RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
CONTRATO DE EMPREITADA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO
CULPA DO LESADO
MORA DO CREDOR
MORA DO DEVEDOR
DONO DA OBRA
EMPREITEIRO
PREÇO
REPARAÇÃO
FATURA
OBRA
SINALAGMA
CÁLCULO
Sumário


I - É de aplicar o regime legal do cumprimento e incumprimento das obrigações aos casos em que o contrato de empreitada cesse antes do termo, como é a situação em que ocorra mora culposa de ambas as partes no cumprimento das respectivas obrigações, que seja concludente com o incumprimento definitivo das mesmas: recusa de entrada na obra para finalização da mesma por parte do empreiteiro e falta de pagamento do preço da obra nos termos acordados (de facturas vencidas) com a finalização da obra por terceito por parte do dono da obra.
II – O quadro de atraso culposo no cumprimento por ambas as partes não é impeditivo que uma delas enverede pela resolução contratual.
III - A resolução do contrato de empreitada levada a cabo pela ré (dono da obra) e a finalização da obra por terceiro, converteu a mora das partes em incumprimento definitivo, cabendo considerar, perante a cronologia fáctica, que ambas as partes contribuíram para a extinção contratual (concausa de culpa para a extinção do contrato). Consequentemente, a iniciativa da resolução contratual por uma das partes (no caso, a ré) que, tal como a autora, se encontrava em mora culposa (não pagamento de facturas vencidas) não a aproveita em termos de poder dela beneficiar; nessa medida, a reparação a que tem direito não pode seguir o regime da empreitada (designadamente o relativo a reparação de defeitos após a aceitação da obra - artigos 1220.º e ss., do Código Civil), mas o geral do incumprimento das obrigações por falta de entrega da obra em conformidade com o convencionado (artigos 798.º e ss., do Código Civil).
IV - Atendendo a que as obrigações que as partes incumpriram são sinalagmáticas (pagamento parcial do preço da obra e execução parcial da obra), uma vez que o valor do preço das obras em falta e o respeitante ao montante das facturas em dívidas é próximo, deve ser atribuída uma responsabilidade de 50% da culpa para cada uma das partes, nos termos e para os efeitos do artigo 570.º, do Código Civil, com reflexo, no montante a que a ré teria direito pelo que despendeu na correcção de execuções finais da obra.

Texto Integral


Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,

I – relatório

1. LOSANGO CURIOSO, LDA. intentou acção declarativa sob a forma de processo comum contra MOTIVOS D’AVENIDA, LDA. pedindo a condenação da ré a pagar-lhe o montante global de €54.049,50, (acrescidos de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento), sendo €21.799,00, por trabalhos extraorçamento, €21.162,90, relativos a trabalhos realizados no âmbito da empreitada contratada e €11.087,60, referentes ao proveito que deixou de auferir pela impossibilidade objectiva criada culposamente pela ré.

Fundamentou a acção no incumprimento pela ré do contrato de empreitada celebrado com esta, em 09-06-2017, para execução de obra de reabilitação de um imóvel multifamiliar e serviços.

2. Após citação, a ré contestou deduzindo reconvenção pedindo a condenação da autora no pagamento:

- de €92.318,90, sendo €58.318,90, correspondentes a quantias que teve de gastar em virtude do abandono de obra pela autora, e €34.000,00, de multa contratual pelo exercício do previsto nos artigos 1221.º e seguintes, do Código Civil;

- de todos os montantes que se venham a apurar em sede de liquidação de sentença e que se mostrem pagos pela ré em virtude da necessidade de rectificação de defeitos ainda não corrigidos e/ou que ainda não se tenham manifestado e que sejam gerados pela conduta desenvolvida pela autora;

Subsidiariamente, pede a condenação da autora no pagamento do valor que resultar da compensação desta com o que for julgado devido à autora.

Pede ainda a condenação da ré no pagamento de indemnização e multa por litigância de má fé.

3. Após audiência prévia foi proferido despacho saneador no qual foi fixado o valor da causa em €146.368,40.

4. Realizado julgamento foi proferida sentença (em 08.10.2021), que julgou a acção e a reconvenção parcialmente procedentes, decidindo nos seguintes termos:

- (…) julgando-se verificado o crédito da autora, Losango Curioso, L.da, sobre a ré, Motivos d’Avenida, Lda, no valor de €42 834,60.

- (…) julgando-se verificado o crédito da reconvinte, Motivos d’Avenida, L.da, sobre a reconvinda, Losango Curioso, L.da, no valor de €39 977,50.

Por força da compensação operada, condena-se a ré a pagar à autora a quantia de €2.857,10 (dois mil oitocentos e cinquenta e sete euros e dez cêntimos), acrescida de juros contados desde 10 de dezembro de 2019, e até efetivo pagamento, sendo os juros devidos à taxa legal que em cada momento venha a vigorar por força da portaria prevista no § 3.º do art. 102.º do Cód. Com.”

Foram absolvidos os pedidos de condenação da autora e ré como litigantes de má-fé.

5. Inconformadas autora e ré apelaram, tendo o tribunal da Relação do Porto proferido acórdão (de 13.07.2022), que julgou improcedente a apelação da autora e parcialmente procedente a apelação da ré e, alterando a sentença, fixou em €50.716,00 o crédito da ré sobre a autora e, por força da compensação operada, condenou a autora a pagar à ré a quantia de €7.881,40.

5. Ambas as partes interpuseram recurso de revista.

5.1 A autora formulou as seguintes conclusões (transcrição):

I – Não referiu a Recorrida nas suas alegações de recurso as normas violadas, sendo que esta falha, após a prolação do acórdão, configura, não uma irregularidade, mas sim nulidade.

II – Configurando uma nulidade o Acórdão é nulo

III – O Tribunal “a quo” não se pronunciou ainda sobre as alegações produzidas pela ora Recorrente, nomeadamente a reapreciação da prova gravada, limitando-se a referir uma amálgama de datas e ao valor de multa contratual, sendo que o Acórdão não se pronunciando sobre diversas questões alegadas, estando por isso, também ferido de nulidade nos termos do artigo 615.º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil.

IV – O crédito relativo a correcções de execução final que antecedem a entrega segue o regime de incumprimento da prestação principal da entrega da obra.

V – O prejuízo da Recorrida só representa um crédito desta sobre a aqui Recorrente se o incumprimento definitivo tiver sido, exclusivamente, causado por esta.

VI – O que não sucedeu uma vez que também a Recorrida não efectuou o pagamento que era devido de facturas no montante de € 42 834,64, referente a trabalhos já executados pela Recorrente.

VII- Incumpriu assim a Recorrida com a sua obrigação, sendo ela sinalagmática da obrigação principal incumprida por esta.

VIII – Incumprimento do contrato sinalagmático constante dos autos, é um incumprimento bilateral

IX - Tendo a ora, Recorrida e a aqui Recorrente incumprido com as suas obrigações contratuais, inexiste crédito da Ré sobre a Autora.

X – Existe contradição por erro de cálculo, no Acórdão “a quo” quando reconhece, erradamente, à Recorrida o direito ao valor de € 58.318,90 deduzido da quantia de € 10.460,00 (mais IVA) e conclui como prejuízo indemnizável o valor de € 47.858,90, gerando a nulidade do acórdão.

XI – O prejuízo indemnizável deveria ser no montante de € 45.453,10 (€ 58.318,90 -€ 10.460,00 - € 2.405,80 (IVA))

XII – O artigo 1222.º não confere ao dono da obra o direito de, sem mais, e por si ou por intermédio de terceiro, eliminar os defeitos ou reconstruir a obra à custa do empreiteiro.

XIII - No contrato de empreitada, o dono da obra não tem direito a indemnização, por motivo de defeitos que podem ser suprimidos, se, entretanto, procedeu à resolução do contrato impedindo a eliminação dos defeitos pelo empreiteiro (artigos 1221.º e segs. do Código Civil).

XIV – É impensável que ao dono de uma obra se lhe fosse dado o beneplácito de pagar as obras ao empreiteiro em função da existência ou não de vícios na obra, da sua correcção e da boa fé daquele.

XV – É impensável que a meio de uma obra, o dono da obra decidisse não pagar trabalhos já executados, já com custos para o empreiteiro, porque entendia existirem defeitos ou vícios na obra que não foram atempadamente corrigidos por aquele.

XVI – Do Contrato de Empreitada na sua clausula 14ª está prevista a constituição de uma garantia no montante de 10% do valor da empreitada, precisamente para que o dono da obra fosse compensado dos prejuízos decorrentes inclusive dos vícios da obra.

XVII – Do Contrato de Empreitada, na sua clausula 3ª, consta que o valor da empreitada é de € 312.000,00, 10% são € 31.200,00, o valor do alegado crédito da Recorrida para corrigir e acabar a obra é de € 58.318,90

XVII – Do contrato de empreitada resulta que a Recorrida tinha a obrigação de cumprir com o pagamento das facturas apresentadas, estando a isso vinculado pelo contrato.

XIX - Não se pode, pois, reconhecer à Recorrida o direito a qualquer crédito, muito menos no valor de € 58.318,90.

XX – O tribunal “a quo” determinou a improcedência da apelação da Recorrente com fundamento no facto de, por acordo, ter sido fixado no contrato de empreitada um início e um fim para a conclusão da obra, bem como as consequências do atraso.

XXI – Desconsiderou o tribunal “a quo” o conteúdo da missiva da Recorrida, datada de 23/08/2019, donde resulta implícita a sua anuência no alargamento do terminus da obra até esta data, uma vez que notifica a Recorrente para o facto de a partir daquela data ir accionar a multa contratual.

XXII – O tribunal “a quo” não pode dar por assente um documento datado de 23/04/2019 onde é referido o alargamento do prazo de terminus da obra para 08/05/2019 e ignorar o conteúdo de documento, missiva de 23/08/2019, cujo conteúdo não foi impugnado.

XXIII – Pelo que inexiste qualquer multa contratual a aplicar.”.

5.2. A ré conclui nas suas alegações (transcrição):

1.ª - O Douto Acórdão proferido pela 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto encontra-se ferido de nulidade já que a decisão prolatada está em flagrante oposição com o teor e fundamentação do dito Acórdão - alínea c), n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C. O raciocínio exarado pelo Venerando Juiz Desembargador no aresto em crise aponta num sentido e acaba por decidir em sentido parcialmente diferente.

2.ª – Ocorreu um erro lógico na conclusão do raciocínio jurídico, afectando esse, por conseguinte, o segmento decisório do Acórdão.

3.ª - Em primeira instância, foi decidido julgar a “ação parcialmente provada e procedente, julgando-se verificado o crédito da autora, Losango Curioso, L.da, sobre a ré, Motivos d’Avenida, L.da, no valor de € 42 834,60 (quarenta e dois mil oitocentos e trinta e quatro euros e sessenta cêntimos).” e “(…) parcialmente provada e procedente, julgando-se verificado o crédito da reconvinte, Motivos d’Avenida, L.da, sobre a reconvinda, Losango Curioso, L.da, no valor de € 39 977,50 (trinta e nove mil novecentos e setenta e sete euros e cinquenta cêntimos).”

4.ª – Concluiu a sentença da Primeira Instância afirmando que “Por força da compensação operada, condena-se a ré a pagar à autora a quantia de € 2857,10 (dois mil oitocentos e cinquenta e sete euros e dez cêntimos), acrescida de juros contados desde 10 de dezembro de 2019, e até efetivo pagamento, sendo os juros devidos à taxa legal que em cada momento venha a vigorar por força da portaria prevista no § 3.º do art. 102.º do Cód. Com..”

5.ª - O Douto Tribunal da Relação do Porto, por sua vez e depois de devidamente analisadas as alegações e contra-alegações de cada uma das partes, considerou que haveria que “(…) reconhecer à ré reconvinte o direito ao valor de € 58 318,90 suportado para terminar a obra através de terceiros, deduzido da quantia de € 10 460,00 (mais IVA) que teria ainda de desembolsar, caso o contrato fosse pontualmente cumprido e a obra concluída. Perfazendo o prejuízo indemnizável o montante de € 47.858,90, e procedendo nessa medida o pedido reconvencional.” e que improcedia totalmente a apelação da, agora, Recorrida (que versava, única a exclusivamente sobre a bondade da sua condenação no pagamento de € 24.000,00 a título de “multa processual”).

