HABEAS CORPUS
PRESSUPOSTOS
EXTRADIÇÃO
DETENÇÃO
PRISÃO ILEGAL
DEFERIMENTO
Sumário


I - O habeas corpus é uma providência extraordinária e expedita, independente do sistema de recursos penais, que se destina exclusivamente a salvaguardar o direito à liberdade.
II – A intersecção dos regimes relativos à concessão de asilo ou proteção subsidiária e o da extradição encontra expressão no artigo 48.º da Lei n.º 27/2008, que dispondo sobre os efeitos do asilo e da proteção subsidiária sobre a extradição, estabelece que a concessão de asilo ou de proteção subsidiária obsta ao prosseguimento de qualquer pedido de extradição do beneficiário, fundado nos factos com base nos quais a proteção internacional é concedida, e que a decisão final sobre qualquer processo de extradição do requerente que esteja pendente fica suspensa enquanto o pedido de proteção internacional se encontre em apreciação, quer na fase administrativa, quer na fase jurisdicional.
III - A lei não estabelece causas de suspensão do cômputo dos prazos de detenção, nem o alargamento dos mesmos em função da pendência do processo relativo ao pedido de proteção (como, por exemplo, ocorre no artigo 215.º, n.º5, in fine, do Código de Processo Penal, em que não se estabelece qualquer suspensão do cômputo do prazo máximo de prisão preventiva, em função da suspensão do processo para julgamento em outro tribunal de questão prejudicial, mas antes e apenas uma elevação do prazo de prisão preventiva).
IV - A situação peculiar que se oferece é a de que foi autorizada a extradição, tendo a secção certificado o trânsito do acórdão do STJ – o que não constitui mais que um ato de secretaria -, mas em que o efeito característico do trânsito em julgado, que é o da exequibilidade da decisão, se mostra ausente e na dependência de um evento futuro e sem qualquer data prevista.
V – O entendimento de que, estando suspensa a execução da decisão de extradição, a contagem do prazo de entrega não se iniciou mas, simultaneamente, nada obsta à manutenção da detenção do peticionário, parece ter como pressuposto que a detenção, no processo de extradição, pode manter-se sem limite à vista que se conheça, por tempo indeterminado, em ordem à entrega, enquanto o pedido de proteção internacional se encontre em apreciação.
VI - O entendimento de que a suspensão ab initio do prazo de entrega comporta a possibilidade de o extraditando continuar detido, por tempo indeterminado, até que, havendo decisão final quanto ao pedido de proteção, o dito prazo, sendo caso disso, se inicie, corresponderá, no fundo, à criação de uma norma que a lei não contempla, para suprir uma lacuna, num quadro normativo excecional, relativo à privação da liberdade, que não consente, salvo melhor opinião, tal recurso interpretativo ao julgador, antes exigindo a intervenção do legislador

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – RELATÓRIO

1. AA, com os restantes sinais dos autos, veio, através do seu advogado, apresentar petição de habeas corpus, invocando os artigos, 222.º e 223.º, do Código de Processo Penal, nos termos e com os fundamentos que se transcrevem:

«1.º - Em 03/12/2024 o Requerido foi detido pela Polícia Judiciária no âmbito do processo de Extradição.

2.º - Em 04/12/2024 teve lugar a audição do Requerido, finda a qual o Exmo. Senhor Juiz Desembargador decidiu validar a detenção do mesmo.

3.º - Em 05/03/2025 foi proferido pelo Tribunal da Relação do Porto Acórdão nos seguintes termos:

“Pelo exposto, decide-se autorizar a requerida extradição, para a República da Colômbia, de AA, nascido a ...-...-1962, em ..., Colômbia, filho de BB e de CC, titular do passaporte ......83 e do número nacional de identidade ......60, com última residência conhecida em Portugal na Avenida ..., para efeitos do procedimento penal no âmbito do processo ...................82, que corre termos na “Fiscalia 5 Delegada ante Jueces Penales del Circuito Especializados.

O extraditando não renunciou ao benefício da regra da especialidade com as consequências acima enunciadas.

Sem tributação (art. 73.º, n.º 1, da LCJIMP).

A presente decisão final não poderá ser executada sem existir decisão definitiva do pedido de protecção solicitado pelo extraditando junto da AIMA (ponto 5), atento o disposto no artigo 48º, n.º2, da Lei n.º 27/2008, de 30-06.”

4.º - Não se conformando com a decisão proferida o Extraditando recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça.

5.º - Em 23/04/2025 o Supremo Tribunal de Justiça proferiu Acórdão decidindo:

“…

c) Negar provimento ao recurso do acórdão que decretou a extradição do requerido, que se confirma nos seus precisos termos.”

6.º - Conforme resulta da certidão emitida pelo Supremo Tribunal de Justiça, referência citius ......79, o Acórdão que decidiu a extradição do Requerente transitou em julgado em 09/05/2025.

7.º - Em 29/05/2025 a Senhora Procuradora Geral Adjunta apresentou requerimento nos autos de Extradição nos seguintes termos:

“O Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto, vem expor:

O requerido deduziu perante a Agência para a Integração, Migrações e Asilo o Pedido de Protecção Internacional 2373/24, o qual, por decisão de 17.12.2024, foi considerado infundado nos termos das alíneas e), f) e i) do n.º1 do artigo 19.º da Lei 27/2008, de 30.06, assim como foi o requerido considerado excluído de protecção internacional que pediu, nos termos do artigo 9.º da mesma lei.

O requerido, como é seu direito, recorreu da decisão da AIMA, pelo que ainda não transitou em julgado a decisão que determinou esse indeferimento.

Apesar do trânsito em julgado do Douto Acórdão do STJ, (em 09/05/2025) que integralmente confirmou o igualmente Douto Acórdão deste Tribunal da Relação no processo em epígrafe assinalado, mantém-se pendente, no Tribunal Administrativo de Lisboa recurso relativo à decisão de pedido de protecção, internacional requerido por AA.

Nos termos do disposto no art. 48º, nº2, da L. nº 27/2008 de 30/06 “A decisão final sobre qualquer processo de extradição do requerente que esteja pendente fica suspensa enquanto o pedido de protecção internacional se encontre em apreciação, quer na fase administrativa, quer na fase jurisdicional”.

Neste quadro, encontrando-se suspensa a execução da decisão que concedeu a extradição de AA, não se mostra possível assegurar o cumprimento do prazo a que alude o art. 60º nº2, da L. nº 144/99 de 31/08, cujo termo ocorre no dia 29/05/2025 e, consequentemente, encontrar fundamento legal para manter o mesmo detido provisoriamente com vista à extradição, sem prejuízo da sua entrega, se vier a ser transitadamente negada a proteção internacional que pediu.”

8.º - Assim, e bem, a Senhora Procuradora Geral Adjunta promoveu pela imediata libertação do Extraditando.

