d) Sendo suscitada a questão da necessidade de liquidação, veio a ser proferido acórdão nesta Relação que, definitivamente, estabeleceu a necessidade de liquidação declarativa da condenação;
e) Constam da fundamentação desse acórdão os fundamentos que devem orientar a liquidação a propor;
f) A liquidação foi instaurada indicando valores cobrados a pessoas concretamente identificadas e afirmando, no mais, que:
i.É indeterminado o universo de pessoas abrangidas pela cobrança indevida, que se aproximará das 800.000 pessoas (oitocentas mil);
ii.É indeterminado o valor global indevidamente cobrado pela requerida aos autores, que se aproximará de 4.000.000.000€ (quatro mil milhões de euros);
iii.Um e outro valor são concretamente determináveis por meio de perícia, cuja realização solicita;
g) A requerida opôs-se ao pedido de liquidação, em primeiro lugar invocando que a decisão genérica não traduz uma indemnização global a atribuir, mas uma condenação na restituição de valores indevidamente cobrados em cada contrato, que deve ser operada por cada consumidor individual (algo que tem feito a quem o tem solicitado);
h) Mais declarou que não tem possibilidade, por limitação legal à guarda de dados e pela extensão da informação em causa, de fazer uma indicação individual do universo dos seus clientes abrangido pela condenação ou do valor indevidamente cobrado a cada um, nos termos definidos pela decisão;
i) O tribunal a quo, na sequência de dois convites ao aperfeiçoamento do requerimento inicial de liquidação, veio a indeferi-lo, por ineptidão assente em contradição entre pedido e causa de pedir;
j) Nos termos da decisão recorrida, tal contradição assenta, essencialmente, em:
i.Na necessidade de alegação concreta dos fundamentos de liquidação - a dificuldade na concretização dos factos nos termos úteis do que foi (já) peticionado não pode dar lugar à alteração do pedido (já) feito e decidido na ação, nomeadamente fixando-se um “montante global estimado” por referência a um universo indeterminado;
ii.Na desconformidade entre o decidido na condenação a liquidar e a liquidação pretendida;
iii.Na desconformidade entre o decidido nesta instância quanto à necessidade e limites da liquidação e a liquidação pretendida. 
Sendo este o contexto, cumpre avançar. –
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 III.II. Matéria de facto estabelecida na decisão objeto de liquidação:
Na decisão objeto de liquidação foi apurada a seguinte matéria de facto, provada e não provada:
1. A Ré declara-se como “um operador global de telecomunicações, que apresenta um serviço convergente reconhecido nos vários segmentos que compõem o mercado”, cuja atividade é supervisionada pela Autoridade Nacional de Comunicações (“ANACOM”).
2. A Ré exerce a sua atividade económica com carácter profissional e visando a obtenção de benefícios.
3. BB celebrou um contrato de prestação de serviços de telecomunicações móveis, com a designação comercial “Red”, do qual resultou a conta número 306286099 junto da Ré.
4. O Autor BB contratou os serviços e produtos fornecidos pela Ré destinados a uso não profissional.
5. O serviço de telecomunicações móveis designado comercialmente como “Red” constitui uma oferta de um pacote de serviços.
6. Prevê a prestação de um serviço de telecomunicações para quatro números de telemóvel, onde se inclui um serviço suplementar de telecomunicações de dados até 6.5GB por número, perante o pagamento de uma quantia fixa mensal.
7. A Ré apresentou para pagamento ao Autor BB a fatura nº FT001/048063978, no valor total de € 178,57, dos quais € 39,30 € 56,22 relativos a dados nacionais e dados em roaming, respetivamente.
8. O Autor BB várias vezes “reclamou” que não pretendia tais serviços adicionais, devendo a Ré limitar o consumo de dados aos 6.5GB.
9. A Ré continua a prestar tais serviços “adicionais” e a cobrar por eles.
10. O serviço de transmissão de dados é funcionalmente independente do serviço de chamadas móveis, não obstante poderem funcionar através da mesma ligação à rede.
11. A Ré informou que não tinha forma de interromper/”barrar” automaticamente o consumo de dados quando os 6.5GB se encontram esgotados.
12. A Ré descreve o “Pacote de Serviços de Comunicações Eletrónicas” como “uma oferta integrada, única e indivisível, constituída por dois ou mais serviços (…) nos termos e condições previstos no respetivo tarifário, disponível para consulta nas lojas e agentes da Vodafone, em www.vodafone.pt ou através do Serviço Permanente de Atendimento a Clientes 16912 (tarifa aplicável)” - cfr. Cláusula 4.º, al. a), do ponto C. das Condições Gerais do Contrato de adesão ao serviço fixo e/ou serviço Móvel.
