NEGLIGÊNCIA MÉDICA
ECOGRAFIA OBSTÉTRICA
VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO
WRONGFUL BIRTH ACTION
WRONGFUL LIFE ACTION
Sumário

I - Quando um menor litiga representado pelos pais, ainda assim o Mº Pº tem representação acessória. Nesses casos, e por força do art.º 325º do CPC, o Mº Pº tem legitimidade para recorrer em representação do menor, mesmo quando os seus representantes legais não o façam, ou suscitar questões diversas das invocadas por eles.
II - Já no caso dos pais do menor (pessoas de maioridade, em pleno uso das suas faculdades mentais e, por isso, com integral capacidade jurídica e judiciária de exercício de direitos), o Mº Pº carece de legitimidade para recorrer.
III - A consideração na matéria de facto de um facto essencial não alegado pelas partes, não integra uma “questão”, antes integrando um “erro de julgamento”, a colidir com a reapreciação da matéria de facto.
IV - A nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou na interpretação desta.
V - Se os Autores alegam que o médico negligentemente não detetou nas ecografias realizadas as malformações do feto perfeitamente visíveis aos olhos de profissionais do foro médico, e não avisou os progenitores dessas anomalias para que os mesmos pudessem tomar as decisões que ao caso se colocassem, temos uma causa de pedir complexa, a violação das legis artis bem como a violação do dever de informação.
VI - Não é de exigir a prova da intenção de abortar, pois que o fulcro da questão não resulta de se lhe ter coartado uma decisão, mas sim essa possibilidade, a liberdade de autodeterminação que, naturalmente só pode ser tomada responsavelmente quando na posse de todas as informações pertinentes e que ficaram inviabilizadas pela violação do direito à informação.
VII - Uma wrongful birth action é intentada pelos progenitores, ou por um deles, em seu próprio nome, tendo por causa de pedir o direito de tomar uma decisão informada sobre a manutenção da gravidez relativa a um filho nascido com defeitos congénitos, cifrando-se o dano em ter de criar uma criança deficiente.
VIII - Já a wrongful life action é proposta pelo filho, através dos seus representantes legais ou pelo Mº Pº, com fundamento em que se não fosse a negligência médica, os progenitores teriam presumivelmente recorrido à interrupção voluntária da gravidez. O dano consiste em ter que existir com uma deficiência.
IX - No caso das wrongful life actions, há que distinguir entre a causa de pedir fundada no direito à não existência — não admitida no nosso sistema jurídico —, e o dano de deficiência, que a doutrina e a jurisprudência têm admitido.
X - Nas ações por negligência médica, o nexo de causalidade terá de ser estabelecido entre a violação do direito à informação e/ou da violação das leges artis e a vida portadora de deficiência, a chamada causalidade suficiente ou causalidade indireta.
XI - As ecografias obstétricas consistem num exame dinâmico que tem de ser efetuado por especialista em ecografia obstétrica, sendo que as observações do feto e a avaliação do mesmo, nomeadamente morfológica, se fazem ou devem fazer, pelo decorrer do exame e não por qualquer conclusão de fotogramas.
XII - Provando-se que uma criança nasceu com deformações físicas (diagnosticáveis ecograficamente) e com outras de índole neurológica (no caso, não detetáveis, ao tempo nem ainda hoje), inexiste nexo de causalidade, pelo que o médico só pode ser responsabilizado pelas deformações físicas.
XIII - No domínio da responsabilidade médica versus clínicas onde os médicos operam, tem-se entendido ser de averiguar se a relação que os une é um contrato total ou um contrato dividido, tudo dependendo do conteúdo das obrigações que cada parte (clínica/cirurgião) assume.
XIV - É de qualificar como contrato total um contexto em que se prova que o médico prestava serviços numa clínica, por acordo verbal, para realização de consultas e ecografias obstétricas e ginecológicas, utilizando os equipamentos, meios humanos e organizacionais da clínica; que quer as técnicas que auxiliavam a realização de todos os exames e consultas por ela efetuadas, como as funcionárias administrativas e pessoas que diligenciavam pela marcação de consultas, atendimento de clientes, limpeza e manutenção dos equipamentos, bem como gestão de stocks de materiais e conservação e reparação dos equipamentos foram sempre funcionários ou prestadores de serviços contratados pela clínica; sendo o médico que ditava os respetivos relatórios às funcionárias da clínica, que os elaboravam em papel timbrado da clínica, os entregavam aos seus destinatários, fazendo todos os registos e tratamentos burocráticos que as normas da clínica impunham; que os doentes solicitavam os serviços à clínica, que era quem procedia à marcação e que o médico só tomava conhecimento dos nomes das doentes que iria examinar no próprio dia em que procedia aos exames/consultas; e que o pagamento devido era sempre integralmente efetuado pelos utentes à clínica, que depois entregava ao médico a sua contrapartida com periodicidade mensal.
XV - O ónus de prova de que se tratou de um contrato dividido, e não de um contrato total, impende sobre a clínica.
XVI - Num seguro de responsabilidade civil profissional, e obrigatório, em que o pedido/condenação é superior ao capital seguro contratado, o médico e a seguradora são solidariamente responsáveis, nos termos do art.º 512º, 513º e 497º do CC e art.º 146º nº 1 do regime jurídico do contrato de seguro.
XVII- Nos termos do art.º 513º do CC, a solidariedade só existe quando resulte da lei ou de acordo das partes. Mas nada impede que uma mesma obrigação resulte da conjunção de ambas as fontes, ou seja, que um dos devedores seja obrigado por solidariedade legal, e outro por solidariedade convencional.
XVIII - Enquanto que as obrigações conjuntas se caraterizam pelo facto de o crédito ou débito terem origem no mesmo facto jurídico, tal não acontece nas obrigações solidárias em que a diversidade de regime ou de conteúdo das obrigações de cada obrigado não constitui impedimento ao regime da solidariedade.
XIX - Num caso em que se pedem juros moratórios a partir da citação, a condenação em valores de indemnização atualizados à data da sentença (e consequentemente, de juros após o trânsito em julgado da sentença), só pode vingar se isso ficar expressamente referido na sentença, mas também se nela se fundamentar qual o critério de atualização que foi usado.

Texto Integral

Apelação nº 1949/12.3TBVLG.P1

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I – Resenha do processado

1. AA, e marido, BB, e CC, menor filho de ambos e por eles representado, intentaram ação contra DD, A... SA - Hospital ... e EE, pedindo a sua condenação:

1 – Indemnizar os AA. progenitores na quantia de € 200.000,00, pelos danos não patrimoniais provocados,

2 - Pagar aos AA a quantia que vier a ser apurada em sede de execução de sentença por todas as despesas que tenham sido efetuadas com o A. CC como causa das malformações verificadas ao nascimento e todas aquelas que vierem a verificar-se em correlação com as mesmas.

3 – Pagar juros legais de mora vencidos e vincendos desde a citação, até efetivo e integral pagamento.

Fundamentaram os pedidos na responsabilidade civil contratual, em particular a negligência médica.

Alegaram que a Autora AA teve uma gravidez que decorreu dentro da normalidade. Aquando do nascimento do CC, foi detetado que o bebé apresentava deformações físicas visíveis e não visíveis, designadamente síndrome polimalformativo, (ausência de ambas as mãos e pé direito e malformação do pé esquerdo), acentuado atraso de desenvolvimento psicomotor, hipotonia global muito marcada e níveis de interação muito pobres, com expressão facial quase inexistente.

A Autora AA foi acompanhada e assistida clinicamente durante toda a gravidez pela Ré DD. Todas as ecografias foram realizadas no Hospital da 2ª Ré e os relatórios correspondentes foram subscritos pela 3ª Ré, EE.

Negligentemente, as Rés não detetaram nas ecografias as malformações do feto, que eram perfeitamente visíveis aos olhos de profissionais do foro médico. E sempre responderam à Autora que estava tudo bem e que não se preocupasse.

Por imperícia médica, não transpareceram nos relatórios das ecografias as deformações de que padecia o feto e, concomitantemente, não foi dada a informação devida aos progenitores para que pudessem tomar a atitude que tivessem por bem.

Mais tarde, em sede de audiência prévia [[1]], foram os Autores convidados a aperfeiçoar a petição inicial relativamente a melhor concretização dos danos, e respetiva discriminação pelos Autores, o que acataram, concluindo agora com os seguintes pedidos:

1 – Indemnizar os AA. progenitores na quantia de € 100.000,00, pelos danos não patrimoniais provocados,

2 - Pagar aos AA. progenitores a quantia de € 69.600,00, pelos danos patrimoniais provocados

3 - Pagar aos AA. progenitores, pelos danos patrimoniais provocados em quantia de que vier a ser apurada em sede de execução de sentença por todas as despesas que vierem a verificar-se com o A. CC como causa das malformações verificadas ao nascimento.

4 – Pagar ao A. CC a quantia de € 100.000,00, pelos danos não patrimoniais provocados

5- Pagar ao A. CC a quantia de € 150.000,00, pelos danos patrimoniais provocados

6 – Pagar juros legais de mora vencidos e vincendos desde a citação, até efetivo e integral pagamento.

Em contestação, as Rés impugnaram a factualidade alegada.

A Ré EE suscitou a intervenção principal da “B... – Companhia de Seguros, S.A.”, o que foi aceite. A Seguradora também contestou, invocando a prescrição e remetendo para o exposto pelas suas seguradas.

Foi proferido despacho saneador e fixado o objeto do litígio e temas da prova.

Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, decidiu:

A. Absolver a R. DD do pedido contra ela formulado pelos AA. no âmbito dos presentes autos.

B. Condenar as RR. “A..., S.A.”, EE e Interveniente “B... – Companhia de Seguros, S.A.” (neste caso, tendo sempre presente o limite de € 300.000,00 supra apontado), solidariamente, a pagar:

1) à A. AA a quantia de € 35.000,00 a título de danos não patrimoniais;

2) ao A. BB, a quantia de € 35.000,00 a título de danos não patrimoniais;

3) ao A. CC a quantia de € 70.000,00 a título de danos não patrimoniais;

4) Aos AA. AA e BB quantia que se vier a liquidar no competente incidente de liquidação quanto às despesas que os AA. AA e BB vão ter de suportar com a reabilitação fisiátrica, cadeira de rodas de acordo com a prescrição do médico fisiatra assistente (e sua manutenção ou substituição), colete abdominal (para evicção de queda da cadeira), prótese para membros inferiores (e sua manutenção ou substituição), andarilho (e sua manutenção); prótese da mão com adaptação de colher para permitir alimentação autónoma (e sua manutenção ou substituição) até este atingir os 18 anos de idade.

5) As quantias referentes aos danos não patrimoniais vencem juros de mora à taxa anual de 4%, contados desde a data da prolação desta sentença, até efetivo e integral pagamento.

2. Para assim decidir, foi considerada a seguinte factualidade:

FACTOS PROVADOS

1. A aqui Autora AA, em 2-07-2009 deu à luz no Hospital 1... no Porto, um bebé de sexo masculino, com 2,858 Kg de peso, a que deram o nome de CC, também ora A.

2. A A. teve uma gravidez que decorreu dentro da normalidade, alcançando um período de gestação 40.6 semanas.

3. Sucede que aquando do nascimento do CC ora A., foi detectado que o bebé apresentava deformações físicas visíveis, bem como condições para deformações não visíveis, tendo desde logo sido assistido pela equipa médica presente no parto.

4. Na verdade, o CC apresentava:

a) Síndrome polimalformativo, (ausência de ambas as mãos e pé direito e malformação do pé esquerdo)

b) Apresentando um acentuado atraso de desenvolvimento psicomotor,

c) Do ponto de vista motor apresenta uma hipotonia global muito marcada, com actividade espontânea praticamente nula,

d) Os níveis de interacção são muito pobres, com expressão facial quase inexistente, tendo estado alimentado por sonda, que entretanto foi retirada.

5. A A. progenitora teve uma gravidez perfeitamente normal, sem qualquer tipo de problema, é mulher adulta e perfeitamente saudável,

6. O progenitor/pai, ora também A., é homem adulto perfeitamente saudável,

7. Ambos, os ora AA. e progenitores não são consanguíneos, e não existem doenças heredo-familiares,

8. Na altura do nascimento do filho CC, os AA. progenitores tinham já um outro filho de 3 anos de idade, sem qualquer malformação e/ou patologias associadas semelhantes às do seu irmão mais novo.

9. A A. progenitora foi durante a sua gravidez, a partir de 30-12-2008, acompanhada e assistida clinicamente pela Exmª Srª Drª DD, ora 1ª Ré.

10. A A. progenitora realizou todos os exames e análises prescritos pela referida médica, e 1ª Ré.

11. Tendo cumprido com toda a prescrição medicamentosa que a 1ª Ré lhe prescreveu durante a gravidez.

12. A A. progenitora realizou todas as ecografias obstétricas e obstétrico morfológicas que a 1ª Ré prescreveu.

13. As referidas ecografias foram realizadas no Hospital ..., em Valongo, ora 2ª Ré, pela 3ª R., tendo os relatórios correspondentes às referidas ecografias sido subscritos pela 3ª Ré a Drª EE, com ressalva do relativo à ecografia de 20-04-2009.

14. Sucede que, em nenhum dos relatórios a 3ª Ré referiu qualquer malformação no feto.

15. Sendo certo que, as ecografias de 17-12-2008, 18-02-2009, 20-04-2009 e 25-05-2009 foram sempre analisadas e estudadas pela 1ª Ré aquando das consultas com a A. progenitora, tendo tido acesso não só aos relatórios como também às próprias ecografias.

16. Na verdade, a 3ª R. não detectou nas ecografias realizadas as malformações, ao nível da morfologia dos membros, do feto perfeitamente visíveis aos olhos de profissionais do foro médico, excepto na ecografia de 12-11-2008, sendo a ecografia realizada em 20-04-2009 em imagem real “3D”.

17. Ora, seria exigível à 3ª R. que, atenta a sua condição e responsabilidades profissionais que perante a análise dos referidos “fotogramas” ecográficos, constatasse que o feto tinha malformações a nível das mãos e pés.

18. Sendo certo que, a A. progenitora questionava sempre se as imagens das ecografias que observa estavam todas bem e se o seu filho não tinha qualquer problema, fruto de preocupação natural de futura mãe em estado de graça, e que não tem conhecimentos técnicos suficientes para ajuizar ou concluir correctamente o significado das referidas imagens, a que sempre lhe responderam as 1ª e 3ª Rés que estava tudo bem que não se preocupasse, o que tranquilizava a A. progenitora.

19. Assim sendo, seria exigível que a 3ª R. tivesse detectado as malformações já reflectidas nas últimas ecografias, e na sequência informando a A. progenitora bem como ao A. progenitor,

20. Para que, em conformidade, e em caso disso, fossem inclusivamente realizados sendo possível exames específicos e complementares para despiste e/ou confirmação das malformações, ou os mesmos tomassem as devidas decisões que ao caso em apreço se colocassem, o que, no caso, se traduziria na opção por interromper voluntariamente a gravidez.

21. O referido bebé - ora A. CC - nasceu com as malformações descritas em 4. e melhor identificadas nos documentos 33 a 39, que infelizmente o acompanham e acompanharão para o resto da sua vida.

22. Está diariamente exposto a um sofrimento angustiante.

23. A vida do A. CC é e será em tudo diferente e mais difícil do que qualquer outra criança, não tem autonomia para simples tarefas básicas do dia-a-dia, como vestir-se caminhar, controlar os esfíncteres.

24. É uma criança que não fala, não conseguindo por isso verbalizar o que lhe faz falta e incapaz de explicar uma dor, uma indisposição ou outro qualquer estado, positivo ou negativo.

25. Além da ausência de fala, da agenesia dos membros, o A. CC tem limitações também ao nível das emoções, tem ausência de expressões faciais, somente consegue transmitir irritação ou descontentamento a chorar e alegria com a serenidade de comportamento.

26. Todos os comportamentos humanos adquiridos naturalmente pelos outros seres humanos e pelo irmão mais velho do A. CC de quem os AA. progenitores têm as ultimas lembranças do que seria espectável no desenvolvimento do A. CC, não acontecem e tudo tem de ser treinado para uma tentativa de adquirir.

27. Quando nasceu, e até sensivelmente aos dois anos de idade, o A. CC teve de ser entubado para poder ser alimentado, porque não tinha capacidade de sucção nem deglutição e não conseguia mastigar nenhum alimento,

28. Os AA. progenitores passaram essa primeira fase de vida do A. CC a sucessivamente substituir o tubo que lhe levava diretamente a comida ao estômago, sendo que para isso tiveram que fazer uma “formação de enfermagem” afim de o poderem fazer em casa em caso de urgência, o que poder-se-á imaginar, é tudo menos prazeroso.

29. Após essa fase, o A. CC criou um mecanismo de “aspirar” os alimentos porque ainda não consegue deglutir como uma criança normal, usando a aspiração e gravidade para beber e comer.

30. O A. CC desde a nascença que segregava muita saliva de forma anormal e não conseguia engolir, o que sem a capacidade de sucção e deglutição tornava obrigatório a aspiração bocal frequente.

31. Segundo os médicos, possivelmente devido ao baixo tónus muscular, o A. CC teve no seu primeiro ano e meio de vida expetoração constante, o que obrigava a nebulizações e em momentos extremos, à aspiração dessas secreções, aspirações essas que lhe causavam um extremo mal-estar e o faziam chorar imenso.

32. O A. CC é uma criança de baixa atividade física e mental, o que poderá influenciar nos seus sonos irregulares, por vezes só dorme 3h outras 4h e como a sua forma de comunicar com o mundo é por sons e por choro, ele passa o resto da noite a fazê-lo, penoso para ele e para toda a família que com ele vive.

33. O A. CC tem sangramento constante pelo nariz, muitas vezes causado pelo impacto do toque facial com os cotos, por vezes por autoflagelação, outras porque está a coçar.

34. Devido à malformação de um dos seus pés, por aconselhamento médico e com vista a uma correção para melhoria da sua possível capacidade locomotora futura, o A. CC foi submetido a uma cirurgia falhada em que o único ganho foi ter gangrena na área intervencionada e sofrimento diário durante 2 meses.

35. Pela sua estrutura o A. CC tem dificuldade em tirar sangue, normalmente a colheita de sangue é feita pela cabeça do menino, porque as veias rompem-se, este procedimento, infelizmente é sistemático devido à necessidade de exames a que esteve e está constantemente sujeito, o que é indescritivelmente penoso.

36. O A. CC tem um desenvolvimento dentário desestruturado causado pela microretrognatia e não permite que os pais também o façam.

37. O A. CC tem também problemas ao nível da visão, não estruturalmente, mas de reacção aos estímulos e na orientação dos globos oculares, provavelmente pelos problemas nos nervos cranianos.

38. O A. CC também não reage à maior parte dos estímulos envolventes (chamar o nome, brincar) não interagindo com o irmão, nem com os seus pais,

39. O A. CC é completamente apático no campo das emoções, o que não o ajudará em nada a interpretar o mundo e a que o mundo o interprete também.

40. Ao diante passamos a descrever sucintamente o quotidiano do A. CC, num dia comum durante o fim-de-semana (altura em que passa o dia inteiro em família).

I - Entre as 5h e as 7h o A. CC acorda diariamente (dorme pouco, tem noites muito agitadas, grita/chora e/ou mexe-se constantemente).

II - O A. CC dorme num parque visto não ser possível fazê-lo numa cama normal porque a ausência da noção do perigo torna o risco de cair elevado.

III – Mas, mesmo quando está acordado no parque tem de ser supervisionado, pois como já consegue pôr-se em pé, balanceia no parque freneticamente com o próprio corpo podendo cair, o que infelizmente já aconteceu.

IV - A muda da fralda ao A. CC é uma constante por não saber controlar os esfíncteres e por isso ter reacções alérgicas no "rabinho" (borbulhas, vermelhidão).

V – O A. CC não consegue manter a roupa e fralda no corpo mais do que 10 minutos consecutivos e por isso a única alternativa é usar roupas tipo sacos com fecho.

VI - O banho é um desafio pois não sabe colocar-se na posição em que se possa "resguardar "os seus olhos da água e como tal, a água corre-lhe na cara, algo que lhe desagrada.

VII - O lavar os dentes e os ouvidos é uma tortura pois não permite ninguém tocar nessas áreas, principalmente nos ouvidos, o que segundo o geneticista é algo característico dos autistas.

VIII – O A. CC toma as refeições na cadeira de bebé com a ajuda da prótese de mão, consegue fazê-lo autonomamente (exceto limpar-se) usando para beber o biberão.

IX – O A. CC na sua maior parte do dia auto inflige-se, bate com as pernas ou com os braços incessantemente, grita ou faz sons altos constantemente e por vezes os dias tornam-se difíceis para a homeostasia familiar, certamente sendo essa a sua forma de se comunicar por não poder-se fazê-lo verbalmente e por vezes a sua frustração nesse sentido ser visível.

X - Se a família não sair para o exterior com o CC no seu carrinho, este fica em casa ao colo dos pais, na cadeira, no sofá sob constante supervisão ou então na sua "bicicleta" adaptada, algo que lhe agrada bastante e que obviamente exige o afastamento de todos os movéis da sala para criar espaço.

XI – O A. CC quando está agitado apenas o som da música o acalma, o bater para provocar som é a sua forma de brincar/expressar e repreendê-lo quando o faz não provoca nenhum efeito.