9.º - Em 29/05/2025, em resposta ao requerimento apresentado pela Digníssima Procuradora Geral Adjunta, o Senhor Desembargador Relator lavrou despacho com o seguinte conteúdo:

“Assim, apesar desse trânsito em julgado, encontrando-se suspensa, por imposição legal, a execução da decisão que concedeu a extradição, a contagem de tal prazo ainda não se iniciou, encontrando se também suspensa, não podendo, assim, iniciar-se a fase da execução da decisão proferida, sendo que não se verifica nenhuma das situações de obrigatoriedade de cessação da detenção do extraditando a que aludem os artigos 52.º e 61.º, n.º 2, da mesma LCJIMP.

Perante o exposto, nada há a determinar, sendo que também nada é promovido / requerido.”

10.º - Aparentemente, considera o Senhor Juiz Desembargador que o Extraditando poderá ficar privado da liberdade indefinidamente, ou seja, que na sua situação atual não existe um prazo máximo para privação da liberdade…

11.º - Entendimento que, como é óbvio, é contrário à Lei e à Constituição da República Portuguesa.

12.º - Assim, o Extraditando encontra-se privado da liberdade há 6 (seis) meses.

13.º - Consagra o artigo 28º, n.º4, da Constituição da República Portuguesa que:

“A prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei.”

14.º - Por seu lado consagra o Artigo 30º, n.º1 que:

“Não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com caráter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida.”

15.º - Consagra o Artigo 60º, n.º2 da Lei n.º 144/99 de 31/08 que:

“2 - Após o trânsito em julgado da decisão, o Ministério Público procede à respectiva comunicação aos serviços competentes do Ministério da Justiça para os efeitos do artigo 27.º, disso dando conhecimento à Procuradoria-Geral da República. A data da entrega é estabelecida até ao limite de 20 dias a contar do trânsito.”

16.º - No caso Sub Judice o Ministério Público assumiu de forma expressa que não poderia dar cumprimento à entrega no referido prazo.

17.º - Tendo o acórdão que determinou a extradição, transitado em julgado, o caso julgado formado tornou a decisão definitiva.

18.º - Pelo que, não podendo o Extraditando, assumidamente, ser entregue no prazo legalmente previsto, não pode o mesmo continuar privado da liberdade indefinidamente.

19.º - Ultrapassados os 20 dias a que o artigo 60º, n.º2, da Lei n.º 144/99 de 31/08, faz referência, a manutenção da prisão do Extraditando para lá do referido período temporal é ilegal.

20.º - Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 2385/18.3YRLSB-B, 5ª SECÇÃO, de 06-06-2019, disponível em www.dgsi.pt:

“I - Os prazos previstos nesses arts. 60.°, n.º 2 e 61.°, n.ºs 2 e 3, da Lei 144/99, de 31-08, tidos pelo legislador como razoáveis para entrega e remoção do extraditado do território nacional, têm como fundamento a protecção dos direitos individuais e dignidade da pessoa visada, no sentido de que, após o trânsito em julgado da decisão de extradição a mesma não pode ficar sujeita, por tempo indeterminado, a medidas de coacção, ainda que não detentivas, e à possibilidade de ser privada da sua liberdade para ser entregue à autoridade estrangeira.

II - São, portanto, prazos máximos para a remoção do extraditado do território português quer este esteja sujeito a medida de coacção detentiva, quer não detentiva.


VI - Uma vez detida, para entrega, após tal data, concretamente em 30-05-2019, sempre a sua detenção se mantém para além do prazo limite fixado pela lei, sendo assim fundado o pedido de “habeas corpus”, nos termos da al. c) do n.º 2 do art. 222.º do CPP.”

21.º - Conforme realça a jurisprudência do Tribunal Constitucional –

máxime: acórdão n.º 228/97:

“O legislador regulamentou os pressupostos, as condições, a duração e as respectivas garantias da detenção por forma a realizar a finalidade que a mesma pretende realizar com o mínimo de constrangimentos e procurando realizar o máximo de garantias do visado pela detenção. Designadamente, estabeleceu prazos de detenção sensivelmente mais reduzidos do que aqueles que se aplicam à prisão preventiva.”

22.º - Assim, sempre serão inconstitucionais os artigos artigo 60.º, n.º 2, da LCJIMP (Lei n.º 144/99, de 31-08) e n.º 2 do artigo 48.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06, quando interpretados com o sentido de que:

“encontrando-se suspensa, por imposição legal, a execução da decisão que concedeu a extradição, a contagem de tal prazo ainda não se iniciou, encontrando-se também suspensa, não podendo, assim, iniciar-se a fase da execução da decisão proferida, sendo que não se verifica nenhuma das situações de obrigatoriedade de cessação da detenção do extraditando a que aludem os artigos 52.º e 61.º, n.º 2, da mesma LCJIMP.”

Tal interpretação sempre violaria os artigos 2º, 18º, 28º, n.º4 e 30º, n.º1 da Constituição da República.

Inconstitucionalidade que, por dever de patrocínio desde já se invoca.

Assim, em face do que ficou exposto resulta, claramente, que a detenção do Recorrente é manifestamente ilegal, pelo que se requer a V. Exa., o deferimento do presente pedido de Habeas Corpus, e em consequência que seja ordenada a imediata libertação do Requerente AA.»

2. Foi prestada a informação referida no artigo 223.º, n.º1, parte final, do Código de Processo Penal (doravante CPP), nos termos que, seguidamente, se transcrevem:

« Em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 223.º do CPP, informa-se o seguinte:

Tal como refere o extraditando / requerente AA, o mesmo foi detido pela Polícia Judiciária, com vista à sua eventual extradição, em 03-12-2024.

Em 04-12-2024 teve lugar a respectiva audição, finda a qual o Exm.º Senhor Juiz Desembargador que procedeu à diligência decidiu validar a sua detenção.

Tendo o processo de extradição seguido os seus legais termos, por Acórdão deste Tribunal da Relação, proferido em 05-03-2025, decidiu-se autorizar a requerida extradição, para a República da Colômbia, para efeitos de procedimento penal.

Não se conformando com a decisão proferida, o extraditando recorreu para esse Supremo Tribunal de Justiça, o qual, em 23-04-2025, proferiu Acórdão a negar provimento ao recurso, tendo o mesmo transitado em julgado em 09-05-2025.

Perante o trânsito em julgado daquela decisão, deveria proceder-se à entrega do extraditando às Autoridades Colombianas, no prazo de 20 dias a contar dessa data, atento o disposto no artigo 60.º, n.º 2, da LCJIMP (Lei n.º 144/99, de 31-08).

Sucede que o extraditando havia deduzido, perante a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), um Pedido de Protecção Internacional, a que coube o n.º 2373/24, o qual, por decisão de 17-12-2024, foi considerado infundado nos termos das alíneas e), f) e i) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06, assim como foi considerado excluído da protecção internacional que pediu, nos termos do artigo 9.º da mesma Lei.

Na sequência, o extraditando impugnou judicialmente (acção administrativa) essa decisão da AIMA, encontrando-se a mesma pendente, para decisão, no Tribunal Central Administrativo Sul.

Estabelece o n.º 2 do artigo 48.º da referida Lei n.º 27/2008, de 30-06, que “A decisão final sobre qualquer processo de extradição do requerente que esteja pendente fica suspensa enquanto o pedido de proteção internacional se encontre em apreciação, quer na fase administrativa, quer na fase jurisdicional.”