13. O contrato de adesão ao serviço Móvel foi estabelecido com recurso a cláusulas previamente elaboradas e impostas em bloco, sem possibilidade de alteração, limitando-se estes a subscrever e aceitar nos exatos termos em que estão apresentadas.
14. Dispõe a Cláusula 2ª, al. d), do ponto C. das Condições Gerais do Contrato de adesão ao serviço fixo e/ou serviço Móvel, relativa à descrição do “Serviço de Acesso à Internet Móvel” que: “O serviço permite, ainda, utilizar um conjunto de serviços adicionais, como por exemplo a Opção Extra para os tarifários pós-pagos ou o acesso gratuito a Wi-Fi nos hotspots da Vodafone Portugal. Para mais informações sobre serviços adicionais consulte www.vodafone.pt ou ligue para o Serviço Permanente de Atendimento a Clientes 16912 (tarifa aplicável)”.
15. Alguns dos clientes da Ré não querem ficar impedidos de utilizar os serviços por terem ultrapassado o pacote de dados móveis incluído na mensalidade.
16. Os tarifários dividem-se em dois grandes tipos: pré-pagos e pós-pagos.
17. Na primeira modalidade, a um custo de chamada por minuto superior, o cliente consome o saldo do carregamento que efetue, sem obrigação ou compromisso de permanência na rede e com um maior controlo de custos.
18. Na segunda modalidade, mais adequada ao perfil de clientes que efetuam uma utilização mais intensa e/ou para efeitos profissionais, os operadores oferecem a possibilidade de, mediante o pagamento de uma assinatura mensal, usufruir de um determinado pacote de minutos sendo taxadas as comunicações (primeiramente de voz e mais tarde de sms) mediante determinada tarifa quando ultrapassado o consumo incluído na mensalidade.
19. Para cada modalidade existem múltiplos tarifários disponíveis e à escolha dos clientes.
20. Em julho de 2017, data em que o Autor BB celebrou o contrato com a Ré, esta tinha na sua oferta comercial dois tarifários pré-pagos só com acesso a voz móvel e sem dados móveis incluídos por defeito: O “Vodafone Easy” e o “Vodafone direto”.
21. Em ambos os casos, o valor de carregamento efetuado pelo cliente só pode ser gasto em comunicações de voz e SMS.
22. Caso o cliente pretenda aceder à internet móvel, aplica-se a “Tarifa internet móvel”, sendo sempre o cliente a controlar a utilização que efetua, até por via do saldo.
23. A tarifa de internet móvel custa € 1,99 e é cobrada no primeiro dia da semana em que o cliente acede à internet, inclui 100 MB de internet que são válidos apenas por 5 dias sendo o cliente alertado por SMS quando atinge 80% e 100% dos MB incluídos.
24. Na sua oferta comercial de tarifários pós-pagos a Ré só tem pacotes de serviços, nomeadamente pacotes de serviços de voz móvel e internet móvel.
25. O valor de assinatura mensal que o cliente paga “serve” para ser gasto em chamadas de voz, SMS e dados móveis, dentro do limite que corresponda a cada tarifário.
26. Os consumidores, quando aderem a um pacote de serviços voz móvel e dados móveis pós-pagos, são, em regra, informados que ao ultrapassarem o volume de dados incluído na mensalidade, serão ativados pacotes de dados extra.
27. Os consumidores têm ainda essa informação constante no site da Ré.
28. O Autor BB, era cliente da Ré, titular da conta 306286099, com os serviços 910… e 919…, desde março de 2015, com o tarifário RED +.
29. Em 03/07/2017, o Autor BB contactou os serviços de atendimento da Ré por telefone porque pretendia aderir a uma campanha “RED colaboradores”, uma vez que já tinha concluído o seu período de fidelização.
30. A referida campanha consistia no pagamento da assinatura mensal que conferia ao cliente a possibilidade de consumir até ao limite de 5000 minutos ou sms dentro da rede Vodafone e 2000 minutos ou sms para outras redes nacionais e em roaming na União Europeia, acrescido um volume de 500 MB para consumir em dados móveis e adicionalmente uma oferta de mais 6,5 GM de dados móveis incluídos na mensalidade, para cada serviço adicionado à conta.
31. Ou seja, o tarifário conferia ao Autor (e aos restantes utilizadores dos serviços associados à conta 306286099), mediante o pagamento de uma mensalidade no valor de € 22,90 para o serviço 910…; € 11.90 para o serviço 916…; € 11.90 para o serviço 919… e € 11.90 para o serviço 9104…, a possibilidade de utilizar os serviços de voz móvel (até ao limite já referido) e de dados (até ao limite total de 7GB para cada serviço).
32. Era ainda uma característica do tarifário a ativação de pacotes extra de 200MB depois de consumidos os GB incluídos na mensalidade.
