AÇÃO DE PREFERÊNCIA
DETERMINAÇÃO DO PREÇO
DEPÓSITO
CADUCIDADE
SIMULAÇÃO
ESCRITURA PÚBLICA
REDUÇÃO
PEDIDO
Sumário


Seja uma situação de erro-lapso na indicação do preço, seja no caso de simulação do preço da alienação, o preferente, para se substituir ao adquirente terá de pagar o preço total e com correspondência ao constante da escritura

Texto Integral


Acordam os Juízes da 2 ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. Da acção

1. AA e BB demandaram CC e mulher DD e EE nesta açcão declarativa e processo comum, pedindo, a título principal, que:

a) seja reconhecido aos autores o direito de preferência na compra dos prédios descritos em n.º 9 da petição inicial;

b) seja declarado que o preço constante da escritura de compra e venda é simulado e que o realmente pago pelos réus à segunda ré foi de € 20.000,00 por cada prédio, ou seja, pelo preço global de € 40.000,00;

c) seja reconhecido aos autores o direito de preferência na compra dos prédios descritos em n.º 9 da petição inicial pelo preço global de € 40.000,00, ou seja, € 20.000,00 por cada;

d) sejam os autores substituídos aos primeiros réus como compradores na referida escritura relativamente aos dois prédios, mediante o pagamento do preço real de € 40.000,00, adjudicando-se-lhes assim os referidos prédios.

Ou, subsidiariamente e na eventualidade de os anteriores pedidos improcederem:

e) seja reconhecido aos autores o direito de preferência na compra do prédio rústico denominado “Bouça de ...” descrito em n.º 9 b) da petição inicial, pelo preço constante da Escritura de Compra e Venda, ou seja, € 35.000,00; e, f) sejam os autores substituídos aos primeiros réus como compradores deste prédio na referida escritura mediante o pagamento do preço aí declarado de € 35.000,00 adjudicando-se-lhes, assim, o referido prédio.

Alegaram em síntese, que são preferentes na aquisição daqueles imóveis, uma vez que são proprietários de metade indivisa dos prédios rústicos que identificam na petição inicial, e a 2ª ré era comproprietária de metade indivisa dos prédios rústicos também identificados -artigo 9º a) e b) que confrontam diretamente entre si.

E, ainda que a Ré não lhes comunicou a intenção da venda dos prédios, vindo ao seu conhecimento que os vendeu aos 1ºs réus, pelo preço global de € 81.000,00, atribuindo € 46.000,00 à metade do prédio rústico identificado no art. 9º, a) e € 35.000,00 ao prédio rústico identificado no art. 9º, b).

Mais alegam que os outorgantes simularam o preço real da venda para desencorajar os autores da intenção de preferir e no intuito de enganar terceiros, pois o preço verdadeiro foi de € 20.000,00 por cada prédio rústico, valor este que foi pago pelos 1ºs réus à 2ª ré.

Assim, os autores pretendem exercer o seu direito de preferência quanto à venda dos dois imóveis pelo valor real da venda que foi de € 40 000,00; e caso se conclua que não houve simulação, pretendem exercer o direito de preferência quanto ao imóvel identificado no art. 9º, b), pelo valor de € 35.000,00 declarado na escritura.


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Em 12.9.2023, os autores apresentaram requerimento (ref. Citius ......82) com vista à admissão de junção aos autos do comprovativo do depósito da quantia de € 42 870,00.

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Na contestação a 2ª ré pugnou pela improcedência da acção e impugnou a alegada simulação do preço da compra e venda dos imóveis.

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Os 1ºs réus CC e DD na contestação impugnam o invocado direito de propriedade dos autores dos prédios identificados e a invocada preferência na venda realizada.

Os autores na resposta impugnaram as exceções deduzidas.