XII – O A. CC é deitado para dormir pelas 20h, mas adormece na maior parte das vezes entre as 22h/23h.

41. O A. CC necessita diariamente de cuidados médicos específicos e irá precisar de tratamentos médicos regulares (correspondem à necessidade de recurso regular a tratamentos médicos para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas - ex.: fisioterapia), no caso, reabilitação fisiátrica e neuropsicologia diária (terapia da fala e terapia ocupacional) bem como cinesioterapia.

42. E de uma pessoa que o acompanhe e cuide, pois que necessita de ajuda de terceira pessoa para todas as actividades da vida diária.

43. Bem como de ajudas técnicas, a saber, fraldas, chupetas, resguardos, cadeira de rodas de acordo com a prescrição do médico fisiatra assistente (e sua manutenção ou substituição), colete abdominal (para evicção de queda da cadeira); prótese para membros inferiores (e sua manutenção ou substituição), andarilho (e sua manutenção); prótese da mão com adaptação de colher para permitir alimentação autónoma (e sua manutenção ou substituição); cadeira sanitária e cadeira de banho, situação que poderá ainda ter de ser reavaliada, atendendo ao facto de o A. CC ainda se encontrar em período de crescimento.

44. Sendo incalculável e indiscritível o trauma que os progenitores acarretam consigo diariamente.

45. Sendo, esse trauma/sofrimento diário, agravado pelo sofrimento do seu filho, a) Sujeito a constantes cirurgias, b) Sujeito a constantes consultas, c) Sujeito a constantes exames, d) Sujeito a constantes estudos,

46. Sofrimento ainda maior, aliado ao facto de ser impossível determinar o tempo de vida do seu filho e a qualidade da mesma, e os problemas que este ainda poderá vir a ter.

47. Neste caso, as sequelas são impeditivas de qualquer actividade profissional futura

48. Na verdade, a A. progenitora aquando do nascimento de seu filho CC teve um choque imediato de proporções indescritíveis e incomensuráveis.

49. Porquanto, atento o período de gravidez que havia decorrido sem qualquer indício de qualquer problema com o feto e ora seu filho, receber nos braços um bebé com as deformações visíveis que o mesmo tinha, e as complicações que este desde logo esteve sujeito, provocou na A. progenitora um trauma imenso, psicologicamente a A. ficou irremediavelmente afectada de forma muito relevante.

50. O sofrimento a que foi sujeita foi demasiado para que pudesse humanamente suportar, tendo ficado doente, depressiva e tendo tido necessidade de acompanhamento médico.

51. Considerando o valor global da perda funcional decorrente das sequelas e o facto destas não afectando a A. em termos de autonomia e independência, são causa de sofrimento físico, tal implica um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 8 pontos.

52. Actualmente, a A. consegue realizar a sua actividade profissional sem limitações, sendo que as limitações que refere estão associadas às necessidades do menor e não devido aos danos psiquiátricos resultantes do evento.

53. Os AA. progenitores vivem e viverão sempre na angústia e preocupação de um futuro incerto para o seu filho CC, que depende dos pais a 100%.

54. Assim como é incomensurável a angústia dos AA. progenitores como pais e seres humanos assistirem à inevitável infelicidade do filho, dadas as suas deficiências,

55. Assistirem com angústia e frustração, desgosto, ira e desorientação, às tremendas limitações do A. CC em se mexer, em tocar, em saborear, em andar, em comunicar, em se emocionar, em apreciar o mundo como ele é, em conhecê-lo, vê-lo e apercebê-lo.

56. É grande o seu desgosto quando vestem, lavam, educam o seu filho CC.

57. Assim como é angustiante desgostoso e frustrante assistirem a indignação do seu filho mais velho, que não compreende o motivo de ter um irmão mais novo nas condições já neste articulado descritas.

58. A A. progenitora entrou em choque aquando da notícia do nascimento do seu filho CC.

59. Pelos traumas que passou a A. progenitora passou o progenitor A. e pai do CC, ambos viram as suas vidas transformadas e transtornadas, o seu sofrimento é diário, o trauma de viver em sobressalto e numa incerteza que chega às suas vidas com uma frequência diária que os corrói e “mata” aos poucos, o corpo e a mente.

60. A A. progenitora teve necessidade de recurso a acompanhamento e tratamento psicológico.

61. Os AA. progenitores atendendo à gravidade da situação do seu filho, das necessidades do mesmo e ainda do parco auxílio que o seu país e o sistema de segurança social lhes podia assegurar, tiveram necessidade de procurar uma vida mais digna, o que fizeram decidindo emigrar para a Bélgica onde conseguiram emprego e ainda tratamento e acompanhamento digno e adequado para o seu filho CC.

62. Os AA. progenitores estão constantemente a despender quantias monetárias para fazer face ao estado de saúde do seu filho CC, o que se prevê que ainda venha a perdurar no tempo sendo indeterminado o seu período.

63. Sendo previsível a necessidade de acompanhamento em entidade especializada na área da saúde, do menor CC, nos próximos anos da sua vida, bem como em instituição especializada para a educação do mesmo, com natural agravamento de despesas em função do que ficou descrito em 41. a 43.

64. Os AA. participaram à Ordem dos Médicos os factos aqui relatados e que corre termos sob o procº disciplinar nº 105/2010, sendo que foi proferida decisão no sentido do arquivamento do processo em relação à 1ª R. e de aplicar à 3ª R. a pena disciplinar de censura, sendo que esta última interpôs recurso de tal decisão

65. A 1ª R. DD, no âmbito da sua actividade profissional, é tomadora de seguro de responsabilidade civil celebrado com a aqui Interveniente B... - Companhia de Seguros, S.A., titulado pela apólice n.º ... tal como consta de fls. 162 dos presentes autos.

66. A A. AA marcou consulta com a 1ª R. DD já depois de findo o primeiro trimestre de gravidez, com 14 semanas e 4 dias, com a primeira consulta no dia 30-12-2008, tendo durante esse hiato temporal, sido acompanhada por outra médica obstetra, a Sra. Dra. FF.

67. Foi a 1ª R. DD que, no dia 30-12-2008, preencheu o boletim de grávida junto aos autos nos termos de fls. 30-40 dos presentes autos.

68. A A., no dia da primeira consulta com a 1ª R., encontrava-se com perdas de sangue devido a descolamento para o qual foi aconselhada a repouso e abstinência sexual.

69. A 1ª R. determinou a realização de todos os exames recomendados para a gravidez, no tempo certo, que foram realizados pela A. AA cujos resultados remetidos para a 1ª R. não tinham indicação em relação à morfologia de qualquer problema ou indício de qualquer problema, mormente as ecografias realizadas pela 3ª R., nem indicavam a necessidade de realizar outro tipo de exames ou sequer repeti-los.

70. As ecografias presentes nos autos envolvem um exame dinâmico que tem de ser efectuado por especialista em ecografia obstétrica, sendo que as observações do feto e a avaliação do mesmo, nomeadamente morfológica, se fazem ou devem fazer, pelo decorrer do exame e não por qualquer conclusão de fotogramas.

71. Especialidade que a 1ª R. não tem e por isso as mandou a fazer a terceiro, tendo até dado indicação de especialista que a A. não atendeu, tendo recorrido à 2ª R. e à 3ª R.

72. A 3ª R. é licenciada em medicina e especialista em obstetrícia e ginecologia.

73. Em 2006/ 2007 a 2ª R. A..., S.A. celebrou acordo verbal com a 3ª R. enquanto sócia e gerente da sociedade C..., Lda, no sentido de a segunda prestar serviços no seu Hospital ... em Valongo, que inicialmente consistiram na realização de ecografias obstétricas e ginecológicas e depois, também, em consultas de obstetrícia e ginecologia.

74. Tais serviços foram prestados inicialmente às segundas-feiras de manhã e depois também às quartas-feiras de manhã, no que concerne à realização das ecografias, e às quartas-feiras à tarde no que respeita às consultas de obstetrícia e ginecologia.

75. Todos esses serviços foram prestados nas instalações do Hospital ... e nas unidades próprias de ecografia e consulta de obstetrícia, respectivamente.

76. Todos esses serviços foram prestados pela 3ª R. através da utilização dos equipamentos e meios humanos e organizacionais do Hospital ....

77. De igual modo, quer as técnicas que auxiliavam a realização de todos os exames e consultas prestadas pela 3ª R., como as funcionárias administrativas e pessoas que diligenciavam pela marcação de consultas, atendimento de clientes, limpeza e manutenção dos equipamentos, bem como gestão de stocks de materiais e conservação e reparação dos equipamentos foram sempre funcionários ou prestadores de serviços contratados pelo Hospital ....

78. Após a realização dos exames ecográficos a 3ª R. ditava os respectivos relatórios às funcionárias do Hospital ... que os elaboravam em papel timbrado do Hospital, após o que eram pela 3ª R. revistos e assinados, e os entregavam aos seus destinatários, fazendo todos os registos e tratamentos burocráticos que as normas do Hospital impunham.

79. Todas as doentes a quem a 3ª R. realizou exames ou observou em consulta no Hospital ... eram pessoas que ajustaram tais serviços com o Hospital, após o que este procedia à marcação para os períodos de tempo em que a 3ª R. lá se encontrava de forma a que esta realizasse os exames ou as observações clínicas que se havia obrigado a fazer e fez.

80. Assim, a 3ª R. só tomava conhecimento dos nomes das doentes que iria examinar ou consultar no Hospital ... no próprio dia em que procedia aos referidos exames ou consultas e em função da lista de marcações que as funcionárias do Hospital ... então lhe apresentavam, não as conhecendo previamente.

81. O pagamento devido pelas consultas e exames efectuados pela 3ª Ré no Hospital ... foi sempre efectuado única e integralmente pelos utentes, ou pelos sistemas assistenciais de que beneficiavam, àquele Hospital.

82. Em contrapartida dos serviços que prestou ao Hospital ..., a sociedade que a 3ª R. integra, recebia o que com aquele Hospital havia sido ajustado com periodicidade mensal.

83. Assim, também em relação à 1ª Autora mulher, a 3ª R. não ajustou com ela o que quer que fosse quando realizou as cinco ecografias obstétricas a que se referem os relatórios juntos com petição inicial sob documentos 28 a 32.

84. A 1ª Autora mulher solicitou e ajustou os referidos cinco exames ecográficos directamente com o Hospital ....

85. Tendo sido uma das doentes, de entre as várias, que o Hospital ... marcou para realização de exames a serem efectuados pela 3ª R.

86. O preço devido em contrapartida pela realização desses cinco exames foi pago pela 1ª Autora e ou pela D..., sistema de seguros de saúde da E... Companhia de Seguros S.A., que aquela havia contratado e que, por isso, beneficiava, ao Hospital ....

87. Sistema esse, o da D..., com quem o Hospital ... convencionara integrar a rede de prestação de cuidados médicos ao dispôr dos tomadores de seguro D..., como era e foi o caso da 1ª Autora.

88. No doc. 1 junto com a petição inicial relacionado com a Notícia de Nascimento emitido pelo Hospital 1... a gravidez é assinalada como de risco.

89. A 1ª Autora foi acompanhada pela Dra. FF, médica especialista de obstetrícia desde 27/10/2008, pelo menos, até 30/12/2008.

90. A Dra. FF era então médica contratada pelo Hospital ..., a quem a 1ª Autora recorreu para efeitos de lhe ser seguida a gravidez.

91. Razão pela qual foi por esta observada, aconselhada e medicada nesse período, tendo sido a Dra. FF quem efectuou a anamnese da 1ª Autora, quem requisitou os exames que entendeu necessários durante esse período da gravidez, e quem vigiou a evolução da gestação.

92. A 1ª Autora, quando consultou a Dra. DD pela primeira vez, omitiu-lhe a realização das consultas médicas previamente tidas com a Dra. FF, não lhe fornecendo qualquer informação a esse respeito e, também, não lhe disponibilizou o Boletim de Saúde de Grávida que a Dra. FF lhe havia entregue e onde estavam registadas informações referentes ao período de gravidez em que a 1ª Autora foi seguida por aquela obstetra.

93. A 1ª Autora omitiu à Dra. DD que já havia efectuado aborto anterior à gravidez do 2º Autor.

94. A 1ª Autora, no dia 26 de Junho de 2009, recorreu novamente aos serviços de Urgência do Hospital 1..., quando a gravidez tinha 40 semanas e 1 dia por questão relativa à gravidez, tendo sido observada por médico obstetra e recebido aconselhamento.

94. A 1ª Autora realizou outras ecografias obstétricas no período da gravidez compreendido entre 30 de Dezembro de 2008 e a data do parto quando das consultas com a sua médica Drª DD que possui aparelho de ecografia próprio no seu consultório.

95. A 3ª R. realizou os cinco exames de ecografia a que se referem os relatórios juntos como documentos 28 a 32, sendo ainda certo que os fotogramas juntos como documentos 40 a 46 respeitam a esses exames.

96. O primeiro exame realizado pela 3ª R. à 1ª Autora ocorreu a 12/11/2008, no Hospital ... e no referido exame a 3ª R. efectuou à 1ª Autora uma ecografia endovaginal obstétrica, exame este, que foi requisitado pela Dra. FF, então sua – da 1ª Autora mulher - obstetra.

97. Durante o referido exame a 1ª Autora não soube indicar a data da sua última menstruação, pelo que foi confirmada uma gravidez precoce e calculada a idade gestacional de 7 semanas e 4 dias do embrião através dos dados ecográficos que a 3ª Ré obteve.

98. A 3ª R. sugeriu a repetição do exame às 12/13 semanas para avaliação entre outras da translucência da nuca (marcador da trissomia 21).

99. A 3ª R. após a realização daquele exame ditou e assinou o relatório que se encontra junto aos autos como doc. 28 da petição apresentada, correspondendo o doc. 46 da mesma peça processual a imagens/fotogramas seleccionados durante a realização do exame.

100. No que concerne ao exame de 12-11-2008, a 3ª R. avaliou, entre o mais, o seguinte: morfologia do saco gestacional, morfologia da vesícula vitelina, embriocárdio, liquido amniótico, corpo luteínico e a eventual existência de morfologia pélvica patológica, sendo que os “parâmetros de avaliação” descritos no relatório são os habituais e de acordo com as legis artis e, nesta altura, as amputações terminais dos membros não eram diagnosticáveis ecograficamente.

101. Acresce que, a 17/12/2008, a 3ª R. contestante realizou um outro exame ecográfico – ecografia obstétrica – à 1ª Autora, no referido Hospital ..., quando o feto do 2º Autor tinha sensivelmente 12/13 semanas de gestação, exame também requisitado pela Dra. FF.

102. O relatório do exame de 17-12-2008 contém toda a informação que à data era requerida para ecografias dessa idade gestacional, sendo que os “parâmetros de avaliação” escolhidos foram aqueles que estavam, à data, recomendados, tendo a morfologia fetal sido descrita como “normal” ou “aparentemente normal”, o que se veio a revelar correcto, com excepção dos membros.

103. Relativamente aos membros, especificava-se “Membros superiores e inferiores também aparentemente normais”, o que pressupõe a verificação da presença de “3 segmentos” (braço, antebraço, mão; coxa, perna, pé), o que se revelou não corresponder à realidade do recém-nascido.

104. O exame ecográfico de 17-12-2008 dá cumprimento formal às regras do relatório de exame, mas este transmite um erro de avaliação no que diz respeito à morfologia dos membros fetais.

105. A 3ª R., após a realização daquele exame, ditou e assinou o relatório que se encontra junto aos autos como doc. 29 da petição apresentada, correspondendo o doc. 45 da mesma peça processual a imagens/fotogramas seleccionados durante a realização do exame.

106. Na ficha clínica da 1ª Autora, e nesse próprio dia 17.12.2008, a 3ª R. exarou, pelo seu próprio punho, o seguinte: amenorreia das 12 semanas, confirmação ecográfica, aconselhado rastreio pré natal integrado, o 1º às 12/13 semanas e o 2º às 16 semanas, foi encaminhada ao laboratório e volta à consulta na data marcada pela Drª FF.

107. No relatório da ecografia, que ditou, está escrito o que segue: “sugere-se a repetição do exame entre as 18/22 semanas para ecografia morfológica e fazendo-se a paciente acompanhar deste aquando da realização do próximo”.

108. Tudo o que também transmitiu verbalmente à 1ª Autora.

109. A 1ª Autora não voltou a recorrer aos serviços da Dra. FF, não tendo comparecido a, nem marcado, qualquer outra consulta com aquela após o dia 17/12/2008.

110. A 18/02/2009 a 1ª Autora voltou ao Hospital ... para efectuar uma ecografia obstétrica-morfológica sob requisição da Dra. DD.

111. Tal ecografia foi marcada pelo Hospital ... para ser realizada pela 3ª R., que efectivamente o fez.

112. A 1ª Autora não se fez acompanhar do relatório da ecografia anterior, ao contrário do que lhe tinha sido solicitado pela contestante, e foi pelo Hospital ... identificada na ficha como AA, sem o apelido ....

113. A 3ª R. realizou à 1ª Autora uma ecografia obstétrica morfológica às 21 semanas e 5 dias de acordo com os parâmetros exigidos para esse exame, mas sem a atenção especial que lhe votaria caso soubesse tratar-se da mesma paciente a quem havia anteriormente realizado as ecografias acima descritas.

114. O relatório do exame de 18-02-2009 contém toda a informação que à data era requerida para ecografias dessa idade gestacional, sendo que os “parâmetros de avaliação” escolhidos foram aqueles que estavam, à data, recomendados, apontando factos que se enquadram no conceito de “resultados dentro dos parâmetros, valores e padrões normais e expectáveis para um feto típico e normal com a idade gestacional do 2º A..

115. Tal como relativamente ao exame de 17-12-2008, também neste caso os membros superiores e inferiores são descritos como “aparentemente normais”: o relatório formalmente correcto, transmite um erro de avaliação no que diz respeito à morfologia dos membros fetais.

116. A 3ª R. após a realização daquele exame ditou e assinou o relatório que se encontra junto aos autos como doc. 30 da petição apresentada, correspondendo o doc. 44 da mesma peça processual a imagens/fotogramas seleccionados durante a realização do exame, tendo no mesmo exarado, a propósito dos membros superiores e inferiores: “…membros superiores e inferiores aparentemente normais.”.

117. No relatório da ecografia realizada pela contestante em 18/02/2009 consta o seguinte, sob o título de “nota importante: o diagnóstico pré-natal das malformações ou anomalias do feto, quando comparado com o exame clínico do recém-nascido pode apresentar até 10% de falsos positivos e até 25% de falsos negativos”.

118. Com referência às malformações e patologias que o Autor CC apresenta, aquelas que se prendem com a doença ou síndrome neurológico não são, nem eram ao tempo da realização de todas as ecografias, detectáveis através deste tipo de exame – ecografia – nem de nenhum outro.

119. Sendo certo que, a tal a doença ou síndrome neurológico também, não foi detectada pelo exame, rastreio pré-natal integrado feito no soro materno (rastreio cromossómico fetal), que a 1ª Autora acabou por realizar por requisição da 3ª R..

120. A 3ª R. efectuou dois exames ecográficos à 1ª Autora a 20/04/2009 e 25/05/2009 no Hospital ..., quando o feto do 2º Autor tinha sensivelmente 30 semanas e 35 semanas.

121. Ambos os exames foram requisitados pela Dra. DD.

122. Nos relatórios dos exames de 20-04-2009 e 25-05-2009 não consta referência a malformações, contendo toda a informação que à data era requerida para ecografias da respectiva idade gestacional, sendo que os “parâmetros de avaliação” escolhidos foram aqueles que estavam, à data, recomendados, apontando factos que se enquadram no conceito de “resultados dentro dos parâmetros, valores e padrões normais e expectáveis para um feto típico e normal com a idade gestacional do 2º A. nesse momento, apontando também para “membros superiores e inferiores aparentemente normais”: os relatórios formalmente correctos, transmitem um erro de avaliação no que diz respeito à morfologia dos membros fetais.

123. A 3ª R. após a realização daqueles exames ditou os relatórios, sendo que o que se mostra junto aos autos como doc 32 da petição apresentada foi por si assinado.

124. No recém-nascido/criança foram mais tarde identificadas outras alterações funcionais: de natureza neurológica (Síndroma de Moebius) e relativas ao desenvolvimento psicomotor, que eram indetectáveis durante a gestação, nomeadamente, através dos exames ecográficos realizados pela 3ª R..

125. O Autor CC e/ou os seus pais, restantes Autores, beneficia de auxílio dos sistemas assistenciais belgas de cerca de € 700,00.

126. A 3ª R. trabalhou na Maternidade ... no Porto durante 38 anos, de 1957 a 1995, ano em que se reformou.

127. Manteve, depois disso, o exercício da prática da medicina privada.

128. Foi sempre médica abnegada, dedicada aos doentes, com um relacionamento profissional de excelência com estes e demais profissionais da saúde.

129. Sendo estimadíssima pelos e muito conceituada entre os colegas, porque em simultâneo com uma atitude constante de transmitir o que sabia aos mais novos, teve sempre a humildade e a preocupação de se actualizar nos seus conhecimento e nas técnicas que foram surgindo e evoluindo à medida que os anos passaram.