33. Bem como o envio de uma notificação por SMS ao cliente sempre que este atingisse 80% e 100% do consumo.
34. O Autor tinha um serviço pré-pago (9104…) e optou por aderir à campanha em causa alterando o tarifário desse serviço para pós-pago.
35. Após o contacto telefónico efetuado pelo Autor, a Ré enviou para o endereço de e-mail BB@gmail.com as Condições Pré-Contratuais e Gerais de Adesão ao Tarifário acordado telefonicamente, onde constam as características do tarifário suprarreferidas, incluindo a característica de ativação de pacotes extra de 200MB depois de consumidos os GB incluídos na mensalidade.
36. No dia 07/07/2017, porque ainda não tinha sido efetuada a alteração de tarifário, o A. BB enviou uma reclamação por e-mail para o endereço ---@vodafone.com que pertence ao Presidente do Conselho de Administração da Vodafone na Holanda.
37. Nesse primeiro e-mail o A. reclama a demora na alteração dos tarifários, bem como a contradição na informação prestada quanto à possibilidade de impedir a ativação de dados extra sempre que os dados incluídos na mensalidade eram gastos.
38. Terá sido informado que seria possível caso contactasse os serviços de atendimento da Ré.
39. De facto, à data em que o A. BB celebrou o contrato, a possibilidade de efetuar o bloqueio à utilização de dados móveis após esgotado o pacote não era automática.
40. O cliente, quando ultrapassasse o pacote teria de contactar a Ré a solicitar que fossem barrados dos dados móveis e, no mês seguinte, teria de contactar novamente a solicitar que fossem ativados outra vez para continuar a consumir os dados móveis incluídos na mensalidade.
41. A Ré por diversas vezes disse ao Autor que se aquele não era o tarifário pretendido poderia reverter a situação.
42. O que o Autor queria era que a Ré aplicasse aos seus serviços um “barramento” automático de dados móveis, que, naquela altura, não estava previsto.
43. Tendo sido efetuada a reclamação no Livro de reclamações online, ao qual a Ré deu resposta, tendo, inclusive, para minimizar a insatisfação do cliente, procedido ao crédito do valor dos dados móveis consumidos extra pacote de serviços naquelas duas faturas.
44. No caso do Autor BB, com referência às duas faturas juntas, a Ré enviou SMS a informar que a utilização de dados móveis ia ultrapassar o limite de dados do pacote.
45. Nos termos das “Condições Gerais” do “Contrato de adesão ao serviço fixo e/ou serviço Móvel”, na descrição do “SERVIÇO DE ACESSO À INTERNET MÓVEL”: “a) Após a ativação do serviço o cliente poderá usufruir de todas as funcionalidades do mesmo, as quais se encontram descritas em www.vodafone.pt bem como no tarifário subscrito pelo Cliente, o qual faz parte integrante do respetivo contrato.”.
46. Nos termos das “Condições pré-contratuais” enviadas ao Autor BB, resulta expresso, além do mais, que o “tarifário Red” “Inclui 5000min/SMS na rede móvel Vodafone e 2000min/SMS nas outras redes nacionais e em roaming na União Europeia. Após o limite, aplica-se uma tarifa de € 0,12 por min/SMS. Não inclui MMs, videochamada, chamadas para números especiais e apoio a Clientes ou outros serviços. Após esgotar o pacote de dados incluído, válido em Portugal e em roaming na União Europeia, é ativado um pacote de 200MB por € 2,99. Benefícios: Ativação (€ 60), Portabilidade (€ 20, se aplicável) e desconto mensal de € 12,50 durante 24 meses”.
47. Os Autores, tal como todos os consumidores, têm acesso a informação sobre os vários tarifários, nomeadamente os custos associados à sua utilização. Essa informação está disponível e pode ser consultada no site da Ré, nas lojas, podendo também ser esclarecida através de contacto para os vários canais da Ré (telemarketing, serviços de apoio a clientes).
48. Consta da informação sobre o tarifário disponível em todos os canais suprarreferidos que, quando atingidos 80% e 100% do limite de dados do pacote é enviada uma informação aos clientes, através de SMS, informando-o de que atingiram os referidos limites.
49. Caso não queiram pagar a tarifa de dados móveis extra, devem desligar os dados móveis no equipamento telefónico.
50. No software do próprio equipamento podem verificar os níveis de utilização de dados.
51. Instalando a app “My Vodafone” que mostra ao cliente exatamente quanto já gastou do seu plafond de dados móveis e quanto ainda tem disponíveis.