6.ª – Concluiu, por conseguinte, o Douto Acórdão “(…) julgar parcialmente procedente a apelação interposta pela ré e improcedente a apelação interposta pela autora, em consequência de que alteram a sentença recorrida, fixando em € 50.716,00 € (cinquenta mil setecentos e dezasseis euros) o crédito da ré reconvinda sobre a autora. Por força da compensação operada, condena-se a autora a pagar à ré a quantia de € 7.881,40 € (sete mil oitocentos e oitenta e um reais e quarenta centavos).”.

7.ª - O valor do crédito da, agora, Recorrente foi, segundo é possível concluir pela leitura da parte final do Acórdão do Douto Tribunal da Relação do Porto, calculado do seguinte modo: “(…) 2.857,10 + 47.858,90) – 42.834,60.”

8.ª – Atendendo ao teor das conclusões 3.ª, 4.ª, 5.ª, 6.ª e 7.ª, é patente que a construção lógica da parte decisória do Acórdão em crise se apresenta como viciosa e em manifesta colisão com os fundamentos em que ostensivamente se apoia, pelo que se encontra ferida de nulidade tal e qual a mesma se encontra prevista na primeira parte da alínea c), n.º 1 do artigo 615.º CPC.

9.ª – Se: a) em Primeira Instância foi decidido julgar-se “(….) a ação parcialmente provada e procedente, julgando-se verificado o crédito da autora, Losango Curioso, L.da, sobre a ré, Motivos d’Avenida, L.da, no valor de € 42 834,60 (quarenta e dois mil oitocentos e trinta e quatro euros e sessenta cêntimos)” (negrito e sublinhado de nossa autoria); b) a condenação melhor descrita em a) imediatamente antecedente foi mantida pelo Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto; c) o Acórdão agora em crise condenou a, ora, Recorrida a pagar à Recorrente € 47.858,90 “(…) procedendo nessa medida o pedido reconvencional.”; d) improcedeu totalmente o recurso da, agora, Recorrida e, em consequência, se manteve a decisão que a condenava no pagamento à Recorrente de “multa processual” de € 24.000,00; e e) se o mecanismo da compensação – previsto nos artigos 847.º e ss. do C.C. – operou legitimamente (conforme determinado nas duas decisões proferidas nos autos – seja em Primeira Instância, seja na Segunda Instância); como é que se pode compreender que o Douto Acórdão condene a autora a pagar à ré apenas e só a quantia de € 7.881,40????

10.ª - Os números não fazem, salvo o devido respeito, sentido! Existe um notório vicio de raciocínio e não um mero erro de calculo.

11.ª - Ocorre vicio de nulidade por verificação da primeira parte da alínea c), n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C. dado que os fundamentos de facto e de direitos invocados conduzem logicamente a um resultado oposto aquele que integra o segmento decisório. o que, desde já, se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

12.ª – Atendendo à matéria de facto dada como provada nos autos e tendo por base os fundamentos melhor descritos no aresto em crise, o crédito total da ré sobre a autora é de € 71.858,90 e não de € 50.716,00; assim e para que o segmento decisório estivesse em consonância com os fundamentos de facto e de Direito aí expressos, sempre o Douto Tribunal da Relação do Porto deveria ter condenado a autora a pagar à ré a quantia de € 29.024,30 (vinte e nove mil e vinte e quatro euros e trinta cêntimos) e não o de € 7.881,40!

13.ª – O montante melhor descrito na conclusão 12.ª seria apurado do seguinte modo: € 47.858,90 pelo prejuízo indemnizável ocorrido em virtude das despesas suportadas pela ré para conclusão da obra por terceiros; + € 24.000,00 pela ““multa processual” prevista no contrato de empreitada”; - € 42.834,60 devidos pela ré à autora em virtude das facturas n.º ..........57 e ..........62;

14.ª - Não podia o Acórdão em crise – no seu segmento decisório – contradizer (omitindo!) a sua própria fundamentação de Direito no que tange à bondade da condenação do Tribunal de Primeira Instância acerca da aplicação da pena convencional fixada nos termos da cláusula 4.ª, n.º 3, do contrato de empreitada.

15.ª – Reitere-se, a fundamentação do Douto Acórdão aponta num sentido e a decisão segue uma direcção parcialmente diferente - afectando (de sobremaneira) o resultado.

16.ª - Para evitar o vício de nulidade previsto na primeira parte da alínea c), n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C. - por forma a que os fundamentos de facto e de direito dos autos estivessem em consonância com a decisão ora em crise -, deveria, data vénia, constar do segmento decisório que a apelação interposta pela ré foi julgada parcialmente procedente e improcedente a apelação interposta pela autora, e, em consequência, deveria ter sido alterada a sentença recorrida, fixando em € 71.858,90 (setenta e um mil oitocentos e cinquenta e oito euros e noventa cêntimos) o crédito da ré reconvinda sobre a autora. por força da compensação operada, deveria, assim, ser condenar a autora a pagar à ré a quantia de € 29.024,30 (vinte e nove mil e vinte e quatro euros e trinta cêntimos).

17.ª - A nulidade apontada na conclusão 16.ª deve ser suprida e, acto subsequente, deve a decisão em crise ser modificada nos termos que imediatamente se expõem. o que, desde já, se invoca e requer para todos os devidos e legais efeitos.

18.ª - Sem prescindir e caso se entenda que não ocorre nulidade do acórdão por oposição entre os fundamentos e a decisão (o que apenas se concebe por bondade de raciocínio), sempre se verificará, pelo menos, a ininteligibilidade da decisão por obscuridade visto que um declaratário normal não pode retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar.

19.ª – Estamos ante uma nulidade do acórdão nos termos da parte final da alínea c), n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C. o que, desde já, se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

20.ª - Há obscuridade quando o pensamento do julgador é ininteligível e há ambiguidade sempre que ele comportar dois ou mais sentidos distintos;

21.ª - A sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível;

22.ª - Tendo em conta a fundamentação do Douto aresto em crise, não é, de todo, possível perceber o seu segmento decisório porquanto os montantes aí expressos, data vénia, não encontram equivalência nos factos discutidos nos presentes autos. O raciocínio aí exarado é ininteligível.

23.ª - A decisão em crise coloca incerteza quanto ao pensamento exposto no acórdão, dado que matematicamente, não é possível chegar à conclusão que o crédito da ré sobre a autora é de € 50.716,00. O crédito da ré sobre a autora é de € 71.858,90.

24.ª - Certamente por lapso, o Venerando Juiz Desembargador Relator – para apurar o valor devido pela autora à ré e, assim, fazer operar o mecanismo da compensação - parte de montantes que não têm qualquer repercussão com a matéria assente (não se percebendo, inclusivamente, de onde é que alguns desses valores são retirados!).

25.ª – Apesar de ter em conta o valor do crédito da autora sobre a ré ( € 42.834,60) e o montante do crédito da ré sobre a autora (€ 47.858,90 – devidos pelo ressarcimento dos danos que a contratação de terceiro implicou), “omite” do seu raciocínio o montante de € 24.000,00 (devidos pela autora à ré a título de “multa processual”) e “acrescenta” (!) à divida da autora à ré o valor de € 2.857,10 (valor esse cuja única proveniência possível de vislumbrar dos autos – por exacta correspondência numérica - provem da condenação da Primeira Instância; no entanto, esse é um pretenso crédito da autora sobre a ré e não o contrário!).

26.ª - Da parte decisória (e só desta) do Acórdão ora em crise não pode um declaratário normal retirar um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar, pelo que é indubitável a presença do vicio da nulidade tal e qual o mesmo se encontra previsto na parte final da alínea c), n.º 1 do artigo 615.º C.P.C..

27.ª - Para evitar o vício de nulidade previsto na parte final da alínea c), n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C. - por forma a que decisão ora em crise seja inteligível -, deveria, data vénia, constar que a apelação interposta pela ré foi julgada parcialmente procedente e a interposta pela autora totalmente improcedente, e, em consequência, deveria ser alterada a sentença recorrida, fixando em € 71.858,90 (setenta e um mil oitocentos e cinquenta e oito euros e noventa cêntimos) o crédito da ré reconvinda sobre a autora. por força da compensação operada, deveria, assim, ser condenar a autora a pagar à ré a quantia de € 29.024,30 (vinte e nove mil e vinte e quatro euros e trinta cêntimos).

28.ª – Deve a nulidade apontada em 27.ª ser suprida e, acto subsequente, deve a decisão em crise ser modificada nos termos que imediatamente se expõem; o que, desde já, se invoca e requer para todos os devidos e legais efeitos.”.

6. Por decisão de 30-05-2023, neste Supremo Tribunal de Justiça, o então Exmo. Relator determinou a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para conhecer das nulidades do acórdão recorrido invocadas, nos termos e para os efeitos do disposto no 617.º, n.ºs 1 e 5, do Código de Processo Civil (doravante CPC) ex vi artigo 666.º, do CPC.

7. Por acórdão em conferência, o Tribunal da Relação do Porto conheceu das nulidades invocadas pelas partes nos respectivos recursos de revista, mantendo o acórdão recorrido.

II – APRECIAÇÃO DO RECURSO

De acordo com o teor das conclusões das alegações impõe-se conhecer as seguintes questões:

Das nulidades do acórdão (recurso de ambas as partes)

Das quantias devidas por incumprimento contratual da empreitada pela Autora (despesas que a ré suportou pelo incumprimento da autora e multa contratual) – (recurso da autora)

1. Os factos

1.1 Provados

A – Início da relação contratual de empreitada

1 – A autora é uma sociedade comercial por quotas que tem como escopo construção civil.

2 – A ré é uma sociedade comercial por quotas que exerce a atividade de compra e venda bens imobiliários.

3 - Em 9 de Junho de 2017, a autora e a ré subscreveram o documento intitulado CONTRATO DE EMPREITADA, junto a fls. 3 v (anexo documental), onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito: PRIMEIRA CONTRAENTE (Dono de Obra): MOTIVOS D A VENIDA LDA (…) SEGUNDA CONTRAENTE (Empreiteiro): LOSANGO CURIOSO LDA, (…).

É celebrado e livremente aceite este contrato de empreitada que se regerá pelas cláusulas seguintes: (…)

CLÁUSULA PRIMEIRA

A PRIMEIRA CONTRAENTE adjudica à SEGUNDA CONTRAENTE, que aceita, a execução das obras, no edifício sito na Rua do ... ... a ..., (…) descriminadas no Orçamento que se anexa e faz parte integrante deste contrato

CLÁUSULA SEGUNDA

1 - A SEGUNDA CONTRAENTE realizará a Obra sem quaisquer defeitos (…), incluindo todos os trabalhos preparatórios ou complementares necessários à execução dos trabalhos da empreitada (…). (…)

CLÁUSULA TERCEIRA

1 - A contrapartida pela boa e definitiva execução da empreitada objecto deste contrato será efectuada mediante pagamento por parte da PRIMEIRA CONTRAENTE à SEGUNDA CONTRAENTE do valor global de 312.000,00 € (…) ao qual acresce o valor de IVA à taxa legal em vigor.

2 - Os pagamentos serão feitos da seguinte forma: a) (…); b) Os restantes pagamentos à SEGUNDA CONTRAENTE, dos trabalhos da empreitada, far-se-ão por autos de medição elaborados por esta, em colaboração com a fiscalização entre os dias 25 e 30 do mês a que dizem respeito sendo o pagamento do mesmo efectuado no prazo de 5 dias após a recepção da respectiva factura, por parte da PRIMEIRA CONTRAENTE. (…)

CLÁUSULA QUARTA

1 - O prazo para execução da obra é de 14 meses, com início em 01.08.2017 e término em 31 10.2018.