Em 5.2.2024, foi proferido despacho (ref. Citius .......44) com o seguinte teor:

[Pré-saneador: Do preço depositado pelos AA:

Os AA depositaram nos autos o valor que consideram o justo/adequado pela preferência nos dois imóveis, sobre os quais alegam ter o direito a preferir.

Como resulta do art.º 1410.º n. º1 do Código Civil, o preferente dispõe do prazo de 15 dias para depósito do preço devido.

São constitutivos do direito de preferência, o pedido de reconhecimento desse direito, no prazo de 6 meses, a contar da data do conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e o depósito do preço, nos 15 dias seguintes à propositura da acção, ou seja, o requerimento e o depósito são condições do direito de preferir, respeitam aos próprios interesses materiais ou substantivos, que são da alçada da lei civil e, por isso, a inobservância de qualquer dos prazos – para requerer o seu exercício ou para efectuar o depósito – fazem-no precludir, por caducidade, pelo que a preterição de tal prazo e dever não se compadece, de todo, com o princípio do aproveitamento dos actos processuais a que se alude nos art.º 146.º, 417.º ou 547.º do Código de Processo Civil.

Há muito que, na doutrina e na jurisprudência, se vem entendendo que, por “preço devido”, é aquele que, “in casu”, consta da escritura pública de compra e venda, pois é o único conhecido à data pelo Autor da ação.

Também não levanta dúvidas entre a doutrina e a jurisprudência qual a consequência da não realização do depósito do preço devido dentro do prazo fixado no art.º 1410º, nº1, do CC: essa consequência será, naturalmente, a caducidade do direito de preferir.

Assim sendo, concede-se o prazo de 10 dias para ambas as partes se pronunciarem acerca da questão ora suscitada, considerando o que foi depositado e para que foi depositado.”]

Os Autores em resposta, requereram o seguinte:

Vêm, em cumprimento e face ao teor do Despacho proferido, DIZER que a quantia por si depositada refere-se ao preço declarado na escritura (€ 35.000,00) e despesas prováveis (por excesso) relativas à compra e venda do prédio rústico denominado “Bouça de ...”, mais bem identificado em n.º 9 b) da petição inicial, sobre o qual pretendem exercer o direito de preferência (pedido subsidiário).”

Os 2ºs réus apresentaram requerimento, pedindo que se declare a caducidade do direito de preferência porque a compra e venda à qual os autores querem preferir foi celebrada pelo valor de € 81.000,00, devendo ser esse o valor depositado à ordem dos autos, sendo que os autores apenas depositaram o montante de € 42 870,00.

Seguiu-se sentença que julgou verificada a caducidade do direito e absolveu os réus do pedido.

2. Da Apelação

Os autores não se conformaram, e em recurso pugnaram pela revogação daquela decisão, afirmando que depositaram o equivalente ao preço constante da escritura da venda do prédio identificado em 9b), e quanto ao qual declararam pretender preferir, conforme resposta à notificação do tribunal.

A Relação deu provimento à apelação, conforme dispositivo final do acórdão:

«Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida na parte em que declarou a caducidade do direito de preferência dos autores relativamente ao imóvel identificado no art. 9º, b) da p.i., e absolveu os réus desse pedido, julgando improcedente a exceção de caducidade do direito de preferência dos autores relativamente ao identificado imóvel, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos para apreciação dos pedidos formulados nas als. e) e f) da p.i.

3. Da Revista

Inconformado como o aresto, o 2º Réu pediu revista, defendendo a revogação do julgado e a procedência da excepção da caducidade do direito de preferência invocado pelos Autores.

A sua motivação finaliza com as conclusões que se transcrevem:

A. O presente recurso, terá como objecto a apreciação se verifica ou não a caducidade do direito de preferência dos autores relativamente à venda do prédio denominado “Bouça de ...”, identificada no artigo 9, alínea b) da petição inicial.