130. A 3ª R. celebrou com a agora Interveniente “B... - Companhia de Seguros, S.A.” um seguro de responsabilidade civil, titulado pela apólice nº ... nos termos de fls. 201 dos autos, sendo que constam de fls. 203-232 dos presentes autos as condições especiais e gerais do aludido seguro.

131. A 3ª R. Dra. EE pertencia ao corpo clínico da 2ª R. formado por médicos especialistas em Obstetrícia com dedicação/especialidade a ecografias obstétrica e ginecológicas.

132. A 3ª R. gozava de absoluta liberdade de diagnóstico e de actuação relativamente aos procedimentos comuns.

133. Ao consultar o histórico clínico da aqui A. progenitora, a 2ª R. verificou que a mesma, após a data de 02/07/2009 - data referente ao nascimento do menor CC, nas datas de 24/07/2009 e 29/07/2009, recorreu aos serviços do Hospital ... 2ª Ré para cuidados médicos, cuidados médicos estes que consistiram exclusivamente à realização de meios complementares e de diagnóstico, entre outros, a A. progenitora realizou ecografias, electrocardiograma, ecocardiograma e radiografia,

134. A presente acção foi intentada em 18-05-2012 e a R. DD foi citada em 01-06-2012, a R. EE foi citada em 31-05-2012 e a Interveniente “B...” foi citada para a presente acção em 11 de Fevereiro de 2013 (fls. 24, 80, 79 e 251 dos presentes autos).

FACTOS NÃO PROVADOS

A. A A. progenitora foi durante toda a sua gravidez acompanhada e assistida clinicamente pela Exmª Srª Drª DD, ora 1ª Ré.

B. A 1ª R. não detectou nas ecografias realizadas as malformações do feto perfeitamente visíveis aos olhos de profissionais do foro médico.

C. Ora, seria exigível à 1ª R. que, atenta a sua condição e responsabilidades profissionais que perante a análise dos referidos “fotogramas” ecográficos, constatasse que o feto tinha malformações a nível das mãos e pés.

D. Assim sendo, seria exigível que a 1ª R. tivesse detectado as malformações já reflectidas nas últimas ecografias, e na sequência informando a A. progenitora bem como ao A. progenitor,

E. As alegadas malformações resultam da ingestão de fármacos ou outras substâncias químicas, do género do misoprostol, destinadas a provocar abortamento, nocivas ao embrião ou ao feto pela A. AA durante a gravidez que, por estar em situação de ruptura com o marido, não queria outro filho, sendo que também não queria que se soubesse que estava grávida.

F. O que justificou não ter tido mais acompanhamento durante o primeiro trimestre, situação que foi comunicada à 1ª R. DD.

G. No exame de 17-12-2008, das imagens visualizadas pela 3ª R. através do ecógrafo durante o referido exame não se verificava a existência de qualquer desconformidade ou malformação no feto do 2º Autor, em específico das que se acham alegadas na petição.

H. Durante o exame de 17-12-2008, e a certa altura do mesmo, a 1ª Autora referiu que: “fiz tudo para que esta gravidez não fosse avante, mas agora é muito querida, muito querida”.

I. Porque a 1ª Autora não concretizou mais, nem melhor, aquela expressão, aditada à circunstância dela se fazer acompanhar por indivíduo de sexo masculino que não se identificou, nem foi identificado pela 1ª Autora, como pai do feto em gestação,

J. A 3ª R., reflectindo sobre o significado daquele comentário que poderia ser o de uma confissão de uma tentativa frustrada de interrupção da gravidez, ficou preocupada e resolveu, de imediato, dar conhecimento pessoal desse facto à Dra. FF que era, como se disse, a obstetra da 1ª Autora, tendo esta ficado na posse da informação para abordar a 1ª Autora sobre se esta tinha tentado interromper sem êxito a gravidez em curso e de que forma.

K. Dado que foi impossível entrar em contacto com a Dra. FF, a 3ª R. decidiu pedir a ficha da doente e requisitar um rastreio pré-natal integrado, feito no soro materno (rastreio cromossómico fetal).

L. Isso mesmo fez saber à 1ª Autora a quem instruiu no sentido de efectuar esse exame.

M. Bem como lhe recomendou voltar à consulta da Dra. FF logo que lhe fosse possível.

N. A Dra. FF chegou mesmo a referir à 3ª R.: “Ó Drª. EE, anda tão preocupada com a AA e ela nunca mais me apareceu na consulta.”.

O. A 3ª R. e a Dra. FF nas conversas tidas sobre a 1ª Autora referiram-se-lhe como a AA ou a Dª AA.

P. A própria 1ª Autora, aquando da realização desse exame, também não se apresentou ou fez qualquer menção, designadamente que tinha sido anteriormente seguida nessa gravidez pela Dra. FF, que permitisse à 3ª R. reconhecê-la como a AA, isto é, como a doente que havia efectuado o comentário que acarretou a suspeita e a preocupação acima alegadas.

Q. Também não fez qualquer menção ao resultado dos exames requeridos pela 3ª R., que acabou por efectuar, como se vê dos docs. 18 e 19 da petição inicial, nem, tão pouco, fez qualquer menção à circunstância de não ter consultado a Dra. FF após 17/12/2008, como lhe havia sido solicitado pela 3ª R..

R. No exame de 18-02-2009, das imagens visualizadas pela 3ª R. através do ecógrafo durante o referido exame não se verificava a existência de qualquer desconformidade ou malformação no feto do 2º Autor, em específico das que se acham alegadas na petição.

S. A 3ª R. procurou visualizar os membros inferiores e superiores do feto nos três segmentos, o que conseguiu, tendo medido o comprimento femural.

T. Parecendo-lhe, pelas imagens obtidas durante o exame, que os membros superiores e inferiores aparentemente existiam, designadamente no que concerne às suas extremidades.

U. Sucede que, a 3ª R. efectuou este exame ecográfico, denominado morfológico, como aliás, os anteriores e os posteriores à 1ª Autora, conforme a prática médica habitualmente utilizada pelos ecografistas nacionais naquele hiato temporal e de acordo com as possibilidades do equipamento – ecógrafo – e os conhecimentos científicos disponíveis, e que a 3ª R., ou seja, realizou uma ecografia bi- dimensional para avaliar a morfologia dos diferentes órgãos do feto, designadamente os contidos na cabeça, tórax e abdómen, os membros superiores e inferiores e a biometria.

V. Para o efeito, quer nesse exame, quer nos anteriores e posteriores que realizou à 1ª Autora, deitou a mesma na marquesa em posição de decúbito dorsal com o ventre totalmente descoberto, colocou gel de contacto e executou o exame em local com condições de luminosidade ténue e utilizando monitor ecográfico de alta resolução através do deslizamento de uma sonda ecográfica sobre o gel e toda a cavidade abdominal, com excepção do 1º exame em que utilizou sonda endo vaginal.

W. Procurou, em todos esses exames, manipular cuidadosamente a sonda ecográfica, procurando captar o feto nos vários ângulos que proporcionassem uma completa “visualização ecográfica”, obtendo assim imagens que foi interpretando à medida que o exame decorria.

X. Tudo o que fez sempre com o auxílio de funcionária do Hospital ... que a assistia e assistiu durante todos esses exames ecográficos realizados à 1ª Autora.

Y. Ocorre que, e apesar da natureza dinâmica dos exames ecográficos, a visualização que se pode obter durante a sua realização é condicionada por vários factores como é o caso dos seguintes: posicionamento fetal, mobilidade fetal, volume de líquido amniótico, situação da placenta e espessura da parede abdominal materna.

Z. Sendo certo que as imagens obtidas durante o exame, são imagens indirectas em duas dimensões, sem profundidade, a preto e branco, que o médico ou operador interpreta nas suas sombras de acordo com os seus conhecimentos científicos.

AA. Daí que, os resultados obtidos pela realização do exame são obrigatoriamente condicionados pelas circunstâncias que em concreto se verificam durante a sua realização, como as atrás assinaladas, correspondendo os resultados obtidos à interpretação, avaliação e ponderação das sequências das imagens possíveis de obter.

BB. Condicionamento esse, que tem como consequência que as imagens obtidas pelo aparelho não logrem retratar sempre, com absoluta nitidez e precisão, a realidade do feto analisado em toda a sua extensão e composição, produzindo às vezes falsos ecos, sendo, tão só, a sequência possível que essas imagens conseguem captar.

CC. No caso dos autos, e em relação à ecografia morfológica de 18/02/2009, assinala-se que a posição do feto, aliás comum às ecografias anteriores e posteriores, era muito pouco favorável à obtenção de imagens ecográficas em toda a sua extensão e composição, visto que o feto encontrava-se numa posição em que o dorso anterior estava voltado para o abdómen da Mãe e os membros flectidos e voltados para o dorso materno.

DD. Apesar das dificuldades na visualização do feto, a 3ª R. tentou, através de várias e persistentes incidências com o ecógrafo, obter as melhores imagens do mesmo,

EE. E, logrando visualizar os membros inferiores e superiores, conseguiu efectuar a medição femural, afigurando-se-lhe que eles estavam completos e não tinham, em nenhuma das suas extremidades, agenesia ou deformidade.

FF. O mesmo ocorreu em relação a todas as demais partes e órgãos anatómicos que foram visualizados durante o exame e que se encontravam dentro dos parâmetros e valores normais para um feto daquele tempo de gestação, sem que qualquer deformação ou malformação aparentemente se verificasse ou, pelo menos, fosse visualizável.

GG. Apesar de o ter silenciado, quer a esta, quer à sua médica obstetra de então, a Dra. FF e, crê-se que também, à médica obstetra que depois escolheu, a co-ré Dra. DD.

HH. Tivesse a 1º Autora, como era seu dever e a prudência e o bom senso se lhe impunham, informado a 3ª R., quando se submeteu à ecografia de 18/02/2009 que era ela a AA, a anterior paciente da Dra. FF, a quem na ausência desta e na ecografia anterior a contestante recomendara a realização de rastreio integrado pré-natal,

II. E, tivesse ela transmitido à contestante que decidira não seguir a recomendação desta no sentido de se submeter a consulta da Dra. FF e tivesse ela, também, sido portadora do relatório do exame ecográfico precedente, conforme lhe havia sido solicitado,

JJ. E tivesse, ainda, informado a 3ª R. que havia mudado de médica obstetra no decurso da gravidez, tudo o que a 1ª autora não fez,

KK. Teria sido identificada pela 3ª R. como a doente “AA”, aquela que lhe tinha inspirado preocupação sobre a gestação em curso face ao comentário que havia efectuado,

LL. E, dessa forma, teria accionado na 3ª R. os mecanismos de alerta que fariam com esta não só colocasse no exame cuidados extraordinários, para além do que está previsto e é exigível a qualquer ecografista no exame em causa,

MM. Mas, ainda, tal como anteriormente fizera, que a 3ª R. contactasse a médica obstetra, Dra. DD, a fim de lhe comunicar o mesmo que havia transmitido à Dra. FF.

NN. Aliás, a 1ª Autora nunca referiu à Dra. FF, enquanto foi por esta seguida na gravidez em causa, que havia tentado interromper a gravidez em curso, nem sequer proferiu expressão ou fez comentário com sentido equivalente ou possível.

OO. Crendo a 3ª R. que a 1ª Autora também nunca o fez à Dra. DD em todo o período e em todas as consultas e observações que lhe foram feitas desde 30/12/2008 até ao parto.

PP. E, de certeza que não o fez nas consultas ocorridas em 30/12/2008, 07/02/2009 e 19/03/2009, sendo esta a 1ª consulta a que a Autora se submeteu a seguir à realização do exame ecográfico de 17/02/2009.

QQ. A 3ª R. efectuou a totalidade dos exames ecográficos nesses dias 20/04/2009 e 25/05/2009 e das imagens visualizadas pela contestante através do ecógrafo durante o referido exame não se verificava a existência de qualquer desconformidade ou malformação no feto do 2º Autor, em específico das que se acham alegadas na petição.

RR. Nos exames de 20-04-2009 e 25-05-2009, a 3ª R. procurou visualizar os membros inferiores e superiores do feto, o que conseguiu em termos de, nomeadamente, medir o comprimento femoral e, apesar das dificuldades na visualização do feto, a contestante tentou, através de várias e persistentes incidências com o ecógrafo, obter as melhores imagens do mesmo,

SS. E, logrando visualizar os membros inferiores e superiores, conseguiu efectuar a medição femural, afigurando-se-lhe que eles estavam completos e não tinham, em nenhuma das suas extremidades agenesia ou deformidade.

TT. O mesmo ocorreu em relação a todos as demais partes e órgãos anatómicos que foram visualizados durante o exame e que se encontravam dentro dos parâmetros e valores normais para um feto daqueles tempos de gestação, sem que qualquer deformação ou malformação aparentemente se verificasse ou pelo menos fosse visualizável.

UU. Sendo certo que nestas ecografias das 30 e 35 semanas, a circunstância do espaço intra-uterino ter menor quantidade de líquido amniótico em função do crescimento do feto e deste estar obrigatoriamente em flexão, dificulta sempre a realização dos exames ecográficos e a captação de imagens ecográficas fidedignas do feto, como dificultou no caso em apreço, acrescendo à posição desfavorável em que o feto se encontrava e supra descrita.

VV. A 1ª Autora omitiu às suas médicas obstetras Dras. FF e DD a tentativa de interrupção voluntária da gravidez que tinha encetado, informação que não deu ainda que de modo indirecto ou meramente sugestivo.

WW. Caso o tivesse referido a qualquer uma das médicas, especialmente à Dra. DD, elas teriam considerado a gravidez da 1ª Autora como de risco e encaminhado a 1ª Autora para unidade do SNS a fim de lhe serem proporcionados os serviços de diagnóstico pré natal, nos termos da lei.

XX. Tal possibilitaria que à 1ª Autora fossem dispensados cuidados e meios de diagnóstico especiais que não se circunscreveriam àqueles que realizou.

YY. Muito previsivelmente as médicas obstetras teriam ponderado e recomendado à 1ª Autora que realizasse os seguintes exames: amniocentese e avaliação de parâmetros genéticos específicos para gravidez de risco.

ZZ. Estes eram aqueles que, com maior probabilidade e certeza científica, permitiriam eventualmente descobrir e aferir das malformações e anomalias que o feto apresentava durante a gestação.

AAA. E eram, até, os únicos aptos e disponíveis face ao estado da ciência para tentar descobrir e despistar as patologias e anomalias do foro neurológico que o feto pudesse apresentar e que não foram, nem podiam ser, detectáveis através dos exames ecográficos.

BBB. As malformações e patologias que o 2º Autor padece, ou não existiam à data em que os exames ecográficos foram realizados – o que no caso da ausência de extremidades pode ocorrer em qualquer momento da gestação por acção das bridas amnióticas –, ou existiam mas não puderam ser detectados nos exames, pese embora o cuidado neles posto pela 3ª R..

CCC. Aliás, as malformações que o Autor CC apresenta no seu esqueleto, extremidades dos membros, permitem uma vida autónoma ainda que com o recurso a próteses, circunstância que a ter sido conhecida pelos Autores não os faria interromper a gravidez.

DDD. As patologias que o 2º Autor padece no seu esqueleto, agenesia das mãos e de um pé e malformação de um outro pé, apesar de incuráveis na fase da gestação, permitiriam, e permitem hoje, a aplicação de próteses e a utilização de outros meios, tal como já ocorreu com o Autor CC, que lhe possibilitarão ter uma vida autónoma e independente, ou pelo menos com alguma autonomia.

EEE. O Hospital ... 2ª Ré consentia que a 3ª Ré prestasse serviço de realização, análise e emissão de relatórios de ecografias obstétricas nas suas instalações.

FFF. Não existindo na relação entre a 2ª e 3ª RR. qualquer subordinação nem qualquer hierarquização, a actuação da 3ª Ré médica foi individualizada, autónoma e em regime de total independência para com o Hospital ... 2ª Ré.

GGG. A 3ª Ré simplesmente utilizou as instalações e os equipamentos do Hospital ... 2ª Ré para tratamento e acompanhamento dos seus doentes.

3. Inconformados com a sentença, dela apelaram a Interveniente Seguradora, os Autores, a Ré A... e o Mº Pº, de acordo com as seguintes conclusões:

RECURSO DA INTERVENIENTE SEGURADORA B...

1) Entende a recorrente que a douta sentença padece do vício da nulidade por o tribunal ter conhecido de questão de que não podia conhecer, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil.

2) Julgou-se provado que (…) seria exigível que a 3ª R. tivesse detetado as malformações já refletidas nas últimas ecografias, e na sequência informado a A. progenitora bem como o A. progenitor para que, em conformidade, e em caso disso, fossem inclusivamente realizados sendo possível exames específicos e complementares para despiste e/ou confirmação das malformações, ou os mesmos tomassem as devidas decisões que no caso em apreço se colocassem, o que, no caso, se traduziria na opção por interromper voluntariamente a gravidez (com sublinhado nosso, pontos 19 e 20 julgados assentes).

3) Nos presentes autos, a causa de pedir pressupõe a existência de um erro de diagnóstico que, a não ter ocorrido, teria permitido aos pais uma interrupção voluntária de gravidez, a qual seria legalmente possível até às 24 semanas de gestação (cfr. o artigo 142.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2 do Código Penal).

4) A violação do direito à procriação que inclui a faculdade de interromper legal e voluntariamente a gravidez é assim facto constitutivo do direito dos autores.

5) Mesmo em relação ao CC que, representado pelos seus pais, aciona a clínica e a médica que realizou os exames de diagnóstico pré-natal, a ação tem por fundamento a omissão aos pais da informação acerca da sua deficiência que impediu a realização de um aborto da sua pessoa.

6) A alegação de que não fora aquela omissão teria sido realizada a interrupção voluntária da gravidez é também facto constitutivo do direito invocado pelo CC.

7) Os autores apenas invocaram que seria exigível que as Rés tivessem detetado as malformações já refletidas nas últimas ecografias, e na sequência informado a A. progenitora bem como o A. progenitor para que, em conformidade, e em caso disso, fossem inclusivamente realizados sendo possível exames específicos e complementares para despiste e/ou confirmação das malformações, ou os mesmos tomassem as devidas decisões que ao caso em apreço se colocassem (artigos 21.º e 22.º da douta petição inicial).

8) Nada mais disseram, concretamente, sobre a sua intenção de recorrer à interrupção voluntária da gravidez, caso tivessem sido corretamente informados.

9) Neste conspecto, na falta de factos carreados para os autos que preenchessem os requisitos impostos para a procedência da ação, não podia o tribunal substituir-se à parte julgando assentes factos essenciais que não foram invocados pelos autores.

10) Determina o vício de nulidade da sentença por excesso de pronúncia (al. d), do nº1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil) a apreciação de “questões” que extravasem os pedidos formulados, como as respetivas causas de pedir, e as exceções deduzidas (isto é, o conhecimento de “questões” que não integram o objeto do litígio) e em que se não imponha o conhecimento oficioso, originando tal vício um erro na decisão da matéria de facto, por indevida recolha, para o compósito fáctico, de factos constitutivos do direito dos autores não alegados (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de fevereiro de 2022, processo n.º 47/19.3T8AMT.P2, sendo relator EUGÉNIA CUNHA)

11) A indevida inclusão no composto fáctico provado da sentença de factos não alegados pelas partes e considerados de relevo somente na sentença, impõe que os mesmos sejam eliminados.

12) Deve por isso ser proferida decisão excluindo dos factos assentes – ponto 20 – a referência à hipótese de, caso tivessem sido detetadas as malformações já refletidas nas últimas ecografias e nessa sequência sido informados a A. progenitora bem como o A. progenitor, uma das opções devidas seria a de interromper voluntariamente a gravidez, facto que não foi alegado pelos autores.

13) Consequentemente, não tendo sido alegados os factos que permitissem concluir que se tivesse sido correta a informação então prestada aos pais, estes teriam interrompido voluntariamente a gravidez, na falta de verificação de requisito necessário ao preenchimento da responsabilidade civil - o dano dos Autores -, isto é, na falta de específica alegação e de demonstração deste direito, impõe-se a improcedência da ação (v. nº1, do art. 342º, do CPC).

14) Caso assim se não entenda, deve de todo o modo a ação improceder, decisão que se requer venha a ser proferida por este Tribunal da Relação.

15) Nos presentes autos está em causa a determinação de qual teria sido o comportamento adequado da médica, no quadro da realização de um exame médico de diagnóstico pré-natal, e se a omissão desse comportamento devido determinou um dano na esfera jurídica dos pais do CC e na do CC, relativamente aos quais devam ser indemnizados pela clínica/médica.

16) A douta sentença fixou uma indemnização por ter concluído pela existência de um dano pela violação do direito à procriação livre e esclarecida, que inclui a faculdade de interromper legal e voluntariamente a gravidez, mas também, no que ao jovem CC concerne, pela deficiência que a sua vida comporta, em causa está a interpretação dos artigos 24.º, n.º 1 e 67.º, n.º 2, alínea d) da Constituição da República Portuguesa, bem como os artigos 483.º, 798.º e 799.º do Código Civil.

17) Relevante é o facto de o evento lesivo ter conduzido a um nascimento indesejado, atento o dano da deficiência que essa vida comporta.