2 - A data de início da empreitada será objeto de revisão (por escrito e a constar de adenda ao presente contrato) se à data 31.07.2017 0 alvará de obras ainda não se encontrar emitido ou se a obra ainda não se encontrar com fornecimento de água e energia elétrica.

3 - Se a SEGUNDA CONTRAENTE não iniciar ou não concluir a obra dentro do prazo estabelecido no presente contrato, ficará o mesmo obrigado a indemnizar a PRIMEIRA CONTRAENTE por todos os prejuízos que este demonstre ter sofrido em consequência desse atraso, sem prejuízo de lhe ser aplicada, até à conclusão dos trabalhos ou até à resolução do contrato. a multa semanal de dois mil euros.

4 – Se a SEGUNDA CONTRAENTE concluir a obra até 31.08.2018, receberá da PRIMEIRA CONTRAENTE. a título de prémio, um extra de € 9.360,00 (…).

(…)

CLÁUSULA OITAVA

Se a PRIMEIRA CONTRAENTE solicitar à SEGUNDA CONTRAENTE trabalhos a mais, alterações, modificações ou substituições, é indispensável, tanto para a sua execução como para ajuste do seu custo, que previamente a PRIMEIRA CONTRAENTE aprove, por escrito as quantidades e a respectiva contrapartida.

CLÁUSULA NONA

A PRIMEIRA CONTRAENTE reserva-se o direito de não efectuar o pagamento acordado se os trabalhos objecto de medição apresentarem vícios/defeitos de construção elou execução, não corresponderem à execução do que estava projectado ou se neles tiverem sido utilizados materiais de qualidade não aceite pela fiscalização ou diferente do contratado. (…)

CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA

1 – Se a PRIMEIRA CONTRAENTE constatar que a SEGUNDA CONTRAENTE não está a cumprir as obrigações decorrentes de presente contrato, tem o direito de resolver imediatamente o mesmo, o que será comunicado aquela através de carta registada com aviso de receção.

2 – Em caso de resolução prevista no n.º 1 da presente cláusula, a PRIMEIRA CONTRAENTE, sem prejuízo de outros direitos, poderá executar a obra por si ou manda-la executar por terceiros, reservando-se ao direito exigir da SEGUNDA CONTRAENTE todos os custos e encargos que dai decorram. (…)

CLÁUSULA DÉCIMA QUARTA

1. Para assegurar os direitos à reparação/eliminação dos vícios/defeitos de construção da Primeira Contraente, na data da recepção provisória prevista no n.º 1 da cláusula 10.ª do presente contrato, a SEGUNDA CONTRAENTE entregará a essa garantia bancária no montante correspondente a 10% do valor da empreitada indicado no n.º 1 da cláusula 3.

2. A garantia bancária referida no número anterior será accionada pela Primeira Contraente sempre que a Segunda Contraente não cumpra com o convencionado nos n.os 4 e 5 da cláusula 10.ª do presente contrato, bem como quando não sejam voluntariamente supridas as falhas de fabrico ou defeitos de material por ela fornecido.

3. Anualmente e após a recepção provisória da obra, a PRIMEIRA CONTRAENTE libertará 20% do valor da garantia sempre que não se detectem vício/defeitos que exijam a sua reparação/eliminação elou falhas de fabrico ou defeitos de material fornecidos pela Segunda Contraente: ou, detectando-se, sempre que esses sejam rectificados/eliminados/supridos pela Segunda Contraente

4. No último ano de garantia. o remanescente dessa só será libertado se, após o auto. não forem detectados quaisquer vícios/defeitos de construção.

6. Os custos da garantia referida na presente cláusula serão suportados, até ao limite de € 2.500,00 pela Primeira Contraente. (…)

4 – Em Julho de 2017, a autora iniciou os trabalhos em obra, reiniciando-os em Dezembro de 2017, depois de esta ter estado embargada.

B – Termo da relação contratual de empreitada

5 – Em 23 de Abril de 2019, a ré remeteu à autora a mensagem de correio electrónico, por esta recebida, cuja cópia se encontra junta a fls. 199 (anexo documental), onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

Bom dia Sr. AA, (…) tendo em conta as razões apresentadas, após reunião com os sócios, decidimos alargar o prazo contratualizado em mais 15 dias o que entendemos ser suficiente para os trabalhos de acabamento que refere no seu email. Assim sendo, findo este período passaremos a debitar as penalizações que constam do contrato de empreitada.

6 – Em 31 de Julho de 2019, a autora remeteu à ré o documento referido no ponto 25 – factura n.º ..........57 –, através de mensagem de correio electrónico cuja cópia se encontra junta a fls. 8 v. (anexo documental) e que qui se dá por transcrita.

7 – Em 6 de Agosto de 2019, a autora remeteu à ré a mensagem de correio electrónico, por esta recebida, cuja cópia se encontra junta a fls. 202 v. e 203 (anexo documental) e que qui se dá por transcrita.

8 – No dia 12 de agosto de 2019 a ré remeteu à autora a mensagem de correio electrónico, por esta recebida, cujo conteúdo é citado nos extractos da mensagem de resposta (na mesma data remetida pela autora à ré) cuja cópia se encontra junta a fls. 201 v. e 202 (anexo documental) e que qui se dá por transcrita.

9 – Em 13 de agosto de 2019, a autora, por meio de mandatário, remeteu à ré a carta cuja cópia se mostra junta a fl. 9 (anexo documental), onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

Exmos. Senhores (…) solicitarmos o pagamento do montante de 21.799,00 € referente à factura n.º ..........57 (…) até o dia 19/08/2019, devendo ainda até essa data estar regularizado o fornecimento de água e electricidade conforme estabelecido contratualmente. Caso não se verifiquem cumulativamente cumpridos estes pressupostos para a continuação da empreitada a nossa cliente suspenderá a continuação da mesma.

10 – Em 23 de agosto de 2019, a ré remeteu à autora a carta, por esta recebida, cuja cópia se encontra junta a fls. 206 v. e 207 (anexo documental) e que qui se dá por transcrita.

11 – Em 23 de agosto de 2019, a autora, por meio de mandatário, remeteu à ré a carta cuja cópia se mostra junta a fl. 11 v. (anexo documental), onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

Exmos. Senhores, (…) dado que não se encontra regularizado o fornecimento de água e electricidade para o prosseguimento da obra, (…) [ao que] acresce agora o facto de terem alterado a fechadura (…), existe uma impossibilidade objectiva e definitiva da continuação da obra por causa não imputável à nossa constituinte, pelo que pretende o pagamento imediato de todo o trabalho executado e despesas dele decorrentes, sem prejuízo de outras indemnizações legais (…).

12 – Em 29 de agosto de 2019, a ré remeteu à autora a carta, por esta recebida, cuja cópia se encontra junta a fls. 237 (anexo documental), onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

Atento o estado de execução da empreitada, é-vos, assim, concedido o prazo peremptório de 30 (trinta) dias – contados de forma corrida e após o recebimento da presente interpelação - para que executem e concluam os ditos trabalhos e para que eliminem/rectifiquem os vícios/defeitos de construção e/ou de execução (…). Consideraremos, ainda, que se V. Exas. não retomarem os trabalhos tendentes a executar e concluir os trabalhos previstos no projecto de arquitectura, mapa de acabamentos e caderno de encargos do prédio sito na Rua do ..., n.º ... a ..., ..., e a rectificar/eliminar os vícios/defeitos de construção e/ou de execução detectados em obra no prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis – contados após o recebimento da presente interpelação – tal releva tácita e indubitavelmente uma cessação voluntária dos trabalhos sem intenção de alguma vez os prosseguir – ou seja, um abandono injustificado da obra.

13 – Em 9 de Setembro de 2019, a ré remeteu à autora a carta, por esta não recebida e não reclamada, cuja cópia se encontra junta a fls. 242 (anexo documental), onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

Exmos. Senhores (…), não foram retomados quaisquer trabalhos no sentido de executar e concluir as obras (…). Isto posto (…), a conduta desenvolvida por V. Exas. mostra-se apta a preencher o conceito de abandono de obra e, como tal, a Losango Curioso incumpriu definitivamente o contrato de empreitado firmado. Atento o supra exposto, porque a mora de V. Exas. se converteu em incumprimento definitivo pela presente comunicamos que consideramos o contrato de empreitada imediata e justificadamente resolvido (…).

C - Execução contratual

C.1. - Condições de execução da obra

14 – Deste 2017 e até, pelo menos, Setembro de 2019, a electricidade disponível em obra era obtida através de uma puxada a partir de um edifício que lhe é fronteiro.

15 – Deste 2017 e até, pelo menos, Setembro de 2019, a água disponível em obra era obtida num edifício fronteiro à obra em discussão, directamente ou através de uma mangueira estendida entre os dois edifícios, sendo a torneira sempre accionada no edifício fronteiro.

16 – Em data não ulterior a 23 de Agosto de 2019, após a suspensão referida no ponto 17 – factos provados –, a ré procedeu à troca da fechadura da porta de acesso à obra, ficando cópia no vizinho, sendo esta disponibilizada aos trabalhadores autorizados pela ré.

C.2 – Obra executada

17 – Em Agosto de 2019, em momento não ulterior ao dia 19 de agosto, a autora suspendeu os trabalhos na obra, não os retomando.

18 – A autora executou os trabalhos adjudicados no documento descrito no ponto 3 – factos provados –, sem vícios aparentes, ressalvados os seguintes:

##Espaços comuns
a)corrimão da escada, rodapés e restantes trabalhos de carpintaria inacabados;
b)rede de incêndios não rematada;
c)vidros de claraboia não instalados;
d)falta de emaçamentos gerais, pintura de paredes e tetos, e lacagem de carpintarias;
e)falta montagem de equipamentos e sinaléticas de segurança contra incêndios
Apartamentos
4.º Piso
f)as madeiras de asnas e barrotes não tratadas para levar pintura;
g)falta executar guardas e remates de pisos nos mezaninos
h)falta executar escada de acesso ao mezanino no apartamento voltado à rua.
i)falta de emaçamentos gerais, pintura de paredes e tetos, e lacagem de carpintarias;
j)erros de construção como frinchas e inclinações entre elementos;
k)falta remate cerâmico na janela da lavandaria;
l)falta remate ligação exterior à unidade de ar condicionado;
m)pedra das bancas das cozinhas e das ilhargas laterais são inferiores aos armários;
n)diferença de tonalidade entre a cor das carpintarias e a cor dos móveis de cozinha;
3.º Piso
o)falta de emaçamentos gerais, pintura de paredes e tetos, e lacagem de carpintarias;
p)erros de construção como frinchas e inclinações entre elementos;
q)falta montar porta de armário de quadros no apartamento voltado para a rua;
r)falta remate cerâmico na janela da lavandaria;
s)falta remate ligação exterior à unidade de ar condicionado;
t)pedra das bancas das cozinhas e das ilhargas laterais são inferiores aos armários;
u)diferença de tonalidade entre a cor das carpintarias e a cor dos móveis de cozinha;
2.º Piso
v)falta de emaçamentos gerais, pintura de paredes e tetos, e lacagem de carpintarias;
w)erros de construção como frinchas e inclinações entre elementos;
x)falta remate cerâmico na janela da lavandaria;
y)falta remate ligação exterior à unidade de ar condicionado;
z)pedra das bancas das cozinhas e das ilhargas laterais são inferiores aos armários;
aa)pedra da banca encontra-se partida no apartamento voltado para a rua;
bb)diferença de tonalidade entre a cor das carpintarias e a cor dos móveis de cozinha;
1.º Piso
cc)falta de emaçamentos gerais, pintura de paredes e tetos, e lacagem de carpintarias;
dd)erros de construção como frinchas e inclinações entre elementos;
ee)falta remate cerâmico na janela da lavandaria;
ff)falta remate ligação exterior à unidade de ar condicionado;
gg)pedra das bancas das cozinhas e das ilhargas laterais são inferiores aos armários;
hh)pedra da banca encontra-se partida no apartamento voltado para a rua;
ii)diferença de tonalidade entre a cor das carpintarias e a cor dos móveis de cozinha;
Loja
jj)falta montagem, emaçamento e pinturas de paredes e tetos;
kk)falta aplicação de pavimento;
ll)falta montagem de instalação sanitária;
mm)falta execução de trabalhos de carpintaria;
nn)falta ligação de redes, elétrica, ITED e hidráulica;
oo)falta montagem de equipamentos e sinaléticas de segurança contra incêndios
19 – A autora não realizou os trabalhos necessários a terminar ou eliminar os aspectos da obra referidos no ponto 18 – factos provados