52. Ainda é possível recorrerem ao uso de passwords para bloquear os ecrãs dos equipamentos. 3.1.2. –
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Factos não provados
a) AA é especialista em consumo de produtos e serviços financeiros utiliza os serviços de telecomunicações fornecidos pela Ré por intermédio do contrato estabelecido entre o seu pai e a Ré ao qual é atribuído o número de conta 306286099;
b) o contrato de adesão ao serviço de telecomunicações móveis designado comercialmente como “Red” não prevê “serviços adicionais”;
c) o 2.º Autor não contratou um pacote de dados nacionais e/ou dados em roaming para além dos 6.5 GB;
d) nem o 2.º Autor nem os utilizadores dos restantes números receberam qualquer alerta de estarem a esgotar os consumos do aludido pacote de “6.5GB”, nem informação que tinha sido ativo um novo serviço (extra) de dados;
e) a única mensagem que o utilizado do número 916…, o 1.º Autor, foi de que já teria consumido 40 euros de dados móveis extras nesse mês/ciclo de faturação atingiu os 40 euros e que para os continuar a usar deveria ligar o +351911…, o que este não fez, mas mesmo assim a R. continuou a prestar tal serviço adicional e a cobrar por ele;
f) os Autores procuraram que a Ré retificasse a fatura, procedendo ao crédito ou à anulação do débito de tais serviços, o que a Ré recusou;
g)  apesar da independência funcional de serviços, a Ré tem obrigado o consumidor que esteja interessado apenas num serviço a comprar obrigatoriamente outro serviço, mesmo que não o deseje e repudie, em concreto, obriga a contratar dados nacionais e/ou em roaming depois de esgotados os 6.5GB;
h) contrariamente ao que informou, a Ré tinha forma de interromper/“barrar” automaticamente o consumo de dados quando os 6.5GB se encontram esgotados.
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III.III. Critérios de liquidação:
A primeira questão que cumpre determinar, como premissa maior do juízo sobre a sustentabilidade da liquidação apresentada, refere-se ao seu objeto.
Dessa avaliação ressalta uma dificuldade liminar na literalidade da norma processual a convocar, que sintetiza o ponto central de discordância das partes.
Assim, começando por avançar naquilo que é indisputado, não pode deixar de se contextualizar a análise expressando que a liquidação tem por objeto uma decisão, que define os seus limites e sentido, mas que, enquanto ato jurídico que é, deve ser interpretado.
Disse-se em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/12/2021 (Fernando Baptista,  dgsi.pt)[i] que as regras da interpretação dos negócios jurídicos são aplicáveis à interpretação das sentenças enquanto actos jurídicos. Aduzindo-se que uma sentença judicial (por via do estatuído no citado artº 295º) deve ser interpretada à luz do art.º 236º, ambos do Código Civil.
A liquidação da sentença destina-se, tão somente, a ver concretizado o objecto da sua condenação (genérica), mas respeitando sempre (ou nunca ultrapassando) o caso julgado formado na mesma sentença condenatória a liquidar. Ou seja, a liquidação tem, forçosamente, de obedecer ao que foi decidido no dispositivo da sentença, não podendo contrariar esse julgado, nomeadamente, corrigindo-o.
Neste sentido podem ver-se, entre outros, também os acórdãos STJ de 2/7/24 (Henrique Antunes, stj.pt)[ii] e de 27/4/23 (Fátima Gomes, stj.pt)[iii]
Fica, assim, assente que, na conversão de uma condenação genérica numa líquida, a decisão judicial que condenou o obrigado limita objetivamente a liquidação, por direto efeito dos limites do caso julgado.
Assim, se é certo que o incidente de liquidação não pode redundar numa impossibilidade, jurídica ou prática, de tornar específica uma obrigação genérica, porque a sua declaração de existência mostra-se eficazmente realizada na ordem jurídica, também é certo que essa concretização não pode conduzir a qualquer ultrapassagem dos limites do declarado.
Estabelecido este quadro de base, como acima referido, a norma processual a convocar suscita dificuldades no caso em apreço.
Assim, diz o art.º 359.º n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) que, no requerimento de liquidação, o requerente relaciona os objetos compreendidos na universalidade, com as indicações necessárias para se identificarem, ou especifica os danos derivados do facto ilícito e conclui pedindo quantia certa.
Esta norma, de natureza processual, parece alinhar-se com o sentido pretendido estabelecer pelos requerentes e desalinhar-se um tanto do pretendido pela requerida, no que concerne à natureza indemnizatória (strictu sensu), ou restitutiva, da condenação objeto de liquidação.
A requerente, solicitando diligências de prova a tanto destinadas, procura que a liquidação, a final, conclua pela atribuição de uma indemnização global, que depois distribuiria aos consumidores lesados, sendo essa indemnização o que se poderia descrever, à luz da teoria da diferença, como o valor dos danos apurados, correspondente à ilícita de cobrança de valores.
A requerida, opondo-se a esta posição, sustenta que a condenação traduz apenas uma declaração de ilicitude na cobrança (de serviços não solicitados), e uma condenação de restituição a cada consumidor desses valores cobrados.