B. Assim, entendeu – e bem em nosso modesto entendimento – o Tribunal de 1ª Instância em julgar verificada a excepção peremptória de caducidade do direito dos Autores e, por via disso, absolver os Réus dos pedidos, porquanto aqueles não cumpriram com os requisitos para que o seu pedido principal fosse apreciado, pelo que também não pode ser apreciado o pedido subsidiário.

C. Contudo, não conformado com a decisão da 1ª Instancia, os Autores interpuseram recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, sendo que este Tribunal decidiu revogar a decisão recorrida na parte em que declarou a caducidade do direito de preferência dos autores relativamente ao imóvel identificado no art. 9º, b) da p.i., e absolveu os réus desse pedido, julgando improcedente a exceção de caducidade do direito de preferência dos autores relativamente ao identificado imóvel, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos para apreciação dos pedidos formulados nas als. e) e f) da p.i.

D.Contudo, os Réus não se conformam com a alteração do decidido pela 1ª Instância, razão pela qual pedem que o Supremo Tribunal de Justiça revogue o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães.

E. Na verdade, como escrito na Sentença do Tribunal de 1ª Instância, “Não está em causa a observância (ou não) do prazo de 15 dias, por ter sido respeitado. Está, sim, em causa a não observância do depósito do preço indicado na escritura pública.

Ora, são constitutivos do direito de preferência, o pedido de reconhecimento desse direito, no prazo de 6 meses, a contar da data do conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e o depósito do preço, nos 15 dias seguintes à propositura da acção, ou seja, o requerimento e o depósito são condições do direito de preferir, respeitam aos próprios interesses materiais ou substantivos, que são da alçada da lei civil e, por isso, a inobservância de qualquer dos prazos – para requerer o seu exercício ou para efectuar o depósito – fazem-no precludir, por caducidade, pelo que a preterição de tal prazo e dever não se compadece, de todo, com o princípio do aproveitamento dos actos processuais a que se alude nos art.º146.º,417.ºou 547.ºdoCódigo de Processo Civil.”

F. Acresce que o depósito do preço deve ser feito “em conformidade com essas escolhas e não em função da improcedência do pedido principal e porque até possa haver valor depositado nos autos que “chegue” ….

G. E neste seguimento “Este DEPÓSITO AUTÓNOMO foi efetuado tendo em conta o preço considerado real, que foi o verdadeiro, e demais despesas conhecidas, sendo certo que os Autores mantêm tudo quanto alegaram na petição inicial.» - req ref.ª 15027582 junto aos autos), não se pode considerar satisfeito o requisito substantivo respeitante ao exercício do direito peticionado, consistente no depósito do preço devido, ainda que se atendesse nesta fase processual somente ao pedido subsidiário.”

H. Nestes termos, deve o Acórdão de Relação de Guimarães ser revogado por outro Acórdão que decida como decidiu o Tribunal de 1ª Instância, com a absolvição dos Réus de todos os pedidos formulados pelos Autores. Termos em que deve o presente recurso ser admitido por tempestivo e por cumprir os formalismos impostos pela lei do processo, e, nessa sequência, serem as presentes alegações e conclusões de recurso serem acolhidas pelos Venerandos Conselheiros do Supremo Tribunal da Justiça, substituindo-se o Acórdão recorrido por outro que sufrague a tese da Sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, e, nessa sequência, se determine a absolvição dos Réus de todos os pedidos formulados pelos Autores.»


*


Os Autores contra-alegaram, pugnando pela improcedência da revista e consequente confirmação do acórdão da Relação.

II. Admissibilidade e objecto do recurso

Verificados os requisitos gerais de recorribilidade, atenta a natureza da decisão impugnada e o fundamento de recurso, a revista é admissível- cfr. artigos 629º, nº1, 671º, nº1 e 674º, nº1, al) a do CPC.

O tema decisório está delimitado pelas conclusões recursivas (arts. 635.º, n.º 3, e 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), salvo questão de conhecimento oficioso.