C.3 - Pagamento efectuado

20 – Até Junho de 2019, a ré liquidou à autora as seguintes quantias (acrescidas de IVA), correspondente às seguintes percentagens dos trabalhos adjudicados no documento descrito no ponto 3 – factos provados:

Arte e Tarefa% Adjud.Valor Pago
Trolha - Demolições e desembaraço de entulhos100,0011000,00
Trolha - Betão em fundações100,001000,00
Trolha - Aplicação de isolamentos, telhas e trabalhos de funilaria nas coberturas100,008000,00
Trolha - Abertura de roços e valas100,00650,00
Trolha - Preparação dos pavimentos das zonas húmidas (wc + piso 0)100,008000,00
Trolha - Fornecimento/Aplicação de cerâmicas95,002850,00
Trolha - Fornecimento e aplicação de soleiras + lajeados de granito (varandas)100,003700,00
Trolha - Microcimento90,0017100,00
Trolha - Rebocar/reparar fachadas e muros100,008000,00
Picheleiro - Instalação de tubos100,0019000,00
Picheleiro - Execução das caixas de saneamento100,001500,00
Picheleiro - Preparação para ligações aos ramais públicos (águas e esgotos)100,00500,00
Picheleiro - Fornecimento/Ligação de torneiras e louças sanitárias80,004400,00
Electricista - Instalação de caixas, quadros e tubos100,008000,00
Electricista - Instalação dos fios de cobre100,007000,00
Electricista - Montagem dos quadros + ITED90,002250,00
Electricista - Montagem das aparelhagens de comando50,00750,00
Electricista - Preparação para ligação de ramal publico100,00500,00
Electricista - Fornecimento e montagem de iluminação (wc, cozinha e zonas comuns)0,000,00
Pladur - Montagem de estruturas de tetos e paredes100,0010000,00
Pladur- Placar paredes e tetos c/ aplicação de isolamentos100,0015000,00
Pladur - Aplicar massas de acabamento100,002000,00
Carpintaria - Recuperação/construção das estruturas da cobertura/claraboia100,0011000,00
Carpintaria - Substituição de vigamentos de madeira100,002000,00
Carpintaria - Aplicação de sub piso em OSB com respetivo isolamento100,004000,00
Carpintaria - Fornecimento e montagem de cozinhas/moveis wc80,0012800,00
Carpintaria - Aplicar soalhos100,006000,00
Carpintaria - Raspar e envernizar soalhos0,000,00
Carpintaria - Recuperação/reconstrução de escadas principais e acesso a mezaninos95,006650,00
Carpintaria - Aplicar portas e janelas exteriores100,0025650,00
Carpintaria - Montagem de carpintarias (portas inter., armários, apainelados e portadas)95,0039900,00
Serralheiro – Gradeamentos100,003000,00
Serralheiro - Estrutura metálica100,001000,00
Pintor - Pintura de metais exteriores100,002000,00
Pintor - Pinturas madeiras55,007975,00
Pintor - Pinturas de tetos e paredes70,008400,00
Outros – Limpeza geral0,000,00
Equipam. - Elevador com estrutura autoportante80,0020000,00
Total: 281575,00
21 – Para além do valor total referido no ponto 20 – factos provados –, a ré liquidou à autora valores faturados respeitantes a trabalho não orçamentados e adjudicados inicialmente, pela primeira solicitados à segunda ulteriormente.

C.4 - Auto de medição n.º 20

22 – A autora executou, a pedido da ré, os trabalhos orçamentados e adjudicados, descritos no documento intitulado auto de medição n.º 20, no valor de € 21.162,90, junto a fls. 10 v. (e 206) (anexo documental), onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

Arte e TarefaAdjudValor
Trolha - Fornecimento/Aplicação de cerâmicas5,00150,00
Trolha - Microcimento5,00950,00
Picheleiro - Fornecimento/Ligação de torneiras e louças sanitárias15,00825,00
Electricista - Montagem das aparelhagens de comando45,00675,00
Electricista - Fornecimento e montagem de iluminação (wc, cozinha e zonas comuns)100,001500,00
Carpintaria - Fornecimento e montagem de cozinhas/moveis wc15,002400,00
Carpintaria - Raspar e envernizar soalhos98,002940,00
Pintor – Pinturas e madeiras35,005075,00
Pintor - Pinturas de tetos e paredes10,001200,00
Outros - Limpeza geral50,00500,00
Equioamentos – Elevador com estrutura autoportante15,003750,00
Total19965,00
23 – Em 13 de agosto de 2019, a autora emitiu o documento intitulado fatura n.º ..........62, no valor de € 21.162,90, junto a fls. 11 (e 205 v.) (anexo documental), que a ré rececionou, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito, a descrição “pagamento do auto n.º 20”.

C.5 - Trabalhos extra orçamento

24 – A autora executou, a pedido da ré, os trabalhos, não compreendidos no documento referido no ponto 3 – factos provados –, a seguir discriminados:

DescriçãoValor
a)Alteração da configuração do wc do RC traseiras e 1º piso traseiras250,00
b)Alteração de infraestruturas de águas e esgotos (RC traseiras e 1º piso traseiras)160,00
c)Alteração de infraestruturas elétricas e ITED e criação de novos pontos (1º e 4º piso frente)175,00
d)Criação de armário/forra em nicho entre janelas (1º piso frente - inclui lacagem)175,00
e)Alteração de portas de wc, portas de correr dentro da parede ( RC traseira e 1º piso traseiras)700,00
f)Alteração de porta de wc no 2º piso traseiras, passando a porta pelo exterior do wc350,00
g)Revestimento de parede sul com hidropainel desde caixa escadas até fachada traseira RC)840,00
h)Alteração de escada de acesso à mezanine ( 4º piso traseiras)650,00
i)Colocação de guarda de escadas/divisória de fecho do quarto (4º piso traseiras)275,00
j)Estrado revestido a pinho na largura da mezanine 4º piso, para ocultação estrutura elevador600,00
k)Raspagem e envernizamento de soalho aplicado no estrado120,00
l)Alteração de escada de acesso à mezanine do 4 piso frente180,00
m)Alteração de revestimentos dos wc (diferença de 5,00 euros/m2 relativamente ao projeto)550,00
n)Alteração do pavimento do RC (diferença de 5,00 euros/m2 relativamente ao projeto)275,00
o)Alteração das paredes exteriores de wc na zona do corredor de entrada dos apartamentos13195,00
p)Forra de paredes patamares junto ao elevador (material e diferença pintura e lacagem)1950,00
Total20445,00
Total com IVA21671,70
25 – Em 29 de Julho de 2019, a autora emitiu o documento intitulado factura n.º ..........57, no valor de € 21799,00, junto a fls. 8 (anexo documental), onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito, a descrição “trabalhos extraorçamento”.

D - Ulterior conclusão da obra

26 – Após o envio da carta referida no ponto 13 – factos provados –, a ré adjudicou terceiros a execução dos trabalhos de correção de imperfeições patenteadas pela obra executada pela autora e a execução dos trabalhos orçamentados e adjudicados à autora por esta não executados.

27 – Os trabalhos referidos no ponto anterior foram efectivamente executados por terceiros.

28 – Com a correção de imperfeições patenteadas pela obra adjudicada executada pela autora e com trabalhos orçamentados e adjudicados não executados ou não liquidados a terceiros pela autora, a ré despendeu as seguintes quantias:

DescriçãoValor
a)instalação e certificação de elevadores15977,50
b)acabar a loja situada no piso 0 e retificar as imperfeições relacionados com as pinturas e especialidade de trolha, de pladur e de pintor19451,00
c)acabar a loja situada no piso 0 e retificar imperfeições de construção relacionados com a especialidade de carpintaria16430,00
d)acabar a especialidade de eletricista e retificar as imperfeições de construção relacionados3180,00
e)limpeza de todo o pavimento em madeira existente e envernizamento do mesmo e limpeza de toda a escadaria e envernizamento da mesma2480,40
f)direção técnica da obra800,00
Total58318,90
29 – O valor de € 15977,50, referido na al. a) do ponto 28 – factos provados – corresponde ao valor de duas faturas – de € 13695,00 e de € 2282,50 – emitidas à autora pela fornecedora E..., Lda., por aquela não liquidadas.

1.2 Não provados

30 – Para execução da obra objeto da empreitada, a ré não disponibilizou à autora água nem energia elétrica.

31 – A partir de agosto de 2019, a ré não facultou o acesso à obra à autora.

2. O direito

Questão prévia – admissibilidade das revistas

Conforme resulta do relatório supra, a sentença deu procedência parcial à acção, condenando a ré a pagar à autora a quantia de €42.834,60.

A reconvenção foi, igualmente, considerada parcialmente procedente, tendo a autora sido condenada no pagamento à ré da quantia total de €39.977,50, em que €15.997,50, correspondem às despesas que a ré teve com o abandono da obra e €24.000,00, à multa contratual estabelecida entre as partes.

O acórdão recorrido, na apreciação das apelações, manteve, com a mesma fundamentação, a condenação da ré (€42.834,60) e a condenação da autora no pagamento da multa contratual (€24.000,00), tendo condenado a autora na quantia de €47.858,90 relativamente às despesas que a ré suportou com o abandono da obra pela autora.

Para o que neste âmbito assume relevância, importa salientar que o acórdão recorrido alterou a decisão relativa às quantias reclamadas pela ré por força do abandono de obra, tendo alterado o valor da condenação da sentença de €15.997,50 para €47.858,90.

Cabe, igualmente, realçar que, nesta parte, a fundamentação expendida na sentença é distinta da fundamentação do acórdão recorrido. Com efeito, a sentença entendeu que da totalidade da quantia peticionada pelo incumprimento da empreitada pela autora, apenas seria devido o montante de €15.997,50 relativo a despesas que a ré teve com a instalação do elevador (por conta de duas facturas em nome da autora que a ré pagou e que seriam sempre devidas, pelo menos a título de enriquecimento sem causa).

A sentença, porém, considerou que a quantia remanescente (€31.861,40) não seria devida pela autora à ré por considerar que, no caso, se verificou um incumprimento bilateral do contrato de empreitada (artigo 570.º do Código Civil), não sendo reconhecido o direito a uma indemnização meramente fundada em danos que procedem unicamente de acto culposo da contraparte.

O acórdão recorrido, por sua vez, entendeu ser devida pela autora a quantia de €47.858,90 (€15.997,50 + €31.861,40), relativamente às despesas que a ré teve com o abandono da obra pela autora, por entender não se estar perante uma situação de incumprimento bilateral, mas tão só de mora por parte da ré, devendo a autora ser condenada naquele valor por a recusa do direito de conclusão da obra ao dono de obra, nas circunstâncias apuradas no processo, dar lugar a clamorosos desequilíbrios, maxime quando entre as despesas realizadas e a parte do preço em atraso ocorra uma sensível desproporção.

Em face do quadro condenatório das instâncias verifica-se o seguinte:

i. perante os dois segmentos decisórios distintos, da acção e da reconvenção, ainda que ambos possam ser subdivididos em parcelas, inexiste dupla conformidade decisória no que se refere à reconvenção, porquanto o acórdão da Relação não confirmou a decisão da 1.ª instância (cfr. art. 671.º, n.º 3, do CPC).

ii. relativamente à reconvenção, no que toca ao segmento decisório impugnado pela autora na revista, está-se perante diferentes parcelas que integram componentes indemnizatórias que não são, entre si, nem autónomas nem cindíveis pois todas dizem respeito à indemnização peticionada pela ré por incumprimento contratual da empreitada:

a) multa contratual (€24.000,00);

b) despesas suportadas em virtude do incumprimento da empreitada pela autora (€47.858,90).