Assim, apesar daquele trânsito em julgado, encontrando-se suspensa, por imposição legal, a execução da decisão que concedeu a extradição, a nosso ver a contagem de tal prazo de 20 dias ainda não se iniciou, encontrando-se também a mesma suspensa, não podendo, por isso, iniciar-se a fase da execução da decisão proferida, pelo que não se verifica nenhuma das situações de obrigatoriedade de cessação da detenção do extraditando, por decurso dos prazos legais para a sua manutenção, a que aludem os artigos 52.º e 61.º, n.º 2, da mesma LCJIMP.

Nessa conformidade, entendendo-se não existir fundamento legal para a libertação do extraditando, o mesmo mantém-se presentemente detido.

Porém, V.ªs Ex.ªs decidirão conforme for de Justiça.»

3. O processo encontra-se instruído com a documentação pertinente.

4. Convocada a secção criminal e notificados o Ministério Público e o mandatário do peticionário, realizou-se audiência, em conformidade com o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 223.º do CPP.

O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça secundou o pedido de habeas corpus, pronunciando-se no sentido do seu deferimento.

Após o que a secção reuniu para deliberar (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP), fazendo-o nos termos que se seguem.

*

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Questão a decidir:

Saber se o peticionário se encontra ilegalmente em situação de detenção à ordem do processo de extradição para além do legalmente permitido.

2. Factos

A matéria factual relevante para o julgamento do pedido resulta da petição de habeas corpus, da informação prestada, da certidão que acompanha os presentes autos e da consulta CITIUS do processo, extraindo-se os seguintes dados de facto e processuais (em súmula):

1. O peticionário foi detido em Portugal, no dia 03-12-2024, no cumprimento de mandado de detenção internacional emitido pelas autoridades judiciárias colombianas e divulgado pela Interpol, tendo sido, após a sua audição, em 04-12-2024, validada e mantida a detenção, designada como “situação de prisão preventiva”, conforme auto da referida data (ref.ª ......50), constante do Processo Judicial de Validação de Detenção n.º 352/24.7...

2. Na sequência, apresentado o pedido, veio o Governo português, através do Despacho n.º 20/MJ/2025, de 20-01-2025, de Sua Excelência a Ministra da Justiça, declarar admissível o pedido de extradição apresentando pela República da Colômbia respeitante ao referido cidadão, assim autorizando o prosseguimento do processo de extradição.

3. O ora peticionário havia deduzido perante a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I. P. (AIMA, I. P.) o Pedido de Proteção Internacional ..73/24, o qual, por decisão de 17-12-2024, foi considerado infundado.

4. A decisão referida no número anterior foi objeto de impugnação jurisdicional, perante os tribunais administrativos, dando origem ao processo n.º 940/25.4..., do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que, por despacho de 1.02.2025, se julgou incompetente, em razão do território, determinando a remessa dos autos, após trânsito, ao Juízo Administrativo Comum do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

5. De tal despacho reclamou o peticionário para o Tribunal Central Administrativo Sul, reclamação que, por decisão de 15-04-2025, foi indeferida, após o que foi apresentada reclamação para a conferência, rejeitada em 19-05-2025.

6. Por informação de 5-06.2025, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, nessa data ainda os autos não tinham baixado do Tribunal Central Administrativo Sul.

7. Entretanto, em 05-03-2025, o Tribunal da Relação do Porto proferiu acórdão que decidiu nos seguintes termos:

«Pelo exposto, decide-se autorizar a requerida extradição, para a República da Colômbia, de AA, nascido a ...-...-1962, em ..., Colômbia, filho de BB e de CC, titular do passaporte ......83 e do número nacional de identidade ......60, com última residência conhecida em Portugal na Avenida ..., para efeitos do procedimento penal no âmbito do processo ...................82, que corre termos na “Fiscalia 5 Delegada ante Jueces Penales del Circuito Especializados”.

O extraditando não renunciou ao benefício da regra da especialidade com as consequências acima enunciadas.

Sem tributação (art. 73.º, n.º 1, da LCJIMP).

A presente decisão final não poderá ser executada sem existir decisão definitiva do pedido de protecção solicitado pelo extraditando junto da AIMA (ponto 5), atento o disposto no artigo 48º, n.º2, da Lei n.º 27/2008, de 30-06.»

8. Interposto recurso, em 25-03-2025, para o Supremo Tribunal de Justiça, este Tribunal proferiu acórdão, em 23-04-2025, negando provimento ao recurso do acórdão que decretou a extradição do ora peticionário, que confirmou nos seus precisos termos. Tal acórdão foi notificado ao mandatário do arguido, mediante a referência 13236960, com certificação CITIUS em 23-04-2025.

Lê-se, a dado passo, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:

«De todo o modo, como assinalou o acórdão recorrido, a extradição não poderá ser executada enquanto não houver decisão definitiva sobre o pedido de proteção internacional formulado pelo extraditando, por força do disposto no art. 48º, nº 2, da Lei nº 27/2008, de 30 de junho.»

9. A secção certificou que o trânsito em julgado do acórdão proferido no n.º anterior ocorreu em 09-05-2025.

10. Em 28-05-2025, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação do Porto, apresentou requerimento nos autos de Extradição nos seguintes termos:

«O Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto, vem expor:

O requerido deduziu perante a Agência para a Integração, Migrações e Asilo o Pedido de Protecção Internacional 2373/24, o qual, por decisão de 17.12.2024, foi considerado infundado nos termos das alíneas e), f) e i) do n.º1 do artigo 19.º da Lei 27/2008, de 30.06, assim como foi o requerido considerado excluído de protecção internacional que pediu, nos termos do artigo 9.º da mesma lei.

O requerido, como é seu direito, recorreu da decisão da AIMA, pelo que ainda não transitou em julgado a decisão que determinou esse indeferimento.

Apesar do trânsito em julgado do Douto Acórdão do STJ, (em 09/05/2025) que integralmente confirmou o igualmente Douto Acórdão deste Tribunal da Relação no processo em epígrafe assinalado, mantém-se pendente, no Tribunal Administrativo de Lisboa recurso relativo à decisão de pedido de protecção, internacional requerido por AA.

Nos termos do disposto no art. 48º, nº2, da L. nº 27/2008 de 30/06 “A decisão final sobre qualquer processo de extradição do requerente que esteja pendente fica suspensa enquanto o pedido de protecção internacional se encontre em apreciação, quer na fase administrativa, quer na fase jurisdicional”.

Neste quadro, encontrando-se suspensa a execução da decisão que concedeu a extradição de AA, não se mostra possível assegurar o cumprimento do prazo a que alude o art. 60º nº2, da L. nº 144/99 de 31/08, cujo termo ocorre no dia 29/05/2025 e, consequentemente, encontrar fundamento legal para manter o mesmo detido provisoriamente com vista à extradição, sem prejuízo da sua entrega, se vier a ser transitadamente negada a proteção internacional que pediu.»