Em termos de enquadramento da questão à luz da referida norma processual, o obstáculo é facilmente ultrapassável, abarcando qualquer base de cálculo, na medida que o único meio processual disponível é o incidente de liquidação (relevando também o teor do acórdão desta instância que vedou a possibilidade de liquidação individual dos danos, em sede executiva, por não estar em causa um valor dependente de mero cálculo aritmético).
De facto, o art.º 359.º do CPC, sendo a única permissão de liquidação convocável, tem que comportar processualmente todos os fundamentos de liquidação. Porém, em termos substantivos, a questão já vem rodeada de outras dificuldades.
A dúvida, que é a divergência de base entre as partes, é saber se valor a liquidar pode ser estabelecido de forma global, como uma indemnização genérica, ou, pelo contrário, implica uma prova dos valores efetivamente cobrados a cada consumidor.
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Percorrendo o caminho da decisão recorrida, como acima assinalado, esta sobrelevou não apenas o acórdão condenatório objeto de liquidação, como também a decisão posteriormente proferida e que definiu o caminho para a sua concretização.
O dispositivo da decisão a liquidar é, a este propósito, particularmente claro, referindo-se à "restituição, aos autores populares, dos pagamentos adicionais que lhes tenham sido cobrados".
A condenação feita dá, assim, claramente consistência à afirmação de uma necessidade de apuramento individual e concreto dos valores indevidamente cobrados a cada um dos consumidores integrantes do universo afetado, não parecendo consentir qualquer caminho que não passe, ab initio, pela indicação incidental de cada um deles e dos prejuízos individualmente suportados pelo comportamento ilícito da aqui recorrida.
Se esta ilação é a que resulta de uma estrita análise literal e racional da decisão em liquidação, esse caminho foi definitivamente marcado pelo acórdão desta Relação anteriormente proferido nos autos.
Não apenas se decidiu nesse aresto, cujo faz julgado nos autos, que a liquidação da condenação genérica "deve ter lugar em incidente de liquidação a deduzir nos próprios autos", como, principalmente, foi traçado o caminho para que essa liquidação se faça.
Como se disse, entre todos, no acórdão STJ de 5/12/2017 (Lima Gonçalves, dgsi.pt)[iv], a eficácia objetiva do caso julgado material incide nuclearmente sobre a parte dispositiva da sentença; porém, estende-se à decisão das questões preliminares que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva do julgado.
É antecedente lógico da decisão proferida nestes autos que a liquidação depende "da alegação e prova de factos não demonstrados na decisão condenatória", critério identificado não apenas em geral, mas especificando a necessidade de apuramento "pelo menos, (...) dos seguintes factos:
a) A identidade dos autores populares a quem foram cobradas quantias em virtude da ativação automática de serviços adicionais não solicitados;
b) Os montantes indevidamente cobrados a cada um desses autores;
c) As datas em que cada um desses montantes foi indevidamente cobrado."
Este ónus de alegação está, assim, objetivamente determinado nos autos e, portanto, a questão é saber se foi cumprido illo tempore, pelos recorrentes, aquando da sua alegação inicial de liquidação.
A decisão recorrida respondeu na negativa, apontando uma manifesta insuficiência de alegação, e uma contradição com os pedidos deduzidos (que traduziriam também uma verdadeira violação do julgado da decisão condenatória), daí estabelecendo ineptidão do requerimento apresentado.
Pretendem os recorrentes contestar tal conclusão, com várias linhas de argumentação, que replicam as que haviam sustentado anteriormente.
As diferentes razões reconduzem-se, todavia, a um mesmo grande argumento, que pode ser qualificado como a indeterminação, ou a dificuldade de determinação, do universo abrangido pela decisão.
Essa indeterminação seria, antes de mais, parcial, embora referida à esmagadora maioria dos membros do universo em causa.
Porque assim é, os requerentes indicam no seu requerimento inicial alguns valores líquidos indevidamente cobrados a concretos consumidores, aludindo também a uma situação de compensação acordada entre um desses consumidores e a requerida (sendo que esta, na sua oposição, alude a um conjunto muito mais alargado de situações em que teria chegado a acordo com consumidores individuais) e, no mais, elaboram com base em estimativas.
Pode, assim, dizer-se que a questão relevante será a indeterminação do universo abrangido pela liquidação, com exceção de casos individualmente indicados.
Mantendo a análise na questão do grande conjunto indeterminado, não se atenta, para já, na dificuldade potencial de cumular, numa mesma liquidação, diferentes bases de análise (uma genérica e outras individualmente concretizadas).