Assim, uma vez que o tribunal da Relação alterou a decisão em sentido desfavorável à autora em montante superior a metade da alçada do tribunal da Relação1, o recurso de revista da autora é admissível.

Quanto ao recurso de revista da ré, o fundamento recursivo que apresenta prende-se apenas com a invocação de nulidades do acórdão recorrido, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, seja por oposição entre os fundamentos e a decisão, seja por obscuridade, por entender que o acórdão recorrido padece de vício de raciocínio ao efectuar a compensação de créditos em que as partes foram condenadas.

Tem sido entendimento generalizado neste Supremo Tribunal de Justiça que a arguição de nulidades do acórdão recorrido não é admitida como fundamento exclusivo de recurso de revista (cfr. neste sentido, entre outros, acórdão de 06-07-2023, Processo n.º 929/21.2T8VCD.P1.S1).

No caso, uma vez que inexiste dupla conforme decisória e em face do fundamento recursivo da ré - erro de raciocínio no cálculo da compensação operada -, dado que a eventual quantia em erro se mostra superior à sucumbência, consideramos que teleologicamente deve o presente recurso ser, de igual modo, admitido, nos termos dos artigos 671.º, n.º 3, e 674.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPC, atenta a admissibilidade da revista em si mesma.

Do recurso da autora

2.1 Das nulidades do acórdão (conclusões I a III)

Invoca a autora/recorrente que o acórdão recorrido é nulo nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, tendo por base dois fundamentos:

1. por ter conhecido do recurso de apelação da ré, quando o deveria ter rejeitado, uma vez que não convidou a ré/recorrente a aperfeiçoar as conclusões, que não continham as normas jurídicas violadas, conforme prescreve o artigo 639.º, n.º 3, do CPC;

2. por não se ter pronunciado sobre as alegações da autora/recorrente acerca da reapreciação da prova gravada, limitando-se a referir datas e o valor da multa contratual.

As nulidades da sentença/acórdão mostram-se previstas no artigo 615.º, do CPC, e conforme é jurisprudência neste STJ, reportam-se a danos estruturais da própria decisão, não sendo confundíveis com os erros de julgamento, quer de facto ou de direito.

O artigo 615.º, n.º1, alínea d), do CPC, preceitua que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

Trata-se de uma nulidade reportada aos limites da decisão (cfr. acórdão do STJ de 04-04-2024, Processo n.º 906/20.0T8EVR.L1.S1)2: o tribunal não tem o dever de responder a todos os argumentos trazidos pelas partes, mas não está limitado a utilizar outra argumentação, ainda que não tenha sido aduzida por aquelas.

Na verdade, o tribunal mostra-se circunscrito à apreciação das questões que integram o thema decidendum, de acordo com a causa de pedir e o pedido, sem prejuízo daquilo que seja de conhecimento oficioso.

1. A nulidade por excesso de pronúncia diz respeito ao conhecimento de questões que não foram alegadas pelas partes e que se mostram alheias à causa de pedir e ao pedido, sem prejuízo das que são de conhecimento oficioso (cfr. acórdão do STJ de 01-03-2023, Processo n.º 1813/20.2T8AVR-E.P1.S13)

Assim sendo, facilmente se concluiu que o tribunal a quo ao conhecer o recurso de apelação da ré, nos termos em que a ré o configurou, não actuou em excesso de pronúncia, porquanto tratou de conhecer as questões jurídicas que a parte impugnou no seu recurso, nos estritos limites quer da causa de pedir, quer do pedido.

Por outro lado, cumpre esclarecer, que carece totalmente de fundamento a alegação de que a ré não indicou as normas jurídicas aplicáveis e que cabia ao tribunal da Relação convidar ao aperfeiçoamento das conclusões, nos termos do artigo 639.º, do CPC, pois, do teor das conclusões do recurso de apelação da ré/recorrente, verificamos que tratou a recorrente de indicar as normas jurídicas que entendeu mostrarem-se violados, conforme se extrai, a título de exemplo, das conclusões 29.º, 41.º, 48.º, 61.º e 65.º do recurso de apelação da ré.

Não padece, pois, o acórdão recorrido de qualquer nulidade por excesso de pronúncia.

2. A nulidade por omissão de pronúncia ocorre quando a decisão não resolve todas as questões que foram submetidas pelas partes à sua apreciação, sem prejuízo dos casos em que esse conhecimento fique prejudicado pela solução a outras questões antes apreciadas. Por outro lado, apenas se verifica omissão de pronúncia quando haja uma completa ausência de conhecimento da questão; não, quando ocorra uma análise ou conhecimento da questão, ainda que forma perfunctória.

Face ao teor do acórdão recorrido entendemos que a recorrente/autora confunde “questões” com “argumentos” e, no que se refere à reapreciação da matéria de facto, o tribunal a quo procedeu à reapreciação dos pontos de factos que a recorrente autora impugnou no seu recurso de apelação (pontos 30 e 31 julgados não provados), tendo apreciado de modo conjugado a prova que entendeu relevante e refutado os argumentos indicados pela recorrente, conforme se constata da seguinte fundamentação: No tocante aos pontos 30) e 31) julgados não provados, objecto de impugnação pela apelação da autora, não se vê como possam colher respaldo na prova produzida, que não certamente nos depoimentos das testemunhas BB, CC e DD, que a autora parcialmente transcreve. BB afirmou que sempre dispôs de água e energia eléctrica proveniente de uma outra obra que a ré tinha em frente e que só ocasionalmente a ligação eléctrica caiu devido a sobrecarga, problema imediatamente resolvido e sem comprometer o retomar da obra. Quanto à questão do acesso à obra –da disponibilização à ré da respectiva chave – os depoimentos de BB e de DD condizem em que só houve mudança de fechadura, numa segunda fase, depois de a ré ter “abandonado a obra”, após o prazos que lhe foram dados para a concluir, no momento em que a ré contratou directamente os subempreiteiros para acabarem a obra. Nenhum dos depoentes refere que semelhante mudança tenha acontecido no início do mês de Agosto de 2019, como logo sugeriria a fórmula “a partir de agosto”. Quanto ao depoimento da testemunha CC, nada adiantou, por nada ter dito a tal respeito, para o esclarecimento das aludidas questões. Vai, consequentemente, confirmada a não prova dos aludidos pontos 30) e 31).

Além disso, por entender não se tratar de matéria que integrasse a reapreciação da prova, mas antes matéria de direito – deveria ter sido “dado provado que o contrato de empreitada se manteve em vigor por acordo das partes, após 23 de Abril de 2019” – o acórdão recorrido refutou os argumentos aduzidos pela recorrente.

Ora, conforme é jurisprudência uniforme neste tribunal, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia “apenas se verificará nos casos em que ocorra omissão absoluta de conhecimentos relativamente a cada questão e já não quando seja meramente deficiente ou quando se tenham descurado as razões e argumentos invocados pelas partes” (cfr. neste sentido, entre outros, acórdão de 10-04-2024, Processo n.º1610/19.8T8VNG.P1.S1)4

E, bem assim, é, de igual modo, pacífico neste Supremo Tribunal, que as deficiências da motivação da decisão de facto e o não uso ou o uso deficiente pela Relação dos poderes que lhe são atribuídos pela lei processual, em sede de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto não integram a nulidade por omissão de pronúncia, a que se refere o art. 615º, nº 1, al. d), 1ª parte, do CPC (cfr. acórdão de 20-05-2021, Processo n.º 1544/16.8T8ALM.L1.S1)5.

Evidencia-se, pois, que o tribunal a quo considerou improcedente a argumentação da recorrente relativa à reapreciação da matéria de facto, e ainda que possa não ter atendido à totalidade dos argumentos aduzidos pela autora no seu recurso de apelação, não deixou de proceder à reapreciação dos pontos da matéria de facto, o que fez em conformidade com o teor do disposto no artigo 662.º, do CPC.

Assim sendo, há que concluir pela não verificação das nulidades arguidas pela autora/recorrente, quer por excesso quer por omissão de pronúncia.

Improcedem, pois, nesta parte as conclusões da revista.

2.2 Das quantias devidas por força do incumprimento contratual da empreitada pela autora (conclusões IV a XXIII)

Considera a autora que o crédito respeitante a correções de execução final da obra que antecede a sua entrega segue o regime do incumprimento da prestação principal de entrega; nessa medida, defende que, por ter havido um incumprimento de obrigações sinalagmáticas imputável a ambas as partes - a falta de conclusão da obra pela autora e a falta de pagamento de facturas pela ré, no montante de €42.834,64 -, não é devida qualquer quantia à ré.

Invoca a esse respeito o disposto no artigo 1221.º, do Código Civil, defendendo que não há lugar a qualquer indemnização ao dono de obra quando este tenha procedido à resolução do contrato e eliminado, por si, os defeitos da obra, gorando a possibilidade de o empreiteiro os reparar. Refere ainda que, por força da cláusula 14.ª do contrato de empreitada está prevista a constituição de uma garantia no montante de 10% do valor da empreitada, ou seja, de €31.200,00, visando a compensação pelos prejuízos decorrentes dos vícios da obra.

A este respeito decidiu o acórdão recorrido:

Com o devido respeito, afigura-se que não se depara aqui uma situação de incumprimento bilateral, situação a que se reporta o citado aresto do STJ de 14-01-2021, cuja doutrina, salvo melhor opinião, não faz à hipótese vertente. E não podendo, desde logo, confundir a mora em que a ré se encontrava com um incumprimento definitivo do contrato por sua parte. “A mora – ou incumprimento transitório – traduz-se num mero retardamento da prestação (que, contudo, ainda é possível) e converte-se em incumprimento definitivo se incumprido o prazo suplementar razoável concedido em interpelação admonitória. A interpelação admonitória deve conter, inequívoca e expressamente, a cominação de resolução por incumprimento se decorrido o prazo suplementar o renitente não cumprir. O incumprimento definitivo terá de resultar de uma das inequívocas situações de facto: declaração antecipada de não cumprir; decurso de termo essencial (ou prazo fatal); verificação de condição resolutiva expressa; perda de interesse na prestação…” (cfr. Ac. do STJ, de 25.06.2009, Proc. 1219/2002. S1, in www.dgsi.pt). O devedor, segundo o art. 804.º, n.º 2 do C.Civil, considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido. Verifica-se incumprimento definitivo na hipótese de o credor perder o interesse na prestação, em consequência da mora, ou se a prestação não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado por aquele (808.º, n.º 1 do C.Civil). A mora só se transforma em incumprimento definitivo se o devedor não cumpre no prazo suplementar e peremptório que o credor razoavelmente lhe concede, através da interpelação admonitória, nos termos do citado preceito legal.

E com efeito, como se observou na douta sentença recorrida, a propósito da impossibilidade de cumprimento imputável à ré, (…) na afirmação da extinção do vínculo contratual, nunca se poderá prescindir da ocorrência do próprio incumprimento definitivo da contraparte (repisa-se: da contraparte) numa das suas modalidades. Ora, nenhuma das obrigações era subjectiva ou objectivamente impossível: não era impossível à autora terminar a obra; não era impossível à ré pagar o seu preço. Em suma, quando a autora emite a referida declaração, não só não ocorre nenhuma impossibilidade de cumprimento imputável à ré, como dela não resulta imediatamente a extinção dos vínculos contratuais. A simples mora do dono da obra devedor quanto a algumas prestações do contrato de empreitada não exclui o dever de indemnizar a cargo do empreiteiro, nos termos do art.º 1223.º do CCivil. Assim se entendeu no Ac. do STJ de 23-10-2008 (Revista n.º 2978/08 -7.ª Secção, cujo sumário se encontra in pgdlisboa.pt): X - A simples mora do dono da obra no pagamento de parte do preço da obra, não convertida em incumprimento definitivo, não torna lícita a condição imposta unilateralmente pelo empreiteiro de só dar início aos trabalhos mediante o prévio pagamento da totalidade do preço, por inaplicabilidade do (invocado) regime da excepção do não cumprimento do contrato (art. 428.º, n.º 1, do CC). XI - A conduta do empreiteiro de condicionar a prestação do seu trabalho ao pagamento adiantado do preço total das obras não pode deixar de ser interpretada como significando recusa ilegítima ao cumprimento da sua obrigação, porque estribada numa exigência que não tem suporte no contrato celebrado e, pois, a que o dono da obra não estava vinculado. XII - Se este estava, efectivamente, em situação de mora quanto ao pagamento da prestação parcelar do preço, não tinha esse facto a virtualidade de legalmente justificar a recusa assumida pelo empreiteiro de não dar início às obras porque se reportava esta omissão à não satisfação prévia da integralidade do preço (que não fora clausulada) e não à mora supra indicada. XIII - Assim, incumpriu definitivamente o contrato o empreiteiro que recusou a sua prestação enquanto o dono da obra não procedesse ao pagamento integral e antecipado do preço que não podia deste exigir e exprimiu inequivocamente essa sua vontade de não cumprir, fazendo com que o dono da obra perdesse o interesse que objectivamente possuía na prestação ajustada e tivesse de contratar outro empreiteiro para executar as obras em causa. XV - O incumprimento definitivo do empreiteiro na execução da obra confere ao respectivo dono o direito de, por si ou por intermédio de outrem, proceder a essa realização e de reclamar daquele a restituição do que tiver pago.