11. Na sequência, foi proferido o seguinte despacho pelo Ex.mo Juiz Desembargador Relator:

«Efetivamente o Acórdão do STJ, que confirmou integralmente o Acórdão deste Tribunal da Relação, pelo qual foi determinada a extradição de AA, transitou em julgado em 09-052025, pelo que a entrega do mesmo às Autoridades Colombianas deveria ter lugar até ao limite de 20 dias a contar dessa data, atento o disposto no artigo 60.º, n.º 2, da LCJIMP (Lei n.º 144/99, de 31-08).

Sucede que, tal como bem se assinala, o n.º 2 do artigo 48.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06, estabelece que “A decisão final sobre qualquer processo de extradição do requerente que esteja pendente fica suspensa enquanto o pedido de proteção internacional se encontre em apreciação, quer na fase administrativa, quer na fase jurisdicional”.

Assim, apesar desse trânsito em julgado, encontrando-se suspensa, por imposição legal, a execução da decisão que concedeu a extradição, a contagem de tal prazo ainda não se iniciou, encontrando-se também suspensa, não podendo, assim, iniciar-se a fase da execução da decisão proferida, sendo que não se verifica nenhuma das situações de obrigatoriedade de cessação da detenção do extraditando a que aludem os artigos 52.º e 61.º, n.º 2, da mesma LCJIMP.

Perante o exposto, nada há a determinar, sendo que também nada é promovido / requerido.»

*

3. Direito

3.1. Nos termos do artigo 27.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), todos têm direito à liberdade e ninguém pode ser privado dela, total ou parcialmente, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.

Excetua-se a privação da liberdade, no tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos previstos no n.º 3 do mesmo preceito constitucional, em que se incluem: (a) a detenção em flagrante delito; (b) a detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos; (c) a prisão, detenção ou outra medida coativa sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão; (d) a prisão disciplinar imposta a militares, com garantia de recurso para o tribunal competente; (e) a sujeição de um menor a medidas de proteção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente; (f) a detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente; (g) a detenção de suspeitos, para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessários e; (h) o internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente.

O artigo 31.º da CRP consagra o direito à providência de habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer pela própria pessoa lesada no seu direito à liberdade, ou por qualquer outro cidadão no gozo dos seus direitos políticos, por via de uma petição a apresentar no tribunal competente.

Em anotação ao artigo 31.º, n.º 1, da CRP, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, p. 508):

«Na sua versão atual, o habeas corpus consiste essencialmente numa providência expedita contra a prisão ou detenção ilegal, sendo, por isso, uma garantia privilegiada do direito à liberdade, por motivos penais ou outros, garantido nos arts. 27.º e 28.º (...). A prisão ou detenção é ilegal quando ocorra fora dos casos previstos no art. 27.º, quando efetuada ou ordenada por autoridade incompetente ou por forma irregular, quando tenham sido ultrapassados os prazos de apresentação ao juiz ou os prazos estabelecidos na lei para a duração da prisão preventiva, ou a duração da pena de prisão a cumprir, quando a detenção ou prisão ocorra fora dos estabelecimentos legalmente previstos, etc.

Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa dos direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade.»

José Lobo Moutinho (Jorge Miranda e Rui Medeiros, com a colaboração de José Lobo Moutinho [et alii], Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Tomo1, 2.ª edição, 2010, pp. 694-695), em comentário ao mesmo artigo 31.º, n.º1, da Lei Fundamental, sustenta que a qualificação de «providência extraordinária», atribuída ao habeas corpus « …não significa e não equivale à excecionalidade. Juridicamente excecional é a privação da liberdade (pelo menos, fora dos termos e casos de cumprimento de pena ou medida de segurança) e nunca a sua tutela constitucional. A qualificação como providência extraordinária será de assumir no seu descomprometido significado literal de providência para além (e, nesse sentido, fora – extra) da ordem de garantias constituída pela validação judicial das detenções e pelo direito ao recurso de decisões sobre a liberdade pessoal.»

A lei processual penal, dando expressão ao referido artigo 31.º da CRP, prevê duas modalidades de habeas corpus: em virtude de detenção ilegal e em virtude de prisão ilegal.

Dispõe o artigo 222.º do CPP, sob a epígrafe “Habeas corpus em virtude de prisão ilegal”:

«1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.»

A jurisprudência deste Supremo Tribunal vem considerando que constituem fundamentos da providência de habeas corpus os que se encontram taxativamente fixados na lei, não podendo esse expediente ser utilizado para a sindicância de outros motivos suscetíveis de pôr em causa a regularidade ou a legalidade da prisão (acórdão de 06.04.2023, proc. n.º 130/23.0PVLSB-A.S1, disponível em www.dgsi.pt, como outros que sejam citados sem diversa indicação).

Tem também decidido uniformemente o Supremo Tribunal de Justiça que a providência de habeas corpus, por um lado, não se destina a apreciar erros de direito, nem a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade (por todos, o acórdão do STJ, de 04.01.2017, proc. n.º 109/16.9GBMDR-B. S1, e jurisprudência nele citada) e, por outro, que a procedência do pedido pressupõe a atualidade da ilegalidade da prisão, reportada ao momento em que é apreciado o pedido (entre muitos, o acórdão de 19.07.2019, proferido no proc. n.º 12/17.5JBLSB, com extensas referências jurisprudenciais).

Os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, têm de se reconduzir, necessariamente, à previsão das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP.

Como se tem afirmado, em jurisprudência uniforme, o Supremo Tribunal de Justiça apenas tem de verificar (a) se a prisão, em que o peticionário atualmente se encontra, resulta de uma decisão judicial exequível, proferida por autoridade judiciária competente, (b) se a privação da liberdade se encontra motivada por facto que a admite e (c) se estão respeitados os respetivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial (acórdãos de 16.11.2022, proc. 4853/14.7TDPRT-A.S1, de 18.05.2022, proc. 37/20.3PJLRS-A.S1, e de 06.09.2022, proc. 2930/04.1GFSNT-A.S1).

3.2. O peticionário AA foi detido em Portugal, no dia 03-12-2024, no cumprimento de mandado de detenção internacional emitido pelas autoridades judiciárias colombianas e divulgado pela Interpol, tendo sido, após a sua audição, em 04-12-2024, validada e mantida a detenção, designada como “situação de prisão preventiva”, na qual desde então se encontra.

Os acórdãos da Relação e do STJ que autorizaram a extradição reconheceram a aplicação, ao caso, das normas do regime jurídico previsto na Lei n.º 144/99, de 31 de agosto (Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal), doravante designada de LCJIMP, dada a inexistência de qualquer Convenção ou outro instrumento regulador dos mecanismos de cooperação entre o Estado requerente e o Estado requerido.

Nos procedimentos de extradição, a LCJIMP nunca se refere à detenção (mantida por decisão judicial) como “prisão preventiva”, ainda que o suporte constitucional de tal privação da liberdade se encontre no artigo 27.º, n.º3, al. c), da CRP, que se refere a “prisão”.

