RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA
DADOS DE PAGAMENTO
CONTA BANCÁRIA
DEVERES ACESSÓRIOS
DEVER DE DILIGÊNCIA
NEGLIGÊNCIA
ÓNUS DA PROVA
DANOS PATRIMONIAIS
BANCO
LEI APLICÁVEL
Sumário

Sumário1:
O banco em que está sediada a conta bancária correspondente ao IBAN indicado na ordem de transferência não tem o dever de verificar se o titular dessa conta coincide ou não com o beneficiário indicado na ordem de transferência.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. FIT SPORT D.O.O. SV, VAT intentou a presente acção declarativa, sob a forma comum, contra Caixa Geral de Depósitos, S.A. pedindo que na procedência da acção seja a ré condenada a pagar-lhe a titulo de danos patrimoniais a quantia de 187.524,61 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Muito sinteticamente alegou para o efeito que em 14 de Outubro de 2019 efectuou uma transferência bancária da sua conta para pagamento no exterior, da quantia de € 187.524,61, à ordem de SIS EASTERN EUROPE LTD, para o IBAN PT 50 .... .... .... .... .... 7, na conta bancária aberta na ré.

O pagamento foi concretizado com sucesso, a 15 de Outubro de 2019, tendo, após o crédito na conta de destino, o respectivo saldo sido mobilizado logo no dia 16.10.2019, através de transferência no valor de € 119.000,00 e no dia seguinte, dia 17.10.2019, no valor de € 68.000,00.

Acontece que a conta bancária aberta na ré não era da titularidade da SIS EASTERN EUROPE LTD, tendo a autora sido enganada e ficando desembolsada daquela quantia. A autora invocando ter sido vítima de fraude, pediu a restituição da quantia à ré, não tendo esta procedido a tal restituição.

A ré é, no entanto, responsável pelo dano sofrido pela autora na medida em que aquando da abertura da conta de destino não respeitou as normas legais em vigor na matéria e não actuou com elevado grau de cuidado, nem adoptou os procedimentos necessários.

2. Em sede de contestação veio a ré excepcionar o erro na forma de processo por violação do princípio da adesão uma vez que a autora apresentou queixa crime que deu origem a processo a correr termos no DIAP de Lisboa e não se verificando nenhuma das circunstâncias referidas no art. 72º do CPP que permitem a dedução do pedido em separado.

No mais, impugnou a versão dos factos apresentada pela autora e alegou ter cumprido todas as normas legais e regulamentares em causa e em nada contribuiu para o evento danoso.

3. A autora pronunciou-se sobre a invocada excepção.

4. Não teve lugar audiência prévia, tendo sido elaborado despacho que conheceu e afastou a excepção invocada e fixou o objecto do litígio e os temas de prova.

5. Foi proferida sentença que culminou com o seguinte segmento decisório:

“Por tudo quanto exposto fica, decide-se julgar a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolver a ré, Caixa Geral de Depósitos, S.A., do pedido.

Custas pela autora.”

6. A A. apelou da sentença, recurso que foi conhecido pelo Tribunal da Relação e que confirmou a decisão.

7. Novamente inconformada a A. apresentou recurso de revista, pela via excepcional, onde invocou como fundamentos da excepcionalidade a relevância jurídica e social das seguintes questões:

- apurar se ocorreu ou não responsabilidade civil extracontratual do Banco (artigo 483.º do Código Civil), por violação das normas relativas à actuação das entidades bancárias no que concerne à abertura de contas;

- apurar se ocorreu ou não violação do regime legal das transferências SEPA;

- apurar se o banco em que está sediada a conta bancária correspondente ao IBAN indicado na ordem de transferência tem ou não o dever de verificar se o titular dessa conta coincide ou não com o beneficiário indicado na ordem de transferência.

Formula as seguintes conclusões (transcrição):

“1ª A recorrente não se conforma com tal decisão, que fez, com todo o respeito, violação ou errada aplicação da lei de processo e cometeu violação de lei substantiva, por errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.

2ª O presente recurso visa contribuir para a interpretação do regime jurídico aplicável em Portugal à responsabilidade civil do Prestador de Serviços de Pagamento, numa leitura sistematizadora do regime especial de responsabilidade previsto no RJSPME, à luz das soluções gerais previstas no CC.

3ª O denominador comum nos Serviços de Pagamento é o facto de permitirem a realização daquela que é certamente a operação de pagamento mais relevante: a transferência de fundos.

4ª A execução de operações de pagamento em geral - e de transferências de fundos em particular – pode ser afetada por diversas perturbações suscetíveis de comprometer em diferentes graus o cumprimento do programa obrigacional acordado entre Prestador do Serviço de Pagamento e o utilizador.

5ª Daí a relevância do regime de responsabilidade civil aplicável a quatro dessas perturbações: - execução não autorizada; - não execução; - execução incorreta ou tardia; e utilização de identificadores únicos incorretos.

6ª Esta matéria rege-se pelo disposto no Capítulo III do Título III do RJSPME (artigos 100.º a 136.º), dedicados ao direitos e obrigações relativos à prestação e utilização de Serviços de Pagamento.

7ª Sendo as questões suscitadas pela Recorrente as seguintes:

a) Apurar se ocorreu ou não violação da responsabilidade civil extracontratual (art.483º do CC), por violação das normas relativas à atuação das entidades bancárias no que concerne à abertura de contas;

b) Apurar se ocorreu ou não violação do regime legal das transferências SEPA;

c) O banco em que está sediada a conta bancária correspondente ao IBAN indicado na ordem de transferência tem ou não tem o dever de verificar se o titular dessa conta coincide ou não com o beneficiário indicado na ordem de transferência.

8ª E não pode deixar de se reconhecer o relevo jurídico destas matérias, na medida em que estamos em matéria de princípios legalmente consagrados, que impõe uma intervenção corretora do Supremo Tribunal de Justiça, evitando que a errada interpretação dos preceitos em causa, pela sua relevância jurídica e social, se possa repetir.

9ª Estamos indubitavelmente perante uma situação casuística de elevada relevância jurídica, porquanto está em causa a aplicação de legislação atinente à atuação bancária, designadamente do Regulamento (UE) 2015/847 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, do Aviso n.º2/2018 do Banco de Portugal, do Regulamento (UE) n.º 260/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de março de 2012, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, do Código dos Valores Mobiliários e do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica.

10ª Está em causa uma relação extracontratual muito singular entre as partes, a qual se gerou por meio de uma relação contratual que envolveu a Recorrida com pessoa singular e pessoa coletiva cujo objetivo exclusivo era apoderar-se ilegitimamente de quantias monetárias.

11ª Ora, nos presentes autos estamos perante um caso de interesse de particular relevância social atendendo à violação de princípios legalmente consagrados, bem como ao manifesto extravasamento das exigências legais.

12ª Diariamente, realizam-se em Portugal milhões de operações de pagamento por via eletrónica, sobretudo por transferências a crédito, débitos diretos e através de cartões.

13ª Uma boa parte do regular funcionamento da economia e da sociedade de consumo que a sustenta assenta no pressuposto de que os pagamentos realizados eletronicamente são seguros, rápidos e eficientes.

14ª A verdade desta afirmação está inequivocamente demonstrada numa publicação do Banco de Portugal, na qual justamente se sublinharam os enormes desafios colocados pela Pandemia COVID-19 à capacidade de adaptação e resposta dos sistemas de pagamento em Portugal - BANCO DE PORTUGAL - Relatório dos sistemas de pagamentos de 2019, 2020, p. 28-35.

15ª Segundo a publicação, só no ano de 2019 realizaram-se em Portugal 3 mil milhões de operações de pagamento de retalho (excluindo pagamentos em numerário), quase todas através de meios eletrónicos (99,1%), nomeadamente através de cartões (86,6%), débitos diretos (6,9%) e transferências a crédito (5,5%).

16ª Quanto a montantes processados, as 3 mil milhões de operações de pagamento movimentaram um total de 523 mil milhões de euros, dos quais 439 mil milhões através de meios eletrónicos (83,9%), merecendo destaque particular as transferências a crédito (51,8%) e os cartões de pagamento (25,8%).

17ª Crê-se que estes dados são suficientes para demonstrar a pertinência do objeto do recurso.

18ª Afinal, é ao Direito que compete tutelar a confiança dos consumidores e das empresas no mercado de pagamentos e é no instituto da responsabilidade civil que se encontra uma parte importante das normas jurídicas destinadas a esse fim.

19ª Num mundo cada vez mais informatizado e tecnológico, no qual as transferências bancárias se assumem, cada vez mais, como o método de pagamento preferencial, é mister determinar uma diligência cada vez mais rigorosa por parte das entidades bancárias, e, por consequências, dos respetivos agentes bancários.

20ª As transferências bancárias constituem matéria cada vez mais presente no direito português, sendo que, todos os dias, se realizam milhares de operações deste tipo.

21ª Nestes termos, assume particular relevância jurídica e social esclarecer quais as concretas diligências, bem como qual a profundidade da sua exigência, que são exigíveis às entidades bancárias aquando da abertura de contas, tendo em vista a prevenção de roubos, fraudes, branqueamento de capitais, ou qualquer outra atividade criminosa.

22ª Por se encontrarem preenchidos os pressupostos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672º do Código de Processo Civil, deve o presente recurso ser admitido como de Revista Excecional.

23ª A ilicitude poderá definir-se, no fundo, como a violação da ordem jurídica. Determinada conduta traduz-se num ato ilícito quando, considerado na sua figuração exterior e abstraída ainda da atitude interna do sujeito, contradiz um imperativo ou proibição da ordem jurídica (Larenz, Methodenlehre der Rechtswissenschaft (Studienausgabe), 5.ª edição alemã, Springer Verlag, Berlin, Heidelberg, New York, Tokyo, 1983, pág. 354 [cfr. Metodologia da Ciência do Direito (tradução portuguesa da 6.ª edição alemã), 3.ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1997, pág. 687].), ou na violação de um dever jurídico.

24ª Pode concluir-se que, como ensina o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de maio de 2003, no âmbito do processo n. º03B535 que “(…), a ilicitude do facto vem tipificada em duas modalidades, podendo traduzir-se na violação do direito de outrem, isto é, na violação de um direito subjetivo, ou na violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios. (…) a diferença entre as duas modalidades de ilícito apenas se compreende no pressuposto de que nem todo o interesse juridicamente protegido de uma pessoa constitui um «direito subjetivo».