Feita esta ressalva, avançando nos argumentos dos requerentes, dizem estes, como referido:
- Que o universo de clientes lesados é indeterminado, devendo ser próximo de 800.000 (por ser esta a informação do número de consumidores que a entidade de regulação administrativa disporá quanto aos clientes da requerida);
- Que o valor global indevidamente cobrado se aproximará de €4.000.000.000 (quatro mil milhões de euros – neste caso não se percebendo qual a base que conduz a este cálculo);
- Que uma perícia determinará exatamente o que se compreende num e noutro destes fatores de cálculo (que tipo de perícia, exatamente, é também algo que não fica claro no requerimento, presumindo-se que seria dirigida às bases de dados digitais e/ou à contabilidade da requerida).
Seguindo a argumentação do recorrente, pode esta ser assim explicada:
a) A condenação da requerida traduz uma indemnização por danos patrimoniais ao seu universo de consumidores, resultante da prestação de serviços defeituosos (cf. art.º 12.º n.º 1 da Lei de Defesa do Consumidor – Lei n.º 24/96);
b) A requerente associação representa na ação todos os consumidores clientes da requerida da requerida (art.º 13.º al. b) da referida Lei);
c) Esse universo é indeterminado, podendo ser meramente referido por aproximação, carecendo de diligências de prova para poder ser concretizado;
d) A liquidação deve ser admitida nestes termos, sendo determinada concretamente (presume-se) apenas na decisão final.
Esta argumentação, que seria absolutamente desconexa, numa ação comum com legitimidade pessoal e direta, merece ser posta em perspetiva considerando a natureza e as funções de uma ação popular, e a especificidade da tutela de interesses difusos que comporta, ligando-a com o princípio constitucional do acesso ao direito.
Neste sentido, considerando o desvio ao princípio da legitimidade pessoal direta que a tutela por meios coletivos/populares comporta, pode questionar-se se o princípio do acesso ao direito, e da tutela jurisdicional efetiva, poderá permitir também uma diluição das necessidades de objetivação da alegação, permitindo que esta se faça de modo genérico e, no limite, permitindo até um mais amplo recurso à equidade para determinação dos danos verificados (sobre admissibilidade do recurso à equidade em sede de incidente de liquidação, podem ver-se o supra referidos acórdãos STJ de 16/12/2021 e 2/7/2024 e, em sentido contrário, i.e., não admitindo o recurso à equidade nesta sede incidental, se não previsto na decisão condenatória, o recente acórdão, também do STJ, de 13/3/25 (Nuno Pinto Oliveira, stj.pt)[v]
Seguindo esta linha, poder-se-ia argumentar que a imposição de uma liquidação individual, no contexto de uma condenação coletiva, constituiria uma entorse inadmissível à possibilidade de tutela judicial pretendida, limitando a função e a efetividade desta via processual.
Esta linha de argumentação é destituída de sentido, no caso, pela simples razão, que os recorrentes não fizeram sequer uma alegação dos danos a liquidar, seja de forma individualizada ou global (com exceção dos concretos autores identificados).
Os requerentes limitam-se, como decidido em 1.ª instância, a fazer umas alusões meramente genéricas ao número de clientes da requerida e aos seus proveitos para, com base nas mesmas, solicitar a realização de uma diligência de prova.
Tal não traduz uma substanciação mínima dos pedidos formulados, que torna inepto o requerimento, seja enquanto contradição com os pedidos, seja meramente por falta de causa de pedir.
Essa argumentação, que tem subjacente a afirmação de que exigência de alegação de todos os consumidores lesados seria diabólica e, nessa medida, substancialmente violadora da possibilidade de ação popular, não pode, portanto, colher.
Poderia sempre argumentar-se, a propósito, que a finalidade de tutela coletiva foi já atingida com a decisão condenatória, competindo a cada beneficiário individual acionar o seu direito, algo que, em todo o caso, face ao teor do decidido anteriormente por esta instância se revelaria eivado de dificuldades, uma vez que o meio de execução pessoal direta foi afastado e o incidente de liquidação está pensado para ser único e, portanto, não suscetível de multiplicação (no limite, até ao número de milhares de incidentes de liquidação).
Diga-se que, mesmo que fosse ensaiada uma construção jurídica inovadora que permitisse a tal multiplicação incidental de liquidações de condenação genérica proferida em ação popular, convocando os referidos critérios constitucionais de acesso ao direito e ligando-o com princípios processuais que poderiam ser chamados a desempenhar tal função, como a gestão processual e a adequação formal, tem que se dizer que não é esse, em todo o caso, o caminho que está em apreço neste recurso.
O que está agora em causa será apenas saber se é exigível que, num caso de liquidação de condenação de um prestador de serviços a um universo de consumidores muito alargado (tomando-se como bom, para estritas razões de análise, o número indicado pela recorrente  - 800.000 clientes), se deve exigir que a quantificação da condenação impõe uma alegação individualizada de danos, num caso, que é o presente, em que está assente a impossibilidade de execução individual e a liquidação da obrigação por mero cálculo aritmético.