Certo é que o Tribunal Constitucional se tem pronunciado no sentido da especificidade própria do regime da detenção no âmbito dos procedimentos de extradição, tendo decidido, no acórdão n.º 228/97, que a detenção no âmbito da extradição visa finalidade distinta da prosseguida com a prisão preventiva, sendo que enquanto a detenção no âmbito de procedimento de extradição se destina a permitir a tomada de decisão sobre a entrega da pessoa procurada e, obviamente, a entrega, a prisão preventiva (em processo penal) visa diferentes fins: garantir a presença do arguido durante o procedimento, designadamente quando haja receio de fuga, evitar o perigo de perturbação da instrução do processo, evitar o perigo de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas e evitar o perigo de continuação da atividade criminosa. Diversidade de finalidades que, no entender daquele Tribunal, justifica a existência de diferentes regimes no que concerne à possibilidade de privação do direito à liberdade.

Podemos afirmar que a “detenção” mantida por decisão judicial, no quadro do processo de extradição, ainda que, materialmente, no que concerne ao seu conteúdo restritivo de liberdades, não se distinga da prisão preventiva, já no que respeita aos seus pressupostos, finalidades e prazos é uma medida claramente distinta (cf. Rui Cardoso, Medidas de Coação – Teoria e Prática, UCP, 2024, p. 739).

Para além do que é estabelecido nos casos de detenção provisória e de detenção não diretamente solicitada, a LCJIMP define prazos máximos da detenção até à decisão sobre a extradição nos casos de procedimento ordinário de extradição, e bem assim prazos relativos à transferência do extraditando para o Estado requerente, após o trânsito da decisão de extradição.

Ocorre, porém, que o peticionário, antes de formalizado pedido de extradição, deduziu perante a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I. P. (AIMA, I. P.) o Pedido de Proteção Internacional ..73/24, o qual, por decisão de 17-12-2024, foi considerado infundado. Tal decisão foi objeto de impugnação jurisdicional, perante os tribunais administrativos, dando origem ao processo n.º 940/25.4..., do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que, por despacho de 1.02.2025, se julgou incompetente, em razão do território, determinando a remessa dos autos, após trânsito, ao Juízo Administrativo Comum do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

De tal despacho reclamou o peticionário para o Tribunal Central Administrativo Sul, reclamação que, por decisão de 15-04-2025, foi indeferida, após o que foi apresentada reclamação para a conferência, rejeitada em 19-05-2025.

Por informação de 5-06.2025, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, nessa data ainda os autos não tinham baixado do Tribunal Central Administrativo Sul.

3.2.1. A Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, transpôs para a ordem jurídica interna as Diretivas n.º 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de abril, e 2005/85/CE, do Conselho, de 1 de dezembro.

Foi alterada na sua redação pela Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio, transpondo as Diretivas n.º 2011/95/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro, 2013/32/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, e 2013/33/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho.

Posteriormente, foi sucessivamente alterada pela Lei n.º 18/2022, de 25 de agosto; pelo Decreto-Lei n.º DL n.º 41/2023, de 02 de junho; pela Lei n.º 41/2023, de 10 de agosto; pela Lei n.º Lei n.º 53/2023, de 31 de agosto, que transpôs a Diretiva (UE) 2021/1883, relativa às condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de emprego altamente qualificado.

A intersecção dos regimes relativos à concessão de asilo ou proteção subsidiária e o da extradição encontra expressão no artigo 48.º da Lei n.º 27/2008, que dispondo sobre os efeitos do asilo e da proteção subsidiária sobre a extradição, estabelece que a concessão de asilo ou de proteção subsidiária obsta ao prosseguimento de qualquer pedido de extradição do beneficiário, fundado nos factos com base nos quais a proteção internacional é concedida, e que a decisão final sobre qualquer processo de extradição do requerente que esteja pendente fica suspensa enquanto o pedido de proteção internacional se encontre em apreciação, quer na fase administrativa, quer na fase jurisdicional.

Concretamente, estabelece o artigo 48.º da referida Lei n.º 27/2008:

«Efeitos do asilo e da protecção subsidiária sobre a extradição

1 - A concessão de asilo ou de proteção subsidiária obsta ao seguimento de qualquer pedido de extradição do beneficiário, fundado nos factos com base nos quais a protecção internacional é concedida.

2 - A decisão final sobre qualquer processo de extradição do requerente que esteja pendente fica suspensa enquanto o pedido de proteção internacional se encontre em apreciação, quer na fase administrativa, quer na fase jurisdicional.

3 - Para efeitos do cumprimento do disposto no número anterior, a apresentação do pedido de proteção internacional é comunicado pela AIMA, I. P., à entidade onde corre o respetivo processo no prazo de dois dias úteis.»

Este artigo 48.º reproduz o artigo 5.º da Lei n.º 15/98, com a diferença de que antes se falava em “concessão de asilo” e “pedido de asilo”, enquanto presentemente se referem a “concessão de asilo ou proteção subsidiária” e o “pedido de proteção internacional” (e com a diferença de que a entidade agora referida no n.º 3 é a AIMA, I. P. e não o SEF).

Por sua vez, esse artigo 5.º reproduzia os artigos 6.º da Lei n.º 70/93, de 29 de Setembro, e 7.º da Lei n.º 38/80, de 1 de Agosto, diplomas que anteriormente regulavam o direito de asilo e estatuto do refugiado.

Referindo-se ao artigo 5.º da Lei n.º 15/98, disse o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 219/2004, de 30 de Março (www.tribunalconstitucional.pt):

«Como resulta do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 15/98, quando tenha sido concedido asilo, não pode ter seguimento um processo de extradição – hoje regulado pela Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 104/2001, de 25 de Agosto, e pela Lei n.º 48/2003, de 22 de Agosto – “fundado nos factos com base nos quais o asilo é concedido” (n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 15/98).

Como garantia desta prevalência do direito de asilo sobre o pedido de extradição, o n.º 2 do mesmo artigo 5.º determina que, caso esteja a correr um processo de extradição, a respectiva “decisão final” fica suspensa até ser decidido o pedido de concessão de asilo, o que é uma mera consequência da manifesta relação de prejudicialidade existente entre os dois processos.»

Reconheceu-se, pois, a existência de uma manifesta relação de prejudicialidade entre o processo de asilo e o processo de extradição, em que o n.º2 do artigo (atualmente, o artigo 48.º, n.º2) serve de garantia da prevalência do direito de asilo sobre o pedido de extradição “fundado nos factos com base nos quais o asilo é concedido”.

O Tribunal Constitucional distinguiu as situações em que o pedido de concessão de asilo é formulado depois do trânsito em julgado da decisão de extradição, daquelas em que o pedido é anterior.

Disse o Tribunal Constitucional:

«Não se encontra, porém, qualquer fundamento para entender que o reconhecimento constitucional do direito de asilo implica que haja de ser sustada a execução de uma decisão judicial que verificou, com trânsito em julgado, que estavam preenchidos os requisitos para ser decretada a extradição, quando a lei garante ao arguido as condições necessárias e o tempo suficiente para, em momento anterior, formular o pedido de asilo e requerer a suspensão do processo de extradição.