25ª Karl Larenz, Lehrbuch des Schuldrechts, B.II, Besonder Teil, 12. Auf., C. H. Beck, Munchen, 1981, pág.618 ss., concretiza ainda, neste sentido, que “E, justamente, na segunda modalidade apontada, a protecção jurídico-civilística dos bens ou interesses em causa desenvolve-se em duas direcções. Por um lado, não se torna, por conseguinte, necessário que mercê da infracção da «norma de protecção» resulte do mesmo passo violado um direito subjectivo. Por outro lado, o pressuposto da culpa há-de referir-se tão somente à contravenção da norma, enquanto a violação do interesse respectivo carece apenas de ser adequadamente causada – salvo se a própria norma exigir uma especial imputação culposa desta violação.”

26ª Sendo que, por “normas ou leis de proteção” na aceção esboçada supra entendem-se todas as presunções que impõem ou proíbem um certo comportamento com vista à tutela dos interesses juridicamente reconhecidos de determinadas pessoas ou círculos de pessoas.

27ª Deste modo, de entre os requisitos da obrigação de indemnizar, nos termos da responsabilidade civil extracontratual, para que o facto seja ilícito é necessário que haja violação de um direito subjetivo, ou de uma norma legal que proteja interesses alheios, por modo que o dano se tenha registado no círculo de interesses privados que a norma violada visa tutelar.

28ª No caso dos presentes autos, e em desconformidade com a decisão recorrida, é por demais evidente que existe um interesse particular ínsito dos preceitos legais invocados pela Recorrente.

29ª Não obstante o Regulamento da UE 2015/847 objetivar a proteção de interesses públicos, como a tutela dos fluxos de dinheiro ilícito, bem como a integridade, a estabilidade e a reputação do setor financeiro, criando disposições preventivas da ameaça ao mercado interno da União, sendo que expressamente invoca, nos seus considerandos que a “(…) solidez, integridade e estabilidade do sistema financeiro de fundos e a confiança no sistema financeiro poderão ser seriamente comprometidas pelos esforços dos delinquentes e seus associados para camuflar a origem do produto do crime ou para transferir fundos para atividades criminosas”, é incontestável que a este diploma legal está ínsita a tutela de interesses privados, porquanto são os fundos financeiros dos particulares que são mais afetados pela atividade criminosa referenciada. É sabido que não será possível estabelecer a integridade a estabilidade do sistema financeiro sem que, concomitantemente, se conjeture a proteção dos bens privados.

30ª O mesmo acontece relativamente à Lei n. º83/2017 e ao Aviso n. º2/2018 do Banco de Portugal, que, se por um lado, visam o combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, por outro, deve retirar-se de tais disposições legais a tutela dos interesses individuais, uma vez que os delinquentes desta estirpe utilizam, não raras vezes, as contas bancárias de particulares que logram ludibriar para satisfazer os seus intentos criminosos.

31ª Deste modo, resulta notório que na violação das leis invocadas pela Recorrente constitui fonte de responsabilidade civil por facto ilícito à luz do art.483º do Código Civil.

32ª Com efeito, a Recorrente tem direito a uma indemnização por danos patrimoniais, pois perdeu a quantia de 187.524,61€ em razão da atuação da Recorrida, que: - na abertura da conta de destino não respeitou as normas legais em vigor na matéria; - não atuou com elevado grau de cuidado, nem adotou os procedimentos necessários e exigíveis; - acabou por permitir uma operação bancária indevida causando prejuízo à recorrente.

33ª Na abertura da conta, a R. não procedeu à completa e comprovada identificação de cada um dos titulares da conta, dos seus representantes e demais pessoas com poderes de movimentação.

34ª E à verificação da idoneidade e suficiência dos instrumentos que outorgaram os poderes de representação e de movimentação das contas.

35ª A R. na abertura da aludida conta não exigiu a apresentação de documento de identificação válido do qual contassem a fotografia e a assinatura do titular do mesmo, emitido por autoridade pública competente.

36ª A R. não exigiu documentos originais ou cópia certificada dos mesmos para comprovação pelo cliente dos documentos exigíveis para a abertura da conta.

37ª E se tais documentos apresentassem dúvidas quanto ao seu teor, idoneidade, autenticidade, atualidade, exatidão ou suficiência, devia a R. ter promovido as diligências adequadas à cabal comprovação dos elementos previstos para a abertura presencial de contas de depósito.

38ª Por referência à abertura de conta presencial, a R. deveria ter adotado os cuidados e procedimentos enunciados.

39ª O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos nrs. 2, 3.1, 3.2, 3.3,

41., 4.2 da Instrução nº 48/96 do Banco de Portugal relativa à abertura de contas.

40ª O Tribunal violou, por erro, de interpretação e aplicação, o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 24º, nº 1, a), vii) a xi) e 24º, nº 1, b), v) a viii) da Lei 83/2017, de 18 de Agosto, assim como o artigo 21º, nºs 1 e 2 do Aviso do Banco de Portugal nº 2/2018.

41ª O Tribunal violou, por erro, de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 25º, 26º.1, 32º da Lei 83/2017, de 18 de Agosto.

42ª O Tribunal violou, por erro, de interpretação e aplicação, o disposto no artigo 32 da Lei 83/2017, de 18 de Agosto e artigo 22º do Aviso do Banco de Portugal nº 2/2018.

43ª Quanto à Transferência SEPA, no caso dos autos, a A. deve ser considerada como o Prestador de Serviços de Pagamento Ordenante e a R. deve ser considerada como o Prestador de Serviços de Pagamento Beneficiário.

44ª Assim sendo, caso se considere que a transferência efetuada foi a crédito, a R. estava obrigada a fornecer ao beneficiário, ou seja à SIS EASTERN EUROPE LTD:

- o nome do ordenante;

- o montante da transferência a crédito;

- os dados do envio.

45ª Desta maneira, se o tivesse feito, logo teria detetado que o Beneficiário da transferência não era o Titular da Conta com o IBAN PT 50 .... .... .... .... .... 7.

46ª Mais teria detetado que o Beneficiário da Transferência não era sequer titular de qualquer conta na Caixa Geral de Depósitos.

47ª E que o Titular da Conta com o IBAN PT 50 .... .... .... .... .... 7 era a R., mas que não figurava como Beneficiário da transferência, como indicado pela A. ordenante.

48ª Para além disso, teria possibilitado ao Beneficiário detetar que a conta com o IBAN PT 50 .... .... .... .... .... 7 não lhe pertencia.

49ª Com esta atuação estaria em condições de bloquear e impedir a concretização da operação de transferência de fundos por parte da A..

50ª A R. desrespeitou o vertido no artigo 5º, nº 2, c) e ponto 2, d) do Anexo, ambos do REGULAMENTO (UE) N.o 260/2012 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, de 14 de março de 2012 ao Regulamento.

51ª O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o o vertido no artigo 5º, nº 2, c) e ponto 2, d) do Anexo, ambos do REGULAMENTO (UE) N.o 260/2012 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, de 14 de março de 2012 ao Regulamento.

52ª Noutro segmento, caso se considere que a Transferência dos autos foi a débito direto, a R. estava obrigada a:

- Assegurar que a Beneficiária SIS EASTERN EUROPE LTD fornecesse: o tipo de débito direto (recorrente, pontual, inicial, final ou reversão); o nome do beneficiário: o IBAN da conta de pagamento do beneficiário a creditar para efeitos de cobrança; se disponível, o nome do ordenante; o IBAN da conta de pagamento do ordenante a debitar para efeitos de cobrança; a referência única do mandato; a data em que foi assinado; o montante da cobrança,; caso o mandato tenha sido retomado por um beneficiário diferente daquele que o subscreveu, a referência única do mandato, dada pelo beneficiário que o subscreveu inicialmente; o identificador do beneficiário; caso o mandato tenha sido retomado por um beneficiário diferente daquele que o subscreveu, o identificador do beneficiário que o subscreveu inicialmente; eventualmente, os dados de envio do beneficiário ao ordenante; eventualmente, a finalidade da cobrança; eventualmente, a categoria da finalidade da cobrança;

53ª Aquando do primeiro débito direto ou de um débito direto pontual, e aquando de cada operação de pagamento subsequente:

- Assegurar que a A. ordenante desse o seu consentimento tanto ao beneficiário como ao PSP do ordenante (diretamente, ou indiretamente, por intermédio do beneficiário); os mandatos, juntamente com as alterações posteriores ou o cancelamento, são armazenados pelo beneficiário ou por terceiros em nome do beneficiário e o beneficiário deve ser informado desta obrigação pelo seu PSP nos termos dos artigos 41. o e 42. o da Diretiva 2007/64/CE;

54ª A R. devia fornecer ao PSP do ordenante: o BIC do PSP do beneficiário (salvo acordo em contrário dos PSP envolvidos na operação de pagamento); o BIC do PSP do ordenante (salvo acordo em contrário dos PSP envolvidos na operação de pagamento); o nome da entidade-referência do ordenante (se presente no mandato eletrónico); o código de identificação da entidade-referência do ordenante (se presente no mandato eletrónico); o nome da entidade-referência do beneficiário (se presente no mandato eletrónico); o código de identificação da entidade-referência do beneficiário (se presente no mandato eletrónico); o código de identificação do modelo de pagamentos; data de liquidação da cobrança; a referência do PSP do beneficiário para efeitos de cobrança, L 94/36 Jornal Oficial da União Europeia 30.3.2012 PT x) o tipo de mandato; o tipo de débito direto (recorrente, pontual, inicial, final ou reversão); o nome do beneficiário; o IBAN da conta de pagamento do beneficiário a creditar para efeitos de cobrança; se disponível, o nome do ordenante; o IBAN da conta de pagamento do ordenante a debitar para efeitos de cobrança; a referência única do mandato; a data de assinatura do mandato, caso este seja conferido pelo ordenante após 31 de março de 2012; o montante da cobrança; a referência única do mandato, dada pelo beneficiário que o subscreveu inicialmente (se o mandato tiver sido retomado por um beneficiário diferente daquele que o subscreveu); o identificador do beneficiário; o identificador do beneficiário que subscreveu inicialmente o mandato (se este tiver sido retomado por um beneficiário diferente daquele que o subscreveu); eventualmente, os dados de envio do beneficiário ao ordenante.

55ª Desta maneira, se o tivesse feito, logo teria detetado que o Beneficiário da transferência não era o Titular da Conta com o IBAN PT 50 .... .... .... .... .... 7.

56ª Mais teria detetado que o Beneficiário da Transferência não era sequer titular de qualquer conta na Caixa Geral de Depósitos.

57ª E que o Titular da Conta com o IBAN PT 50 .... .... .... .... .... 7 era a R., mas que não figurava como Beneficiário da transferência, como indicado pela A. ordenante.

58ª Para além disso, teria possibilitado ao Beneficiário detetar que a conta com o IBAN PT 50 .... .... .... .... .... 7 não lhe pertencia.