18) A obrigação de indemnizar foi fixada num contexto de erro médico (qualificado este como má-prática médica) relativo a um diagnóstico pré-natal, tendo-se concluído pelo desvalor da ação, na execução de um contrato de prestação de serviços médicos com a peculiaridade de se referir a um diagnóstico deste tipo, que privou os pais (os credores da atividade médica objeto desse contrato) do conhecimento de malformações do feto, conduzindo a um nascimento retrospetivamente qualificado de indesejado.

19) Também se pretende apurar da possibilidade de se ressarcirem os danos não patrimoniais causados ao CC por uma vida gravemente deficiente.

20) Ao julgar a ação procedente, mormente ao fixar uma indemnização de 70.000,00 € pela deficiência da vida do CC, concluiu o tribunal que o CC que existe, não deveria ter nascido com as malformações que o tornam deficiente e que, por isso, tem direito a ser ressarcido.

21) A douta sentença vem qualificar o valor da vida, admite que uma vida vale mais do que outra vida, a vida com deficiência, e que, por isso, o CC deve ser indemnizado por a sua vida ter desvalor em relação às restantes.

22) A decisão em apreciação depende de se julgar admissível que alguém prescinda (embora mentalmente) da sua própria vida, representando essa vontade através de terceiros, os progenitores.

O que contraria os princípios normativos vigentes no ordenamento jurídico português.

23) O facto é que o CC, afetado de uma grave deficiência, chegou à existência e dispõe de todos os seus direitos. A existência do CC é um facto real, que não pode estar em causa até para efeitos da sua legitimidade, mas, ao mesmo tempo, a procedência da ação depende da consideração de que seria melhor a sua não existência.

24) Este é um paradoxo que também impossibilita a procedência do pedido formulado, o CC nasceu e pressupõe se a sua não vida como ausência do dano indemnizável.

25) Ao atribuir a indemnização aos pais do CC e ao CC considerando a deficiência que essa vida comporta como dano, significa que a alternativa aponta não para uma vida ‘normal’, mas para a não-vida.

26) A decisão em apreciação nos presentes autos traduz Direito que considera a morte preferível à vida deficiente, o que é de todo impossível, por contraditoriedade a qualquer sistema jurídico civilizado.

27) Impondo-se a revogação do decidido e consequentemente seja proferido acórdão que julgue a ação improcedente.

28) Caso assim se não entenda, o que apenas se admite por dever de ofício, a douta sentença é nula por os seus fundamentos estarem em contradição com a decisão (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil).

29) A douta sentença julgou a ação procedente e condenou solidariamente a A..., SA, a EE e a B... – Companhia de Seguros SA (neste caso, tendo sempre presente o limite de 300.000,00 €) no pagamento aos recorridos de indemnização por danos não patrimoniais e ainda em quantia ilíquida, no que concerne às despesas que identifica.

30) Resulta dos autos que a recorrente celebrou contrato de seguro com a R. EE e que foi a propositura da ação contra esta médica que determinou a intervenção da B..., acrescentando-se que, tendo em atenção a natureza da obrigação de indemnizar resultante da responsabilidade civil por ato ilícito, nas relações entre a seguradora e o segurado, a seguradora fica numa situação de subordinação em relação ao segurado, o que equivale a dizer que, não se mostrando prescrito o direito no que diz respeito às RR. DD e EE, tal direito também não se pode considerar prescrito quanto à Seguradora, já que esta responde se e na medida em que exista a obrigação do seu segurado (sic douta sentença com sublinhado nosso).

31) A douta sentença, constatando que se verificam os pressupostos da responsabilidade civil da R. CLÍNICA, menciona que está esta obrigada a responder perante o paciente credor pelos danos decorrentes da execução dos atos médicos realizados pelo clínico na qualidade de “auxiliar” no cumprimento da obrigação contratual, nos termos do artigo 800.º, n.º 1, do CC”, sendo que, “Porém, o médico poderá também responder perante o paciente a título de responsabilidade civil extracontratual concomitante ou, eventualmente, no âmbito de alguma obrigação negocial que tenha assumido com aquele”.

32) Acrescenta o douto aresto em apreciação que o facto de a responsabilização da 2ª R. se justificar e impor em face da aplicação do disposto no art. 800º nº 1 do C. Civil, tal não afasta a possibilidade de a 3ª R. (a pessoa “utilizada” pela 2ª R. no cumprimento da sua obrigação contratual) poder/dever igualmente ser responsabilizada, ainda que à luz de instituto da responsabilidade civil extracontratual e verificados os respetivos pressupostos, até porque a responsabilidade delitual estará sempre presente/garantida ao paciente aquando da prestação de atos médicos, desde logo porque no exercício de um ato médico a regra é sempre estarem em causa direitos (absolutos) de personalidade, tais como o direito à integridade física e moral e o direito à autodeterminação (v.g., no caso de violação do consentimento informado), o que nos remete imediatamente para a primeira modalidade de ilicitude do art. 483.º, n.º 1 do CC.

33) Conclui recair também sobre a R. EE a obrigação de indemnizar os autores e, com isso, pela existência de pluralidade de responsáveis e, enquanto obrigação plural, defende a douta sentença tratar-se de obrigação solidária, com fundamento no artigo 497.º do Código Civil.

34) No que respeita à interveniente, da fundamentação resulta que a obrigação da médica se reflete sobre a Interveniente B... em função do contrato de seguro celebrado e com o limite de € 300.000,00 (fls. 201 dos presentes autos).

35) Pese embora esta fundamentação assim aduzida, no decisório condena-se solidariamente as RR. “A..., SA”, EE e Interveniente “B... – Companhia de Seguros, SA” (neste caso, tendo sempre presente o limite de 300.000,00 € supra apontado); quando se impunha, por conclusão lógica da fundamentação apresentada, a condenação solidária da A..., SA” e da B... – Companhia de Seguros, SA, por a médica EE ter transferido a sua responsabilidade para a interveniente B... – Companhia de Seguros, SA (tendo sempre presente o limite de 300.000,00 €), pelo que a médica, impunha-se que fosse condenada conjuntamente com a seguradora na hipótese de se vir a esgotar o capital seguro (fls. 201 dos presentes autos).

36) Trata-se de um vício estrutural ou intrínseco da sentença, também conhecido por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito (nulidades taxativamente enumeradas no artigo 615.º do Código de Processo Civil), nulidade prevista no 1.º segmento do al. c), do n.º 1, do citado artigo 615.º - fundamentos em oposição com a decisão – que ocorre quando os fundamentos de facto e/ou de direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão, existindo, pois, uma contradição entre as suas premissas, de facto e/ou de direito, e conclusão/decisão final (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de março de 2022, processo n.º 4345/12.9TCLRS-A.L1.S1, sendo relator ISAÍAS PÁDUA).

37) Caso assim se não entenda, sempre se impõe a alteração da douta sentença, porquanto o decidido traduz um erro na interpretação do contrato de seguro e do disposto no artigo 497.º do Código Civil.

38) A fonte da obrigação da apelante é o contrato de seguro e não a responsabilidade civil contratual e/ou delitual, inexistindo solidariedade passiva entre a Clínica, a médica e a recorrente.

39) Na situação em apreciação, houve transferência da responsabilidade civil da médica EE para a recorrente, mas apenas por parte desta médica pois a Clínica não transferiu a sua responsabilidade, nada a desonerando por isso da obrigação de indemnizar.

40) A Clínica será responsável pelo pagamento dos danos, solidariamente com a recorrente que em função do contrato de seguro assume a obrigação de indemnizar em substituição da médica EE, que apenas pode ser condenada no valor que vier a exceder o limite do capital seguro (os 300.000,00 €).

Termos em que deve ser procedente o presente recurso revogando-se a douta sentença tal como preconizado.

RECURSO DOS AUTORES

A – A douta sentença padece de vícios pelo que deve ser revogada.

B – Na verdade, não fez a correta imputação de responsabilidade civil à R. DD.

C – Decidiu a sentença ora em crise absolver a R. DD, entrando em completa e clara contradição com os factos dados como provados entre os quais o ponto 15 que passamos a transcreve: “Sendo certo que, as ecografias de 17-12-2008, 18-02-2009, 20-04-2009 e 25-05-2009 foram sempre analisadas e estudadas pela 1a Ré aquando das consultas com a A. progenitora, tendo tido acesso não só aos relatórios como também às próprias ecografias.”

D - Ora, tendo sido dado como provado que, a 1ª R. DD, teve acesso a todas as ecografias, inclusive aquelas cujo erro de diagnóstico, elaboração e observação deu origem à responsabilização da R. EE,

E - E a referida análise tinha como referência não só o acesso aos relatórios das ecografias, mas também o acesso às imagens das mesmas, que ninguém poderá duvidar seriam e deveriam ter sido devidamente analisas pela 1ª R. DD, tanto mais que foi esta quem a solicitou.

F - Na verdade, a “legis artis” e a prática comum da profissão inerente aos serviços de saúde médicos, em concreto, na observação de exames que os próprios médicos requerem ou que os pacientes solicitam a sua opinião, análise e diagnóstico, obrigatoriamente implicam que o médico proceda a uma análise cuidada de todo o exame e não só do relatório, esta é uma verdade inabalável, há evidências que não se pode esconder e que devem ser atendidas por serem relevantes, “in casu” para a boa decisão da causa.

G - Na verdade, a 1ª R. DD, analisada toda a situação dos autos, enquanto médica ginecologista e obstetra no âmbito de vínculo contratual estabelecido com os AA., obrigou-se inquestionavelmente, como devedora, a desenvolver, prudente e diligentemente a sua actividade de natureza médica.

H - Corroboramos o inserto na douta sentença quando infirma que: “...no contrato médico existe como obrigação contratual principal do clínico, a obrigação de tratamento, que se pode desdobrar em diversas prestações, tais como de observação, de diagnóstico, de terapêutica, de vigilância, de informação. O ponto de partida para qualquer ação de responsabilidade médica é assim o da desconformidade da concreta atuação do agente no confronto com aquele padrão de conduta profissional que um médico medianamente competente, prudente, e sensato, com os mesmos graus académicos e profissionais, teria tido em circunstâncias semelhantes na mesma data. (...) Age com culpa, não o médico que não cura, mas o médico que viole os deveres objetivos de cuidado, agindo de tal forma que a sua conduta deva ser pessoalmente censurada e reprovada, culpa a ser apreciada, como se disse, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.” – o sublinhado é nosso.

I - Assim, A 1ª R. que inclusivamente, analisou os referidos exames, em toda a sua extensão – relatórios e imagens – falhando de forma lamentável na sua obrigação contratual principal de médica, na OBSERVAÇÃO, DIAGNÓSTICO e VIGILÂNCIA.

J - Por outro lado, e não de somenos importância, a própria médica realizou ecografias aquando das consultas que a A. AA realizou, as ecografias realizadas implicavam necessariamente a medição dos membros do feto, aliás, tal prática, ou melhor dizendo procedimento é normal nas consultas de seguimento de uma gravidez, tal procedimento é do conhecimento de todos, de bom senso e de acordo com os bons usos e práticas na área pré-natal.

L - Temos que necessariamente concluir, sob pena de olvidarmos de forma incorreta e injusta que a R. DD constituiu se em responsabilidade civil, pois que aquando das referidas ecografias no seu consultório, falhou de forma grave no seu dever de observação, diagnóstico e vigilância, rompeu pois de forma censurável com a sua “legis artis”, pois não analisou, e deveria ter analisado, corretamente as imagens que lhe eram dadas a ver através do aparelho que utilizada no seu consultório.

M - O contrário desta conclusão é uma contradição insanável de subsunção da responsabilidade civil, às regras da imputação e também contradiz toda a matéria dada como provada nos autos em referência e insertos na douta sentença.

N - Concluímos, pois, que a R. DD tem também responsabilidade civil, pelo que deve ser condenada à semelhança de todos os restantes RR. pelos fundamentos ora expostos, e nesse âmbito tem que ser a sentença revogada e substituída por uma que condene a mesma de preceito, como aliás é de inteira Justiça.

O – A douta sentença fez incorreta aferição do dano dos AA., sua qualificação e quantificação, cálculo do valor indemnizatório determinado para os AA. e determinação da sua aplicação temporal,

P - Bem como a incorreta aplicação e contagem de juros, violando o legalmente preceituado nos artºs 562º, 564º e 805º do Código Civil,

Q - Ora, em face dos factos provados quanto aos danos sofridos pelos AA. progenitores e quanto ao A. CC que se descrevem como incomensurável sofrimento, bem como a vida incerta e difícil do pequeno A. CC, não nos parece minimamente compatível o valor de indemnização de 35.000,00 aos AA. pais, e não nos parece sequer estar perto de ser uma compensação justa pelo incomensurável sofrimento dos mesmos de acordo com o sobredito na sentença, bem como não nos parece minimamente adequado o valor de 70.000,00 € para o A. CC, que vive uma vida “quase sem vida”, no sentido de que nada é normal, vivendo numa dimensão onde nem sequer é possível descortinar a existência de sofrimento, dor, alegria ou qualquer reação compreensível aos olhos do AA. pais seres humanos como todos nós sujeitos a uma vida indiscritível de uma FILHO, uma vida que a cada segundo os faz “morrer um pouco” com o seu coração apertado, desorientado e apenas carregando o amor intrínseco ao seu filho com grandes pinceladas de incerteza, e sofrimento INDISCRITÍVEL.

R - Os critérios de equidade não foram devidamente tidos em consideração, pelo que nesta parte a sentença também está ferida e deve ser revogada e substituída por decisão que determine indemnização atualizada e adequada aos danos dos AA. que deve considerar o cálculo de juros contados desde a citação sob pena de violação do disposto no artº 805º, nº3 do CC.

S - Determinou ainda a sentença ora em crise condenar ao RR. a pagar: “Aos AA. AA e BB quantia que se vier a liquidar no competente incidente de liquidação quanto às despesas que os AA. AA e BB vão ter de suportar com a reabilitação fisiátrica, cadeira de rodas de acordo com a prescrição do médico fisiatra assistente (e sua manutenção ou substituição), colete abdominal (para evicção de queda da cadeira), prótese para membros inferiores (e sua manutenção ou substituição), andarilho (e sua manutenção); prótese da mão com adaptação de colher para permitir alimentação autónoma (e sua manutenção ou substituição) até este atingir os 18 anos de idade.

T – Esteve mal a decisão ora em crise ao limitar a referida indemnização aos 18 anos do A. CC,

U – Isto, porque resulta como provado que o A. CC nunca será uma criança normal, nunca será um adulto normal, nem mesmo nas mais básicas necessidades como a de comer, andar, falar, nem mesmo quanto às suas mais básicas necessidades fisiológicas,

V - O A. CC nunca será autónomo, dependerá sempre de terceira pessoa e de seus pais,

W - Pelo que, após os 18 anos de idade este continuará a necessitar de apoio para rigorosamente tudo, e não será um mero apoio, mas antes tratamento e cuidados básicos a 100%, pois em nada o CC poderá faze por ele próprio.

Z – Está pois a decisão em crise, em contradição essencial com a matéria dada como provada e nesse sentido deve ser revogada e substituída por uma decisão que considere a referida indemnização enquanto o A. CC viver, pois a isso é justo, legítimo e extremamente NECESSÁRIO.

Nestes termos e nos melhores de direito e com o mui Douto suprimento de vossas excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, e por via disso ser revogada a douta decisão ora em crise, com o que se fará sã, serena e objectiva justiça.

RECURSO DA RÉ A...

A. O presente recurso assenta na discordância quanto à decisão recorrida por razões de facto e de direito:

B. Estão incorretamente julgados os pontos 20, 66, 84 e 91 dos factos dados como provados, constantes da decisão recorrida.

C. A Recorrente entende que estes factos foram incorretamente julgados, uma vez que da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento resulta claro que foi a Dra. FF quem indicou que a Autora deveria realizar um exame ecográfico com a Dra. EE, sendo esta ecografista que a Dra. FF indicava para todas as suas pacientes.

D. É o que resulta dos depoimentos das testemunhas FF, GG e HH.

E. Dúvidas não poderão restar de que a Autora recorreu ao Hospital ... para realizar uma ecografia com a Dra. EE, sendo este o único motivo pelo qual se deslocou àquela instituição clínica e não outra,

F. Pelo que, atenta prova produzida, a redação dos pontos 66, 84, 89, 90, 91 e 111 deverá ser alterada nos seguintes termos:

a. Ponto 66: A A. AA marcou consulta com a 1.ª R. DD já depois de findo o primeiro trimestre de gravidez, com 14 semanas e 4 dias, com a primeira consulta no dia 30-12-2008, tendo durante esse hiato temporal, sido acompanhada por outra médica obstetra, a Sra. Dra. FF, tendo esta última obstetra recomendado à Autora a realização de exame ecográfico com a Dra. EE.

b. Ponto 84: A 1.ª Autora mulher agendou os referidos cinco exames ecográficos para a Dra EE, tendo-o feito através do Hospital ..., onde a mesma prestava serviços, tendo-se dirigido a esta instituição clínica precisamente por ser nesta que a Dra. EE realizava e exames ecográficos.

c. Pontos 91: “Razão pela qual foi por esta observada, aconselhada e medicada nesse período, tendo sido a Dra. FF quem efectuou a anamnese da 1.ª Autora, quem requisitou os exames que entendeu necessários durante esse período da gravidez, e quem vigiou a evolução da gestação, tendo indicado que a Autora realizasse exame ecográfico com a Dra. EE, o que a Autora fez”.

d. Ponto 111: “Tal ecografia foi marcada pela Autora para ser realizada pela 3.ª Ré, no Hospital ... e não noutro local por ser aí que a 3.ª Ré realizava exames ecográficos, o que efectivamente fez”.

G. Estão incorretamente julgados os pontos EEE, FFF e GGG dos factos dados como não provados, constantes da decisão recorrida.

H. Esta factualidade não provada entra em clara contradição com a factualidade dada como provada no ponto 132.

I. Da prova produzida, resulta que a 3.ª Ré exercia a sua atividade em total autonomia técnico-científica, sem qualquer hierarquização, apenas utilizando as instalações físicas e meios humanos da Recorrente para tal, por intermédio de um contrato de prestação de serviços, sendo precisamente isto que resulta do depoimento da testemunha GG.

J. Os pontos EEE, FFF e GGG dos factos não provados deverão ser dados como provados.

K. Em 20 dos factos provados, deu o tribunal como assente que: “Para que, em conformidade, e em caso disso, fossem inclusivamente realizados sendo possível exames específicos e complementares para despiste e/ou confirmação das malformações, ou os mesmos tomassem as devidas decisões que ao caso em apreço se colocassem, o que, no caso, se traduziria na opção por interromper voluntariamente a gravidez”.

L. No artigo 24º da PI, referem os autores que “Bem como tal conduta violou de forma grosseira um direito dos AA. Progenitores ao conhecimento das malformações do seu filho e tomada de decisões em consonância com o seu conhecimento.”

M. A matéria constante dos sublinhados no ponto 20 dos factos provados, designadamente “se traduziria na opção por interromper voluntariamente a gravidez” é matéria não alegada.

N. E como tal, por não ter sido alegada, não pode o tribunal dar um salto no escuro e presumir que a expressão “decisões que ao caso em apreço de colocassem” se traduziria na interrupção voluntaria da gravidez.

O. As únicas malformações detetáveis eram as malformações físicas, pois que quanto às restantes malformações, porque indetetáveis durante a gestação, jamais poderia haver qualquer tipo de imputação aos réus (ou a quem quer que seja), pela ausência de diagnóstico durante a gravidez.

P. Ou seja, apesar de todo o ruído colocado nestes autos, o presumível sofrimento atroz do CC (que jamais se questionará e se lamenta) em nada releva nos presentes autos.

Q. Razão pela qual, toda a matéria dada como provada relacionada com os danos de foro neurológico, por irrelevantes para o que se decida, devem ser retirados da matéria assente – veja-se pontos 22 a 43, 45 a 47, 50 e 51, 53 a 55, 59 62 e 63.

R. Pelo que, nesta parte, este autêntico salto no escuro dado pelo tribunal, consubstancia um evidente excesso de pronúncia, o que determina a nulidade da decisão recorrida, conforme decorre do artigo 615º n.º 1 alínea d) do CPC.

S. Devendo-se, em consonância, retirar da factualidade provada, o vertido em 20º dos factos provados, designadamente a parte sublinhada em 19º desta peça processual.

T. Inexiste qualquer fundamento de facto e de direito que justifique a decisão de condenação da Recorrente, com base na responsabilidade objetiva prevista no art. 800.º do Código Civil, uma vez que a factualidade assente não evidencia que a Recorrente tenha utilizado a 3.ª Ré para o cumprimento da obrigação, na aceção do art. 800.º do CC.

U. A relação contratual da recorrente nem sequer é com a 3ª ré, mas sim com uma empresa da qual a mesma é socia e gerente.

V. O tribunal acaba por recorrer à doutrina da desconsideração da personalidade jurídica de pessoa coletiva, mas sem que o tenha assumido e, sobretudo, fundamentado.

W. Isto apesar de no ponto 82º dos factos provados, ter dado como assente que: “em contrapartida dos serviços que prestou ao Hospital ..., a sociedade que a 3ª Ré integra, recebia o que com aquele hospital havia sido ajustado com periodicidade mensal”.

X. O que torna evidente que a decisão incorre, nesta parte, em nulidade por os fundamentos estarem em oposição com a decisão, decorrente do artigo 615º n.º 1, alínea c) do CPC.