Note-se que o processo de extradição comporta o contraditório do arguido (n.º 3 do artigo 46.º e artigo 55.º da Lei n.º 144/99); prevê que lhe seja nomeado defensor se não tiver advogado constituído (n.º 3 do artigo 53.º); estabelece que o mesmo se faça acompanhar de intérprete quando é ouvido ao ser apresentado em tribunal (artigo 54.º); e admite sempre recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão final, recurso ao qual é atribuído efeito suspensivo, imperativamente (artigo 49.º da mesma Lei).

Não se vê, assim, nem que o arguido disponha de um prazo tão curto para formular o pedido de asilo que eventualmente ainda não tenha sido deduzido e para, em qualquer caso, vir ao processo de extradição requerer a sua suspensão, nem que não lhe estejam garantidos os meios indispensáveis para se defender, nomeadamente por essa via indirecta.

(…)

Também aqui se justifica que o limite para o exercício do direito de asilo e consequente pedido de suspensão do processo de extradição se encontre no momento em que se torna definitiva a decisão de extradição.»

Quer isto dizer que o facto de um extraditando apresentar pedido de asilo não é de molde a suspender a sua entrega que haja sido anteriormente ordenada.

In casu, o pedido de proteção é inequivocamente anterior aos acórdãos da Relação e do STJ (anterior mesmo à formalização do pedido de extradição), pelo que não estamos perante um caso de formulação de pedido posterior a uma decisão de extradição (o que marca uma distinção com o acórdão deste STJ, de 13-02-2025, Proc. 321/24.7YRLSB-E.S1, como foi referido em alegações orais pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto).

Como assinala Lopes da Mota (Justiça com “A”, 12.ª edição, 17.04.2026, “Pode um refugiado ser extraditado”, em https://www.justicacoma.com/edicao.php?id=21), conferindo prevalência ao “direito dos refugiados”, a formulação do mencionado artigo 48.º, de natureza marcadamente processual, suscita questões de interpretação quanto ao sentido e alcance das expressões “obsta ao prosseguimento do processo de extradição” e “fundado nos factos com base nos quais a proteção internacional é concedida”.

Diz este autor:

«Neste quadro, o exame de um pedido de extradição de um refugiado não pode limitar-se à verificação da concessão do respetivo estatuto, sob pena de subversão da sua finalidade. O que significa que deverá ser apurado se os factos pelos quais foi pedida a extradição, sendo anteriores, foram considerados para efeitos de concessão do estatuto de refugiado, ou se, sendo posteriores, podem constituir fundamento para reapreciação da situação, e, em qualquer dos casos, se tais factos são suscetíveis de determinar a retirada de proteção mediante revogação, supressão ou recusa de renovação do estatuto de refugiado.

Tratando-se de factos anteriores apreciados no processo de concessão do estatuto de refugiado, parece não haver lugar a dúvidas – a extradição não poderá ser concedida, por a ela se oporem as obrigações do Estado decorrentes do respeito pelo princípio de não-repulsão (artigo 33.º, n.º 1, da Convenção).»

Isto significa que, para o autor citado, a concessão do estatuto de refugiado não basta para negar a extradição, pois ainda há que saber “se os factos pelos quais foi pedida a extradição, sendo anteriores, foram considerados para efeitos de concessão do estatuto de refugiado, ou se, sendo posteriores, podem constituir fundamento para reapreciação da situação (…)”.

A este propósito, tendo em vista a mencionada intersecção dos regimes legais e a assinalada relação entre o processo de asilo e o processo de extradição, com prevalência do direito de asilo sobre o pedido de extradição “fundado nos factos com base nos quais o asilo é concedido”, tem interesse visitar as “Notas de Orientação” do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), relativas à extradição e à proteção internacional, tendo em vista a Convenção de Genebra de 1951 (consultar na página da ACNUR). Diz-se nessas notas que o Estado requerido “não pode extraditar um solicitante de refúgio ao seu país de origem enquanto seu pedido de reconhecimento da condição de refugiado esteja sendo considerado, inclusive durante a etapa de apelação”, e que a “informação que surja no contexto do processo de extradição pode ter uma incidência na determinação do pedido de refúgio, enquanto o resultado dos procedimentos de determinação da condição de refugiado é um elemento fundamental, que deve ser considerado pelo Estado requerido para decidir se a pessoa requerida pode ser extraditada legalmente”, recomendando:

«Caso o pedido de extradição seja apresentado pelas autoridades do país de origem do solicitante de refúgio, deve-se resolver primeiro a condição de refugiado para que o Estado requerido possa decidir se é possível extraditar a pessoa requerida legalmente. Este princípio emana da obrigação que tem o Estado requerido de garantir o respeito pelo princípio de não-devolução em virtude do Direito Internacional dos Refugiados e dos Direitos Humanos. Por uma parte, como solicitante de refúgio, a pessoa requerida tem direito à proteção contra a devolução ao país de origem durante todo o período que dure o processo de refúgio, incluída a apelação. Por outra parte, o âmbito das obrigações de não-devolução do Estado requerido em virtude do direito internacional pode variar dependendo se a pessoa requerida é ou não um refugiado. Portanto, é necessário determinar a condição de refugiado da pessoa requerida antes de poder decidir se foram reunidos os requisitos legais para a extradição.

Como consequência, nos casos em que se possa dar lugar a entrega do solicitante de refúgio a seu país de origem, devem-se realizar os trâmites para solicitar refúgio e deve-se tomar uma decisão final a respeito do pedido de refúgio antes de decidir sobre o pedido de extradição.»

Certo é que o citado artigo 48.º, n.º2, dita que “a decisão final sobre qualquer processo de extradição do requerente que esteja pendente fica suspensa” (o artigo 19.º, n.º2, da correspondente legislação espanhola - Ley 12/2009, de 30 de octubre, estabelece: “Asimismo, la solicitud de protección suspenderá, hasta la decisión definitiva, la ejecución del fallo de cualquier proceso de extradición de la persona interesada que se halle pendiente”).

3.2.2. No caso em análise, a Relação interpretou o artigo 48.º, n.º2, da Lei n.º 27/2008, no sentido de que este não impunha a suspensão do processo de extradição, mas apenas a suspensão da exequibilidade da decisão final – que “não poderá ser executada sem existir decisão definitiva do pedido de proteção solicitado pelo extraditando”.

Ocorre que a lei não estabelece, em função da pendência de um pedido de proteção internacional, qualquer alargamento dos prazos da detenção que tenha sido determinada no âmbito do processo de extradição, como também não prevê a suspensão do decurso desses prazos, como ocorre em certas situações de prisão preventiva (exemplo: suspensão nos casos de internamento hospitalar – artigo 216.º do CPP).

A situação peculiar que se oferece é, pois, a de que foi autorizada a extradição, tendo a secção certificado o trânsito do acórdão do STJ – o que não constitui mais que um ato de secretaria -, mas em que o efeito característico do trânsito em julgado, que é o da exequibilidade da decisão, se mostra ausente e na dependência de um evento futuro e sem qualquer data prevista.

Neste quadro, não vislumbramos que o prazo de entrega do ora peticionário, a que se reporta o artigo 60.º da LCJIMP, se tenha sequer iniciado, por faltar, precisamente, a imediata exequibilidade da decisão.