Analisadas as conclusões do Réu recorrente, em interface com o acórdão recorrido, importa decidir se, o depósito realizado pelos Autores satisfaz a condição do exercício do direito de preferência na acção de que se arrogam à luz do artigo 1410ª do Código Civil.

Desiderato que convoca a debate as seguintes questões:

• Definição do preço “devido” para efeitos do depósito a realizar pelo preferente;

• O escopo da imposição do direito de acção;

• A incidência no pedido subsidiário;

• A redução /desistência parcial do pedido; declaração tácita.

III. Fundamentação

A. Os Factos

Relevam as incidências factuais do iter processual enunciado no relatório.

B. O Direito

1. Da causa

Os Autores vieram a juízo exercer a prelação quanto a dois imóveis rústicos, objecto da escritura pública de compra e venda outorgada entre os Réus, alegando a violação da preferência legal na respetiva aquisição que afirmam deter, enquanto proprietários dos prédios confinantes.

Após a entrada da petição e para o exercício da acção, comprovaram nos autos o depósito da quantia de € 42.870,00, alegando corresponder ao preço real e total do negócio- de €40.000,00 – e o restante relativo aos custos prováveis com o imposto e a escritura.

O tribunal notificou então os Autores para procederem ao depósito do preço da venda dos imóveis constante da escritura pública, sob pena da caducidade do invocado direito de preferirem na aquisição.

Em resposta, os Autores manifestaram-se no sentido de o depósito já realizado ser havido como o preço de € 35.000,00 escriturado pela venda do imóvel “Bouça de ...”, e sobre o qual pretendiam exercer o direito de preferência.

O tribunal de primeira instância decidiu pela exigência do depósito do preço total da venda dos dois imóveis e declarou a caducidade do direito de preferência invocado.

A Relação, estribada na vontade declarada naquele requerimento, concluiu que os Autores restringiram o exercício da preferência ao prédio indicado, cujo valor correspondente ao preço estava depositado, e assim satisfeita a condição para o prosseguimento da acção.

O Réu dissente, objetando que o depósito do preço da venda do imóvel indicado pelos Autores no pedido subsidiário não cumpre o pressuposto legal de exercício da acção de preferência, uma vez que só se tomará em conta, caso improceda o pedido principal.

2.1. O depósito do preço na preferência

Dispõe o artigo 1410º, n º1, do Código Civil como condição ou pressuposto do efectivo exercício da acção de preferência, o depósito do “preço devido” pelo preferente no prazo de 15 dias após a propositura da acção 1.

As questões suscitadas em torno deste preceito prendem-se com o conteúdo da expressão “preço devido"; isto é, se o preferente pode depositar um preço inferior ao contratado com fundamento, quer numa eventual espera de preço outorgada pelo primeiro ao segundo, ou numa eventual simulação de preço, e, finalmente, qual a consequência da não realização do depósito no prazo e condições impostas pela lei.

Na esteira da doutrina e jurisprudência dominantes, no essencial ditada pela teleologia da exigência legal, “preço devido” significa a “quantia que o comprador preferido desembolsou para haver a coisa objecto da preferência”.

Nas palavras de AGOSTINHO CARDOSO GUEDES, o termo “preço” é usado em sentido técnico, para designar o valor correspondente ao benefício económico ajustado entre sujeito passivo e adquirente como contrapartida da alienação do bem (cf. artigo 874º, do Código Civil) valor a pagar pelo preferente pela aquisição do bem sujeito à preferência2.

Pretende-se garantir, na medida do possível, a utilidade real da acção de preferência, protegendo o alienante do risco de perder o contrato com o adquirente, perante o preferente que por falta de meios não viabilize a celebração do negócio.

Estamos, pois, com a doutrina e jurisprudência maioritárias, no sentido de que, seja uma situação de erro -lapso na indicação do preço, seja no caso de simulação do preço da alienação, o preferente, para se substituir ao adquirente terá de pagar o preço total e com correspondência ao constante da escritura 3.