É uma questão que se deixa assinalada, em abstrato, mas que em concreto já foi respondida e está definida anteriormente por esta Relação – a alegação da liquidação deve ser feita alegando os clientes da requerida abrangidos pela condenação e os valores individualmente suportados de forma indevida.
A liquidação corresponderá, simplesmente, à soma desses valores.
É certo que esta exigência faz montar as dificuldades na sua concretização, mas é a única que se compagina com os julgados anteriores, além de ser a que se alinha com a confiança, a segurança jurídica e a proporcionalidade que o incidente impõe.
Por outro lado, na consideração do acesso ao direito e à possibilidade efetiva de liquidação pode ser perspetivada considerando as possibilidades facilitadoras que o recente fenómeno da chamada litigation finance veio proporcionar à tutela coletiva, ou de classe  (e que poderão permitir, por exemplo, que uma associação de defesa de consumidores, como a requerente pessoa coletiva, use especiais meios de captação e tratamento de informações junto de consumidores interessados, para efeitos de liquidação alargada de uma condenação deste tipo).
Essa é, em todo o caso, uma mera referência de enquadramento.
Em concreto, neste caso, a questão está decidida definitivamente pelo anterior acórdão desta Relação, impondo uma efetiva alegação de danos, que os recorrentes não fizeram, e uma conclusão com um pedido líquido, que os recorrentes também não fizeram.
A mera alegação da indeterminação do universo de consumidores abrangidos pela condenação, e do quantum unitário, ou sequer médio, do valor indevidamente cobrado a cada um, além da confusão entre alegação do facto e requerimento de meio de prova, é suficiente para afirmar essa manifesta falta de alegação, que constitui uma ineptidão em si mesma, e também, como decidido, uma contradição com os pedidos formulados e que não traduzem qualquer quantificação da condenação.
Acolhendo o que se disse em acórdão do STJ de 26/3/2015 (Lopes do Rego, dgsi.pt)[vi] a alegação em causa não define factualmente o núcleo essencial da causa de pedir invocada como base da pretensão que formula, obstando tal deficiência a que a acção tenha um objecto inteligível.
Não se trata, assim, de uma mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspecto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida.
Neste caso, os requerentes não trazem ao tribunal mais que umas considerações gerais sobre o universo de clientes da requerida; sobre períodos relativamente indeterminados de faturação; nada dizem quanto ao valor dos serviços cobrados; fazem a alusões muito genéricas aos proveitos da requerente (sem fazer qualquer ligação dos mesmos com os produtos em causa) e solicitam, a final, que a própria concretização da alegação se faça com recurso a prova pericial.
Está omitida, assim, a densificação mínima do núcleo central da fisionomia do litígio, o que gera, não só falta de causa petendi, mas também a apontada desconformidade com os pedidos formulados.
Em acórdão da Relação do Porto de 17/4/23 (Eugénia Cunha, dgsi.pt)[vii], estando em discussão matéria próxima da que se encontra ora em apreço, foi decidido que  no incidente de liquidação ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica (...) a pretensão de liquidação formulada só poderá ser viável se o pedido nele formulado for líquido, fundado na condenação genérica e o Autor alegar factualidade atinente ao apuramento do quantum devido.
É esta omissão que se verifica e que o tribunal a quo¸ e bem, identificou, impondo-se, em conclusão, decidir pela confirmação da decisão recorrida.
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III.IV. As consequências da declaração de ineptidão – a possibilidade de instauração de novo incidente de liquidação:
Solicitam os recorrentes, subsidiariamente, para o caso de o recurso não prover, como se concluiu que não proverá, que se atenham os efeitos da decisão à instância, não prejudicando a possibilidade de instauração de novo incidente de liquidação do julgado.
Esta argumentação apresenta-se deslocada ab initio, na medida que o despacho recorrido não decidiu qualquer absolvição, seja de pedido ou instância, limitando-se a indeferir o requerimento inicial de liquidação e a declarar não renovada a instância.
Quer isto dizer que o tribunal recorrido, e bem, atentou e assinalou o disposto no art.º 358.º n.º 2 do CPC e enquadrou no mesmo as consequências da ineptidão que declarou.
A instância está finda, por trânsito em julgado do acórdão condenatório, e não se renovou, para tramitação do incidente de liquidação, porque o requerimento inicialmente neste apresentado não reúne os requisitos necessários a tal desiderato.
Este circunstancialismo processual afasta a aplicabilidade direta do disposto no art.º 278.º e, consequentemente, não veda aos requerentes de liquidação e autores da instância finda a apresentação de novo pedido de liquidação, cujo será absolutamente autónomo deste e determinará, ou não, a renovação da instância, consoante o respetivo teor e o que venha a ser judicialmente decidido.