59ª Com esta atuação estaria em condições de bloquear e impedir a concretização da operação de transferência de fundos por parte da A..

60ª A R. desrespeitou o vertido no artigo 5º, nº 3, a) e b) e pontos 3, a) e b) do Anexo, ambos do REGULAMENTO (UE) N.o 260/2012 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, de 14 de março de 2012 ao Regulamento.

61ª O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o o vertido no artigo 5º, nº 3, a) e b) e pontos 3, a) e b) do Anexo, ambos do REGULAMENTO (UE) N.o 260/2012 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, de 14 de março de 2012 ao Regulamento.

62ª Acresce que aquando da primeira operação de débito direto ou de uma operação pontual de débito direto, e aquando de cada operação subsequente de débito direto, o beneficiário (aqui a SUPPORT IN SPORT (SIS) EASTERN EUROPE LTD) devia enviar as informações relativas ao mandato ao seu PSP (a aqui R.) devendo este transmitir essas informações ao PSP do ordenante juntamente com cada operação de débito direto.

63ª A R. não respeitou este procedimento e, se o tivesse feito, logo teria detetado que o Beneficiário da transferência não era o Titular da Conta com o IBAN PT 50 .... .... .... .... .... 7.

64ª Mais teria detetado que o Beneficiário da Transferência não era sequer titular de qualquer conta na Caixa Geral de Depósitos.

65ª E que o Titular da Conta com o IBAN PT 50 .... .... .... .... .... 7 era a R., mas que não figurava como Beneficiário da transferência, como indicado pela A. ordenante.

66ª Para além disso, teria possibilitado ao Beneficiário detetar que a conta com o IBAN PT 50 .... .... .... .... .... 7 não lhe pertencia.

67ª Com esta atuação estaria em condições de bloquear e impedir a concretização da operação de transferência de fundos por parte da A..

68ª A R. desrespeitou o vertido no artigo 5º, nº 3, último parágrafo REGULAMENTO (UE) N.o 260/2012 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, de 14 de março de 2012 ao Regulamento.

69ª O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o vertido no artigo 5º, nº 3, último parágrafo do REGULAMENTO (UE) N.o 260/2012 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, de 14 de março de 2012 ao Regulamento.

70ª Mais: o beneficiário que aceite transferências a crédito deve comunicar o identificador da sua conta de pagamento, o BIC do seu PSP aos seus ordenantes, quando seja solicitada uma transferência a crédito.

71ª A R. não respeitou este procedimento e, se o tivesse feito, logo teria detetado que o Beneficiário da transferência não era o Titular da Conta com o IBAN PT 50 .... .... .... .... .... 7.

72ª Mais teria detetado que o Beneficiário da Transferência não era sequer titular de qualquer conta na Caixa Geral de Depósitos.

73ª E que o Titular da Conta com o IBAN PT 50 .... .... .... .... .... 7 era a R., mas que não figurava como Beneficiário da transferência, como indicado pela A. ordenante.

74ª Para além disso, teria possibilitado ao Beneficiário detetar que a conta com o IBAN PT 50 .... .... .... .... .... 7 não lhe pertencia.

75ª Com esta atuação estaria em condições de bloquear e impedir a concretização da operação de transferência de fundos por parte da A..

76ª A R. desrespeitou o vertido no artigo 5º, nº 4 do REGULAMENTO (UE) N.o 260/2012 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, de 14 de março de 2012 ao Regulamento.

77ª O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o vertido no artigo 5º, nº 4 do REGULAMENTO (UE) N.o 260/2012 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, de 14 de março de 2012 ao Regulamento.

78ª Por fim, imediatamente após a execução da operação de pagamento, a R. deferia prestar ao beneficiário (no caso a SUPPORT IN SPORT (SIS) EASTERN EUROPE LTD) ou colocar à sua disposição as seguintes informações, respeitantes aos seus próprios serviços:

79ª A R. não respeitou este procedimento e, se o tivesse feito, logo teria detetado que o Beneficiário da transferência não era o Titular da Conta com o IBAN PT 50 .... .... .... .... .... 7.

80ª Mais teria detetado que o Beneficiário da Transferência não era sequer titular de qualquer conta na Caixa Geral de Depósitos.

81ª E que o Titular da Conta com o IBAN PT 50 .... .... .... .... .... 7 era a R., mas que não figurava como Beneficiário da transferência, como indicado pela A. ordenante.

82ª Para além disso, teria possibilitado ao Beneficiário detetar que a conta com o IBAN PT 50 .... .... .... .... .... 7 não lhe pertencia.

83ª Com esta atuação estaria em condições de bloquear e impedir a concretização da operação de transferência de fundos por parte da A..

84ª A R. desrespeitou o vertido no artigo 88º Decreto-lei nº 91/2018, de 2018/11/12.

85ª O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o vertido no artigo 88º Decreto- lei nº 91/2018, de 2018/11/12.

86ª Na parte relativa às Medidas de Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo, a R., violou também os procedimentos legais estabelecidos na Lei 83/2017, de 18 de Agosto.

87ª A R. não cumpriu com os deveres preventivos de controlo; identificação e diligência; comunicação; abstenção; recusa; exame, com o que violou o disposto no artigo 11º da Lei 83/2017, de 18 de Agosto.

88ª A R. não observou os procedimentos de identificação e diligência ao efetuar uma transação ocasional de montante superior a 15 000,00 € e que constituiu uma transferência de fundos monetários superior a 1 000,00 €, existindo dúvidas sobre a veracidade e adequação dos dados de identificação do cliente previamente obtidos, com o que violou o disposto no artigo 23º, nº 1 da Lei 83/2017, de 18 de Agosto.

89ª A R. não procedeu à identificação do cliente, no caso pessoa coletiva, através de: i) Denominação; ii) Objeto; iii) Morada completa da sede social e, quando aplicável, da sucursal ou do estabelecimento estável, bem como, quando diversa, qualquer outra morada dos principais locais de exercício da atividade; iv) Número de identificação de pessoa coletiva ou, quando não exista, número equivalente emitido por autoridade estrangeira competente; v) Identidade dos titulares de participações no capital e nos direitos de voto de valor igual ou superior a 5 %; vi) Identidade dos titulares do órgão de administração ou órgão equivalente, bem como de outros quadros superiores relevantes com poderes de gestão; vii) País de constituição; viii) Código CAE (Classificação das Atividades Económicas), código do setor institucional ou outro código de natureza semelhante, quando exista.

90ª Com o que violou o artigo 24º, nº 1, b) da Lei 83/2017, de 18 de Agosto.

91ª Para efeitos da verificação da identificação do cliente como pessoa coletiva, a R. devia ter exigido a apresentação do cartão de identificação da pessoa coletiva, da certidão do registo comercial ou, no caso de entidade com sede social situada fora do território nacional, de documento equivalente emitido por fonte independente e credível, que comprovem os elementos identificativos.

92ª A comprovação dos documentos referidos no número anterior devia ter sido efetuada mediante o recurso a plataformas de interoperabilidade entre sistemas de informação emitidos por serviços públicos ou através de qualquer dos meios de comprovação previstos.

93ª Sempre que os meios de comprovação utilizados não contemplassem alguns dos elementos identificativos, a R. deveria ter procedido à recolha dos mesmos através de outros meios complementares admissíveis.

94ª Sempre que os suportes comprovativos, referentes a quaisquer elementos identificativos, apresentados à R. oferecessem dúvidas quanto ao seu teor ou à sua idoneidade, autenticidade, atualidade, exatidão ou suficiência, aquelas entidades promovem as diligências adequadas à cabal comprovação dos elementos identificativos em causa.

95ª Com o que a R. violou o artigo 25º, nºs 5 a 8 da Lei 83/2017, de 18 de Agosto.

96ª A R. deveria ter procedido junto do seu cliente aos procedimentos complementares de:

a) obtenção de informação sobre a finalidade e a natureza pretendida da relação de negócio;

b) obtenção de informação sobre a origem e o destino dos fundos movimentados no âmbito de uma relação de negócio ou na realização de uma transação ocasional, quando o perfil de risco do cliente ou as características da operação o justifiquem;

c) À manutenção de um acompanhamento contínuo da relação de negócio, a fim de assegurar que as operações realizadas no decurso dessa relação são consentâneas com o conhecimento que a entidade tem das atividades e do perfil de risco do cliente e, sempre que necessário, da origem e do destino dos fundos movimentados.

97ª Com o que a R. violou o artigo 27º da Lei 83/2017, de 18 de Agosto, por referência aos artigos 23º, 24º e 25º do Aviso do Banco de Portugal 2/2018.

98ª A R. deveria ter procedido à comunicação às autoridades competentes da atividade criminosa do seu cliente, com o que violou o artigo 43º da Lei 83/2017, de 18 de Agosto.

99ª A R. deveria ter-se abstido de executar a operação em causa a favor do seu cliente, com o que violou o artigo 47º, nº 1 da Lei 83/2017, de 18 de Agosto.

100ª A R. deveria ter-se recusado a efetuar a operação em causa nos autos, com o que violou o disposto no artigo 50º da Lei 83/2017, de 18 de Agosto.

101ª A R. deveria ter procedido ao exame com especial cuidado e atenção à operação de pagamento em causa nos autos a favor do seu cliente, com o que violou o artigo 52º da Lei 83/2017, de 18 de Agosto.

102ª A R. não observou todos estes procedimentos legais e recebeu na conta bancária aberta na sua instituição o pagamento feito pela A., de boa-fé, mas a favor de um cliente da R. que de forma criminosa e fraudulenta enganou e fez incorrer em erro a A., quanto à identidade do real e legítimo destinatário do dinheiro, assim como recebeu quantia monetária avultada que sabia não lhe ser destinada, causando prejuízo à A. e ao real destinatário do dinheiro que nunca foi cliente da R., nem nunca foi titular de conta bancária na sua instituição.

103ª O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 11º, 23º, nº 1, 24º, nº 1 b), 25º, nºs 5 a 8, 27º (por referência aos artigos 23º, 24º e 25º do Aviso do Banco de Portugal 2/2018), 43º, 47º, nº 1, 50º, 52º da Lei 83/2017, de 18 de Agosto.

104ª A R. violou o disposto no artigo 74º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e não agiu com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos, da segurança das aplicações e tendo em conta o interesse da A., tendo violado o artigo 75º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.

105ª A R. violou o disposto no artigo 304º do Código dos Valores Mobiliários,

106ª A R. violou o disposto no artigo 142º nº 1 do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica.

107ª A R. violou ainda a obrigação de diligência pela segurança do mercado, designadamente nas operações que ocorrem nas contas sediadas na sua instituição bancária, sendo que existiam indícios da prática de um crime de burla informática, p. e p. no artigo 221º do Código Penal.