E bem se entende que recusar em tal circunstancialismo ao dono da obra tais direitos de, por si ou por intermédio de outrem, proceder à sua conclusão e de reclamar do empreiteiro a restituição do que tiver pago, pode dar lugar a clamorosos desequilíbrios, maxime quando entre as despesas realizadas e a parte do preço em atraso haja uma sensível desproporção, como aqui sucede. Haverá, pelo exposto, que reconhecer à ré reconvinte o direito ao valor de € 58 318,90 suportado para terminar a obra através de terceiros, deduzido da quantia de € 10 460,00 (mais IVA) que teria ainda de desembolsar, caso o contrato fosse pontualmente cumprido e a obra concluída. Perfazendo o prejuízo indemnizável o montante de € 47.858,90, e procedendo nessa medida o pedido reconvencional.

A sentença entendeu de modo diverso, no sentido daquele que a autora recorrente agora propugna. Pode ler-se a esse respeito:

Resulta do confronto do facto 20 – trabalhos executados e pagos – com o ponto 22 – trabalhos executados e não pagos – que, para execução dos trabalhos restantes, a ré sempre teria ainda de desembolsar a quantia de € 10 460,00 (mais IVA). Assim, se abatermos ao valor que a ré teve de suportar para terminar a obra e eliminar patologias, isto é, se abatermos ao valor de € 58 318,90 o valor que sempre teria de suportar para terminar a obra, temos o valor parcelar do seu prejuízo de € 47 858,90. No entanto, este prejuízo só representa um crédito da ré sobre a autora se tiver sido exclusivamente causado pelo incumprimento definitivo desta, gerador da extinção das suas obrigações e da consequente necessidade de a ré contratar terceiros para concluírem a obra.

Ora, como vimos, não é isto que sucede no caso dos autos. A ré também incumpriu as suas obrigações – de pagamento parcial do preço da obra –, sendo elas sinalagmática da obrigação principal incumprida pela autora. Não lhe deve ser reconhecido o direito a uma indemnização meramente fundada em danos que procedem unicamente de ato culposo da contraparte – cfr. o art. 570.º do Cód. Civil; sobre a aplicabilidade deste regime ao incumprimento bilateral, cfr. o Ac. do STJ de 14-01-2021 (2209/14.0TBBRG.G3.S1).”.

Vejamos.

Quer as partes, quer as instâncias, convergiram na qualificação do acordo celebrado entre as partes como contrato de empreitada, o qual integra uma das modalidades do contrato de prestação serviços e encontra-se definido na lei (artigo 1207.º, do Código Civil) como aquele pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço.

Trata-se de um contrato bilateral, oneroso e sinalagmático, porquanto a obrigação do empreiteiro de execução da obra nos termos acordados (artigo 1208.º, do Código Civil) é correlativa da obrigação do dono de obra de pagar o preço convencionado com a aceitação da obra (artigo 1211.º, n.º 2, do Código Civil).

Mostra-se igualmente pacífico nos autos a questão da cessação antecipada do contrato de empreitada, tendo as instâncias convergido no entendimento de que a relação contratual cessou por conta da resolução efectuada pela ré através da carta remetida à autora, em 09-09-2019 (facto provado 13), antecedida da competente interpelação admonitória consubstanciada no envio da carta datada de 29-08-2029.

Há que acompanhar tal entendimento sufragando a respectiva fundamentação.

Igualmente foi considerado não ser atendível a excepção de não cumprimento do contrato invocada pela ré, porquanto, apesar de a autora não ter concluído a obra, a ré não procedeu ao pagamento de facturas que correspondiam a trabalhos já executados em obra, sendo possível quer o cumprimento da autora com a continuação da execução dos trabalhos, quer o cumprimento da ré com o pagamento daquela factura.

O dissídio nas decisões proferidas pelas instâncias, que continua a afastar as partes, prende-se com a atribuição da culpa no incumprimento definitivo do contrato de empreitada.

Quanto a este aspecto, a sentença entendeu que ambas as partes concorreram para o incumprimento definitivo do contrato, considerando ainda que a declaração de resolução do contrato por parte da ré não determinou a imediata extinção dos vínculos contratuais face ao elo sinalagmático entre o não pagamento pela ré de trabalhos já executados e a recusa da autora na continuação da execução da obra.

Por sua vez o acórdão recorrido, adoptando uma posição mais tradicional em matéria de incumprimento, entendeu que o incumprimento definitivo do contrato ficou a dever-se à conduta da autora, tendo-se operado pela declaração de resolução da ré, colocando a tónica na simples mora da ré relativamente a algumas facturas, o que lhe permite exigir o direito de indemnização perante a autora, nos termos do artigo 1223.º, do Código Civil.

De acordo com a qualificação adoptada por João Cura Mariano6, nos casos em que o empreiteiro entrega a obra incompleta (i), abandona a obra antes de terminar (ii), (iii) se recusa a finalizar a obra (iv) nas situações em que já se encontra em mora e não completa a obra após lhe ter sido fixado prazo para tal (v) e, ainda, nos casos em que o dono de obra perde o interesse, de modo objectivo, na conclusão da obra por aquele empreiteiro (vi), está-se perante uma situação de deficiência quantitativa, por contraposição a um cumprimento defeituoso da obra. Nesta sequência, entende o citado autor, que às vicissitudes do contrato de empreitada relacionadas com o incumprimento definitivo, que não o cumprimento defeituoso, devem aplicar-se-lhe as consequências do incumprimento geral das obrigações, previstas nos artigos 762.º e ss., do Código Civil, designadamente (…) o disposto no art. 802.º, do CC, que determina que o credor tem a faculdade de resolver o negócio com os consequentes efeitos retroativos, mantendo o direito a uma indemnização pelos prejuízos sofridos, o que poderá contemplar a existência de defeitos na parte da obra realizada, sobretudo quando o dono está interessado em aproveitar essa parte. Esta última circunstância, a verificar-se, não determina a aplicação do regime específico previsto no art. 1218.º e seg. do CC, para o cumprimento defeituoso do contrato de empreitada, uma vez que a situação de incumprimento definitivo afasta as razões que presidiram à previsão desse regime especial.

Neste Supremo Tribunal de Justiça tem também sido acolhido o entendimento de que deve ser observado o quadro legal do cumprimento e incumprimento das obrigações nos casos em que a o contrato de empreitada cessa antes do termo (cfr., entre outros, os acórdãos de 07-02-2008, Processo n.º08B192; de 19-06-2008, Processo n.º08B1079; e de 02-10-2008, Processo n.º 07B2500)7.

Consideramos que este entendimento assume cabimento nos autos.

De acordo com os artigos 406.º, n.º 1, e 762.º, n.º 2, ambos do Código Civil, os contratos devem ser cumpridos de forma integral e pontual pelas partes. E, sempre que o credor verifique o incumprimento por parte do devedor, assiste-lhe o direito de resolução do contrato, salvo nos casos de mora (artigos 432.º, n.º 1, 762.º, n.º 1, 804.º, n.º 2, e 801.º, n.º 1, ambos do Código Civil).

Nos contratos sinalagmáticos e de execução continuada, como é o dos autos, por força do disposto no artigo 801.º, n.º 2, do Código Civil, o credor pode resolver o contrato com fundamento na impossibilidade culposa de cumprimento do devedor, com direito a indemnização, nos casos em que tenha cumprido a sua obrigação.

E, nas situações em que o devedor está em mora, pode o credor fixar-lhe um prazo razoável a fim de que o devedor cumpra a sua obrigação, com a cominação de que caso não o faça, se considera resolvido o contrato através de declaração que chegue ao conhecimento da outra parte (artigos 436.º, n.º 1 e 224.º, n.º 1, ambos do Código Civil).

No caso, assume relevância para o efeito a seguinte factualidade provada:

- sem prejuízo do período em que a obra esteve embargada, não mais de quatro/cinco meses, estava contratualizado entre as partes que o terminus da obra ocorreria em 31-10-2019 (facto provado 3);

- pelo menos, desde Abril de 2019, as partes trocaram correspondência a alertar a autora para a falta de condições de permanência em obra, invocando a falta de electricidade e de água e posteriormente a troca de fechadura, e a ré para a necessidade da entrada da autora em obra para terminar os trabalhos de empreitada que ainda faltava findar (factos provados 5 a 13);

- a obra sempre teve luz e água e só foi alterada a fechadura entre 19-08-2019 e 23-08-2019 (factos provados 14 a 16);

- a autora suspendeu os trabalhos em obra, não os retomando em Agosto de 2019, em momento não ulterior a 19-08-2019 (facto provado 9);

- em 29-07-2019, a autora emitiu a factura n.º..........57, no valor de €21.799,00, com a descrição de “trabalhos extra-orçamento”, já executados, a qual remeteu à ré em 31-07-2019, que a ré não pagou (factos provados 25 e 6);

- em 13-08-2019, a autora emitiu a factura n.º..........62, no valor de €21.162,90, com descrição “pagamento do auto n.º 20”, já executados, que a ré não pagou (facto provado 23);

- em 23-08-2019, a autora remeteu à ré carta com o seguinte teor (excerto):

Exmos. Senhores, (…) dado que não se encontra regularizado o fornecimento de água e eletricidade para o prosseguimento da obra, (…) [ao que] acresce agora o facto de terem alterado a fechadura (…), existe uma impossibilidade objetiva e definitiva da continuação da obra por causa não imputável à nossa constituinte, pelo que pretende o pagamento imediato de todo o trabalho executado e despesas dele decorrentes, sem prejuízo de outras indemnizações legais (…). (facto provado 11);

- em 29-08-2019, a ré remeteu à autora carta com o seguinte teor (excerto):

Atento o estado de execução da empreitada, é-vos, assim, concedido o prazo perentório de 30 (trinta) dias – contados de forma corrida e após o recebimento da presente interpelação - para que executem e concluam os ditos trabalhos e para que eliminem/retifiquem os vícios/defeitos de construção e/ou de execução (…).

Consideraremos, ainda, que se V. Exas. não retomarem os trabalhos tendentes a executar e concluir os trabalhos previstos no projeto de arquitetura, mapa de acabamentos e caderno de encargos do prédio sito na Rua do ..., n.º ... a ..., ..., e a retificar/eliminar os vícios/defeitos de construção e/ou de execução detetados em obra no prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis – contados após o recebimento da presente interpelação – tal releva tácita e indubitavelmente uma cessação voluntária dos trabalhos sem intenção de alguma vez os prosseguir – ou seja, um abandono injustificado da obra. (facto provado 12);

- em 09-09-2019, a ré remeteu à autora carta com o seguinte teor (excerto):

Exmos. Senhores (…), não foram retomados quaisquer trabalhos no sentido de executar e concluir as obras (…).