Y. Resulta da factualidade provada que a escolha da Autora nesta concreta prestação de serviços de ecografia recaiu sobre a 3.ª Ré, intuitu personae, e não sobre a Recorrente, o que resulta do depoimento das testemunhas FF, GG e HH.

Z. Ou seja, a relação contratual começa a ser estabelecida, via Dra EE e não via Hospital ....

AA. Ficamos perante uma dupla situação contratual: por um lado, o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Dra EE e a Autora e; por outro lado, um contrato de prestação de serviços entre o Hospital ... e a Autora, vínculo contratual este que é paralelo e mesmo, complementar, face ao primeiro.

BB. Donde, é forçoso concluir que a relação contratual principal foi estabelecida pela Autora com a 3.ª Ré.

CC. A factualidade provada apenas permite concluir que a Autora estabeleceu relação contratual com a 3.ª Ré ou, no limite, duas relações contratuais conexas com sujeitos e âmbitos distintos: a primeira com a 3.ª Ré para a prestação de cuidados de saúde, a segunda com a Recorrente para fornecimento de instalações e meios necessários à prestação daqueles cuidados.

DD. Na modalidade de contrato dividido que está presente in casu, a Recorrente assume contratualmente apenas a parte relativa aos meios para a prestação do serviço, sendo a 3.ª Ré contratualmente responsável pelos seus atos.

EE. Quanto à relação entre a Autora e a Recorrente, os factos provados permitem concluir pela existência de uma relação contratual direta, mas são insuficientes para que tal relação possa ser qualificada como de “contrato total com escolha de médico”.

FF. Na prestação de serviços médico-clínicos, o a Recorrente Hospital tanto se pode socorrer de médicos que integrem os seus quadros (mediante relação laboral) como de médicos com os quais celebre contratos de prestação de serviços.

GG. O que importa apurar é se a Autora contratou com a Recorrente a prestação total de serviços, ainda que escolhendo ela o médico de entre os que prestam serviços no mesmo hospital; ou se, diferentemente, a Autora contratou, separadamente, o médico e o hospital.

HH. Face ao exposto, afigura-se-nos que se trata de uma situação típica de “contrato dividido” ou autónomo.

II. Identifica-se, assim, uma relação contratual entre a Autora e a 3.ª Ré que tem como objeto a prestação dos serviços especificamente médicos; e uma outra relação contratual entre a Autora e a Recorrente, que não envolve a prestação de serviços médicos em sentido estrito.

JJ. Foi o facto de a 3.ª Ré fazer consulta nas instalações da Recorrente que motivou que a Autora se deslocasse àquele local, recomendada pela sua médica obstetra, Dra. FF, para marcar uma ecografia com a 3.ª Ré.

KK. Acresce que, não resultaram provados factos que apontem no sentido da prática de ato ilícito por parte da Recorrente, nem do seu incumprimento ou cumprimento defeituoso de qualquer obrigação a que estivesse concretamente vinculada, decorrente de contrato celebrado com a Autora.

LL. Inexistem fundamentos de facto e de direito para condenar solidariamente a Recorrente já que, nos termos do disposto no art. 513.º do CC, a solidariedade de devedores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes.

MM. Pelo que, mesmo que se considere a existência de um contrato com pluralidade de devedores, impõe-se aplicar o regime geral das obrigações conjuntas, nos termos do art. 796.º, n.º 3 do CC.

NN. A par deste ponto, dever-se-á concluir também que a condenação solidária da Recorrente é igualmente inadmissível por ausência de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão.

OO. Os autores, formulam o seu pedido indemnizatório com base, sobretudo, na seguinte alegação: “Bem como tal conduta violou de forma grosseira um direito dos AA. Progenitores ao conhecimento das malformações do seu filho e tomada de decisões em consonância com o seu conhecimento.”

PP. Afigura-se-nos que, este pedido resulta da ausência de possibilidade de, tendo tido conhecimento de determinada realidade, poderem tomar determinadas decisões, o que se reconduzi à hipótese teórica do dano da perda de chance – a perda da possibilidade de, conhecendo a situação real do nascituro, poder determinar a decisão a tomar.

QQ. Tal como resulta dos relatórios periciais juntos aos autos, apenas as malformações físicas seriam detetáveis, não sendo detetável qualquer outro problema, infelizmente dos muitos de que padece o Autor CC.

RR. A verificação, ou não, do dano no caso concreto, se reconduzirá ao preenchimento, ou não, da seguinte questão: foi coartado aos Autores o seu direito de tomar alguma decisão, seja ela qual for.

SS. É tão-só esta questão, sem necessidade de envolvência das restantes malformações de que padece o Autor.

TT. Pode definir-se a perda de chance, como a perda da possibilidade de obter um resultado favorável ou de evitar um resultado desfavorável, sendo acolhido como um dano autónomo, consubstanciando-se numa frustração irremediável, por ato ou omissão de terceiro, da verificação da obtenção de uma vantagem, que de forma probabilística era altamente razoável supor que fosse atingida ou na verificação de uma desvantagem que razoavelmente seria de supor não ocorrer, caso não se verificasse essa omissão.

UU. Indicam-se como pressupostos a demonstração da consistência e seriedade da perda da oportunidade de obter uma vantagem, ou de evitar um prejuízo, bem como um juízo de probabilidade, tido por suficiente, independentemente do resultado final frustrado, que deverá ser aferido casuisticamente, em função dos indícios factualmente provados,

VV. Salientando-se que o respetivo ressarcimento não visa indemnizar a perda do resultado querido, antes e apenas a oportunidade perdida, no atendimento de um direito violado com uma conduta ilícita, devendo o cômputo indemnizatório, se devido, ser apurado segundo o critério da teoria da diferença, conforme o disposto no n.º 2, do art.º 566, do CC, ou em último recurso, lançando-se mão de critérios de equidade, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito legal.

WW. A sua transposição para a responsabilidade médica mostra-se veiculada, em termos privilegiados, para as situações em que um comportamento ilícito do médico priva o doente de certas possibilidades de se curar, ou mesmo sobreviver, mas também a perda de chance de suportar sequelas menores ou de obter uma melhoria do seu estado de saúde

XX. O dano encontra-se assim nos casos intermédios, entre a certeza de que não existiu causalidade e a certeza jurídica da sua existência, sendo de afirmar que existe nexo causal na hipótese de um dano intermédio, diferente do dano final.

YY. O que se indemniza não é uma realidade, mas uma possibilidade; e dentro das possibilidades, uma probabilidade, não uma mera expectativa.

ZZ. A jurisprudência já se pronunciou, no AUJ de 5/7/2021, pº 34545/15.3T8LSB.L1.S2-A, ainda que proferido no domínio do processo judicial: “O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado a prova de tal consistência e seriedade”.

AAA. Ora, nos presentes autos temos uma criança que nasceu com malformações várias, sendo certo que apenas poderia ser assacada às Rés a responsabilidade da não deteção das malformações físicas.

BBB. Pelo que a perda de chance, no caso, e em tese, apenas se colocaria no plano de se averiguar se a Autora teria, ou não, abortado caso tivesse sido informado de que o Autor CC nasceria “só” sem mãos e apenas com um pé, mas, nem sequer isto foi alegado.

CCC. Em termos teóricos, atenta a factualidade em discussão, as médicas não seriam responsabilizadas pela deficiência da criança, mas sim pela privação da possibilidade de os pais optarem pela interrupção da gravidez atentas as patologias que acometeriam a criança.

DDD. Com efeito, permanece a dúvida sobre o sentido da decisão dos pais, pois, mesmo se tivessem sido convenientemente informados acerca das malformações físicas do Autor, estes poderiam ter optado por continuar a gravidez já que o Autor CC poderia levar uma vida dita “normal” ou perto do “normal” com o auxílio de próteses.

EEE. E é neste campo de dúvida em que permanecemos, sendo certo que apenas duas hipóteses se colocariam:

a. Ou os progenitores optariam por abortar e o CC nunca teria nascido, logo, nunca teria o direito de ser indemnizado.

b. Ou, então, optariam por seguir com a gravidez sabendo que o Autor CC nasceria com deficiências físicas, nomeadamente sem as duas mãos e sem um pé (pois que mais nenhuma malformação era detetável), o que, salvo melhor opinião, não poderia ser motivo para qualquer tipo de compensação, já que estes danos foram fortuitos e não causados por ação médica.

FFF. Em momento algum foi alegado este dano de perda de chance, este impedimento à liberdade de escolha de interromper, ou não, a gravidez uma vez informados das malformações (“só”) físicas do Autor CC, pois que Autores apenas alegam que a não lhes foi dado conhecimento das malformações do seu filho, não tendo podido tomar “decisões em consonância como o seu conhecimento”. – cfr. art. 24.º da Petição Inicial.

GGG. Nada tendo sido dito quanto à liberdade de escolha dos Autores em abortarem ou não, sabendo das (“só”) malformações físicas do Autor CC.

HHH. Impendia sobre os Autores (progenitores) alegar e provar a probabilidade séria e consistente da escolha pelo aborto, caso tivessem sido devidamente informados das malformações físicas do Autor CC, o que efetivamente os Autores não conseguiram fazer.

III. Não logram os Autores alegar e demonstrar qual a opção que tomariam, caso conhecessem as malformações físicas do CC.

JJJ. Ainda atento o supra exposto, e porque o dano invocado pelos Autores apenas se poderá reconduzir ao dano da perda de chance, apenas os factos relacionados com os mesmos poderão relevar para a decisão em causa, não devendo ser incluídos no leque de factos provados com relevância para a boa decisão da causa outros factos acessórios, que só criarão confusão na tomada de qualquer decisão,

KKK. O dano não está provado, e, em consequência, não se encontram preenchido um dos requisitos fundamentais para que se possa afirmar a responsabilidade civil: o pressuposto do dano.

LLL. Razão pela qual deverá a decisão recorrida ser revogada, substituindo-se por outra que absolva a Recorrente do pedido formulado pelos Autores.

MMM. Os Autores vêm peticionar uma indemnização pelos danos sofridos pelo Autor CC.

NNN. Acontece, todavia, que os danos sofridos pelo Autor CC não são causa direta e necessária da atividade de qualquer uma das Rés, não lhes podendo tais danos ser imputados.

OOO. Os Autores (progenitores) formulam, portanto, um pedido de wrongful life, o que não se pode, de forma alguma, aceitar.

PPP. É na pretensão de wrongful life que nos deparamos com uma importante consideração: a admissibilidade ou não da invocação do direito à não existência, bem como se as mesmas devem ser admitidas e, portanto, suscetíveis de indemnização.

QQQ. Aos progenitores não cabe a legitimidade para instaurarem uma ação de wrongful life, não podendo, portanto, ser condenados neste aspeto.

RRR. Não há conformidade entre o pedido e a causa de pedir, já que os Autores Progenitores peticionam que as 3 Rés sejam condenados a pagar-lhes uma indemnização pelos danos que lhe advêm do facto do Autor CC ter nascido com malformações nos pés e mãos, com fundamento na conduta negligente daquelas, por não terem detetado, durante a gravidez, tais anomalias, motivo pelo qual os pais não puderam optar pela “tomada de decisões em consonância com o seu conhecimento” (cfr. art. 24.º da PI),

SSS. Em termos de argumentação e de elenco de patologias do CC, aquilo em que realmente se alicerçam, são os danos neurológicos e esses, como se disse, não relevam nestes autos.

TTT. O pedido de indemnização deveria ter sido formulado apenas pelos pais e não pelo filho, já que o direito ou faculdade alegadamente violado se encontra na esfera jurídica dos primeiros.

UUU. Uma vez que, na perspetiva de os progenitores, com o conhecimento das patologias físicas do CC, terem optado pelo seu não nascimento (entre outras possibilidades), nunca este teria qualquer direito a ser indemnizado, já que, jamais adquiriria personalidade jurídica e, consequentemente, os direitos daí advenientes.

VVV. Tal como esclarece o STJ, no Ac. de 19/06/2001: “O direito à vida, integrado no direito geral de personalidade, exige que o próprio titular do direito o respeite, não lhe reconhecendo a ordem jurídica qualquer direito dirigido à eliminação da sua vida. O direito à não existência não encontra consagração na nossa lei e, mesmo que tal direito existisse, não poderia ser exercido pelos pais em nome do filho menor.”

WWW. O Autor CC existe, mas concluir-se que o mesmo não deveria existir assim desta forma (fisicamente) deficiente e por isso tem o direito a ser ressarcido, não pode ser, uma vez que a tal se opõe, além do mais, o direito.

XXX. A ação teria que estar votada ao insucesso, quanto mais não fosse pela falta de legitimidade dos Autores (progenitores) em peticionar em representação do seu filho, o Autor CC.

YYY. Sempre teria que improceder tal pedido, uma vez que é contrassenso reconhecermos o direito do Autor CC a não existir, o que, a aceitar-se, estaria em clara violação do direito à vida, constitucionalmente protegido no art. 24.º da CRP.

ZZZ. Por questões de maior clareza da douta decisão, ser retirado do leque de factualidade provada os pontos 22, 45 e 63, uma vez que se prendem com danos sofridos pelo próprio Autor CC, que, como vimos, não seriam detetáveis através de um exame ecográfico, sendo certo ainda que o seu direito a não existir não está acautelado no nosso ordenamento jurídico.

AAAA. Razão pela qual deverá a sentença recorrida ser revogada nos termos supra expostos, substituindo-se por outra que absolva a Recorrente do pedido formulado pelos Autores e que considere verificados os vícios à douta decisão, acima apontados.

BBBB. A douta sentença recorrida condena as Rés, de forma solidária, ao pagamento de uma indemnização de valor global de €140.000,00, acrescidos de juros de mora à taxa anual de 4%, contados desde a data da prolação desta sentença, até efetivo e integral e pagamento.

CCCC. Ora, a douta sentença recorrida não transitou ainda em julgado, não existindo qualquer razão para que os juros se fixam desde a data da sua prolação, pelo que, a existir condenação, também neste ponto deverá ser alterada, fixando-se juros moratórios contados a partir do trânsito em julgado da decisão.

Nestes termos, e nos melhores de Direito, que V. Exas. Mui doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, com o que farão inteira Justiça.

RECURSO DO Mº Pº

I – recurso da Matéria de Facto

1.1- Factos que devem ser aditados à matéria de facto

Devem ser aditados (A) à fundamentação de facto, os seguintes factos:

1A)- A 1.º Ré DD em 2012 era médica há mais de 25 anos e especialista em ginecologia e obstetrícia há mais 15 anos (nesta sequência deve ser alterado o facto descrito em 7).

2A)- Era exigível à 1.ª Ré que, dada a sua formação especializada e responsabilidades profissionais derivadas do facto de acompanhar a gravidez da autora, que perante a análise “fotogramas” ecográficos, das ecografias realizadas pela 3.º Ré, bem como das ecografias por si realizadas constatasse que o feto tinha malformações ao nível das mãos e pés.

3A)- Competia a 1.º Ré, determinar os exames específicos e complementares, não só para despiste e e/ou confirmação das malformações, resultantes das ecografias, mas para outras eventuais complicações que o feto pudesse padecer, e consequentemente informar os pais para que pudessem decidir quanto ao prosseguimento ou interrupção da gravidez.

1.2- Matéria de facto que deve ser Modificada (M): os factos descritos a 43, 69, 2.ª parte e 71 da matéria de facto provada.

1M) No que respeita às “ajudas técnicas”, admitindo-se outros eventuais mecanismos que se venham a revelar necessários ao bem-estar do CC em função do seu crescimento e das transformações do seu corpo ao longo da vida e do desenvolvimento cientifico e tecnológico. Este artigo deverá ainda reportar-se à necessidade de adaptação do domicílio e do veículo automóvel do progenitores às limitações do CC, facto reportado no relatório da perícia de avaliação do dano corporal do CC.

Assim, o facto descrito a 43.º deverá passar a ter a seguinte redacção: “Bem como de ajudas técnicas, a saber, fraldas, chupetas, resguardos, cadeira de rodas de acordo com a prescrição do médico fisiatra assistente (e sua manutenção ou substituição), colete abdominal (para evicção de queda da cadeira); prótese para membros inferiores (e sua manutenção ou substituição), andarilho (e sua manutenção); prótese da mão com adaptação de colher para permitir alimentação autónoma (e sua manutenção ou substituição); cadeira sanitária e cadeira de banho, situação que poderá ainda ter de ser reavaliada, admitindo-se outros eventuais mecanismos que se venham a revelar necessários ao bem-estar do CC em função do seu crescimento e das transformações do seu corpo ao longo da vida e/ou perante o desenvolvimento científico e tecnológico, sendo necessária a adaptação do domicílio e do veículo automóvel dos progenitores às limitações do CC.

2M) No artigos 69 deve ser acautelado que nos fotogramas das ecografias eram visíveis as malformações a nível da morfologia dos membros era detectável - como resulta do art.º 16 tendo por base a perícia do Conselho Médico Legal.

Nesta medida deverá ser dado como provado apenas que:

69- A 1ª R. determinou a realização de todos os exames recomendados para a gravidez, no tempo certo, que foram realizados pela A. AA. Os exames e os relatórios das ecografias remetidos para a 1ª R. não tinham indicação em relação à morfologia de qualquer problema ou indício de qualquer problema, não obstante a visibilidade de tal malformações resultante dos fotogramas, que acompanhavam os relatórios das ecografias, nos termos constantes do facto descrito em 16).”.

3M) O facto 70 da matéria provada refere-se às ecografias presentes nos autos, referindo que as mesmas têm de ser realizadas por especialista em ecografia obstétrica.

É nesta sequência que o facto 71, refere: “Especialidade que a 1ª R. não tem e por isso as mandou a fazer a terceiro, tendo até dado indicação de especialista que a A. não atendeu, tendo recorrido à 2ª R. e à 3ª R.”.

Nesta medida, o referido artigo deverá ser alterado no seguinte sentido: “71- A 1ª R. as mandou a fazer algumas ecografias a terceiro, designadamente quatro das ecografias referidas no facto 81, incluindo a ecografia morfológica, tendo até dado indicação de especialista que a A. não atendeu, tendo recorrido à 2ª R. e à 3ª R.”.

2- Factos que devem ser excluídos (E) da matéria de facto provada

Da matéria de facto Provada

1E) – O art.º 70 da matéria de facto provada: “As ecografias presentes nos autos envolvem um exame dinâmico que tem de ser efectuado por especialista em ecografia obstétrica, sendo que as observações do feto e a avaliação do mesmo, nomeadamente morfológica, se fazem ou devem fazer, pelo decorrer do exame e não por qualquer conclusão de fotogramas.”.

Da matéria de facto Não Provada

2E) Por ser incompatível e contrariar os factos cujo aditamento requeremos, e porque resultam provados, deverão ser excluídos da matéria de facto não provada os factos constantes do ponto B); C) e D):

“B. A 1ª R. não detectou nas ecografias realizadas as malformações do feto [eram] perfeitamente visíveis aos olhos de profissionais do foro médico.

C. Ora, seria exigível à 1ª R. que, atenta a sua condição e responsabilidades profissionais que perante a análise dos referidos “fotogramas” ecográficos, constatasse que o feto tinha malformações a nível das mãos e pés.

D. Assim sendo, seria exigível que a 1ª R. tivesse detectado as malformações já reflectidas nas últimas ecografias, e na sequência informando a A. progenitora bem como ao A. Progenitor,”.