108ª Sempre se dirá que, a R. deverá ser responsabilizada nos termos previstos no artigo 486º do Código Civil, assim como, por tudo o supra descrito, a R. tornou-se em auxiliar da atividade ilícita do seu cliente e como tal incorre igualmente em responsabilidade derivada do disposto no artigo 490º do C.C..

109ª Em consequência direta e necessária da conduta da R., seus gerentes, gestores de conta, funcionários e trabalhadores, no exercício das suas funções, a A. sofreu, como sofre, danos tutelados pelo direito.

110ª Ao agir da forma descrita, a R., recebeu na sua instituição bancária uma transferência monetária no valor de € 187.524,61, para a conta com o IBAN PT 50 .... .... .... .... .... 7, mas que afinal se apurou que não é da titularidade da SIS Eastern Europe LTD.

111ª A A. perdeu, assim, a quantia de € 187.524,61, para além de que pagou mais tarde à SIS Eastern Europe LTD a quantia de € 187.524,61, daqui resultando um prejuízo patrimonial para a A. de € 187. 524,61.

112ª A A. tem o direito e exige da R. o pagamento da quantia de 187. 524,61 €, a que devem somar-se os valores de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efetivo pagamento, o que se pede e no que a R. deve ser condenada.

113ª A R. deve à A., a quantia de € 187. 524,61 (cento e oitenta e sete mil quinhentos e vinte e quatro euros e sessenta e um cêntimos), a título de danos patrimoniais, a que devem somar-se os valores de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efetivo pagamento, o que se pede e no que a R. deve ser condenada.

114ª O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto nas disposições legais acima mencionadas, que aqui se dão como reproduzidas para os devidos efeitos

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o recurso ser julgado provado e procedente e, em consequência, ser revogada a decisão que julgou a presente ação improcedente, sendo substituída por outra que julgue a ação totalmente procedente, com a condenação da R. nos pedidos contra si formulados, assim se fazendo a tão costumada justiça…”

8. A ré apresentou resposta à revista, na qual conclui pela inadmissibilidade da revista excecional, porquanto as questões suscitadas não apresentam a invocada relevância jurídica e social e, caso assim não se entenda, a improcedência do recurso de revista da autora.

Conclui: (sem transcrição das conclusões sobre admissão do recurso)

8. Data venia não possui razão a Recorrente, encontrando-se devidamente fundamentado o Acórdão e bem assim os motivos pelos quais manteve a decisão da primeira instância mormente no que às questões indicadas pelos Recorrente concerne.

9. No que concerne à primeira questão, refere a Recorrente que importa exaltar e esclarecer o pressuposto da ilicitude no apuramento da responsabilidade civil extracontratual.

10. Vejamos a argumentação expendida pelo Tribunal da Relação a este propósito e que data venia, não merece reparo:

11. “«O Regulamento (UE) 2015/847 estabelece as regras relativas às informações sobre o ordenante e o beneficiário que devem acompanhar as transferências de fundos, em qualquer moeda, para efeitos de prevenção, detecção e investigação do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, quando pelo menos um dos prestadores de serviços de pagamento implicados na transferência de fundos estiver estabelecido na União (cfr. artigo 1.º do Regulamento).

12. Por sua vez, a Lei n.º 83/2017, estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, transpondo parcialmente para a ordem jurídica interna a Diretiva 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro e das actividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo. Estabelece ainda as medidas de execução do Regulamento (UE) 2015/847, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativo às informações sobre o ordenante e o beneficiário que devem acompanhar as transferências de fundos, em qualquer moeda, para efeitos de prevenção, detecção e investigação do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo.

13. Finalmente, o Aviso n.º 2/2018 dá cumprimento aos mandatos dirigidos ao Banco de Portugal pelos diversos diplomas em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, designadamente a Lei n.º 83/2017.

14. Logo se verifica que nenhum destes normativos é decisivo para o caso dos autos, designadamente para o efeito de se retirar normas destinadas a proteger interesses do tipo dos que a autora… sustenta terem sido lesados.

15. A autora… imputa à ré a violação do dever de verificação de eventuais incorrecções nos elementos indicados pelo ordenante de uma transferência bancária, portanto, de um dever que é dirigido à protecção dos interesses privados dos intervenientes em transferências bancárias. Ora, o que decorre daqueles normativos são deveres de outro tipo – deveres pré--ordenados à realização do interesse público da prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo» (www.dgsi.pt Acórdão proferido pelo STJ a 16 de fevereiro de 2023, no processo 201/20.5T8MGL.C1.S1).

16. Para além da L 83/2017, do Aviso do Banco de Portugal 2/2018, a A. invocou a violação da Instrução nº 48/96 do Banco de Portugal; do Regulamento (UE) 260/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de março de 2012; do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras; do Código dos Valores Mobiliários; e do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica.

17. A Instrução nº 48/96 do Banco de Portugal foi revogada pelo Aviso nº 11/2005 do Banco de Portugal, não estando, pois, em vigor à data da abertura da conta com o IBAN PT.....................87.

18. Não resulta do Regulamento (UE) 260/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de março de 2012, que a indicação do nome do beneficiário na ordem de transferência seja obrigatória.

19. Resulta do art. 74º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras que “os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados”.

20. Contudo, a A. não é cliente do Banco R.

21. A A. invocou o art. 304º do Código dos Valores Mobiliários, mas a atividade em questão nestes autos não é de intermediação financeira.

22. A invocação pela recorrente do art. 142º do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica ficou prejudicada pela improcedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Acresce dizer que, mesmo que a A. tivesse logrado provar a falta de resposta a reclamação apresentada, essa falta não seria causal do dano, sendo certo que resulta da matéria de facto provada que, “quando chegou ao conhecimento da Ré CGD que a referida transferência para aquela conta de destino fora indevidamente concretizada, já não havia fundos que possibilitassem a reversão da situação”.

23. Como de resto já referia a Sentença da 1ª instância, estava a tal data em vigor o Aviso nº 5/2013 do Banco de Portugal, concluindo que a abertura de conta que teve lugar no dia 28.08.2019, respeitou todas as regras estabelecidas nas normas legais e regulamentares, nomeadamente o disposto no artigo 17º deste Aviso (indicando que igual exigência já constava do artigo 9º do Aviso 11/2005, revogado pelo Aviso 5/2013).

24. Na verdade, da alínea ZZ) da matéria de facto resulta o seguinte: “E apresentou o contrato de constituição de sociedade comercial, outorgado em Cartório Notarial (Cartório Notarial AA), Certidão da Conservatória do Comercial e os seus elementos e documentos de identificação pessoal.

25. Do Acórdão recorrido resulta a este propósito que na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, pode ler-se o seguinte: - “Atentou-se… nos documentos juntos a fls. 168 a 186 para prova dos factos enunciados nas alíneas ZZ) e GGG).” - “AA, funcionária da CGD, que procedeu à abertura da conta em causa. Esclareceu os passos seguidos na abertura da conta, os documentos apresentados relativos à sociedade e de identificação da sócia (passaporte e documento do IRS).” O documento junto com a contestação denominado “Doc. 4” é o impresso da CGD no qual foram apostos os elementos de identificação da sociedade e da sócia gerente. Os excertos do depoimento da testemunha AA transcritos pela recorrente confirmam o que referido foi pelo tribunal recorrido quanto aos documentos de identificação da sócia gerente. É, pois, de manter a alínea ZZ).”

26. E acrescenta o Acórdão recorrido que “a alínea BBB) da matéria de facto provada é do seguinte teor: “Tendo a representante legal BB explicado que tinha uma empresa no Reino Unido de angel investors e que alguns dos seus clientes tinham interesse em fazê-lo em Portugal, nomeadamente na área do imobiliário, o que fez com que tivesse necessidade de abrir esta empresa.” No entender da recorrente, deve ser considerado provado o seguinte: “Tendo a representante legal Sylvia Peters explicado que tinha uma empresa no Reino Unido de angel investors e que alguns dos seus clientes tinham interesse em fazê-lo em Portugal, nomeadamente na área do imobiliário, o que fez com que tivesse necessidade de abrir esta empresa, no entanto, resulta do pacto social que a empresa não se dedica ao imobiliário, mas sim a têxtil, calçado, restauração e produtos domésticos, sendo que a funcionária da R. CGD AA não achou estranho haver uma discrepância entre o objeto social dos documentos e as declarações da dita representante legal da empresa.” O que a recorrente pretende é incluir na alínea BBB) da matéria de facto provada factos para além daquele que da mesma já consta. Quanto ao facto que o tribunal recorrido verteu na referida alínea, não configura a recorrente qualquer erro de julgamento.”

27. Alega ainda a Recorrente que a aplicação pelo tribunal da Relação (como fez também 1ª instância) do artigo 129º do Decreto-Lei nº 91/2018 de 12 de novembro é demasiado simplista. Não possui razão a Recorrente.

28. Quer o tribunal de 1ª instância quer o tribunal da Relação explanaram de forma clara os fundamentos pelos quais não têm aplicabilidade ao caso concreto as normas e disposições legais por cuja aplicação a Recorrente pugna.

29. Com efeito, como bem explica a sentença da 1ª instância: “Tratava-se de uma transferência SEPA – veja-se documento junto a fls. 84 e 85 dos autos – de origem internacional. Para executar estas transferências têm de ser facultados aos prestadores de serviços de pagamento os seguintes elementos de informação: • Nome do ordenante e/ou IBAN da conta de pagamento do ordenante; • Montante da transferência a crédito; • IBAN da conta de pagamento do beneficiário. Estas transferências são automáticas sem que haja qualquer intervenção humana na concretização da operação, inexistindo norma legal que imponha à ré a validação da informação seja da conta indicada pelo ordenante, ou de quaisquer outros dados. A Lei nº 91/2012 de 12/11 – Regime jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica - estabelece claramente nos seus arts. 129º, 130º e 131º, a quem e em que termos deve ser atribuída a responsabilidade por deficiências detectadas nas operações pagamento de serviços da conta de destino verificar/fiscalizar a identidade do beneficiário da mesma, que pode até nem estar identificado. Na verdade, para se realizar uma transferência desta natureza necessário é sempre o IBAN, sendo que os dados de envio e o nome do beneficiário, constituindo informação adicional sobre a operação, se estiverem disponíveis devem ser igualmente fornecidos, mas não é obrigatório e até podem não estar disponíveis.”