Isto posto (…), a conduta desenvolvida por V. Exas. mostra-se apta a preencher o conceito de abandono de obra e, como tal, a Losango Curioso incumpriu definitivamente o contrato de empreitado firmado.

Atento o supra exposto, porque a mora de V. Exas. se converteu em incumprimento definitivo pela presente comunicamos que consideramos o contrato de empreitada imediata e justificadamente resolvido (…). (facto provado 13).

A relação contratual entre a autora e a ré encontrava-se num impasse, porquanto a autora suspendeu os trabalhos de empreitada até, pelo menos 19-08-2019, o que fez, na sequência de se encontrar em falta o pagamento pela ré de duas facturas respeitantes a trabalhos já executados, datadas de Julho e de Agosto.

A autora não colocou termo à relação contratual, mas a ré, em 29-08-2019, notificou a autora para que, no prazo de 30 dias, terminasse a obra e eliminasse os defeitos que nela constavam, devendo entrar em obra no prazo de 5 dias úteis.

Ora, não tendo a autora entrado na obra, no prazo estipulado, com vista à sua conclusão, a ré remeteu à autora uma declaração de resolução do contrato de empreitada, considerando o contrato extinto desde 09-09-2019.

Em face deste quadro factual dúvidas inexistem de que, após a resolução do contrato de empreitada pela ré e pela finalização da obra por terceiros, mostrou-se totalmente inviabilizada a relação contratual entre as partes, ou seja, o quadro de atraso no cumprimento de ambas as partes, converteu-se em incumprimento definitivo.

Todavia, tal como apontado na sentença, quando a ré produziu as declarações de interpelação e de resolução, quer a autora quer a ré estavam em mora no cumprimento das suas obrigações pois, por um lado, a autora não continuou a execução da obra; por outro, também a ré não havia procedido ao pagamento, pelo menos, da factura n.º..........62, que correspondia a trabalho já executado e que se mostrava vencida nos termos da Cláusula 3.ª, n.º 2, al. b), do contrato de empreitada (facto provado 3).

Neste enquadramento factual há que considerar que se está perante uma situação em que ambas as partes (autora e ré) se encontravam em mora culposa perante a parte contrária, nos termos dos artigos 798.º e 804.º, n.º 1, ambos do Código Civil, de que resultou uma paralisação do contrato de empreitada, porquanto as partes não cumpriam com as obrigações a que se tinham vinculado: continuação da execução da obra e pagamento do preço nos termos acordado. Evidencia-se, por isso, que embora o cumprimento das obrigações de cada parte ainda se mostrava possível, o certo é que, mesmo antes da resolução operada pela ré, as partes adoptaram comportamentos tendentes e concludentes com o incumprimento definitivo: a ré com a falta de pagamento das facturas de trabalhos executadas em violação contratual e a autora com a recusa de entrada em obra.

Este comportamento das partes, mesmo em situações em que a culpa seja igual ou em que não seja possível aferir o grau de culpa de cada interveniente, conforme bem explica José Carlos Brandão Proença8 não impede que um dos contraentes enverede pelo caminho da resolução9. É, também, esta a posição de Calvão da Silva e de Antunes Varela, conforme citado pelo autor na obra indicada.

Esclarece a esse propósito o citado autor que nos contratos bilaterais, quando se verifique a mora culposa de ambos os contraentes, sem que se consiga aferir do grau de culpa de cada um, e (…) tal como sucede, em parte, quando o incumprimento não procede de culpa dos contraentes, naturalmente que os prejuízos devem recair sobre ambos, estando o caminho normal a seguir dependente da aplicação de certas normas gerais sobre o incumprimento unilateral (arts. 801, 1 e 2, e 795.º, 2) e sobre a chamada conculpabilidade do lesado (art. 570.º). (…) Vê-se, assim, das duas soluções, que, quer haja ou não resolução do contrato, quer haja ou não direito à contra-prestação, não se justifica, mesmo sendo culpas equivalentes, que um dos contraentes perca do seu direito ao preço ou à indemnização (não há nestas hipóteses, nenhuma impossibilidade apenas imputável ao devedor) e o outro o sei direito a uma indemnização (como se sabe, mesmo o lesado culpado não perde, em regra, o direito a ser indemnizado). (…) O que não pode, como notou Vaz Serra, é ignorar que existe no incumprimento bilateral um problema indemnizatório cuja solução não deve ser uniforme, devendo passar, necessariamente, pela prévia aplicação do critério misto consagrado no art. 570.º em ordem à aferição da importância das condutas contributivas. 10

Salientamos, também, a posição de Tomás Selas11 que defende que quando exista um concurso de causas para o incumprimento, mas nenhuma delas isoladamente assuma gravidade necessária a esse inadimplemento, deverá imputar-se a responsabilidade a ambas as partes, devendo o montante indemnizatório ser determinado em função da gravidade de cada incumprimento. (…) Deste modo, colocar a questão do ponto de vista do sinalagma permite compreender se o incumprimento é reversível ou irreversível. O sinalagma traduz-se numa necessária reciprocidade e interdependência das prestações principais, a razão fundamental da existência do contrato. Não é necessário à existência de um contrato bilateral que as prestações recíprocas sejam equivalentes segundo um critério objetivo; basta que cada um dos contraentes veja na prestação do outro a compensação suficiente para a sua própria prestação. O que interessa é o juízo subjetivo de cada contraente, o que é decisivo é que cada um deles se obrigue a uma prestação que seja a razão de ser da contraprestação.

O âmago da discórdia nos autos prende-se com a relevância que o acórdão recorrido atribuí à declaração de resolução do contrato operada pela ré, nos termos que tal declaração importa tão somente a atribuição da culpa do incumprimento definitivo à autora, sem que se tenha em consideração que, quando a ré emite a declaração de resolução também esta se encontrava em mora com um grau de gravidade tão relevante quanto aquele que foi adoptado pela autora. Ou seja, estamos perante uma situação em que ambas as partes contribuíram para a extinção contratual de forma concludente.

Importa salientar que a comunicação remetida pela autora à ré, em 23-08-2019, na qual informa uma recusa/impossibilidade objectiva de continuação da execução da obra, ainda que constitua (mais um) comportamento a considerar para a extinção do negócio, não determinou a imediata extinção do vínculo contratual.

A questão a colocar é a de saber qual o efeito de ter sido a ré a tomar a iniciativa da resolução contratual. Entendemos que essa antecipação não a aproveita em termos de poder dela beneficiar nos termos pretendidos, uma vez que ao emitir a declaração de resolução estava, de igual modo, em mora culposa perante a autora face ao não pagamento da(s) factura(s). Embora este comportamento não se mostre impeditivo de a declaração de resolução operar os seus efeitos, não pode, porém, deixar de ser contabilizado em termos de indemnização porquanto se verificou uma concausa de culpas para a extinção do contrato, nos termos do artigo 570.º, do Código Civil.

Note-se que os fundamentos da resolução válida operada pela ré não neutralizam ou anulam o comportamento que a mesma concretizou no desenvolvimento da relação contratual e que, na mesma proporção, contribuiu para a extinção contratual, antes são determinantes para o cálculo da indemnização que reclama.

Com o devido respeito, ao contrário do que se sustenta no acórdão recorrido, não é aplicável ao caso o disposto no artigo 1223.º, do Código Civil, nem o entendimento defendido no acórdão do STJ de 23-10-2008 (Processo n.º2978/08)12, porquanto não se está perante um caso de cumprimento defeituoso de empreitada concluída, à qual são aplicáveis as normas especiais do contrato de empreitada, mas antes de um incumprimento quantitativo do contrato de empreitada, na expressão de Cura Mariano, ao qual é subsumível o regime geral do cumprimento das obrigações, conforme já explanado.

Assim sendo, importa ter presente o decidido nos acórdãos do STJ de 14-01-2021, Processo n.º2209/14.0TBBRG.G3.S113 e de 24-02-2022, Processo n.º13988/19.9T8PRT.P1.S114, que constituem o corolário dos arestos em que se consagrou a admissibilidade da concausa de culpas no âmbito do contrato de empreitada. Nestas decisões foi ponderada a problemática atinente à indemnização a atribuir quando ambas as partes contribuíram com uma quota parte de responsabilidade na produção do dano.

Nesse sentido e para o que, no caso, consideramos assumir relevância, destaca-se. em especial, o acórdão de 24-02-2022, ao referir: “no caso dos autos não se vislumbra existirem razões que justifiquem a atribuição à autora de qualquer indemnização pelos prejuízos decorrentes dos maiores custos que teve de suportar com a contratação de outro subempreiteiro para a execução dos trabalhos contratuais não executados pela R., posto que também ela contribuiu para o incumprimento do contrato de subempreitada celebrado com a ré.”

A propósito do artigo 570.º, do Código Civil, escreve Tomás Selas15 que “Esta é uma norma que pode ser aplicada quer a casos de responsabilidade contratual, quer a casos de responsabilidade extracontratual. Trata-se de uma disposição que encontra a sua raiz no estabelecimento do nexo causal entre o facto e o dano: a ratio do preceito pretende abarcar as situações em que, no processo causal, não obstante a produção de danos pudesse a certa altura, e em certo ponto, ter estagnado, a conduta culposa do lesado contribuiu, todavia, para o seu agravamento/produção.”.

Na situação dos autos, atendendo a que as obrigações que as partes incumpriram são sinalagmáticas, pagamento parcial do preço da obra e execução parcial da obra e, bem assim, o valor das obras em falta, e o montante correspondente às facturas em dívidas, o qual é bastante aproximado, entendemos que deve ser atribuída uma responsabilidade de 50% da culpa para cada uma das partes, nos termos do artigo 570.º, do Código Civil.

Consideramos não ser caso para excluir a indemnização da ré, porquanto a ré teve necessidade de contratar terceiros para concluir a obra, tendo até que liquidar duas facturas atinentes aos elevadores e relativas a trabalhos que já estavam executados, sendo certo que a factualidade apurada nos presentes autos não é totalmente idêntica à factualidade dos supracitados arestos do STJ.

Em face ao exposto, não é possível deixar de considerar que a reparação da ré não pode seguir o regime da empreitada, designadamente o quadro legal respeitante à empreitada para a reparação de defeitos após a aceitação da obra - artigos 1220.º e ss., do Código Civil -, mas o regime geral do incumprimento das obrigações por falta de entrega da obra em conformidade com o convencionado (artigos 798.º e ss., do Código Civil), integrando a indemnização as quantias respeitantes à duplicação de custos e as denominadas correcções de execução finais.

Relativamente ao montante de €15.997,50, de acordo com o disposto nos factos provados nos pontos 28 e 29, resulta da liquidação de duas facturas que o fornecedor emitiu à autora e que esta não pagou, tendo a ré procedido ao seu pagamento, o que constitui uma quantia que era da responsabilidade da autora e que a ré liquidou em sua substituição, pelo que este montante é devido pela autora à ré na sua totalidade, não sendo adequado a sua redução, nos termos do artigo 570.º do Código Civil, sob pena de enriquecimento sem causa - cfr. artigos 592.º e 593.º, ambos do Código Civil.

No que se refere às demais quantias que a ré despendeu com a correcção de execuções finais, de acordo com o facto provado 28, a mesma desembolsou o montante de €42.340,50. A esta quantia, porém, deverá, ainda, ser retirado o montante de €10.460,00, acrescido de IVA, €2.405,80, que corresponde ao confronto entre os trabalhos executados pela autora e pagos pela ré à autora (facto provado 20) e os trabalhos executados pela autora e não pagos pela ré (facto provado 22), por corresponder a quantia que esta sempre teria de pagar à autora.

Do exposto resulta que o prejuízo da ré com as correcções de execuções finais corresponde a €29.474,70, pelo que em face da redução da indemnização que deve ser operada nos termos do artigo 570.º, n.º 1, do Código Civil, no montante de 50%, a indemnização da ré, nesta parte, corresponde a €14.737,35.