3. Concretos meios de prova que impunham uma decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida

a) O “depoimento de parte/declarações de parte” da 1.ª Ré, conjugado com a restante prova e com as regras da experiência impunham uma decisão diferente quanto aos factos supra identificados como 1) 2) e 3) a aditar a matéria de facto e quanto ao facto constante do art.º 70.º a excluir da matéria de facto provada

a.1) Com relevância para a presente apelação encontram-se as seguintes passagens do depoimento/declarações de parte da 1.º Ré DD, prestada na audiência de julgamento, na sessão do dia 21/09/2022, com início às10:04:06 e fim às 11h:46:00 gravados em CD, através do sistema no módulo H@bilus Media Studio, identificadas pela cronometragem feita pelo sistema, que supra se transcreveram de forma suscita e que aqui se identificam da seguinte forma:

00:00 a 3:00;

17:00 a 18:00;

22:20 a 25:11;

26:00 a 27:00;

29:20 a 30:15;

40:37 a 41: 10;

50: 09 a 52:00;

55: 30 a 59:00.

b) Quanto à formação da ré DD em Medicina e à sua formação especializada em ginecologia obstetrícia a mesma é alegada pela mesma no art.º 58.º da contestação, é admitida nas “declarações/depoimento de parte” [segmento 40:37 a 41: 10 da gravação], sendo admitida como tal na decisão referente ao processo disciplinar que correu nas Ordem dos Médicos, entre outros meios de prova.

c) O 2.º facto a aditar à matéria de facto provada, ou seja à exigência da detecção pela 1.º ré das malformações, resulta do depoimento de parte/declarações de parte da própria ré DD que admite que nas ecografias que manda fazer no exterior vê o relatório e as imagens, esclarecendo à instâncias da Mm.º Juiz, que apenas vê as imagens que lhe interessam [segmento 55: 30 a 59:00]. Resulta, ainda que de forma implícita que não recomendou a Dr.ª EE (como aliás resulta da matéria de facto provada), e que em caso de dúvida mandava fazer as ecografias a uma ecografista do seu conhecimento, pressupondo-se que não à Dr.ª EE, no entanto não teve o cuidado de observar as imagens com atenção [segmento 26:00 a 27:00].

c.1) A primeira ré admite que fez várias ecografias à autora, no seu consultório, pelo menos três, sendo a primeira logo na primeira consulta [segmento 50:09 a 52:00].

c.2) O certo é que a mesma não procurou verificar a existência dos membros fetais.

c.3) Não considerou as imagens ecográficas, donde resulta de forma evidenciada a inexistência dos membros fetais, como é reconhecido no parecer do Conselho Médico Legal.

c.4) A 1.º ré fez outras ecografias obstétricas a A. como resulta do facto descrito em 94.

c.5) Não obstante, nessas ecografias, designadamente ao medir o fémur não se apercebeu da inexistência dos membros fetais [segmento 29:20 a 30:15].

c.6) Durante todo o período que acompanhou a gravidez da 1.ª Autora, a Ré DD teve oportunidade de procurar os membros fetais e verificar as malformações com que o CC veio a nascer. No entanto, não o fez.

d) No que respeita ao 3.º facto a aditar ele constitui uma decorrência do segundo. Sendo a 1.ª Ré a médica com a especialidade de ginecologia obstetrícia que acompanhou a autora, em caso de suspeitas de malformações do fecto ou qualquer outro problema da gravidez era a esta a quem competia prescrever os exames complementares necessários à detecção das malformações ou outros problemas de saúde do feto.

d.1) Acresce que o aditamento de tais factos é ainda uma decorrência lógica dos factos dados como provados nos artigos 15 a 19, da matéria de facto dado como provada.

d.2) Por outro lado, o cuidado que é exigido à 3.ª Ré, EE, delimitado nos art.º 17 e 19, é igualmente exigível a 1.ª Ré, DD, escolhida pela autora para o acompanhamento da gravidez, desde 30/12/2008 até ao final, como resulta da conjugação dos factos constante de 66 a 69 1.ª parte (já que impugna a 2.º parte deste facto).

e) No que respeita à alteração do art.º 43.º da matéria de facto provada, apesar da prova pericial não referir qual a expectativa média de vida do CC, há que acautelar o seu futuro, e as várias transformações que pelas quais irá passar o seu corpo, e o apoio que o mesmo poderá beneficiar do desenvolvimento cientifico e tecnológico, admitindo que outros eventuais aparelhos ou mecanismo científicos e tecnológicos que surjam no decurso do seu tempo de vida que lhe possam proporcionar conforto e bem estar e a necessidade da adaptação da casa e do veículo dos progenitores às limitações do CC (constante do relatório de avaliação do dano corporal relativo ao CC).

f) No que respeita ao facto incorrectamente julgado como provado, concretamente o art.º 70 da matéria de facto provada, resulta além do mais do próprio depoimento da 1.ª Ré, supra identificado que admite que há ecografias básicas que todos [supondo que apenas se refere aos médicos com a especialidade em obstetrícia] tem competência para as fazer, sendo que nestas ecografias é possível verificar a existência dos membros fetais, ou de malformações dos mesmos, basta procura-los no decurso da realização da ecografia [segmentos 22: 20 a 25:11 e 29.20 a 30:15].

f.1) Sucede que as malformações estão documentadas nos fotogramas como foi reconhecido no parecer do Conselho da Medicina Legal e é admitido no facto 16).

f.2) A prova documental referente aos fotogramas e a prova pericial contrariam este facto. Por outro lado, sendo este juízo sujeito a conhecimentos específicos não poderá ser objecto de prova testemunhal, não constitui facto notório, pelo que se impunha que fosse dado como não provado.

f.3) Tanto mais que o facto 70) encontra-se em contradição com o facto constante do facto n.º 94, na medida em que a Ré DD realizou ecografias à 1.º Autora, através do aparelho que tem no seu gabinete, sendo que a mesma admite tem conhecimentos técnicos para o efeito, sem prejuízo de prescrever a realização de outras ecografias por médico especialista em obstetrícia com área de diferenciação em ecografia obstétrica. A ecografia obstétrica não é uma especialidade, sendo uma área diferenciação da obstetrícia [segmento 17:00 a 18:00].

f.4) A Ré DD, tem exactamente a mesma formação que a Ré EE, ambas são licenciadas em medicina e especialista em obstetrícia e ginecologia.

g) No que respeita aos factos B); C) e D), remete-se para a fundamentação supra referida quantos aos factos 1) 2) e 3) cujo aditamento se requereu. De salientar o facto constante do art.º 16 da matéria de facto provada, no qual se reconhece que as malformações, ao nível da morfologia dos membros do feto perfeitamente visíveis aos olhos de profissionais do foro médico, excepto na ecografia de 12-11-2008, sendo a ecografia realizada em 20-042009 em imagem real “3D”.

II - O Direito

4. Consequências da alteração da matéria de facto nos termos supra expostos: A condenação da Ré DD

4.1 A absolvição da ré DD do pedido contra ela formulado é um erro de julgamento.

4.2 Como resulta evidenciado do confronto com os art.ºs 15 a 18, 66 a 69. da matéria de facto provada.

4.3 Não obstante, a Dr.ª EE não ser uma ecografista da sua confiança, a Autora comparecer à primeira com descolamento da placenta e perda hemática, ter-se dirigido várias vezes à urgência, e ser evidente nas imagens da ecografia morfológica que o feto tinha agnesia nos membros, tanto mais que a ecografia realizada em 20-04-2009 em imagem real “3D”, a mesma não cuidou em verificar a existência dos membros fetais e por isso não detetectou as referidas malformações, nem consequentemente ordenou os exames de diagnóstico complementar.

4.4 E não se pense que o seu grau de culpa é menor que o da 3.ª Ré, porque foi a 1.º Ré DD, a obstetra que a autora escolheu para acompanhar a gravidez, pelo que lhe competia a si em primeira linha prescrever os meios diagnóstico complementar, nos quais além das malformações supra referidas poderiam ser detectáveis outros problemas de saúde com que o CC nasceu.

4.5 Ora, o grau de cuidado que se exige à médica obstetra, escolhida pela autora, para acompanhar a gravidez, é diferente do grau de cuidado que se exige do médico obstetra na urgência que não acompanha a gravidez, e é chamado por causa de uma situação pontual e episódica, não voltando, em princípio, a ter contacto com a grávida.

4.6 É igualmente diferente do cuidado que se exige ao clínico geral, sem especialização em ginecologia obstetrícia, não obstante é quem nos centros de saúde faz o acompanhamento das grávidas.

4.7 No caso da Ré DD estava dotada dos conhecimentos técnicos necessários, para detectar as malformações com que o CC nasceu, não obstante não conformou a sua conduta com o dever objectivo de cuidado que lhe era exigível como médica com especialidade em ginecologia/obstetrícia violando desta forma as legis artis.

4.8 Na verdade o Tribunal considerou de forma acrítica as conclusões a que chegou o parecer do Conselho Médico Legal como se constata da douta sentença:

4.9 Mas tal conclusão não está de acordo com o raciocínio que o Tribunal a quo desenvolve face à 3.º R que tem a mesma formação que a 1.ª Ré.

4.10 Apesar do valor da prova pericial impõe-se ao julgador que controle o nexo lógico entre as premissas de facto dessas perícias e as respectivas conclusões.

4.11 como refere ».João Henrique Gomes de Sousa in “Perícia” Técnica ou Científica Revisitada Numa Visão Prático-Judicial” publicada na revista Julgar n.º 15, 2011, Coimbra Editora, Fls. 41 e 42: «Mas, indubitavelmente, ao julgador será não apenas possível, também imposto, que controle, para além dos factos que determinam a emissão de um “juízo científico” e a própria metodologia do “juízo científico” emitido, o “nexo lógico entre as premissas de facto dessas perícias e as suas conclusões”. Determinante nesta análise será, pois, a relação lógica, científica, que se estabelece entre os fundamentos factuais e metodológicos e as conclusões do relatório.».

4.12 Também a jurisprudência vai no sentido de que os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do juiz, veja por exemplo, entre outros, o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 01/10/2015 proferido no processo n.º40/12.7TBSBR.G1, em que é relatora a Ema Sr.ª Desembargadora, Maria Purificação Carvalho, acessível no site da dgsi.pt

4.13 O dever objectivo de cuidado que era exigível à 1.ª Ré reconduz-se à culpa enquanto juízo de censura ético-jurídico, em função da actuação da 1.ª Ré, nas concretas circunstâncias em que agiu, pelo que está excluído do juízo - técnico cientifico em si, remetendo no fundo para uma questão de direito.

4.14, O erro de diagnóstico é um juízo técnico científico, a imputação do mesmo ao médico já depende de um juízo normativo que compete ao Tribunal 4.15 O relatório pericial força uma conclusão quanto ao dever objectivo de cuidado da Ré DD, de forma a compatibilizá-lo com o arquivamento do processo disciplinar instaurado pela Ordem dos Médicos, contra Ré DD, desencadeado na sequência dos factos aqui em apreço, (facto 64) da matéria de facto provada).

4.16 Ora, não podemos esquecer a natureza distinta do processo disciplinar que correu termos na Ordem dos Médicos, da responsabilidade civil aqui em apreço.

4.17 O processo disciplinar em si é um processo de índole sancionatória e o visado assume a posição de arguido, sendo regulado pelas disposições que lhe são próprias, aplicando-se lhes as regras ou princípios de defesa constitucionalmente estabelecidos para o processo penal.

4.18 Também não se aplica ao caso a presunção do art.º 624.º do CPC, referente a decisão penal absolutória.

4.19 Impunha-se assim ao Tribunal que decidisse em sentido diferente do constante no referido parecer, que se mostra tendencioso quanto ao dever de cuidado exigido à 1.ª ré.

4.20 Ao juízo científico cumpre determinar se se as malformações eram ou não detectáveis, a conclusão que cabe ao tribunal aferir de acordo com o critério de um bom pater familias.

4.21 No caso em apreço tal critério tem por referência o médico médio será aquele que se rege pelo mesmo padrão de conduta pelo qual se rege o médico sensato, razoável e competente.

4.22 Actuará com negligência o médico que não é zeloso, que não utiliza a globalidade dos seus conhecimentos e capacidade técnica e científica para prestar os cuidados ao paciente, o que descura as regras básicas exigidas pela praxis.”.

4.23 Há desconformidade objetiva entre os atos praticados/omitidos pela 1.º ré e as leges artis, e a subsequente violação do dever informar os progenitores sobre as malformações do feto.

4.24 Concluímos assim que comportamento da 1.ª Ré revela uma situação de negligência grosseira por violação das legis artis.

4.25 A ré deveria ser condenada solidariamente com 2.ª e a 3.ª Ré, e a interveniente B...- Companhias de Seguros S.A. da indemnização.

4.26 O erro de julgamento deve ser resolvido nos 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aqui aplicado ao Tribunal da Relação, que deverá proceder á modificação da decisão – cfr. Ac. do STJ, 30-11-2021, proferido no processo n.º 760/19.5T8PVZ.P1.S1, no qual é relator o Conselheiro Fernando Baptista, acessível através do seguinte link: http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e3bbff8f9a405a62802587 a10058a86f?OpenDocument

5) Da responsabilidade da Interveniente “B... – Companhia de Seguros, S.A.”.

5.1 A 1.º ré transferiu a sua responsabilidade para a seguradora B..., conforme apólice junta aos autos (facto 65).

5.2 Nesta medida, uma vez que estão verificados os demais pressupostos da responsabilidade civil, considerados na sentença recorrida facto (omissão) voluntário do agente, culpa, ilicitude, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano deverá a interveniente responder até ao limite de €: 600 000 (300 000, por cada uma da rés (1.ª e 3.ª).

6) Indemnização por danos não patrimoniais fixada ao menor CC

6A) Quanto ao montante da indemnização

6.1 O Tribunal a quo fixou a indemnização por danos não patrimoniais ao CC em €: 70.000,00.

6.2 A indemnização por danos não patrimoniais deve respeitar o disposto no art.º 496.º, n.º1, do CC e nessa medida, impõe-se ao julgador que na fixação da indemnização atenda aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

6.3 Deve assim o Tribunal ter em atenção a matéria de facto provada, designadamente os factos 21 a 43, para os quais remetemos, donde se encontra exposto todo o sofrimento pelo qual o CC padeceu após a nascimento (que é muito) e as limitações da sua condição de vida actual e futura, cujo quotidiano se encontra descrito no facto 40.

6.4 O montante da indemnização dever ser fixado equitativamente pelo Tribunal, nos termos do art.º 496.º, n.º4, do CC.

6.5 O objectivo da reparação dos danos não patrimoniais é o de proporcionar ao lesado, através do recurso à equidade, uma compensação ou benefício de ordem material (a única possível).

6.6 No entanto, a indemnização terá de permitir uma compensação destinada a facultar ao CC uma importância em dinheiro que permita compensar todo o sofrimento que o mesmo padece e do que tem pela frente, em virtude da sua condição de vida, e proporcionar lhe algum conforto e bem-estar. Nesta medida o Tribunal deve recorrer à equidade, tendo em atenção os critérios normativos constantes do art. 494° do C.Civil.

6.7 Impõe ao Tribunal que adopte um padrão de equidade justo.

6.8 Deverá assim ser revisto o padrão de equidade perante todo o sofrimento do CC actual e futuro, por referência aos factos 21 a 43, e nessa medida fixar a indemnização em €: 100.000,00, a actualizar com juros desde a citação, sob pena de no caso concreto não se fazer justiça.

6.9 O presente segmento da sentença viola de forma expressa o disposto no art.º 496.º, n.º4 e 494.º do CC.

6B) Quanto à data da contagem dos juros de mora.

6.10 A data a contagem dos juros de mora leva conduz-nos à dicotomia: actualização da indemnização - contagem dos juros de mora desde a sentença/ não actualização da indemnização contagem dos juros de mora desde a citação.

6.11 Na douta sentença recorrida, o Tribunal a quo, determinou que a indemnização por danos não patrimoniais fixada ao menor CC é acrescida: “de juros de mora à taxa anual de 4%, contados desde a data da prolação desta sentença, até efectivo e integral pagamento;”.

6.12 A acção sido proposta em 19/02/2012 e proferida sentença em 18/03/2024, ou seja, tendo decorrido mais de 12 anos desde a sua propositura.

6. 13 No entanto, a actualização da indemnização tem de ser objectivada na sentença, ou seja, o Tribunal tem de revelar na sentença o valor em que fixou a indemnização inicial e como chegou ao valor actualizado de tal indemnização. Não basta dizer que a indemnização fixada na sentença está actualizada.

6.14 Sucede que o Tribunal a quo não explica, nem demonstra que tenha fixado a indemnização por danos patrimoniais de forma actualizada, não refere quais os critérios que usou na determinação da suposta actualização – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 27/09/2018, proferido no proc. n.º 75/10.4TBAMT.P1, em que é relatora a Exma. Sr. Desembargadora Deolinda Varão a propósito do Ac. de Uniformização de Jurisprudência, o qual foi votado por unanimidade, acessível no seguinte link: https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/ad6fa78f7f6d65fd8025833 d00502794?OpenDocument:

6. 15 Assim, o segmento da decisão que refere que a indemnização está actualizada é nulo, porquanto não está foi objectivado na sentença.

6.16 Nesta medida, deve este segmento da indemnização ser substituído por outro que fixe os juros da indemnização a partir da citação.

6.17 O presente segmento da sentença viola de forma expressa o disposto no art.º 566.º e 805.º do CC.

7) Da indemnização aos progenitores liquidar em execução de

7.1 O CC tem as limitações constantes dos factos 21 a 42, precisando de uma pessoa que o acompanhe e cuide durante toda a sua vida como resulta do facto referido em 42).

7.2 Assim, este segmento da decisão prejudica directamente o CC, na medida em que a indemnização em causa, tem como razão de ser as limitações e circunstâncias de vida do CC e visa fazer face às despesas que os pais vão suportar com o CC durante toda a sua vida. Esta indemnização embora seja atribuída aos progenitores, tem como beneficiário o menor CC. Estando, assim em causa o interesse do menor está assegurada a legitimidade do Ministério Público para recorrer deste segmento da decisão.

Do limite da indemnização até aos 18 anos de idade do CC

73. A limitação da indemnização aos 18 anos de idade do menor viola o disposto nos art.º1878.º, n.º1, art.º 1879, 1880.º, e art.º 2009.º, n.º1, al. c), todos do CC

7.4 Infelizmente quando o CC atingir a maioridade irá continuar dependente economicamente dos pais, já que não reúne condições físicas para ter autonomia de vida.

7.5Assim, recairá sobre os pais a obrigação de manter o sustento do CC até ao último dia das suas vidas, nos termos do art.º 2009.º, n.º1, al. c), do CC.

7.6 Este segmento da decisão viola de forma expressa este normativo, bem como os princípios orientadores da Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ratificada por Portugal, a qual entrou em vigor em 23/10/2009.

7.7 Nesta medida, deverá este segmento da decisão ser revogado por violação dos referidos diplomas legais.

Do Conteúdo da indemnização a liquidar em execução de sentença.

7.8 O Tribunal restringe os tratamentos e instrumentos de apoio que o CC precisa às circunstâncias actuais, sem prever o que a evolução do desenvolvimento cientifico e tecnológico poderão fazer pelo bem estar do menor CC e exclui as despesas com consultas e tratamentos médicos que o CC precisa e continuará a precisar, as despesas de adaptação do domicílio e do veículo automóvel dos progenitores, a ajuda de terceira pessoa.

7.9 Na verdade, os factos 40, e 41 a 43 (estes resultam do relatório da perícia de avaliação do dano corporal em matéria civil, datado de 28/10/2019, junto ao processo electrónico a fls. 1059 a 1075.

7.10 Ora, ao limitar a liquidação de sentença só as ajudas técnicas referidas em 43, o Tribunal a quo está a descurar outros eventuais mecanismos, aparelhos, etc. que tendo por razão a mesma causa de pedir se mostrem necessários perante o desenvolvimento do corpo do menor e a evolução científica e tecnologia.

7.11 Por outro lado, está a excluir de forma inadmissível, as consultas e tratamentos médicos, os custos da adaptação do domicílio e do veículo dos progenitores às condições de vida do CC e os custos com uma terceira pessoa no auxílio diário ao CC, as quais têm a sua razão de ser nas malformações com que o CC nasceu.

7.12 O corpo do menor CC está em fase de desenvolvimento, pelo que o apoio discriminado de forma taxativa na douta sentença, é o que neste momento se mostra adequado para o mesmo.

7.13 No entanto, o seu corpo vai continuar a desenvolver-se, pelo que outros tratamentos/mecanismos poderão ser necessários face ao desenvolvimento do CC, e face ao desenvolvimento tecnológico e cientifico - poderão surgir outros mecanismos que permitam proporcionar um conforto acrescido e bem-estar ao CC.

7.15 Nesta medida, foram violados os art.ºs 562 e 564.º do Código Civil. Ao excluir as consultas e tratamentos médicos necessários, a despesa com uma terceira pessoa que auxilie o CC na sua vida diária, as despesas com a adaptação do domicílio e veículo dos progenitores e ao limitar de forma taxativa e restritiva os mecanismos técnicos de apoio, não permitindo a sua adaptação às circunstâncias futuras do menor e à evolução cientifica e tecnológica, está o tribunal a impedir que os mesmos possam ser considerados em liquidação de sentença - Ac. do STJ, proferido no processo n.º 970/18.2T8PFR.P1.S1, datado de 16-12-2021, em que foi relator o Exmos. Conselheiro Fernando Baptista, publicado in: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cdb9f576b59f933c802587a e00394c1d?OpenDocument.

7.16 Nesta medida, deverá ser alterado o segmento 4 do dispositivo da douta sentença na parte em que restringe de as despesas que os progenitores vierem a ter com o menor substituindo por outra que considere: - as despesas com consultas e tratamentos médicos, que tenham como causa as malformações com que o CC nasceu; - as despesas com a adaptação do domicílio e do veículo dos progenitores; - o apoio técnico como fraldas, chupetas, resguardos, cadeira de rodas de acordo com a prescrição do médico fisiatra assistente (e sua manutenção ou substituição), colete abdominal (para evicção de queda da cadeira); prótese para membros inferiores (e sua manutenção ou substituição), andarilho (e sua manutenção); prótese da mão com adaptação de colher para permitir alimentação autónoma (e sua manutenção ou substituição); cadeira sanitária e cadeira de banho - banho e outros eventuais mecanismos que se venham a revelar necessários ao bem-estar do CC em função do seu crescimento e das transformações do seu corpo ao longo da vida e/ou perante o desenvolvimento cientifico e tecnológico; - o pagamento de terceira pessoa para acompanhar o CC em todas as actividades da sua vida diária.

Nestes termos deve ser dado provimento ao recurso, sendo a decisão modificada no sentido supra referido:

1) Quanto à matéria de facto: aditando, alterando e excluindo os factos supra referidos;

2) Condenando a 1.º Ré, DD no pagamento da indemnização por danos não patrimoniais ao menor CC;

3) Fixar o valor da referida indemnização, pelo menos em €: 100 000, 00 (cem mil euros);

4) Determinar a contagem dos juros de mora desde a citação;

5) Alterar para €: 600 000, 00, o valor pelo qual a interveniente B...- Companhia de Seguros S.A. responde, em virtude da condenação da 1.º Ré.