30. Acresce que, por se tratar de situação semelhante à do caso concreto em que se explana bem quais as exigências de verificação que se impõem no âmbito de transferências SEPA ao banco em que está sediada a conta destinatária da mesma e bem assim as normas legais aplicáveis, importa destacar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.02.2023, proferido no processo nº 201/20.5T8MGL.C1.S1, cujo Relator foi Catarina Serra e que também se encontra disponível em www.dgsi.pt e que no se Sumário diz o que, com a devida vénia, se transcreve: “I. O IBAN (International Bank Account Number) é uma estrutura normalizada de número de conta de pagamento, constituindo o elemento que, nas transferências electrónicas internacionais, permite identificar a conta bancária a que se destina o pagamento e competindo ao banco segui-lo ao executar a ordem de transferência. II. Tendo o ordenante de uma transferência electrónica indicado certo IBAN e sendo o pagamento efectuado na conta correspondente a esse IBAN, embora pertencente a pessoa diferente do beneficiário, também indicado pelo ordenante, não pode este responsabilizar o banco em que está sediada aquela conta por pagamento indevido, alegando violação do dever de verificar se a pessoa beneficiária correspondia, efectivamente, à indicada na ordem de transferência.”

31. E acrescenta este Acórdão: “Por sua vez, a Lei n.º 83/2017, estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, transpondo parcialmente para a ordem jurídica interna a Diretiva 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro e das actividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo. Estabelece ainda as medidas de execução do Regulamento (UE) 2015/847, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativo às informações sobre o ordenante e o beneficiário que devem acompanhar as transferências de fundos, em qualquer moeda, para efeitos de prevenção, detecção e investigação do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo. Finalmente, o Aviso n.º 2/2018 dá cumprimento aos mandatos dirigidos ao Banco de Portugal pelos diversos diplomas em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, designadamente a Lei n.º 83/2017. Logo se verifica que nenhum destes normativos é decisivo para o caso dos autos, designadamente para o efeito de se retirar normas destinadas a prote-ger interesses do tipo dos que a autora Villa Degli Olmi sustenta terem sido lesados. A autora Villa Degli Olmi imputa à ré a violação do dever de verificação de eventuais incorrecções nos elementos indicados pelo ordenante de uma transferência bancária, portanto, de um dever que é dirigido à protecção dos interesses privados dos intervenientes em transferências bancárias. Ora, o que decorre daqueles normativos são deveres de outro tipo – deveres pré-ordenados à realização do interesse público da prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo. O RJSPME foi aprovado e publicado em anexo ao DL n.º 91/2018, de 12 de Novembro, sendo o título III relativo à prestação e utilização de serviços de pagamento. Encontra-se aí uma norma que regula a responsabilidade do prestador do serviço de pagamento por identificador único incorrecto. Trata-se do artigo 129.º, sobre identificadores únicos incorrectos, com o seguinte teor:“1 - Se uma ordem de pagamento for executada em conformidade com o identificador único, considera-se que foi executada corretamente no que diz respeito ao beneficiário especificado no identificador único.2 - Se o identificador único fornecido pelo utilizador de serviços de pagamento for incorreto, o prestador de serviços de pagamento não é responsável, nos ter-mos dos artigos 130.º e 131.º, pela não execução ou pela execução incorreta da operação de pagamento.3 - No entanto, o prestador de serviços de pagamento do ordenante deve envidar esforços razoáveis para recuperar os fundos envolvidos na operação de pagamento com a colaboração do prestador de serviços de pagamento do beneficiário, o qual, para o efeito, lhe deve prestar todas as informações relevantes (…)”.Esta norma reproduz, quase ipsis verbis, o disposto na Diretiva (UE) 2015/2366. (…)

32. Recorde-se que o IBAN fornecido pela ordenante era o IBAN que ela pretendia fornecer, embora com base no pressuposto (errado) de que ela pertencia à V.... ..... .... (em que foi induzida pela situação criada pelo hacker). (…)Só pode haver um elemento de informação com a aptidão de definir o destino da transferência, sob pena de se prejudicar a fluência e a celeridade intrínseca a tipo de transacções (electrónicas ou automáticas), e este é o IBAN. O IBAN (International Bank Account Number) é uma estrutura normalizada de número de conta de pagamento, constituindo o elemento de informação que, nas transferências electrónicas internacionais, permite identificar a conta bancária a que se destina o pagamento. Compete ao banco seguir esta informação ao executar a ordem de transferência.

33. Não podia no caso concreto também o tribunal a quo face ao legalmente estabelecido e à prova produzida, deixar de concluir no sentido de que a Recorrida não infringiu nenhuma norma legal ou regulamentar a que estivesse obrigada, não lhe podendo, por isso, ser imputada responsabilidade pelo facto de a Recorrente ter realizado a transferência em causa para uma conta titulada por terceiro, isto é, por entidade diversa daquela para qual pretendia efetuar a transferência em causa.

34. Ficou demonstrado que o IBAN, fornecido pela ordenante, a ora Recorrente, era o IBAN que ela pretendia fornecer, embora com base no pressuposto (errado) de que ele pertencia à SUPPORT IN SPORT (SIS) EASTERN EUROPE LTD.

35. Acresce que, como igualmente, refere a Sentença da 1ª instância: “Quando a ré foi informada que a transferência para a dita conta havia sido indevidamente concretizada a ré tentou contactar a beneficiária da transferência e implementou medidas destinadas a condicionar a movimentação da conta e inseridas nas bases de dados do cliente. A sua atuação não logrou impedir a transferência das quantias, entretanto indevidamente recebidas porque à data que teve conhecimento da situação já não havia fundos na conta de destino que permitissem o estorno/anulação da operação. Do que se deixa dito tem, pois, de concluir-se que a ré não violou nenhum dos deveres a que se encontrava obrigada, não praticou qualquer acto lícito, por acção ou omissão, de que se possa extrair a imputação à ré de qualquer responsabilidade na produção do evento danoso. A autora foi levada ao engano por via de um email que, talvez devesse ter escrutinado mais atentamente, mas a ré em nada contribuiu para a produção de evento danoso.”

36. A este propósito, como referiu a testemunha CC: “… e nós aí percebemos que esse e-mail era fraudulento porque era de uma empresa com um nome muito parecido, não é, portanto, que levava a essa confusão…”

37. A norma relevante para o caso em apreço é o artigo 129º do RJSPME, que dispõe do seguinte modo: 1 - Se uma ordem de pagamento for executada em conformidade com o identificador único, considera-se que foi executada corretamente no que diz respeito ao beneficiário especificado no identificador único. 2 - Se o identificador único fornecido pelo utilizador de serviços de pagamento for incorreto, o prestador de serviços de pagamento não é responsável, nos termos dos artigos 130º e 131º, pela não execução ou pela execução incorreta da operação de pagamento.

38. Como bem explana o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça acima indicado (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.02.2023, proferido no processo nº 201/20.5T8MGL.C1.S1, cujo Relator foi Catarina Serra e que também se encontra disponível em www.dgsi.pt): “Só pode haver um elemento de informação com a aptidão de defi-nir o destino da transferência, sob pena de se prejudicar a fluência e a celeridade intrínseca a tipo de transacções (electrónicas ou automáticas), e este é o IBAN. O IBAN (Internacional Bank Account Number) é uma estrutura normalizada de número de conta de pagamento, constituindo o elemento de informação que, nas transferências electrónicas internacionais, permite identificar a conta bancária a que se destina o pagamento. Compete ao banco seguir esta informação ao executar a ordem de transferência» (Acórdão citado supra). O banco em que está sediada a conta bancária correspondente ao IBAN indicado na ordem de transferência não tem, pois, o dever de verificar se o titular dessa conta coincide ou não com o beneficiário indicado na ordem de transferência.

39. Invoca a Recorrente que “A Recorrida ao ter conhecimento da situação, deveria ter auxiliado a Recorrente, contactando o seu cliente, titular da conta em questão, ajudando assim a Recorrente a descobrir o paradeiro dos seus € 187. 524,61, o que não aconteceu., referindo ainda que Pela Recorrida não foi prestada qualquer informação ou esclarecimento …”

40. Como a Recorrente bem sabe e, aliás, consta dos factos provados, tal não corresponde à realidade. Vejamos: Do facto provado GGG) consta o seguinte: “Quando chegou ao conhecimento da Ré CGD que a referida transferência para aquela conta de destino fora indevidamente concretizada, já não havia fundos que possibilitassem a reversão da situação, uma vez que a conta apenas apresentava o saldo de € 84,49. “E o facto provados HHH) refere: “Facto do qual, de resto, deu conhecimento ao Banco da Autora e a esta.”

41. A Recorrida informou por isso, a Recorrente e o banco emissor da transferência do que se impunha e na medida do que lhe era legalmente permitido.

42. Resulta também dos factos provados que Recorrente em 23.10.2019, apresentou queixa-crime (no próprio dia em que comunicou à Recorrida que havia sido vítima de uma burla)

43. Resulta do Facto O dos factos provados que: “A 23 de Janeiro de 2020, a autora apresentou queixa-crime no DIAP – Departamento de Investigação e Ação Penal de ... – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, contra desconhecidos, requerendo a abertura de inquérito e a instauração do respectivo procedimento criminal pela prática de crime de burla informática, p.p. pelo artigo 221º do Código Penal Português.”

44. E o Facto P) dos factos provados indica: “O qual corre os seus termos sob o Processo 714/20.9.9... – Inquérito no DIAP – 8ª Secção de ... – Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca de Lisboa.”

45. Entidade a quem a Recorrida facultou as informações relacionadas com titularidade da conta de destino e todas as informações que lhe foram por esta solicitada (Doc. 6 da Contestação)

46. Do mesmo modo que consta também dos factos provados: “RR) No dia 23.10.2019 a CGD contactou telefonicamente a titular da conta em causa e enviou-lhe também comunicação, solicitando-lhe informação adicional específica e detalhada quanto aos fundos recebidos e elementos que pudessem comprovar a respetiva origem. SS) A tal solicitação a CGD não obteve, porém, qualquer resposta. TT) Acresce que foram encetadas pelo Gabinete de Fraude e Compliance da Ré, as diligências adequadas face à tomada de conhecimento dos factos acima descritos, designadamente o encerramento da conta em questão. UU) E foi inserido na Base de Dados de Cliente, relativamente à titular da conta, a indicação de que se trata de cliente de risco, com anotação de que não deve ser permitida a abertura de contas em seu nome. VV) Foi igualmente inserida a indicação do bloqueio total da conta em causa.”

47. Face a tudo o exposto, a Recorrida não infringiu nenhuma norma legal ou regulamentar e não lhe podendo ser imputada responsabilidade pelo facto de a titular da conta aberta junto de si ter usado aquela para receber indevidamente fundos provenientes de uma atividade ilícita.