Acerca da consequência da não realização do depósito do preço devido nos termos do artigo 1410º, nº1, do Código Civil, não levanta dúvidas que ocorrerá a extinção do direito de preferir por caducidade 4.

Neste particular, a doutrina fala em facto preclusivo (a par dos factos impeditivos, modificativos e extintivos) do efeito jurídico dos factos constitutivos da acção (cfr. artigo 576º, nº3, do CPC), como sucede com a caducidade que constitui excepção peremptória5, e tem por efeito dispensar a averiguação da existência do direito, se não estiver satisfeita a condição do exercício de acção (cf. artigo 1410º, nº1, do CC in fine).

2.2. O pedido subsidiário

Decorre da petição inicial, que os Autores formularam os seguintes pedidos: i) de reconhecimento de que são proprietários dos prédios rústicos que identificam; ii)o reconhecimento do direito de preferência real enquanto proprietários dos terrenos confinantes com área inferior à unidade de cultura objecto da escritura de compra e venda; iii) pelo preço real de 40.000,00 ; iv) ou não se provando a simulação do preço, o reconhecimento da preferência quanto à alienação do prédio denominado “ Bouça de ...” pelo preço declarado.

O pedido subsidiário é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração no caso de não proceder um pedido anterior, colocado pelo autor em plano principal artigo 554º, nº1, do CPC.

A sua formulação justifica-se à luz dos princípios gerais e das conveniências de economia processual- “acautelar melhor o direito substantivo que o autor pretenda fazer valer colocando-o a coberto de exceções perentórias de caducidade ou de prescrição6.

E, se nas hipóteses padrão, o tribunal só conhece do pedido subsidiário se julgar improcedente o pedido principal, é admissível a sua extensão a outras situações, v.g., se naquele estiver em causa matéria susceptível de impedir a respetiva apreciação de mérito, como é, justamente, a caducidade do exercício da acção de preferência pelo incumprimento do ónus de depósito do preço da venda do imóvel.

Nessa perspectiva, pode dizer-se que os Autores depositaram em tempo o valor suficiente ao exercício da preferência sobre o prédio identificado no pedido subsidiário “Bouça de ... “, por correspondência ao preço de venda constante da escritura.

2.3. Redução do pedido; o sentido da declaração

De qualquer modo, afigura-se-nos que a solução do caso concreto não passa pela adversativa inerente à formulação do pedido subsidiário, rectius, a apreciar na situação em que o pedido principal não seja atendido pelo tribunal.

Os Autores invocaram a simulação do preço e depositaram o alegado preço real da venda dos dois imóveis em apreço.

Confrontados com o exigido depósito do preço/ valor da venda constante da escritura, optaram por cingir a prelação ao prédio “Bouça de ...”, e, por conseguinte, o respetivo preço coberto pelo montante já depositado.

Cremos que não se viabiliza outra interpretação da vontade manifestada pelos Autores no seu requerimento de 9.01.2024, transcrito no relatório.

Os Autores assumiram o propósito claro de circunver/reduzir o exercício da preferência a um dos dois prédios alienados, seja pela impossibilidade de fundos para o exigido depósito do valor total do preço de venda de ambos os imóveis, seja a mera alteração do interesse inicial, ou outro motivo.

É sabido que a redução do pedido (total ou parcial) é livre, podendo ocorrer em qualquer altura do processo -artigo 265º, nº2, do CPC7.

A redução do pedido, representa no plano dos seus efeitos materiais, uma desistência parcial do pedido, enquanto acto unilateral não receptício de extinção do direito que se pretendia fazer valer, na medida correspondente.