6) Excluir da indemnização fixada aos progenitores o limite da idade de 18 anos do CC;

7) Alterar a abrangência desta indemnização nos termos supra referidos.

4. A Ré A... contra-alegou o recurso interposto pelos Autores.

A Interveniente Seguradora contra-alegou no recurso dos Autores, da Ré A... e do Mº Pº.

A Ré EE contra-alegou no recurso dos Autores, do Mº Pº e da Ré A....

A Ré DD contra-alegou no recurso dos Autores, do Mº Pº.

O Mº Pº contra-alegou o recurso da Interveniente Seguradora e da Ré A....

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

5. Apreciando o mérito dos recursos

O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).

No caso, são as seguintes as questões a decidir:

Recurso da B...:

● Nulidade por excesso de pronúncia (conclusões 1 a 12) – eliminação do facto provado 20, por ser essencial e não ter sido alegada a intenção de abortar;

● Nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão (conclusões 28 a 36) – problema da condenação solidária ou conjunta

● Improcedência da ação por falta de verificação do dano quanto aos Autores (conclusão 13 a 27)

● Alteração do decidido (conclusões 37 a 40) - erro na interpretação do contrato de seguro e fonte da responsabilidade

Recurso dos Autores

● Sobre a absolvição da Ré DD (conclusões A a N)

● Qualificação/quantificação do dano dos Autores (conclusões O a Q)

● Incorreta contagem dos juros (conclusões P e R)

● Danos a liquidar em execução sentença (conclusões S a Z) – também para lá dos 18 anos

Recurso A...

● Incorretamente julgados os pontos 20, 66, 84 e 91 dos factos dados como provados (conclusões B a F)

● Estão incorretamente julgados os pontos EEE, FFF e GGG (conclusões G a J)

● Ponto 20 dos factos provados (conclusões K a S) + excesso de pronúncia (R)

● Pressupostos da responsabilidade objetiva + solidária + conjuntas + perda de chance (conclusões T a LLL) + nulidade por os fundamentos estarem em oposição com a decisão

● Pontos 22 a 43, 45 a 47, 50 e 51, 53 a 55, 59 62 e 63 (conclusões O a Q) + excesso de pronúncia

● Indemnização pelos danos sofridos pelo Autor CC (conclusões MMM a ZZZ)

● Data dos juros (conclusões BBBB a CCCC)

recurso Mº Pº

● Factos que devem ser aditados à matéria de facto

● Matéria de facto que deve ser modificada

● Factos que devem ser excluídos (E) da matéria de facto provada

● Condenação da Ré DD

● Responsabilidade da Interveniente “B...

● Montante da indemnização por danos não patrimoniais fixada ao menor CC

● Data da contagem dos juros de mora

● Indemnização aos progenitores liquidar em execução de sentença

● Limite da indemnização até aos 18 anos de idade do CC

5.1. Questão prévia: a legitimidade do Mº Pº para recorrer

§ 1º - No caso, um dos Autores é de menoridade, estando representado por seus pais, que são também Autores. Até ao momento não foi suscitado qualquer conflito de interesses entre eles.

O recurso a juízo pressupõe que se tenha capacidade judiciária, ou seja, a capacidade do exercício de direitos: art.º 15º do CPC.

Os menores carecem de capacidade de exercício de direitos, incapacidade essa que é suprida pelo poder paternal: art.º 123º e 124º do CC e art.º 16º do CPC.

Aos pais é, pois, atribuído o poder de representação legal para o exercício de todos os direitos e o cumprimento de todas as obrigações do filho, excetuados os atos puramente pessoais, aqueles que o menor tenha o direito de praticar pessoal e livremente e os atos respeitantes a bens cuja administração não pertença aos pais: art.º 1881º do CC.

O instituto da representação legal constitui um mecanismo de substituição da vontade do representado, já que o ato jurídico é praticado por uma pessoa (pais), mas em nome de outrem (filho), sendo na esfera jurídica deste que se produzem os efeitos daquela atuação.

§ 2º - Não obstante, a defesa dos interesses dos menores está também acometida ao Mº Pº: art.º 4º nº 1 al. i) do Estatuto do Ministério Público (EMP).

Compaginando os artigos 9º e 10º desse EMP, essa representação pode ser efetuada a título principal e a título acessório.

Assim, a intervenção será a título principal caso os menores não tenham representante legal, ou em caso de conflito entre eles e os representantes legais; e será uma intervenção acessória nos outros casos, ou seja, quando o menor se encontra representado pelos pais.

Fora de dúvidas que o Mº Pº intervém nos presentes autos como parte acessória, em virtude de um dos Autores ser um menor e estar nos autos representado ab initio pelos seus pais e representantes legais.

Nos termos do art.º 10º nº 3 do EMJ, os termos da intervenção acessória são os previstos na lei de processo aplicável para o estatuto do assistente (art.º 323º nº 1 CPC).

Atenta essa qualidade de interveniente acessório, a Ré EE suscitou a ilegitimidade do Mº Pº para recorrer em tudo o que extravase as questões suscitadas pelo Autor menor.

Efetivamente, decorre do art.º 328º nº 1 e 2 do CPC que os assistentes gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres que a parte assistida, mas a sua atividade está subordinada à da parte principal, não podendo praticar atos que esta tenha perdido o direito de praticar nem assumir atitude que esteja em oposição com a do assistido; havendo divergência insanável entre a parte principal e o assistente, prevalece a vontade daquela.

Porém, tal regra geral comporta exceções ou especificidades.

Ora, a intervenção acessória do Mº Pº está regulada especificamente no art.º 325º do CPC nos seguintes termos:

2 - Compete ao Ministério Público, como interveniente acessório, zelar pelos interesses que lhe estão confiados, exercendo os poderes que a lei processual confere à parte acessória e promovendo o que tiver por conveniente à defesa dos interesses da parte assistida.

3 - O Ministério Público é notificado para todos os atos e diligências, bem como de todas as decisões proferidas no processo, nos mesmos termos em que o devam ser as partes na causa, tendo legitimidade para recorrer quando o considere necessário à defesa do interesse público ou dos interesses da parte assistida.

Compaginando o nº 2 do art.º 328º com os números 2 e 3 do art.º 325º do CPC fácil é constatar a diversidade de regime.

Para os intervenientes acessórios em geral a lei prescreve expressamente uma posição de subordinação à parte principal e de proibição da prática de atos que ela tenha perdido o direito de praticar (como por exemplo, o direito de recorrer).

Por outro lado, não se lhes permite assumir atitude que esteja em oposição com a da parte principal, regulando logo essa eventual divergência em termos de prevalência da vontade da parte principal.

Já no caso de intervenção acessória do Mº Pº, a que a lei entendeu atribuir um preceito autónomo, significando tratar-se de uma regra especial.

Uma regra/lei especial é aquela que, atendendo à especificidade de determinadas matérias ou setor da vida social, a regula com critérios diversos das regras/leis gerais.

É o caso da atuação do Mº Pº, a quem são cometidas funções de interesse público, como sejam a representação do Estado, dos incapazes e ausentes, sempre orientado pelo princípio da legalidade e da defesa da legalidade democrática, nos termos da Constituição. Já não são, pois, apenas os interesses privados entre duas partes, mas interesses de ordem pública.

Nessa perspetiva, o art.º 325º do CPC para além de consignar ao Mº Pº os mesmos poderes que aos intervenientes acessórios em geral (nº 2), usa a conjunção coordenativa aditiva “e”, significando o acréscimo de uma outra função, a de promover o que tiver por conveniente (ou seja, um poder discricionário) à defesa dos interesses da parte assistida.

Depois, ao contrário do nº 2 do art.º 328º, que nada especifica quanto ao direito ao recurso, o nº 3 do art.º 325º confere expressamente ao Mº Pº a legitimidade para recorrer quando o considere necessário (ou seja, um poder discricionário) à defesa do interesse público ou dos interesses da parte assistida, sem referência a quaisquer limites ou restrições.

Concluindo, o art.º 325º do CPC integra um regime especial face ao art.º 328º, e dele decorre que o Mº Pº, mesmo em intervenção acessória, tem legitimidade para recorrer em representação dum menor, designadamente quando os representantes legais do menor o não façam, ou suscitando questões diversas das invocadas por eles.

§ 3º - Mas, se isto é assim para o caso do Autor menor, o entendimento será diverso quanto aos representantes legais do menor.

Desde logo porque inexiste qualquer preceito que atribua legitimidade ao Mº Pº para defesa dos interesses de pessoas de maioridade, em pleno uso das suas faculdades mentais e, por isso, com integral capacidade jurídica e judiciária de exercício de direitos.

Nesta medida, resulta evidente que o Mº Pº carece de legitimidade para recorrer em tudo o que se refere aos Autores AA, e marido, BB.

Pelo que não se admite o recurso interposto pelo Mº Pº no tocante ao respetivo segmento, ou seja, a indemnização fixada aos progenitores no tocante aos danos a liquidar em execução de sentença e ao respetivo limite da idade aos 18 anos. Tais danos foram peticionados pelos progenitores em nome próprio e como danos próprios, pelo que o Mº Pº é parte ilegítima.

Da mesma forma, incumbe deixar expresso que a possibilidade conferida por este Tribunal às partes para se pronunciarem sobre a invocada ilegitimidade do Mº Pº se reportava exclusivamente a essa parte. Tendo as partes exercido já o seu direito de contra-alegarem, não serão consideradas as considerações expendidas fora desse âmbito.

5.2. Sobre as nulidades

5.2.1. Nulidades suscitadas pela B...

§ 1º - Vem invocado o excesso de pronúncia no tocante à inclusão no elenco dos factos provados do seu número 20 [[2]], na medida em que a opção-hipótese da interrupção voluntária da gravidez integraria um facto essencial e que não foi alegado pelos Autores.

De acordo com o art.º 615º nº 1 al. d) do CPC, “É nula a sentença quando (…) o juiz (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Este comando está intimamente relacionado com o princípio do dispositivo [[3]] e com o art.º 608º nº 2 do CPC que circunscreve o âmbito de apreciação do juiz: “(…) não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

O exato conteúdo do que sejam as questões a resolver de que falam tais normativos foi objeto de abundante tratamento doutrinal e jurisprudencial, havendo neste momento um consenso no sentido de que não se devem confundir as questões a resolver propriamente ditas com as razões ou argumentos, de facto ou de direito, invocadas pelas partes, para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver.

Assim, Alberto dos Reis que, a propósito de qual o critério de reconhecimento do que se deve entender por questão a resolver, pondera: «as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado». [[4]]

Ora, o problema suscitado — consideração na matéria de facto de um facto essencial não alegado pelas partes — não integra uma “questão”, antes integrando um “erro de julgamento”, a colidir com a reapreciação da matéria de facto.

Aliás, o acórdão deste Tribunal da Relação citado pela Recorrente [[5]] refere exatamente o contrário do que ela pretende, antes decidindo no sentido aqui pugnado.

Na verdade, aí se diz expressamente: «O vício da nulidade por omissão ou excesso de pronúncia apenas se verifica em relação a “questões”, nunca quanto a factos. Quanto a estes, sendo julgados provados factos essenciais, referentes à causa de pedir ou a exceções invocadas pelas partes, não alegados, em violação do estatuído no nº1, do art.º 5º, e, consequentemente, dos princípios do dispositivo e do contraditório, ou factos complementares ou instrumentais fora dos condicionalismos legais enunciados nas als. a) e b) do n.º 2 desse art. 5º, do CPC, impõe-se a eliminação de tais factos da sentença, nenhuma nulidade configurando.» (sublinhado nosso)

Assim, improcede a nulidade invocada.

§ 2º - Nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão

Neste âmbito reage a Recorrente contra a sua condenação em regime de solidariedade com as Rés A... e EE, considerando que a conclusão lógica da fundamentação apresentada seria a condenação solidária da A... e da Recorrente, sendo que no tocante à Ré EE se trataria de uma condenação conjunta.

Tal como ocorre no silogismo, em que a conclusão é a consequência necessária das premissas maior e menor, a decisão tem de ser a consequência lógica dos fundamentos.

Existirá contradição quando se afirma e nega simultaneamente uma mesma coisa ou quando se consideram duas realidades que se excluem mutuamente.

Trata-se, portanto, de uma questão de lógica de raciocínio, ou seja, «Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se.» [[6]]

Analisada a sentença, temos que ela começou por dilucidar a qualificação da responsabilidade médica como contratual ou extracontratual, admitindo as duas hipóteses conforme a forma como é exercida essa atividade.

Depois, considerou-se que no caso existia uma relação profissional/contratual entre as Rés A... (clínica), que recorria à médica EE para a realização dos exames ecográficos, pelo que seria aplicável o art.º 800º do Código Civil (CC). Um caso equiparável às relações comitente-comissário, portanto.

Contudo, mais se adiantou que isso não excluía que se verificasse concomitantemente a responsabilidade civil extracontratual pessoal da médica EE. Depois, considerando-se verificados os requisitos da responsabilidade civil extracontratual, aplicou-se o art.º 497º do CC na medida em que se concluiu pela responsabilidade das 2 Rés, EE e A....

Mediante o contrato de seguro, a Ré EE transferiu para a Recorrente B... a sua responsabilidade civil profissional, significando que a Recorrente responde apenas, e se, e na exata medida da responsabilidade que vier a ser assacada à Ré EE (dentro dos montantes contratados, naturalmente). Responsabilidade solidária entre amas, portanto.

Nesta medida, a decisão tomada é consentânea com a linha de raciocínio por que se enveredou, pelo que não existe violação da lógica jurídica do mesmo.

Se a linha de abordagem seguida não é a mais correta, é questão que colide com a reapreciação da matéria de direito (erro de julgamento).

Improcede a nulidade invocada.

5.2.2. Nulidades suscitadas pela A...

Também a Recorrente A... suscitou a nulidade por excesso de pronúncia, consubstanciada em ter-se considerado provados uma série de factos que, em sua opinião, seriam irrelevantes para a decisão da causa.

Damos aqui por reproduzida a fundamentação expressa no ponto 5.2.1. § 1º, pelo que se julga improcedente a nulidade invocada.

E o mesmo se diga quanto à contradição entre os fundamentos e a decisão. Sendo a mesma a questão suscitada (tipo e pressupostos da responsabilidade solidária em que as Rés foram condenadas), damos aqui por reproduzida a fundamentação expressa no ponto 5.2.1. § 2º, julgando improcedente a nulidade.

5.3. Reapreciação da matéria de facto

Esta questão foi suscitada pelos Recorrentes A..., pelo Mº Pº e pela Interveniente B....

Por uma questão de ordem lógica, a reapreciação da matéria de facto deve ser efetuada em conjunto e de forma concertada.

E iniciaremos pela pretensão da Interveniente B... e da Ré A..., a eliminação do facto provado 20, que consideram integrar facto essencial e não ter sido alegada pelas partes essa intenção de abortar. E, como esse facto está interligado com o 19, relembram-se ambos:

19. Assim sendo, seria exigível que a 3ª R. tivesse detectado as malformações já reflectidas nas últimas ecografias, e na sequência informando a A. progenitora bem como ao A. progenitor,

20. Para que, em conformidade, e em caso disso, fossem inclusivamente realizados sendo possível exames específicos e complementares para despiste e/ou confirmação das malformações, ou os mesmos tomassem as devidas decisões que ao caso em apreço se colocassem, o que, no caso, se traduziria na opção por interromper voluntariamente a gravidez.

Analisada a petição inicial aperfeiçoada, temos que o facto provado 19 corresponde ao alegado em 21 dessa PI, sendo que aí os Autores se referem a todas as Rés, enquanto o facto provado 19 se restringe à 3ª Ré.

E o facto provado 20 corresponde ipsis verbis ao alegado pelos Autores em 22 da PI, com exceção da expressão “o que, no caso, se traduziria na opção por interromper voluntariamente a gravidez”.

Essa expressão pode, contudo, ser encontrada noutros pontos da PI, designadamente:

● ponto 24 - violou de forma grosseira um direito dos AA. progenitores ao conhecimento das malformações do seu filho e tomada de decisões em consonância com o seu conhecimento

● ponto 55 - Na verdade, foi a atitude das RR. que com da sua conduta negligente privou os pais a que, INFORMADOS, teriam direito, relativamente à possibilidade de exames específicos e/ou direito que lhes é concedido legalmente da interrupção da gravidez, quer a mãe por direito próprio quer em representação do nascituro, o qual representa.

● Ponto 77 - Sendo certo que, por via dessa sucessiva negligência das RR., foi coartado à A. mãe, o direito de autodeterminar a sua vontade relativamente ao destino da sua gravidez.

Daqui decorre que a questão da interrupção voluntária da gravidez como uma das possibilidades a ponderar pelos pais, caso tivessem tido a informação das malformações do feto, foi expressamente alegada pelos Autores. Daí que não colha o argumento da falta de alegação.

Questão diferente é a alegação da intenção de abortar em tais circunstâncias. Neste âmbito, incumbe referir que o facto provado 20 não expressa essa intenção como decisão tomada pelos pais do menor. Expressa está só a consideração dessa possibilidade, como uma das opções.

E é de considerar que não podia ser de outra forma. Lendo a PI aperfeiçoada vemos que uma das causas de pedir consiste na violação do direito à informação.

Como se sabe, a informação é absolutamente necessária para uma tomada de decisão esclarecida, para ponderar não só qual a atitude a tomar, como também os riscos próprios das diversas possibilidades de atitude. Ou seja, quando confrontados com a ignorância dum determinado problema de saúde, bem como das hipóteses possíveis e respetivas consequências, estaremos sempre no domínio das hipóteses e não das decisões. O leque das decisões possíveis está sempre em aberto enquanto a informação relevante não se concretiza.

Querendo significar que, no contexto em apreço, ignorando os Autores as malformações de que padecia o CC, a intenção de abortar teria de ser sempre equacionada na condicional.

Nada a alterar, portanto, quanto ao facto provado 20.

Sobre a alteração dos factos provados 66, 84, 89, 90, 91 e 111, questão suscitada pela Recorrente A... [[7]]

Redação da sentençaRedação pretendida
66. A A. AA marcou consulta com a 1ª R. DD já depois de findo o primeiro trimestre de gravidez, com 14 semanas e 4 dias, com a primeira consulta no dia 30-12-2008, tendo durante esse hiato temporal, sido acompanhada por outra médica obstetra, a Sra. Dra. FF.66: A A. AA marcou consulta com a 1.ª R. DD já depois de findo o primeiro trimestre de gravidez, com 14 semanas e 4 dias, com a primeira consulta no dia 30-12-2008, tendo durante esse hiato temporal, sido acompanhada por outra médica obstetra, a Sra. Dra. FF, tendo esta última obstetra recomendado à Autora a realização de exame ecográfico com a Dra. EE.
84. A 1ª Autora mulher solicitou e ajustou os referidos cinco exames ecográficos directamente com o Hospital ....84: A 1.ª Autora mulher agendou os referidos cinco exames ecográficos para a Dra EE, tendo-o feito através do Hospital ..., onde a mesma prestava serviços, tendo-se dirigido a esta instituição clínica precisamente por ser nesta que a Dra. EE realizava exames ecográficos.
89. A 1ª Autora foi acompanhada pela Dra. FF, médica especialista de obstetrícia desde 27/10/2008, pelo menos, até 30/12/2008.
90. A Dra. FF era então médica contratada pelo Hospital ..., a quem a 1ª Autora recorreu para efeitos de lhe ser seguida a gravidez.
91: “Razão pela qual foi por esta observada, aconselhada e medicada nesse período, tendo sido a Dra. FF quem efectuou a anamnese da 1.ª Autora, quem requisitou os exames que entendeu necessários durante esse período da gravidez, e quem vigiou a evolução da gestação.91: “Razão pela qual foi por esta observada, aconselhada e medicada nesse período, tendo sido a Dra. FF quem efectuou a anamnese da 1.ª Autora, quem requisitou os exames que entendeu necessários durante esse período da gravidez, e quem vigiou a evolução da gestação, tendo indicado que a Autora realizasse exame ecográfico com a Dra. EE, o que a Autora fez”.
111: “Tal ecografia foi marcada pela Autora para ser realizada pela 3.ª Ré, no Hospital ... e não noutro local por ser aí que a 3.ª Ré realizava exames ecográficos, o que efectivamente fez”.111: “Tal ecografia foi marcada pela Autora para ser realizada pela 3.ª Ré, no Hospital ... e não noutro local por ser aí que a 3.ª Ré realizava exames ecográficos, o que efectivamente fez”.
A eliminação, adição ou alteração da redação deve ter algum efeito útil para a sorte da ação ou para os efeitos que o Recorrente pretende retirar da diferente factualidade.

Ora, compaginando a redação da sentença e a pretendida pela Recorrente, resulta o seguinte:

No facto 66 apenas se pretende a adição da expressão “tendo esta última obstetra recomendado à Autora a realização de exame ecográfico com a Dra. EE”. Não vislumbramos o sentido útil desta adição, tendo em conta que a Dra. FF não é parte neste processo, ninguém lhe imputa qualquer responsabilidade por conselhos ou recomendações e, ainda que o fosse, não desoneraria a responsabilização da Recorrente dado tratar-se de uma médica que também lá trabalhava.