48. Quando a Recorrida foi informada pela Recorrente que a transferência para a dita conta havia sido indevidamente concretizada, procurou contactar a beneficiária da transferência e implementou medidas destinadas a condicionar a movimentação da conta e inseridas nas bases de dados do cliente. A sua atuação da Recorrida não logrou impedir a transferência das quantias, entretanto indevidamente recebidas porque à data que teve conhecimento da situação já não havia fundos na conta de destino que permitissem o estorno/anulação da operação.

49. Não violou a Recorrida nenhum dos deveres a que se encontrava obrigada, não praticou qualquer ato lícito, por ação ou omissão que permitisse imputar-lhe de qualquer responsabilidade na produção do evento danoso.

50. O que efetivamente aconteceu, como resultou da prova produzida, é que a Recorrente foi levada ao engano por via de um email que caso tivesse escrutinado com mais atenção, teria previamente, como fez posteriormente, concluído ser fraudulento (por não corresponder ao endereço de email legítimo), em nada tendo a Recorrida contribuído para a produção do evento danoso.

51. A fundamentação do Acórdão Recorrido quanto às questões contra as quais se insurge a Recorrente é, data maxima venia, cabal e não merece reparo, devendo, por isso, manter-se a decisão proferida.

9. A formação admitiu a revista excepcional, reconhecendo relevância jurídica às questões de direito suscitadas na revista.

Colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.

II. Fundamentação

De facto

10. Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:

«A) A autora é uma sociedade comercial com sede na Eslovénia, que se dedica à actividade de venda de equipamentos desportivos, equipamentos para clubes desportivos, revestimentos de pisos para superfícies internas e externas e prestação de serviços de manutenção de instalações desportivas.

B) A ré uma instituição de crédito que pratica todos os actos inerentes à actividade bancária, designadamente a recepção de depósitos de dinheiro, operações de pagamento e gestão de meios de pagamento.

C) A Support In Sport (SIS) Eastern Europe LTD é uma pessoa colectiva portadora do VAT nr. IE 9770514J, com sede em First Floor Seagrave House, 19 – 20 Earlsfort Terrace, Dublin 2, Ireland, que se dedica à actividade de compra, instalação, construção e manutenção de campos de futebol e sistemas de aquecimento.

D) A autora a 14 de Outubro de 2019, efectuou uma transferência bancária da sua conta bancária no UniCredit Bank, IBAN: S156 .... .... ..18 491, banco BIC: BACXS122, para pagamento no exterior, da quantia de € 187.524,61, à ordem de SIS Eastern Europe LTD, para o IBAN PT 50 .... .... .... .... .... 7, na conta bancária aberta na ré.

E) O pagamento foi concretizado com sucesso, a 15 de Outubro de 2019.

F) Por outro lado, após o crédito na conta de destino, o respectivo saldo foi mobilizado logo no dia 16.10.2019, através de transferência no valor de € 119.000,00 e no dia seguinte, dia 17.10.2019, no valor de € 68.000,00.

G) A ré procedeu à abertura da conta de depósito bancário, com o IBAN PT.....................87, na sua agência sita na R. ... ... ....

H) A conta em questão foi aberta presencialmente, junto do balcão da Ré CGD sito em ... em 28.08.2019, em nome da empresa S.............. .......... ..., com o NPCN .......48, pela sua representante legal BB.

I) Com a data de 2 de Dezembro de 2019 a autora recebeu da Support in Sport Eastern Europe a carta junta a fls. 90 a 92, do seguinte teor

“Exmos. Senhores

Escrevemos para confirmar que a Support in Sport Eastern Europe não aceita, e nunca teve uma conta bancária no Banco Caixa.

Confirmamos ainda que não alteramos a nossa conta bancária nos últimos 12 meses e não enviamos um e-mail para aconselhar sobre alterações nos dados bancários nesse período.

Atenciosamente

CC

Director Financeiro”

J) No seguimento desta missiva, a autora, através do Banco Unicredit Bank Austria Ag, Vienna, solicitou à ré várias mensagens Swift, invocando ter sido vítima de fraude e pedindo a restituição da quantia de 187.524,61 €.

L) Em 23.10.2019, a ré recepcionou uma chamada de um número no Reino Unido (.............96) de representante da empresa SIS Pitches, informando-a de que havia ocorrido uma fraude e de que um seu cliente – a ora autora – havia recebido comprovativos de e-mail com o IBAN da conta id. em acrescentado que os referidos emails indicavam à ora Autora que devia proceder a pagamentos para aquela conta.

M) Após o dito telefonema do representante da SIS Pitches encaminhou para a Ré CGD os referidos e-mails.

N) A ré nunca procedeu à restituição da quantia de 187.524,61 € à autora.

O) A 23 de Janeiro de 2020, a autora apresentou queixa-crime no DIAP – Departamento de Investigação e Ação Penal de ... – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, contra desconhecidos, requerendo a abertura de inquérito e a instauração do respectivo procedimento criminal pela prática de crime de burla informática, p.p. pelo artigo 221º do Código Penal Português.

P) O qual corre os seus termos sob o Processo 714/20.9.9... – Inquérito no DIAP – ...ª Secção de ... – Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca de Lisboa.»

«Q) No exercício da atividade comercial de ambas, a A. celebrou com a Support In Sport (SIS) Eastern Europe LTD um contrato para o fornecimento e instalação de relva, sob a denominação de sistema SISGRASS, nos campos de futebol do Complexo SZIC em Szeged, Hungria.

R) O contrato foi celebrado em 12 de Outubro de 2018.

S) O preço acordado ascendeu a 773 928,00 €, subdividido pelas seguintes parcelas

Estádio Principal, 7.244,00 m2, 27,00 € / m2 ……………………... 195 588,00 €;

i) Campo de Treinos 1, 7.140,00 m2, 27,00 € / m2 ………………. 192 780,00 €;

ii) Campo de Treinos 2, 7.140,00 m2, 27,00 € / m2 ……………… 192 780,00 €;

iii) Campo de Treinos 3, 7.149,00 m2, 27,00 € / m2 ……………… 192 780,00 €.

T) E que a A. se obrigou a pagar à Support In Sport (SIS) Eastern Europe LTD, que por sua vez se obrigou a fornecer e instalar a relva, sob a denominação de sistema SISGRASS, nos campos de futebol do Complexo SZIC em Szeged, Hungria.

U) Por outro lado, a A. celebrou ainda com a Support In Sport (SIS) Eastern Europe LTD outro contrato para a “Instalação de Sistema de Aquecimento Subterrâneo para 4 (quatro) campos de futebol desde os lados dos campos até à Sala de Aquecimento com Permutador de Aquecimento e Bombas incluindo Automação”, no Estádio e 3 campos de treino em Szeged, Hungria.

V) Tal contrato foi celebrado, por escrito, em 22 de Outubro de 2018, entre a A., como “Cliente”, e a Support In Sport (SIS) Eastern Europe LTD como “Fornecedor”.

X) O Preço final do contrato foi de 590 000,00 €.

Z) E que a A. se obrigou a pagar no modo e pelas percentagens fixadas no contrato

AA) O valor total dos 2 contratos ascendeu a 1 363 928,00 €.

BB) Neste quadro, a A. pagou à Support In Sport (SIS) Eastern Europe LTD a quantia de 278 721,00 € referente à Fatura Nr. ...33, de 29/06/2019, para a conta bancária daquela no Bank of Ireland, agência de Lower Baggot Street, Dublin 2, IBAN IE38BOFI............51, SWIFT BOFIIE2D.

CC) E pretendia fazer o pagamento do valor de 117 023,71 € da Fatura Nr. ...56, de 16/08/2019, juntamente com o pagamento de outros trabalhos no âmbito dos aludidos contratos, no valor de 53 567,72 € e de 16 933,20 €, para a conta bancária da Support In Sport (SIS) Eastern Europe LTD no Bank of Ireland, agência de Lower Baggot Street, Dublin 2, IBAN IE38BOFI............51, SWIFT BOFIIE2D, no valor de 187.524,61 €.

DD) A 9 de Outubro de 2019, pelas 11:02 horas, a A. recebeu um email alegadamente da Support In Sport (SIS) Eastern Europe LTD.

EE) Com a menção de ter sido enviado e assinado por DD, na qualidade de Diretora do Departamento Financeiro da Support In Sport (SIS) Eastern Europe LTD e com o logotipo da SIS/Pitches.

FF) E cujo teor era o seguinte:

“Caro EE,

Fizemos alterações na nossa instituição financeira, pois o nosso Banco da Irlanda que termina no 7251 está a passar por uma auditoria financeira e não está disponível para receber fundos de momento.

Em breve, enviaremos os detalhes atualizados da conta bancária para o pagamento desta semana.

Muito Obrigado

Atenciosamente

DD

Chefe de finanças

SIS Eastern Europe Ltd.”

GG) A A. respondeu ao referido email, no mesmo dia 09 de Outubro de 2019, pelas 11:25, a acusar a sua boa receção.

HH) Mais tarde, mas ainda no mesmo dia 09 de Outubro de 2019, pelas 14:03, a A. recebeu um novo email, do seguinte teor:

Caro EE,

Encontre em anexo os nossos dados bancários atualizados.

Atenciosamente

DD

Chefe de finanças

SIS Eastern Europe Ltd.

II) Em anexo ao referido email seguiram os seguintes dados bancários:

Detalhes Bancários

Banco: Caixa Bank (Portugal)

Nome: Support in Sport (Eastern Europe) Ltd

Sede: R. ..., ... ...

IBAN: PT.....................87

JJ) A A. confiou na veracidade dos teores dos emails supra.

LL) A A. agiu convencida de estar a pagar à Support In Sport (SIS) Eastern Europe LTD a quantia de 187.524,61 €, referentes ao pagamento da Fatura Nr. 19056, de 16/08/2019, no valor de 117 023,71 €, acrescidos de 53 567,72 € e de 16 933,20 €, referentes ao pagamento de outros trabalhos no âmbito dos aludidos contratos.

MM) Sucede, porém, que no mês de Novembro de 2019, a A. foi interpelada pela Support In Sport (SIS) Eastern Europe LTD para proceder ao pagamento da referida quantia de 187.524,61 €.

NN) A A. foi surpreendida com a interpelação para pagamento, pois já havia efetuado a liquidação do montante pedido.

OO) A A. expôs a situação à Support In Sport (SIS) Eastern Europe LTD, referindo que havia recebido um email assinado por DD, na qualidade de Diretora do Departamento Financeiro, com a indicação dos novos dados bancários para onde deveria ser efetuado o pagamento.

PP) E que, nesse seguimento, tinha feito o pagamento para a referida conta.

QQ) A A. transferiu da sua conta bancária a quantia de 187.524,61 €, para uma conta bancária na Caixa Geral de Depósitos, S.A., em Portugal, aqui R., que não é, e nunca foi, da titularidade da Support In Sport (SIS) Eastern Europe LTD.