Por outro lado, os prazos de detenção anteriores à decisão de entrega, previstos no artigo 52.º do mesmo diploma legal, também já não podem ser convocados, pois não podemos ficcionar que não tenha sido proferida decisão do recurso no STJ (e, mesmo que o fizéssemos, o prazo de 80 dias estaria a findar), sendo certo que não foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional.

A posição do Ex.mo Juiz Desembargador Relator, no sentido de que, estando suspensa a execução da decisão de extradição, a contagem do prazo de entrega não se iniciou (com o que se concorda), mas, simultaneamente, nada obsta à manutenção da detenção do peticionário, parece ter como pressuposto o entendimento de que a detenção, no processo de extradição, pode manter-se indefinidamente, sem limite à vista que se conheça, em ordem à entrega, enquanto o pedido de proteção internacional se encontre em apreciação.

Tal entendimento, a nosso ver, não tem suporte legal, sendo, até, contrário à CRP (artigos 27.º e 28.º).

A LCJIMP não estabelece um prazo máximo geral de detenção no âmbito do processo de extradição, mas sim prazos máximos que têm de ser respeitados em diferentes fases: até à decisão final do tribunal da Relação; até à decisão do recurso interposto para o STJ; em caso de recurso da decisão do STJ para o Tribunal Constitucional, um prolongamento por mais três meses, a contar da data da interposição do recurso.

A lei não estabelece causas de suspensão do cômputo destes prazos de detenção, nem o alargamento dos mesmos em função da pendência do processo relativo ao pedido de proteção (como, por exemplo, ocorre no artigo 215.º, n.º5, in fine, do Código de Processo Penal, em que não se estabelece qualquer suspensão do cômputo do prazo máximo de prisão preventiva, em função da suspensão do processo para julgamento em outro tribunal de questão prejudicial, mas antes e apenas uma elevação do prazo de prisão preventiva).

Por sua vez, existem prazos de entrega / remoção do extraditado: um de 20 dias, que pode ser alargado por mais 20 dias, podendo acrescer, ainda, mais 20 dias, quando razões de força maior, designadamente doença verificada nos termos do n.º3, do artigo 35.º, impedirem a remoção do extraditado (artigos 60.º e 61.º).

Suspensa a execução da decisão de extradição, como ocorre no caso em apreço, a contagem do prazo de entrega, como já se disse, não se iniciou.

Porém, o entendimento de que a suspensão ab initio do prazo de entrega comporta a possibilidade de o extraditando continuar detido, por tempo indeterminado, até que, havendo decisão final quanto ao pedido de proteção, o dito prazo, sendo caso disso, se inicie, corresponderá, no fundo, à criação de uma norma que a lei não contempla, para suprir uma lacuna, num quadro normativo excecional, relativo à privação da liberdade, que não consente, salvo melhor opinião, tal recurso interpretativo ao julgador, antes exigindo a intervenção do legislador.

No essencial, tratar-se-ia de uma suspensão do prazo de entrega, com o consequente prolongamento da situação de detenção, sem qualquer limite temporal para a detenção que esteja predeterminado na lei.

Atente-se que, muito embora o contencioso administrativo em matéria de direito de asilo e de proteção subsidiária seja marcado pela exigência de celeridade, atenta a sua natureza urgente, certo é que, relativamente ao pedido considerado infundado, por decisão de 17-12-2024, continua, na presente data, sem apreciação “de fundo”, a impugnação jurisdicional de tal decisão perante os tribunais administrativos, que tem sido paralisada, nos recentes meses, pela questão da (in)competência territorial.

Neste quadro, entendemos que razão teve o Ministério Público junto do Tribunal da Relação, quando, em 28-05-2025, apresentou requerimento nos autos de extradição, na parte em que consignou não encontrar “fundamento legal para manter o mesmo detido provisoriamente com vista à extradição, sem prejuízo da sua entrega, se vier a ser transitadamente negada a proteção internacional que pediu”, muito embora não tenha sido consequente com essa posição, que deveria, logicamente, ter conduzido à promoção da cessação da detenção e da aplicação de outra(s) medida(s) ao peticionário.

Em conclusão, não tem fundamento legal a manutenção da detenção do peticionário, razão por que o pedido de habeas corpus deve ser deferido (ainda que sem exata coincidência de razões).

Naturalmente que a cessação da detenção do peticionário nada tem a ver com o prosseguimento do processo, devendo ser adotadas as medidas necessárias a que, uma vez decidida a matéria do pedido de proteção internacional, se proceda em conformidade.

*

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em deferir a providência de habeas corpus ora em apreciação, apresentada por AA, determinando a cessação da sua detenção, dando-se conhecimento, previamente, do presente acórdão ao Tribunal da Relação do Porto, com nota de “muito urgente/libertação de recluso”, para que possa ponderar a eventual aplicação de medidas de coação.

D. nec. (mandados de libertação).

Comunique-se de imediato à PGR.

Sem custas por não serem devidas.

Supremo Tribunal de Justiça, 9 de junho de 2025

(certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)

Jorge Gonçalves (Relator)

Vasques Osório (1.º Adjunto)

Jorge dos Reis Bravo (2.º Adjunto) – com declaração que segue

Helena Moniz (Presidente da Secção)

Declaração de voto:

A questão suscitada na presente providência de habeas corpus contende com a necessidade de compatibilização e (tanto quanto possível) harmonização dos regimes de Extradição (Lei n.º 144/99, de 31-08) e de Asilo e Proteção Subsidiária (Lei n.º 27/2008, de 30-06), no que respeita à disciplina da (manutenção da) detenção de pessoa a extraditar.

No caso em apreço, o extraditando AA deduziu perante a Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA), em 30-10-2024, um Pedido de Proteção Internacional, ao qual coube o n.º ..73/24, tendo o mesmo, por decisão de 17-12-2024, sido considerado infundado nos termos das alíneas e), f) e i) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06, assim como foi o pedido considerado excluído de proteção internacional, nos termos do artigo 9.º da mesma Lei.

O extraditando impugnou judicialmente tal decisão de indeferimento, a qual não conheceu ainda decisão final.

O mesmo foi detido em Portugal no dia 03-12-2024, tendo, após a sua audição, sido validada a detenção e aplicada a medida de detenção, nos termos dos artigos 39.º da LCJIMP e 202.º e 204.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, conforme auto de 04-12-2024 (ref.ª ......50), constante do Processo Judicial de Validação de Detenção n.º 352/24.7..., mantendo-se nessa situação de detenção até à presente data.

Entretanto, transitou em julgado o acórdão deste STJ de 23-04-2025, que confirmou nos seus precisos termos o acórdão da Relação do Porto de 05-03-2025, que decidiu autorizar a requerida extradição do ora peticionário para a República da Colômbia, conquanto tenha igualmente, desde logo, determinado que « A presente decisão final não poderá ser executada sem existir decisão definitiva do pedido de protecção solicitado pelo extraditando junto da AIMA (ponto 5.), atento o disposto no artigo 48.º, n.º 2, da Lei n.º 27/2008, de 30-06.»