Relativamente à quantia devida a título de multa, invoca a autora recorrente que Desconsiderou o tribunal “a quo” o conteúdo da missiva da Recorrida, datada de 23/08/2019, donde resulta implícita a sua anuência no alargamento do terminus da obra até esta data, uma vez que notifica a Recorrente para o facto de a partir daquela data ir accionar a multa contratual. (…) O tribunal “a quo” não pode dar por assente um documento datado de 23/04/2019 onde é referido o alargamento do prazo de terminus da obra para 08/05/2019 e ignorar o conteúdo de documento, missiva de 23/08/2019, cujo conteúdo não foi impugnado.

Compulsada a factualidade provada, entendemos que não merece qualquer reparo a interpretação levada a cabo pelo acórdão recorrido, uma vez que a cláusula 4.ª, n.º 3, do contrato de empreitada consiste numa cláusula penal, nos termos do artigo 810.º, n.º 1, do Código Civil, que preceitua que As partes podem, porém, fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal.

Por relevante na definição do que é a cláusula penal, assume pertinência o consignado no acórdão de 03-10-2019, deste tribunal, no âmbito do Processo n.º 2020/16.4T8GMR.G1.S216, esclarecendo que tem sido aceite quer pela doutrina quer pela jurisprudência que, pela sua natureza, podem existir três modalidades de cláusula penal: «Escreveu-se no acórdão deste STJ 27.09.201117: “A cláusula penal, como é aceite pela doutrina e reconhecido pela jurisprudência, pode revestir três modalidades: cláusula com função moratória ou compensatória, - dirigida, portanto, à reparação de danos mediante a fixação antecipada da indemnização em caso de não cumprimento definitivo ou de simples mora do devedor; cláusula penal em sentido estrito ou propriamente dita, em que a sua estipulação, como refere Gravato Morais (…)., substitui o cumprimento ou a indemnização, não acrescendo a nenhuma delas; e cláusula penal de natureza compulsória, em que há uma pena que acresce ao cumprimento ou que acresce à indemnização pelo incumprimento: a finalidade das partes, nesta última hipótese, é a de pressionar o devedor a cumprir, e já não a de substituir a indemnização. Na cláusula penal de tipo compulsório, afirma Almeida Costa, «as partes pretendem que a pena acresça à execução específica ou à indemnização calculada nos termos gerais» (…)” – sublinhado nosso.

É entendimento consonante com o sustentado por António Pinto Monteiro18, que, distinguindo entre cláusula penal “stricto sensu”, cláusula de liquidação prévia do dano ou de fixação antecipada da indemnização e cláusula penal puramente compulsória, diz:

“A primeira visa, fundamentalmente, compelir o devedor ao cumprimento, legitimando o credor, em caso de incumprimento, a exigir, a título sancionatório, uma outra prestação – a pena –, em alternativa à que era inicialmente devida e de maior vulto que esta.

A segunda visa, (…), facilitar a reparação do dano, nos termos previamente fixados pelas partes, não possuindo, pois, especiais intuitos compulsórios, antes a finalidade de evitar dúvidas e litígios ulteriores a respeito do montante da indemnização. Todavia, poderá vir a ter, ainda que indirectamente ou a título meramente eventual, um efeito coercitivo, designadamente quando a soma acordada se revele, na circunstância concreta, superior ao montante indemnizatório a que o credor poderia aspirar, nos termos gerais (…).

Finalmente, a cláusula penal puramente compulsória não tem qualquer influência sobre a indemnização. As partes acordam que a pena convencional, não cumprindo o devedor voluntariamente, acrescerá à execução específica da prestação ou à indemnização correspondente.”».

Em face do que mostra clausulado pelas partes, há que considerar que a cláusula penal prevista na cláusula 4.ª, n.º 3, constitui uma cláusula penal puramente compulsória, uma vez que visa indemnizar o dono de obra pelo incumprimento do prazo acordado para o início e conclusão da obra, no montante semanal de €2.000,00, sem prejuízo da existência de outros prejuízos que este demonstre ter sofrido.

Ora, de acordo com o convencionado entre as partes, a obra deveria ter sido concluída em 31-10-2018, o que não se concretizou. Verificando-se este atraso na conclusão e entrega da obra, as partes trocaram correspondência (por email ou carta), sendo relevante, para o que se decide, a carta remetida pela ré à autora em 23-04-2019 (facto provado 5), na qual alargou o prazo para conclusão da obra até ao dia 08-05-2019. Por conseguinte, não tendo a autora entregue a obra até essa data, inicia-se, a partir deste dia, a contabilização da cláusula penal.

Pretende a autora recorrente que o início do momento da contabilização desta multa contratual se inicie apenas em 23-08-2019, por força da carta envida pela ré à autora (facto provado 10). Não podemos concordar.

Com efeito, conjugando o teor da missiva referida no ponto provado 5 com a que consta do ponto provado 10, corroboramos o raciocínio expendido no acórdão recorrido, no sentido em que se inicia a contabilização da multa convencionada em 08-05-2019, data-limite concedida para a conclusão da obra, fazendo expressamente a referência ao débito das penalizações que constam do contrato. De realçar que apesar de na carta remetida pela ré à autora, em 23-08-2019, se fazer referência à contabilização de tais penalizações, a mesma já se encontrava fora do período que foi atendido para a contagem da multa (considerou-se como termo deste período, a semana de 19-08-2019, data indicada pela autora na missiva de 13-08-2019 - facto provado 9 -, em que excepciona o não cumprimento para legitimar a suspensão da execução da empreitada por falta de pagamento de factura).

Temos, assim, que a multa processual devida pela autora à ré é no montante de €24.000,00, pelo período compreendido entre 08-05-2019 a 19-08-2019 (14 semanas).

Em face do que se expôs, a ré é credora da autora pela quantia total de € 54 734,85 (€ 15 997,50 + € 14 737,35 + € 24 000,00).

Uma vez que a ré peticionou a compensação de créditos, nos termos previstos no artigo 848.º, do Código Civil, com a declaração de compensação mostram-se os créditos extintos desde o momento em que se tornam compensáveis, de acordo com artigo 854.º, do Código Civil.

Consequentemente, operando a compensação, a ré é credora da autora pela quantia de €11.900,25 (€54.734,85 - €42.834,60).

Invoca, ainda a autora recorrente que, por força da cláusula 14.ª do contrato de empreitada está prevista a constituição de uma garantia no montante de 10% do valor da empreitada, ou seja, de €31.200,00, precisamente para que o dono da obra fosse compensado dos prejuízos decorrentes dos vícios da obra.

Trata-se, porém, de argumento que não pode ser acolhido por duas razões:

- por não constarem factos provados de que resulte que foi constituída a referida garantia;

- ainda que tal tivesse ocorrido, por resultar dos termos estipulados que a mesma operava nas situações em que a obra se mostrava concluída, não tendo por isso aplicabilidade nas situações de extinção do contrato antes da obra concluída, conforme se verificou no caso.

Procedem, por isso, em parte, as conclusões da revista a autora.

Do recurso da ré

Da nulidade por oposição entre a fundamentação e a decisão e por obscuridade

Invoca a ré recorrente que o acórdão recorrido padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, por oposição entre os fundamentos e a decisão e bem assim obscuridade, na parte em que procede aos cálculos de compensação, omitindo a parcela correspondente à indemnização por multa contratual.

Dispõe o citado preceito que é nula a sentença quando (…) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Constitui jurisprudência firme deste tribunal que as nulidades da decisão são vícios estruturais e intrínsecos da decisão, reportados à construção lógica e própria da sentença, não sendo passíveis de ser confundidos com um eventual erro de julgamento, seja de facto ou de direito.

Em concreto e no que toca à nulidade prevista na citada alínea c), a mesma ocorrerá sempre que, resultado de um verdadeiro vício de raciocínio do julgador, os fundamentos invocados devessem, de forma lógica, conduzir a um resultado oposto ao que se mostra expresso na decisão (cfr. neste sentido e entre outros, acórdão do STJ de 28-02-2023, Processo n.º 215/20.5T8GMR.G1.S119).

No que se refere à decisão obscura ou ambígua, que a torna ininteligível, tem sido pacificamente entendido neste tribunal que resulta de não ser percetível qualquer sentido da parte decisória - obscuridade, ou encerre um duplo sentido -ambiguidade, e assim ininteligível para um declaratário normal, só sendo relevantes quando gerem ininteligibilidade, no sentido de um declaratário normal não poder retirar da parte decisória, e apenas desta, um sentido unívoco, mesmo depois de ter recorrido à fundamentação para a interpretar (cfr. acórdão do STJ de 15-02-2023, Processo n.º822/15.8T8VNG-C.P2.S120)

E se é certo que do teor do acórdão, ao invés do que considera a ré, não há que lhe apontar tais vícios, não podemos deixar de reconhecer que, efectivamente, o mesmo padece de erro material nos cálculos referentes à indemnização devida pela autora à ré, uma vez que olvidou a parcela referente à multa contratualizada e, bem assim, no que toca aos cálculos da compensação, o que foi, em certa medida, e parcialmente reconhecido, ainda que não na totalidade, no acórdão do Tribunal da Relação proferido em conferência.

Sucede, porém, que com o conhecimento do recurso da autora, na sua parcial procedência, tais erros materiais deixaram de assumir relevância face aos cálculos levados a cabo, pelo que o conhecimento do recurso da ré perdeu, nessa medida, utilidade e actualidade, ficando, por isso, o seu conhecimento prejudicado.

IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar:

a. prejudicada a revista da ré;

b) parcialmente procedente a revista da autora.

Consequentemente, decidem alterar o acórdão recorrido, fixando em €54.734,85 (cinquenta e quatro mil setecentos e trinta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos) o crédito da ré reconvinda sobre a autora.

Por força da compensação operada, condena-se a autora a pagar à ré a quantia de €11.900,25 (onze mil novecentos euros e cinte e cinco cêntimos).

Custas pelas partes recorrentes na proporção do respectivo decaimento.

Lisboa, 17 de Junho de 2025

Graça Amaral (Relatora)

Cristina Coelho

Rosário Gonçalves

____________________________________________

1. As quantias a considerar para efeitos de sucumbência deverão ser as relativas aos créditos reconhecidos à autora e à ré e, não, quanto ao montante que resultar da compensação a operar entre os créditos reconhecidos, porquanto para tal efeito há que atender à desvantagem ou prejuízo que a decisão determina para a parte. Mais acresce que, conforme passaremos a justificar, a operação aritmética levada a cabo pelo tribunal da Relação não reflecte de forma fiel o montante do prejuízo que a procedência do recurso de apelação da ré determinou para a autora.↩︎
2. Acessível através das Bases Documentais do ITIJ.↩︎
3. Acessível através das Bases Documentais do ITIJ.↩︎
4. Acessível através das Bases Documentais do ITIJ.↩︎
5. Acessível através das Bases Documentais do ITIJ.↩︎
6. João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, 2020, 7.ª Edição Revista e Aumentada, Reimpressão, pp. 51-54.↩︎
7. Todos acessíveis através das Bases Documentais do ITIJ.↩︎
8. José Carlos Brandão Proença, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, Universidade Católica Editora, 4.ª Edição, Set. 2023, pp. 396-405.↩︎
9. o que significou uma inflexão na posição antes adoptada por este autor↩︎
10. Obra citada, pp. 400 e ss.↩︎
11. Tomás Selas, O incumprimento bilateral e a jurisprudência portuguesa, in Revista Electrónica de Direito RED, Set. 2022, pp. 109-135, em especial 119-121.↩︎
12. Texto integral não publicado, mas com sumário disponível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2024/06/sumarios-civel-2008.pdf.↩︎
13. Acessível através das Bases Documentais do ITIJ.↩︎
14. Acessível através das Bases Documentais do ITIJ.↩︎
15. Tomás Selas, obra citada, pp. 124.↩︎
16. Acessível através das Bases Documentais do ITIJ.↩︎
17. Proc. nº 81/1998.C1.S1, relator Cons. Nuno Cameira, disponível em www.dgsi.pt..↩︎
18. Cfr. Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, 1990, págs. 282 e 604-605.↩︎
19. Acessível através das Bases Documentais do ITIJ.↩︎
20. Acessível através das Bases Documentais do ITIJ.↩︎