Claro que deve ser salvaguardado o efeito negativo do julgado relativamente à decisão de indeferimento do incidente, incluindo o seu sentido e pressupostos necessários e, portanto, o novo incidente, se e quando for instaurado, tem que respeitar o que está decidido.
Ainda que assim não fosse e se tratasse de uma declaração de ineptidão relativa a um requerimento apresentado numa instância ativa, ou caso de indagasse da possibilidade de uma aplicação extensiva, ou analógica, do regime legal de absolvição da instância a este circunstancialismo processual, sempre se chegaria, no caso, a idêntica conclusão, i.e., à permissão da apresentação de novo requerimento com idêntica finalidade.
Assim, a ineptidão do requerimento inicial traduz uma nulidade processual e, em regra, determina a mera absolvição da instância (art.º 186.º n.º 1 e 278.º n.º 1 al. b) do CPC).
Todavia, esta consequência-regra sofre da possibilidade de ser excecionada pelo preceito contido n.º 3 do art.º 278.º - as exceções dilatórias só subsistem enquanto a respetiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º; ainda que subsistam, não tem lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da exceção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte.
Pode citar-se, aliás, jurisprudência do STJ em que esta extensão foi aplicada, em situação de incidente de liquidação – ac. STJ 13/09/2023 (Maria Olinda Garcia, dgsi.pt)[viii] – aí sendo decidido que pode o tribunal conhecer do mérito da causa (decidindo sobre a não verificação dos pressupostos de aplicação do meio pretendido), nos termos do art.º 278.º, n.º 3, in fine, do CPC, em vez de se limitar a absolver da instância.
No caso, porém, mesmo que se enquadrasse esta questão à luz do disposto no referido preceito (art.º 278.º n.º 3), a solução não poderia ser diversa.
É certo que teria que se dizer que foi claramente desaproveitada pelos requerentes, e de forma repetida, a faculdade de sanação do vício apontado (sendo dadas duas oportunidades de aperfeiçoamento) – cf. parte inicial do artigo.
Todavia, mesmo a esta luz, não se poderia dizer que a ineptidão se destina a tutelar o interesse de umas partes, tratando-se de um vício do processo e não ínsito à sua posição processual (ainda que, necessariamente, o interesse da requerida fosse o de um decaimento definitivo da pretensão de liquidação da condenação).
Principalmente, não se poderia afirmar que não existam outros motivos que obstem a que, neste momento, se conheça do mérito da causa ou que se possam afirmar que a decisão do incidente deva ser integralmente favorável à requerida.
Assim sendo, sempre deveriam sobrelevar nesta análise razões materiais sobre razões de forma. Estas razões imporiam uma decisão definitiva e irrevogável apenas se a materialidade do litígio estabelecesse, com segurança, que a liquidação não pode ser feita incidentalmente, algo que redundaria numa verdadeira declaração de inconsequência jurídica de uma condenação transitada em julgado.
Os requerentes não devem, assim, ficar privados da possibilidade de virem apresentar nova liquidação, cumprindo as determinações do julgado anterior e o que neste fica decidido.
Em termos simples, devem apresentar a alegação concreta dos valores indevidamente computados e concluir por um pedido líquido, não deixando de se relevar que o incidente de liquidação segue as regras de alegação do processo comum declarativo, sendo que as questões relativas à prova (incluindo a respetiva dificuldade), não se confundem com os fundamentos da alegação.
É o que se decide.
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Assim, considerando o que foi sendo dito, e em conclusão, deve manter-se integralmente a decisão recorrida. --
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IV. Decisão:
Face ao exposto, nega-se a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Notifique-se e registe-se. –
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Lisboa, 22-05-2025
João Paulo Vasconcelos Raposo
Higina Castelo
Fernando Caetano Besteiro

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[i] https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cdb9f576b59f933c802587ae00394c1d?OpenDocument
[ii] https://juris.stj.pt/768%2F21.0T8VIS.C2.S1/5mXtNlA_Z502gsoygk2y8RhegRU?search=M3jzyM7q95LQMfHFv2o
[iii] https://juris.stj.pt/386%2F20.0T8SCR.L1.S1/kZaGEFifowSgm-Air3FjMZbzbgI?search=M3jzyM7q95LQMfHFv2o
[iv] https://www.dgsi.pt/JSTJ.NSF/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b2074a7d03f4d3ce802581f3003673fd?OpenDocument
[v]https://juris.stj.pt/8886%2F22.1T8PRT-A.P1.S1/xgiWHC22V5LwA3WRjZskwtFRYGc?search=M3jzyM7q95LQMfHFv2o   
[vi] https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/26b3f9acfad5768680257e140058729e
[vii][vii] https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/71796e7d512c1799802589b20045fb81
[viii] https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/23d0bc8ef733e21f80258a2a002c77ad?OpenDocument