ALBERTO DOS REIS sublinha que - «entre a redução do pedido e a desistência parcial a diferença é unicamente de forma; na essência os dois actos têm o mesmo alcance e o mesmo sentido, pelo que devem produzir o mesmo efeito. Quem desiste de parte do pedido significa, com o seu acto, que não se julga com direito à parte abrangida pela desistência; quem reduz o pedido significa igualmente que considera exorbitante o pedido inicial e só reputa justo o pedido na parte remanescente após a redução 8

A redução do pedido pode apresentar a forma implícita9, desde que do contexto do requerimento ou articulado se permita tal concluir, lançando mão do critério interpretativo do declaratário razoável -artigo 236º do Código Civil10.

Dito isto, no contexto processual que resta descrito, não se alcança outro sentido prático e coerente com o objectivo da lide que se extraia do requerimento apresentado pelos Autores, que não corresponda à manifestação da vontade de reduzirem o pedido de preferência ao único prédio que indicam11.

Como se ponderou no acórdão em impugnação: «Embora os autores não digam de forma expressa que desistem dos pedidos das als. a) a d), formulados a título principal, e que requerem o prosseguimento dos autos apenas quanto ao pedido subsidiário formulado nas als. e) e f), reduzindo o pedido nestes termos, é esse o sentido interpretativo que se retira da sua declaração analisada de forma contextualizada e encadeada.»

Em suma, o depósito realizado mostra-se eficaz para o direito de acção sobre a preferência na alienação do prédio denominado “Bouça de ...” de que os Autores se arrogam, correspondendo (por excesso) ao preço de venda constante da escritura, enquanto garantia do cumprimento da oferta de preferência, conforme ao disposto no artigo 1410º, nº1, do Código Civil; a acção prosseguirá, em consequência, para discussão e julgamento.

Revela-se infundada a argumentação do recorrente.

IV. Decisão

Nos termos expostos, julga-se improcedente a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

As custas são a cargo do recorrente.

Lisboa, 17 Junho de 2025

Isabel Salgado (relatora)

Ana Paula Lobo

Fernando Baptista de Oliveira

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1. A par do ónus de interpor a acção no prazo de seis meses a contar da data em que o preferente teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação.

2. In O exercício do direito de preferência, p.658.

3. Entre outros, MENEZES CORDEIRO, in, “Direito das Obrigações”, vol. I, 1988, pp.502/3; MOTA PINTO, in, Teoria Geral do Direito Civil, 1976, pp 369/70; GALVÃO TELLES in “Direito de preferência na alienação de prédios confinantes”, publicado na revista “O Direito” n.º 124.º, I-II; p. 7 ss. Na jurisprudência, v.g., os Acórdão do STJ de 10.01. 2008, proc. nº 07B3588, e de 08.09.2016, proc. nº 1022/12.4TBCNT.C1. S1, de 21.06.2018, proc. nº9570/16.0TBPRT.P1. S2, todos in www.dgsi.pt

4. Cfr, inter alia CARVALHO FERNANDES, in Preferência, p. 66, 2001; e AGOSTINHO CARDOSO GUEDES, in O exercício do direito de preferência, p. 639.

5. Cfr. ANSELMO DE CASTRO, in Direito Processual Civil Declaratório, 1º, p. 160; LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE in CPC anotado, 2ºp.577.

6. Cfr. A. ABRANTES GERALDES, in Temas da Reforma de Processo Civil, p. 141.

7. Cfr. A. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, p. 300.

8. Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, p.96.

9. Nos termos do artigo 217º do Código Civil, a declaração tácita deduz -se de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.

10. No sentido que o declaratário, assente em todas as circunstâncias conhecidas ou reconhecíveis por um declaratário normal, na sua posição, podia e devia entender à semelhança de um declaratário normal.

11. “Vêm, em cumprimento e face ao teor do Despacho proferido, DIZER que a quantia por si depositada refere-se ao preço declarado na escritura (€ 35.000,00) e despesas prováveis (por excesso) relativas à compra e venda do prédio rústico denominado “Bouça de Tibães”, mais bem identificado em n.º 9 b) da petição inicial, sobre o qual pretendem exercer o direito de preferência (pedido subsidiário).”