RR) No dia 23.10.2019 a CGD contactou telefonicamente a titular da conta em causa e enviou-lhe também comunicação, solicitando-lhe informação adicional específica e detalhada quanto aos fundos recebidos e elementos que pudessem comprovar a respetiva origem.

SS) A tal solicitação a CGD não obteve, porém, qualquer resposta.

TT) Acresce que foram encetadas pelo Gabinete de Fraude e Compliance da Ré, as diligências adequadas face à tomada de conhecimento dos factos acima descritos, designadamente o encerramento da conta em questão.

UU) E foi inserido na Base de Dados de Cliente, relativamente à titular da conta, a indicação de que se trata de cliente de risco, com anotação de que não deve ser permitida a abertura contas seu em nome.

VV) Foi igualmente inserida a indicação do bloqueio total da conta em causa.

XX) No dia 28.08.2019, a representante legal da empresa titular da conta bancária em questão deslocou-se ao balcão da Ré CGD sito em ...

ZZ) E apresentou o contrato de constituição de sociedade comercial, outorgado em Cartório Notarial (Cartório Notarial AA), Certidão da Conservatória do Comercial e os seus elementos e documentos de identificação pessoal.

AAA) Nessa mesma altura e tendo em vista cumprir com os seus deveres de verificação, a Ré CGD questionou-a quanto ao negócio prosseguido pela empresa titular da conta.

BBB) Tendo a representante legal BB explicado que tinha uma empresa no Reino Unido de angel investors e que alguns dos seus clientes tinham interesse em fazê-lo em Portugal, nomeadamente na área do imobiliário, o que fez com que tivesse necessidade de abrir esta empresa.

CCC) Acresce que a CGD questionou-a ainda acerca de porque é que a empresa havia sido criada noutro local diferente da agência de ...

DDD) Ao que a mesma respondeu, prontamente, que estava a fazê-lo na agência de ... porque tinha vindo passar uns dias a casa da sua cunhada que tinha tido bebé recentemente e como esta agência tinha menos movimento do que a da zona de residência, preferia abrir aqui para aproveitar o tempo que estava cá e ser mais rápido.

EEE) A transferência de que a Autora se queixa, que era uma transferência SEPA de origem internacional, foi remetida aos serviços da Ré CGD pelo Banco da Autora, sediado na Eslovénia.

FFF) Tratando-se de uma transferência SEPA (ou seja, feita com indicação do IBAN e SWIFT) não ocorreu qualquer intervenção humana na concretização da operação.

GGG) Quando chegou ao conhecimento da Ré CGD que a referida transferência para aquela conta de destino fora indevidamente concretizada, já não havia fundos que possibilitassem a reversão da situação, uma vez que a conta apenas apresentava o saldo de € 84,49.

HHH) Facto do qual, de resto, deu conhecimento ao Banco da Autora e a esta.»

11. Na sentença recorrida, no subtítulo “Factos não provados”, consta o seguinte:

“Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa.”

De Direito

12. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

Na revista as questões suscitadas são:

a) Apurar se ocorreu ou não violação da responsabilidade civil extracontratual (art.483º do CC), por violação das normas relativas à atuação das entidades bancárias no que concerne à abertura de contas;

b) Apurar se ocorreu ou não violação do regime legal das transferências SEPA;

c) O banco em que está sediada a conta bancária correspondente ao IBAN indicado na ordem de transferência tem ou não tem o dever de verificar se o titular dessa conta coincide ou não com o beneficiário indicado na ordem de transferência.

13. No acórdão recorrido as questões jurídicas suscitadas na apelação tiveram a seguinte resposta:

“Nos termos do art. 483º do C.C., “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

Da leitura desta norma pode-se extrair os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, a saber: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.

Resulta do art. 486º do C.C. que “as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o ato omitido”.

A ilicitude significa contrariedade ao direito, podendo revestir duas modalidades: violação de direitos absolutos e violação de disposição legal destinada a proteger interesses alheios.

Para se verificar esta segunda modalidade de ilicitude, é necessário que à lesão dos interesses do prejudicado corresponda a violação de uma norma legal; que a tutela desses interesses figure entre os fins da norma violada; e que o dano se verifique no círculo de interesses que a norma visa tutelar (Antunes Varela, das Obrigações em Geral - Vol. I, pág. 491).

«O Regulamento (UE) 2015/847 estabelece as regras relativas às informações sobre o ordenante e o beneficiário que devem acompanhar as transferências de fundos, em qualquer moeda, para efeitos de prevenção, detecção e investigação do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, quando pelo menos um dos prestadores de serviços de pagamento implicados na transferência de fundos estiver estabelecido na União (cfr. artigo 1.º do Regulamento).

Por sua vez, a Lei n.º 83/2017, estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, transpondo parcialmente para a ordem jurídica interna a Diretiva 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro e das actividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo. Estabelece ainda as medidas de execução do Regulamento (UE) 2015/847, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativo às informações sobre o ordenante e o beneficiário que devem acompanhar as transferências de fundos, em qualquer moeda, para efeitos de prevenção, detecção e investigação do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo.

Finalmente, o Aviso n.º 2/2018 dá cumprimento aos mandatos dirigidos ao Banco de Portugal pelos diversos diplomas em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, designadamente a Lei n.º 83/2017.

Logo se verifica que nenhum destes normativos é decisivo para o caso dos autos, designadamente para o efeito de se retirar normas destinadas a proteger interesses do tipo dos que a autora… sustenta terem sido lesados.

A autora… imputa à ré a violação do dever de verificação de eventuais incorrecções nos elementos indicados pelo ordenante de uma transferência bancária, portanto, de um dever que é dirigido à protecção dos interesses privados dos intervenientes em transferências bancárias. Ora, o que decorre daqueles normativos são deveres de outro tipo – deveres pré--ordenados à realização do interesse público da prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo» (www.dgsi.pt Acórdão proferido pelo STJ a 16 de fevereiro de 2023, no processo 201/20.5T8MGL.C1.S1).

Para além da L 83/2017, do Aviso do Banco de Portugal 2/2018, a A. invocou a violação da Instrução nº 48/96 do Banco de Portugal; do Regulamento (UE) 260/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de março de 2012; do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras; do Código dos Valores Mobiliários; e do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica.

A Instrução nº 48/96 do Banco de Portugal foi revogada pelo Aviso nº 11/2005 do Banco de Portugal, não estando, pois, em vigor à data da abertura da conta com o IBAN PT.....................87.

Não resulta do Regulamento (UE) 260/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de março de 2012, que a indicação do nome do beneficiário na ordem de transferência seja obrigatória.

Resulta do art. 74º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras que “os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados”.

Contudo, a A. não é cliente do Banco R.

A A. invocou o art. 304º do Código dos Valores Mobiliários, mas a atividade em questão nestes autos não é de intermediação financeira.

A invocação pela recorrente do art. 142º do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica ficou prejudicada pela improcedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Acresce dizer que, mesmo que a A. tivesse logrado provar a falta de resposta a reclamação apresentada, essa falta não seria causal do dano, sendo certo que resulta da matéria de facto provada que, “quando chegou ao conhecimento da Ré CGD que a referida transferência para aquela conta de destino fora indevidamente concretizada, já não havia fundos que possibilitassem a reversão da situação”.

A norma relevante para o caso em apreço é o art. 129º do RJSPME, artigo este que dispõe o seguinte:

“1 - Se uma ordem de pagamento for executada em conformidade com o identificador único, considera-se que foi executada corretamente no que diz respeito ao beneficiário especificado no identificador único.

2 - Se o identificador único fornecido pelo utilizador de serviços de pagamento for incorreto, o prestador de serviços de pagamento não é responsável, nos termos dos artigos 130º e 131º, pela não execução ou pela execução incorreta da operação de pagamento.…”

«Só pode haver um elemento de informação com a aptidão de definir o destino da transferência, sob pena de se prejudicar a fluência e a celeridade intrínseca a tipo de transacções (electrónicas ou automáticas), e este é o IBAN.

O IBAN (International Bank Account Number) é uma estrutura normalizada de número de conta de pagamento, constituindo o elemento de informação que, nas transferências electrónicas internacionais, permite identificar a conta bancária a que se destina o pagamento. Compete ao banco seguir esta informação ao executar a ordem de transferência» (Acórdão citado supra).

O banco em que está sediada a conta bancária correspondente ao IBAN indicado na ordem de transferência não tem, pois, o dever de verificar se o titular dessa conta coincide ou não com o beneficiário indicado na ordem de transferência.”

14. Na sentença já havia sido dito:

A Lei nº 91/20122 de 12/11 – Regime jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica - estabelece claramente nos seus arts. 129º, 130º e 131º, a quem e em que termos deve ser atribuída a responsabilidade por deficiências detectadas nas operações de pagamento e aí não se vislumbra qualquer obrigação do prestador de serviços da conta de destino verificar/fiscalizar a identidade do beneficiário da mesma, que pode até nem estar identificado.

Na verdade, para se realizar uma transferência desta natureza necessário é sempre o IBAN, sendo que os dados de envio e o nome do beneficiário, constituindo informação adicional sobre a operação, se estiverem disponíveis devem ser igualmente fornecidos, mas não é obrigatório e até podem não estar disponíveis.

Como resulta do que se vem dizendo tem de concluir-se qua a ré não infringiu nenhuma norma legal ou regulamentar e nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada pelo facto de a titular da conta aberta na ré ter usado aquela para receber indevidamente fundos provenientes de uma actividade ilícita.

Quando a ré foi informada que a transferência para a dita conta havia sido indevidamente concretizada a ré tentou contactar a beneficiária da transferência e implementou medidas destinadas a condicionar a movimentação da conta e inseridas nas bases de dados do cliente. A sua actuaçao não logrou impedir a transferência das quantias, entretanto indevidamente recebidas porque à data que teve conhecimento da situação já não havia fundos na conta de destino que permitissem o estorno/anulação da operação.

Do que se deixa dito tem, pois, de concluir-se que a ré não violou nenhum dos deveres a que se encontrava obrigada, não praticou qualquer acto licito, por acção ou omissão, de que se possa extrair a imputação à ré de qualquer responsabilidade na produção do evento danoso.

A autora foi levada ao engano por via de um email que, talvez devesse ter escrutinado mais atentamente, mas a ré em nada contribuiu para a produção de evento danoso.

Tem assim a acção que ser julgada improcedente.”

15. A autora imputa à ré a violação do dever de verificação de eventuais incorrecções nos elementos indicados pelo ordenante de uma transferência bancária, portanto, de um dever que é dirigido à protecção dos interesses privados dos intervenientes em transferências bancárias.