Com efeito, dispõe o n.º 2 do art. 48.º da Lei n.º 27/2008, que «2 - A decisão final sobre qualquer processo de extradição do requerente que esteja pendente fica suspensa enquanto o pedido de protecção internacional se encontre em apreciação, quer na fase administrativa, quer na fase jurisdicional.»

Não podia desconhecer o legislador da Lei de Asilo e Proteção Subsidiária (em 2008), por ser muito posterior à Lei n.º 144/99 e ter decorrido um período apreciável de aplicação da mesma, que no processo de extradição em que é proferida decisão final – que ficará suspensa por efeito do pedido de proteção internacional –, é frequente o extraditando aguardar os seus termos mediante detenção.

Ora, a opção do recurso ao pedido de proteção internacional pelo extraditando – ainda que anterior à data da sua detenção no procedimento extradicional, como é o caso dos autos – não pode conferir-lhe a prerrogativa de se poder subtrair, por via da formulação desse pedido (já indeferido pela AIMA), à efetivação da sua extradição (decidida com trânsito em julgado), designadamente através da cessação da situação de detenção a que ficou sujeito.

No caso vertente, temos de considerar que, apesar do princípio da prevalência do “direito dos refugiados” sobre a extradição – afirmada no n.º 1 do art. 48.º da Lei n.º 27/2008 – tal princípio não é aplicável à situação vertente nos autos, em que temos uma “pessoa a extraditar” – rectius, cuja extradição já foi definitivamente autorizada –, que é, simultaneamente, requerente de proteção internacional, com indeferimento do pedido pela entidade administrativa competente; não é, nem invoca ser, sequer, beneficiário de qualquer estatuto de proteção internacional. Ou seja, o princípio da prevalência do “direito dos refugiados” não é aqui invocável, pelo menos nos mesmos termos, dado que nos encontramos perante o regime do n.º 2 do art. 48.º da Lei n.º 27/2008.

A suspensão ope legis da decisão final de extradição, confirmada por acórdão transitado em julgado deste STJ, no processo subjacente ao presente procedimento de habeas corpus, não impõe que se opere, automaticamente, a cessação da detenção a que o extraditando se ache sujeito, como se acha, no processo de extradição, tornando tal situação ilegal.

Na verdade, como se refere no citado preceito, ao ficar suspensa a decisão de extradição – ou seja, em rigor, a sua eficácia – não pode deixar de se entender que qualquer prazo processual que possa estar em causa – designadamente o (início do) prazo (de 20 dias) de entrega, previsto no art. 60.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, fica, também, suspenso. O que se suspende são, não só os efeitos da decisão em si mesma – a sua executoriedade – mas os termos e prazos processuais inerentes à fase processual em que o processo de extradição se encontra.

Entendimento contrário equivaleria a que, se o extraditando tiver de ser efetivamente extraditado (por eventualmente lhe não ser concedido o estatuto de asilo ou de proteção subsidiária), o prazo do art. 60.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99 já teria decorrido, situação que se afiguraria lógica e juridicamente aberrante.

É que, a confluência dos dois regimes – da Extradição e do Asilo e Proteção Subsidiária – subtrai a questão da detenção da estrita lógica do processo de extradição.

Como tal, parece-nos não ser desrazoável entender-se, como o faz o Senhor Desembargador relator no TRP, na informação prestada ao abrigo do art. 223.º, n.º 1, do CPP, ao considerar que «(…), apesar daquele trânsito em julgado, encontrando-se suspensa, por imposição legal, a execução da decisão que concedeu a extradição, a nosso ver a contagem de tal prazo de 20 dias ainda não se iniciou, encontrando-se também a mesma suspensa, não podendo, por isso, iniciar-se a fase da execução da decisão proferida, pelo que não se verifica nenhuma das situações de obrigatoriedade de cessação da detenção do extraditando, por decurso dos prazos legais para a sua manutenção, a que aludem os artigos 52.º e 61.º, n.º 2, da mesma LCJIMP.

Nessa conformidade, entendendo-se não existir fundamento legal para a libertação do extraditando, o mesmo mantém-se presentemente detido.»

Quanto à compatibilização desta interpretação normativa com a (aparente) indefinição de um período limite de detenção, em tais circunstâncias, dir-se-á que, partindo de uma inarredável necessidade de controlo judicial de tal detenção, e considerando que o processo de asilo ou proteção internacional subsidiária tem carácter urgente, quer na fase administrativa quer na fase jurisdicional (art. 84.º, da Lei n.º 27/2008), o que também ocorre com a ação administrativa de impugnação de ato administrativo (urgente), uma tal situação não emerge como ilegal, nem como inconstitucional, desde que não afronte decisivamente um parâmetro de proporcionalidade, por ex., com um excesso injustificado de demora dos trâmites do processo administrativo.

Dessa forma se harmonizam os interesses concorrentes, de acordo com um critério de concordância prática.

Sucede, na verdade, que a instauração do processo de asilo ou proteção subsidiária internacional foi opção do extraditando, não sendo a sua hipotética demora, em que o mesmo tem vindo a exercitar à exaustão os seus direitos processuais, da responsabilidade do Estado.

As vicissitudes advenientes do protelamento da decisão de proteção de internacional e a sua implicação no quadro da sua situação de detenção no processo de extradição constitui um ónus que o aqui extraditando certamente ponderou, já que exercitou uma prerrogativa que pode, virtualmente, a ser sucedida, obviar à sua extradição.

No processo de extradição todos os prazos foram escrupulosamente observados.

Parece-nos, por outro lado, não se mostrarem, neste momento, amortecidas as exigências cautelares que determinaram a decisão de sujeitar o extraditando à situação de detenção. Ao invés, face ao trânsito em julgado do acórdão do STJ no sentido de confirmar o acórdão do TRL, as mesmas ter-se-ão robustecido.

Não vale, por outro lado, por inaplicável, invocar aqui o disposto no art. 30.º, n.º 1, da CRP, dado não se estar perante “penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida”.

Creio, por isso, que a constelação combinada dos preceitos dos artigos 48.º, n.º 2 e 84.º da Lei n.º 27/2008 e 60.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, permitindo dela extrair uma interpretação normativa no sentido em que fica suspensa a contagem do prazo deste último preceito e, como tal, não é legalmente imposta a cessação da situação de detenção no procedimento extradicional a que o extraditando, requerente de asilo ou proteção internacional esteja sujeito, desde que assegurado o controlo judicial da situação de acordo com critérios de razoabilidade e proporcionalidade, não vulnerando tal interpretação normativa o disposto no art. 23.º, n.º 3, al. c), da Constituição da República Portuguesa ou qualquer outra norma, princípio ou parâmetro constitucionais.

O entendimento exarado na informação pelo Senhor Desembargador relator no TRL, embora o não tenha explicitado, encontra, quanto a mim, inteiro suporte nesta interpretação normativa, o que infirma a ilegalidade da situação de detenção em que se encontra o extraditando.

Por estas razões, me distancio, assim, da decisão que fez maioria.