O STJ já foi chamado a decidir sobre questões idênticas às suscitadas na presente revista, no acórdão de 16/2/2023, relativo ao processo 201/20.5T8MGL.C1.S1 - https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a19cdeedfa1146b480258959005653f8?OpenDocument

Aí se entendeu – sobre se estariam em causa interesses legalmente protegidos ou direitos subjectivos na legislação de combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo – que:

“O Regulamento (UE) 2015/847 estabelece as regras relativas às informações sobre o ordenante e o beneficiário que devem acompanhar as transferências de fundos, em qualquer moeda, para efeitos de prevenção, detecção e investigação do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, quando pelo menos um dos prestadores de serviços de pagamento implicados na transferência de fundos estiver estabelecido na União (cfr. artigo 1.º do Regulamento).

Por sua vez, a Lei n.º 83/2017, estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, transpondo parcialmente para a ordem jurídica interna a Diretiva 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro e das actividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo. Estabelece ainda as medidas de execução do Regulamento (UE) 2015/847, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativo às informações sobre o ordenante e o beneficiário que devem acompanhar as transferências de fundos, em qualquer moeda, para efeitos de prevenção, detecção e investigação do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo.

Finalmente, o Aviso n.º 2/2018 dá cumprimento aos mandatos dirigidos ao Banco de Portugal pelos diversos diplomas em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, designadamente a Lei n.º 83/2017.

Logo se verifica que nenhum destes normativos é decisivos para o caso dos autos, designadamente para o efeito de se retirar normas destinadas a proteger interesses do tipo dos que a autora V.... ..... .... sustenta terem sido lesados.

A autora V.... ..... .... imputa à ré a violação do dever de verificação de eventuais incorrecções nos elementos indicados pelo ordenante de uma transferência bancária, portanto, de um dever que é dirigido à protecção dos interesses privados dos intervenientes em transferências bancárias. Ora, o que decorre daqueles normativos são deveres de outro tipo – deveres pré-ordenados à realização do interesse público da prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo.”

Não existem razões que justifiquem uma posição diversa da formulada no aresto citado, por não se identificar nas normas e diplomas citados, nem a criação de um direito subjectivo, nem um interesse privado legalmente protegido, pelo que se adere à orientação já seguida no Tribunal, aplicando-a ao caso concreto: as disposições legais indicadas não são aptas a resolver a presente acção - de responsabilidade civil extracontratual – em conjugação com o regime do art.º 483.º do CC.

Falha assim a conclusão 27ª da revista – “Deste modo, de entre os requisitos da obrigação de indemnizar, nos termos da responsabilidade civil extracontratual, para que o facto seja ilícito é necessário que haja violação de um direito subjetivo, ou de uma norma legal que proteja interesses alheios, por modo que o dano se tenha registado no círculo de interesses privados que a norma violada visa tutelar.”

Improcede a questão suscitada.

16. Haveria outra norma legal onde se pudesse fundamentar o dever de verificação integral e compatibilidade entre o IBAN e o titular da conta?

O regime legal aplicável à resolução da questão suscitada na presente acção é o do DL nº 91/2018 de 12/11 – Regime jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica.

Este diploma estabelece nos seus arts. 129º, 130º e 131º, a quem e em que termos deve ser atribuída a responsabilidade por deficiências detectadas nas operações de pagamento de serviços da conta de destino/ verificar/fiscalizar a identidade do beneficiário da mesma, que pode até nem estar identificado.

Concorda-se com o acórdão recorrido quando diz: “para se realizar uma transferência desta natureza necessário é sempre o IBAN, sendo que os dados de envio e o nome do beneficiário, constituindo informação adicional sobre a operação, se estiverem disponíveis devem ser igualmente fornecidos, mas não é obrigatório e até podem não estar disponíveis.”

A situação dos autos cai no âmbito de aplicação do DL 91/2018, de 12 de Novembro, e muito em particular no art.º 129.º:

1 - Se uma ordem de pagamento for executada em conformidade com o identificador único, considera-se que foi executada corretamente no que diz respeito ao beneficiário especificado no identificador único.
2 - Se o identificador único fornecido pelo utilizador de serviços de pagamento for incorreto, o prestador de serviços de pagamento não é responsável, nos termos dos artigos 130.º e 131.º, pela não execução ou pela execução incorreta da operação de pagamento.
3 - No entanto, o prestador de serviços de pagamento do ordenante deve envidar esforços razoáveis para recuperar os fundos envolvidos na operação de pagamento com a colaboração do prestador de serviços de pagamento do beneficiário, o qual, para o efeito, lhe deve prestar todas as informações relevantes.
4 - Caso não seja possível a recuperação dos fundos nos termos do número anterior, o prestador de serviços de pagamento do ordenante fornece ao ordenante, mediante solicitação por escrito, todas as informações de que disponha, que sejam relevantes para o ordenante poder intentar a correspondente ação judicial.
5 - O prestador de serviços de pagamento pode cobrar ao utilizador do serviço de pagamento encargos pela recuperação dos fundos, caso tal tenha sido acordado no contrato-quadro.
6 - Não obstante o utilizador de serviços de pagamento poder fornecer informações adicionais às especificadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 84.º ou na subalínea ii) da alínea b) do artigo 91.º, o prestador de serviços de pagamento apenas é responsável pela execução das operações de pagamento em conformidade com o identificador único fornecido pelo utilizador de serviços de pagamento.

O DL n.º 91/2018, de 12 de Novembro foi alterado posteriormente, mas o artigo 129.º mão sofreu mutações, mantendo-se em Maio de 2025, com a mesma redacção.

Estamos perante uma transferência bancária internacional, em que a Ré recebe em conta bancária aberta junto de si – a conta da empresa SIMILARCATEGORY Unip. LDA- fundos provenientes de outro país (Eslovénia).

A CGD actuou como prestador de serviços de pagamento do beneficiário, por indicação de um prestador de serviços de pagamento do ordenante, através de um identificador único fornecido pelo próprio ordenante e seu prestador de serviços.

E vem provado:

EEE) A transferência de que a Autora se queixa, que era uma transferência SEPA de origem internacional, foi remetida aos serviços da Ré CGD pelo Banco da Autora, sediado na Eslovénia.

FFF) Tratando-se de uma transferência SEPA (ou seja, feita com indicação do IBAN e SWIFT) não ocorreu qualquer intervenção humana na concretização da operação.

Assim, “se uma ordem de pagamento for executada em conformidade com o identificador único, considera-se que foi executada corretamente no que diz respeito ao beneficiário especificado no identificador único (facto presumido ou ficção).”

Nada se provando no sentido de a Ré – CGD – ter actuado com intenção de aproveitar a desconformidade entre o titular do IBAN e o nome do destinatário dos fundos a quem a transferência devia ser creditada; numa situação como a que vem provada nos presentes autos nos factos que se indicam, não há qualquer violação de dever de actuação por parte da Ré:

DD) A 9 de Outubro de 2019, pelas 11:02 horas, a A. recebeu um email alegadamente da Support In Sport (SIS) Eastern Europe LTD.

EE) Com a menção de ter sido enviado e assinado por DD, na qualidade de Diretora do Departamento Financeiro da Support In Sport (SIS) Eastern Europe LTD e com o logotipo da SIS/Pitches.

FF) E cujo teor era o seguinte:

“Caro EE,

Fizemos alterações na nossa instituição financeira, pois o nosso Banco da Irlanda que termina no 7251 está a passar por uma auditoria financeira e não está disponível para receber fundos de momento.

Em breve, enviaremos os detalhes atualizados da conta bancária para o pagamento desta semana.

Muito Obrigado

Atenciosamente

DD

Chefe de finanças

SIS Eastern Europe Ltd.”

GG) A A. respondeu ao referido email, no mesmo dia 09 de Outubro de 2019, pelas 11:25, a acusar a sua boa receção.

HH) Mais tarde, mas ainda no mesmo dia 09 de Outubro de 2019, pelas 14:03, a A. recebeu um novo email, do seguinte teor:

Caro EE,

Encontre em anexo os nossos dados bancários atualizados.

Atenciosamente

DD

Chefe de finanças

SIS Eastern Europe Ltd.

II) Em anexo ao referido email seguiram os seguintes dados bancários:

Detalhes Bancários

Banco: Caixa Bank (Portugal)

Nome: Support in Sport (Eastern Europe) Ltd

Sede: R. ..., ... ...

IBAN: PT.....................87

JJ) A A. confiou na veracidade dos teores dos emails supra.

LL) A A. agiu convencida de estar a pagar à Support In Sport (SIS) Eastern Europe LTD a quantia de 187.524,61 €, referentes ao pagamento da Fatura Nr. 19056, de 16/08/2019, no valor de 117 023,71 €, acrescidos de 53 567,72 € e de 16 933,20 €, referentes ao pagamento de outros trabalhos no âmbito dos aludidos contratos.

QQ) A A. transferiu da sua conta bancária a quantia de 187.524,61 €, para uma conta bancária na Caixa Geral de Depósitos, S.A., em Portugal, aqui R., que não é, e nunca foi, da titularidade da Support In Sport (SIS) Eastern Europe LTD.

RR) No dia 23.10.2019 a CGD contactou telefonicamente a titular da conta em causa e enviou-lhe também comunicação, solicitando-lhe informação adicional específica e detalhada quanto aos fundos recebidos e elementos que pudessem comprovar a respetiva origem.

SS) A tal solicitação a CGD não obteve, porém, qualquer resposta.

EEE) A transferência de que a Autora se queixa, que era uma transferência SEPA de origem internacional, foi remetida aos serviços da Ré CGD pelo Banco da Autora, sediado na Eslovénia.

FFF) Tratando-se de uma transferência SEPA (ou seja, feita com indicação do IBAN e SWIFT) não ocorreu qualquer intervenção humana na concretização da operação.

GGG) Quando chegou ao conhecimento da Ré CGD que a referida transferência para aquela conta de destino fora indevidamente concretizada, já não havia fundos que possibilitassem a reversão da situação, uma vez que a conta apenas apresentava o saldo de € 84,49.

Não se identifica norma que determine a obrigação de a Ré, em transferência como a dos autos, em confirmar a correspondência entre o IBAN e o titular da conta indicado na ordem internacional.

III. Decisão

Pelos fundamentos indicados, é negada a revista.

Custas pela recorrente - FIT SPORT D.O.O. SV.

Lisboa, 17 de Junho de 2025

Relatora: Fátima Gomes

1º Adjunto: Nuno Pinto de Oliveira

2º Adjunto: Arlindo Oliveira

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1. Da responsabilidade da relatora.

2. Dele ler-se 2018.