No que toca ao facto 84, a alteração pretendida é engenhosa, se com ela pretende a Recorrente descartar a sua responsabilização no sentido de não terem sido pretendidos os serviços “da clínica”, mas apenas “os da médica”. Como se o facto de a Dr.ª EE lá prestar serviços e utilizar todos os meios físicos e administrativos da clínica lhe fosse indiferente ou irrelevante. A alteração pretendida não pode colher. Quando qualquer cidadão pretende marcar uma consulta ou exame com um determinado médico, tem duas hipóteses: se ele tiver consultório privado, aí se dirigirá; porém, estando o médico a prestar os seus serviços numa clínica/hospital, privado ou público, será através dos respetivos serviços da clínica/hospital.

No facto 91, a diferença reside na adição da expressão “tendo indicado que a Autora realizasse exame ecográfico com a Dra. EE, o que a Autora fez”. Damos aqui por reproduzidos os fundamentos expressos quanto ao facto 66.

No que toca ao facto 111, existe total coincidência de redação.

Sobre os factos não provados EEE, FFF e GGG, questão suscitada pela Recorrente A..., considerando deverem ser tidos por provados e entrarem em contradição com o facto provado 132 (= A 3ª R. gozava de absoluta liberdade de diagnóstico e de actuação relativamente aos procedimentos comuns):

EEE. O Hospital ... 2ª Ré consentia que a 3ª Ré prestasse serviço de realização, análise e emissão de relatórios de ecografias obstétricas nas suas instalações.

FFF. Não existindo na relação entre a 2ª e 3ª RR. qualquer subordinação nem qualquer hierarquização, a actuação da 3ª Ré médica foi individualizada, autónoma e em regime de total independência para com o Hospital ... 2ª Ré.

GGG. A 3ª Ré simplesmente utilizou as instalações e os equipamentos do Hospital ... 2ª Ré para tratamento e acompanhamento dos seus doentes.

Ao estabelecer-se um facto como provado ou não provado está a fazer-se um juízo sobre a existência ou realidade de uma coisa, normalmente reportada a um tempo, espaço e precisos.

Existirá contradição quando se afirma e nega simultaneamente uma mesma coisa, quando duas realidades se excluem mutuamente.

Quanto aos factos provados, serão contraditórios se o que resulta de um deles for inconciliável com o que se extrai do outro facto provado, em termos de ambas as realidades não poderem ocorrer ao mesmo tempo em termos de raciocínio lógico ou face às regras da experiência comum.

E, como é jurisprudência assente, duma resposta negativa não se pode inferir o contrário, ou seja, o dar-se um facto como não provado, não significa que fique provado que ele não tenha ocorrido ou provado o seu contrário.

O que acontece é que tudo se passa como se tal facto não tivesse sequer sido alegado; é um nada processual.

Assim, desde logo poderia parecer um absurdo ou uma contradição dos próprios termos, a possibilidade de ocorrência de contradição entre um nada (facto não provado) e alguma coisa (facto provado)

Só assim não será, excecionalmente, «(…) se as respostas negativas não acolheram facto que constitui ou integra antecedente lógico necessário de resposta afirmativa. Assim, se as respostas negativas tinham conteúdo sobreponível ao da resposta positiva, impor-se-ia, necessariamente, na medida do concurso dessa sobreponibilidade, a inerente coincidência ou harmonia nas respostas, sob pena de contradição.» [[8] ]

Não é aqui o caso. A liberdade de diagnóstico e de autonomia nos procedimentos médicos em nada contradiz o facto de um médico exercer a sua atividade nas instalações duma clínica ou noutro lugar qualquer. A liberdade de diagnóstico é um direito fundamental dos médicos que não pode ser constrangido de forma nenhuma, mesmo que o médico trabalhe em regime de contrato de trabalho e seja um simples assalariado, como resulta dos artigos 96º-A, 135, 137º e 142º do Estatuto da Ordem dos Médicos (EOM).

Quanto a passarem para factos provados, “esquece-se” a Recorrente que estabeleceu um contrato de prestação de serviços com a 3ª Ré, que pertence ao seu corpo clínico (factos provados 73 a 82 e 131, não questionados), pelo que tais factos não podem ser considerados provados. Aí, sim, incorrer-se-ia em contradição.

Sobre os factos provados 22 a 43, 45 a 47, 50 e 51, 53 a 55, 59, 62 e 63, questão suscitada pela Recorrente A..., considerando deverem ser eliminados, por irrelevantes.

Trata-se do elenco dos danos do foro neurológico do Autor CC. Na perspetiva da Recorrente constituem malformações indetetáveis durante a gestação, pelo que não podem ser imputáveis aos Réus e, daí, a sua irrelevância.

Sucede que, independentemente da sua subsunção jurídica, trata-se de factos que foram alegados e que constituem causa de pedir. Assim, a sua (ir)relevância será tida em conta na subsunção dos factos ao direito, designadamente por articulação com os factos provados 118 e 124.

Factos que se pretende ver aditados como provados, questão suscitada pelo Mº Pº:

1 A) - A 1.º Ré DD em 2012 era médica há mais de 25 anos e especialista em ginecologia e obstetrícia há mais 15 anos (nesta sequência deve ser alterado o facto descrito em 7).

2 A) - Era exigível à 1.ª Ré que, dada a sua formação especializada e responsabilidades profissionais derivadas do facto de acompanhar a gravidez da autora, que perante a análise “fotogramas” ecográficos, das ecografias realizadas pela 3.º Ré, bem como das ecografias por si realizadas constatasse que o feto tinha malformações ao nível das mãos e pés.

3 A) - Competia a 1.º Ré, determinar os exames específicos e complementares, não só para despiste e e/ou confirmação das malformações, resultantes das ecografias, mas para outras eventuais complicações que o feto pudesse padecer, e consequentemente informar os pais para que pudessem decidir quanto ao prosseguimento ou interrupção da gravidez.

Para o efeito, invocam-se as declarações de parte da Ré DD, a sua admissão na contestação e o processo disciplinar que correu nas Ordem dos Médicos (OM).

Os factos “2A e 3A” integram conclusões de direito que, como se sabe, não são factos. Pese embora se reconheça que a sentença está eivada deles, este Tribunal não o deverá fazer.

Na verdade, as competências de cada profissional médico especialista estão definidas protocolarmente pela OM. E será em função do que o médico fez, ou deixou de fazer, ou fez erradamente, por comparação com as competências que estatutariamente lhe são cometidas, que se irá chegar à conclusão da sua violação (ou não) das legis artis.

O mesmo se diga quanto ao que é exigível a um médico. Definidas as competências próprias da especialidade, e apurado os atos que praticou, ou deixou de praticar (os factos), é que se chegará à questão da exigibilidade de outro comportamento, ou seja, à ilicitude da sua conduta e da sua culpa.

«Na formulação de Alberto dos Reis, «a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei».

Segundo Karl Larenz, a “questão de facto” reporta-se ao que efectivamente aconteceu, enquanto a “questão de direito” se identifica com a qualificação do ocorrido em conformidade com os critérios da ordem jurídica.

Existe, contudo, um continuum entre matéria de facto e matéria de direito e não uma oposição absoluta entre ambos os conceitos, pois na concreta aplicação do direito acaba por verificar-se uma correlatividade entre ambos os elementos.

Há que partir, portanto, da unidade do caso jurídico decidendo e dos problemas jurídicos por si colocados, devendo distinguir-se dois tipos de questões: uma que se refere aos dados pressupostos pelo problema concreto – questão de facto – e outra que tem a ver com o fundamento e o critério do juízo e com o próprio e concreto juízo decisório – questão de direito. Na matéria de facto concorrem não apenas dados empíricos, mas todos os pressupostos objectivos do problema colocado, por exemplo, elementos sócio-culturais e até jurídicos.

Contudo, a tradição do nosso pensamento jurídico, no seguimento de Alberto dos Reis, considera que a actividade do juiz se circunscreve ao apuramento dos factos materiais, devendo evitar que no questionário entrem noções, fórmulas, categorias ou conceitos jurídicos, inserindo, apenas, nos quesitos e na matéria de facto assente, factos materiais e concretos. Continua o autor, afirmando que «tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é actividade estranha e superior à simples actividade instrutória».

Se na resposta a determinado quesito houver matéria de facto e matéria de direito, deve aproveitar-se a decisão na parte relativa à primeira e considerar-se não escrita na parte relativa à segunda. [[9]]

Quanto ao ponto “1A”, não descortinamos a que facto 7 se refere. O facto provado 7 da sentença refere-se aos Autores progenitores. As alegações/conclusões de recurso estão eivadas de números, sub-números e alíneas, mas não vislumbramos nenhum “facto descrito em 7” nem nenhum ponto 7 das conclusões.

Presumiremos que existiu lapso de escrita e que se refere ao facto provado 71 (“71. Especialidade que a 1ª R. não tem e por isso as mandou a fazer a terceiro, tendo até dado indicação de especialista que a A. não atendeu, tendo recorrido à 2ª R. e à 3ª R.”).

E que se pretende ver alterado para “71- A 1ª R. mandou a fazer algumas ecografias a terceiro, designadamente quatro das ecografias referidas no facto 81, incluindo a ecografia morfológica, tendo até dado indicação de especialista que a A. não atendeu, tendo recorrido à 2ª R. e à 3ª R.”.

Salvo o devido respeito, cremos que se confunde a especialidade médica com a realização de métodos de diagnóstico. Num mundo cada vez mais “de especialidades”, apesar duma formação genérica que o médico possa/deva ter (no sentido de reconhecer conceitos e técnicas básicas), a realização dos exames de diagnóstico requer da parte dos obstetras formação específica e acreditação especial pela Ordem dos Médicos. [[10]]

O que bem se compreende face ao avanço constante das tecnologias, às necessidades impostas por lei sobre os equipamentos, instalações e pessoal auxiliar.

Talvez por isso que a Ré DD tenha “mandado” a Autora fazer as ecografias junto de terceiros, como a Recorrente aceita.

Donde, não procede a argumentação.

Sobre a exclusão do facto provado 70, questão suscitada pelo Mº Pº:

70. As ecografias presentes nos autos envolvem um exame dinâmico que tem de ser efectuado por especialista em ecografia obstétrica, sendo que as observações do feto e a avaliação do mesmo, nomeadamente morfológica, se fazem ou devem fazer, pelo decorrer do exame e não por qualquer conclusão de fotogramas.

Para o efeito, invocam-se as declarações de parte da Ré DD, os fotogramas e a prova pericial. E, bem assim, que tal facto contraria o facto provado 94.

Sobre a existência de contradição, manifestamente que não existe por se tratar de realidades diversas. No facto 94 dá-se nota de a Ré ter aparelho próprio de ecografia e ter realizado esse exame à Autora. No facto 70 alude-se à técnica que deve ser usada na realização duma ecografia obstétrica.

E, porque o facto 70 apenas disso dá nota, da técnica correta para a efetivação do exame, não tem sentido vir sustentar perspetiva diferente com base em declarações de parte/fotogramas/prova pericial. A forma de invalidar o facto seria a alegação/demonstração de que essa não era a técnica correta.

No mais, remetemo-nos para o que se disse no ponto anterior sobre o facto provado 71.

Sobre a exclusão dos factos não provados B), C) e D), questão suscitada pelo MºPº:

Considera-se que existe incompatibilidade e contradição com os factos que se pretendeu aditar.

Ora, como a pretensão do aditamento de factos não foi aqui acolhido, nenhuma contradição existe. Esta exclusão fica prejudicada.

Factos provados que devem ser modificados (43, 69 2ª parte e 71), questão suscitada pelo Mº Pº:

O facto 43 tem a seguinte redação:

43. Bem como de ajudas técnicas, a saber, fraldas, chupetas, resguardos, cadeira de rodas de acordo com a prescrição do médico fisiatra assistente (e sua manutenção ou substituição), colete abdominal (para evicção de queda da cadeira); prótese para membros inferiores (e sua manutenção ou substituição), andarilho (e sua manutenção); prótese da mão com adaptação de colher para permitir alimentação autónoma (e sua manutenção ou substituição); cadeira sanitária e cadeira de banho, situação que poderá ainda ter de ser reavaliada, atendendo ao facto de o A. CC ainda se encontrar em período de crescimento.

E pretende-se que passe a ter:

“Bem como de ajudas técnicas, a saber, fraldas, chupetas, resguardos, cadeira de rodas de acordo com a prescrição do médico fisiatra assistente (e sua manutenção ou substituição), colete abdominal (para evicção de queda da cadeira); prótese para membros inferiores (e sua manutenção ou substituição), andarilho (e sua manutenção); prótese da mão com adaptação de colher para permitir alimentação autónoma (e sua manutenção ou substituição); cadeira sanitária e cadeira de banho, situação que poderá ainda ter de ser reavaliada, admitindo-se outros eventuais mecanismos que se venham a revelar necessários ao bem-estar do CC em função do seu crescimento e das transformações do seu corpo ao longo da vida e/ou perante o desenvolvimento científico e tecnológico, sendo necessária a adaptação do domicílio e do veículo automóvel dos progenitores às limitações do CC.

Neste facto dá-se nota duma projeção do que serão as necessidades do menor CC no futuro.

Tendo em conta as patologias já diagnosticadas, as suas repercussões, porque projetadas no futuro, não passam de projeções ou previsões. Na sentença, determinou-se que a indemnização por tais danos iria ser feita em execução de sentença. E, naturalmente que a sede própria para a alegação e prova dos danos que vierem a surgir será esse incidente de liquidação. O facto alegado já dá nota da exemplificação dos danos mais previsíveis. A redação proposta mostra-se, por isso, desnecessária.

O facto 69 tem a seguinte redação:

69. A 1ª R. determinou a realização de todos os exames recomendados para a gravidez, no tempo certo, que foram realizados pela A. AA cujos resultados remetidos para a 1ª R. não tinham indicação em relação à morfologia de qualquer problema ou indício de qualquer problema, mormente as ecografias realizadas pela 3ª R., nem indicavam a necessidade de realizar outro tipo de exames ou sequer repeti-los.

E pretende-se que passe a constar:

69- A 1ª R. determinou a realização de todos os exames recomendados para a gravidez, no tempo certo, que foram realizados pela A. AA. Os exames e os relatórios das ecografias remetidos para a 1ª R. não tinham indicação em relação à morfologia de qualquer problema ou indício de qualquer problema, não obstante a visibilidade de tal malformação resultante dos fotogramas, que acompanhavam os relatórios das ecografias, nos termos constantes do facto descrito em 16).”

A subsunção dos factos ao direito é feita de forma concertada. Ora, se a realidade que se pretende aditar já consta do facto provado 16 (“perfeitamente visíveis aos olhos de profissionais do foro médico”), torna-se inútil a adição no âmbito do facto 69.

Sobre a alteração ao facto provado 71, remetemo-nos para o que já atrás dissemos.

Conclui-se, assim, pela improcedência de todas as pretensões relativas à alteração da matéria de facto.

5.4. Reapreciação da matéria de direito

5.4.1. Apreciação genérica sobre conceitos que importam à decisão

§ 1º - No caso presente, comecemos por apurar a causa de pedir.

Lida a petição inicial consideramos que os Autores imputam às Rés a violação das legis artis (ponto 18: “Negligentemente, não detectaram nas ecografias realizadas as malformações do feto perfeitamente visíveis aos olhos de profissionais do foro médico, mais especificadamente a ecografia realizada em 20-04-2009 realizada em imagem real “3D”), bem como a violação do dever de informação (pontos 21 e 22, “e na sequência informando a A. progenitora bem como ao A. Progenitor”, “Para que, em conformidade, e em caso disso, fossem inclusivamente realizados sendo possível exames específicos e complementares para despiste e/ou confirmação das malformações, ou os mesmos tomassem as devidas decisões que ao caso em apreço se colocassem”).

Mais tarde, na sequência de despacho judicial [[11]], transitado em julgado, essa petição foi aperfeiçoada, descriminando-se a dedução autónoma dos pedidos indemnizatórios relativamente a cada um dos autores.

Temos então que se imputa às Rés a violação das legis artis — na medida em que não detetaram nas ecografias realizadas as malformações do feto, que seriam perfeitamente visíveis aos olhos de profissionais do foro médico + não ordenaram a realização de ouros exames específicos e complementares para despiste e/ou confirmação das malformações —, bem como a violação do dever de informação, posto que, devidamente esclarecidos, os Autores progenitores pudessem tomar a decisão que tivessem por mais conveniente.

Depois, como destrinçado pelos Autores, haverá que ter em conta a dupla natureza das malformações com que nasceu o menor CC:

● Dum lado, deformações físicas visíveis (ausência de ambas as mãos e pé direito e malformação do pé esquerdo);

● Doutro lado, deformações de ordem neurológica (acentuado atraso de desenvolvimento psicomotor, hipotonia global muito marcada, com atividade espontânea praticamente nula, níveis de interação muito pobres, expressão facial quase inexistente).

§ 2º - Como se sabe, a responsabilidade médica pode assumir diversos contornos, designadamente o erro médico por falta de conhecimentos ou preparação técnico-científica, a violação das legis artis em qualquer uma das suas manifestações dos atos médicos, a violação do dever de informar e esclarecer, etc.

Servindo-nos aqui das palavras de Álvaro da Cunha Gomes Rodrigues, há que ponderar essas diversidades pois [[12]], «(…) parece haver, entre nós, algum equívoco conceptual entre o erro médico, a negligência médica, o evento adverso e a denominada violação das leges artis

E, prosseguindo (pág. 10, citando IRANY NOVAH MORAES Erro Médico e a Justiça, 5ª edição, Editora Revista dos Tribunais, S. Paulo, 2005), mais refere: «Em todo o caso, importa não olvidar que por detrás de um acidente ou de uma complicação, pode estar um erro de percepção ou cognitivo [como um erro de diagnóstico, de profilaxia ou de terapêutica decorrente da ausência de conhecimentos técnico-científicos (ausência de representação da realidade), da errada interpretação da sintomatologia do paciente ou de dados laboratoriais, imagiológicos ou clínicos (representação deformada ou distorcida da realidade)] ou um erro de execução, como o manejo indevido de instrumentos na realização do acto clínico ou cirúrgico ou troca de produtos farmacológicos no tratamento do paciente.»

«Uma taxonomia quase exaustiva das modalidades do erro médico, da autoria de Lucien Leape e Col. (designada por tabela de Leape) podemos encontrar na obra americana «To Err is Human, Building a Safe System» e que se encontra também no nosso idioma noutra obra de mérito da autoria do Professor José Fragata e Luís Martins, O Erro em Medicina que basicamente enquadra os erros médicos em quatro grandes categorias: erros de diagnóstico, erros de tratamento, erros preventivos (falhas para providenciar o tratamento profilático adequado e monitorização inadequada ou de seguimento (follow up) do tratamento) e outros erros (falhas na comunicação, falhas no equipamento e outras falhas no sistema).» - pág. 13.

Em especial sobre as legis artis:

«As legis artis, ou regras da arte médica, em determinado momento histórico não são mais do que um manancial de regras constantes no Estatuto da Ordem dos Médicos, Estatuto do Médico, Código Deontológico da Ordem dos Médicos, bem como em leis específicas que regulam os ensaios clínicos, colheita e transplante de órgãos, exposição a radiações, procriação medicamente assistida (PMA), recomendações de organizações de saúde (sejam elas nacionais, europeias ou mundiais), normas técnicas que estabelecem regras a seguir pelos médicos (que vão desde o diagnóstico até convalescença do paciente), assim como nos procedimentos técnicos que devem ser observados para determinados actos médicos, etc.» [[13]]

Por seu turno, o dever de informação contende com a dignidade da pessoa humana e com o seu direito à autodeterminação.

No domínio dos contratos em geral, impõe-se às partes que pautem a sua conduta segundo os ditames da boa fé e com observância dos deveres de cuidado, diligência, informação e lealdade, de modo a não causar danos à contraparte: art.º 227º do Código Civil (CC).

Atenta a especificidade da posição das partes no caso da atividade médica, o dever de informação é dever principal e assume maior acutilância, relevando desde logo que os conceitos de comunicação e informação não se equivalem nem são sinónimos.

A Lei de Bases da Saúde (Lei nº 95/2019, de 04 de setembro) prescreve na sua Base 2

1 - Todas as pessoas têm direito:

e) A ser informadas de forma adequada, acessível, objetiva, completa e inteligível sobre a sua situação, o objetivo, a natureza, as alternativas possíveis, os benefícios e riscos das intervenções propostas e a evolução provável do seu estado de saúde em função do plano de cuidados a adotar;

f) A decidir, livre e esclarecidamente, a todo o momento, sobre os cuidados de saúde que lhe são propostos, salvo nos casos excecionais previstos na lei, a emitir diretivas antecipadas de vontade e a nomear procurador de cuidados de saúde;

g) A aceder livremente à informação que lhes respeite, sem necessidade de intermediação de um profissional de saúde, exceto se por si solicitado;

Na perspetiva do dever, estabelece o art.º 44º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos:

1. O doente tem o direito a receber e o médico o dever de prestar o esclarecimento sobre o diagnóstico, a terapêutica e o prognóstico da sua doença.

2. O esclarecimento deve ser prestado previamente e incidir sobre os aspetos relevantes de atos e práticas, dos seus objetivos e consequências funcionais, permitindo que o doente possa consentir em consciência.

3. O esclarecimento deve ser prestado pelo médico com palavras adequadas, em termos compreensíveis, adaptados a cada doente, realçando o que tem importância ou o que, sendo menos importante, preocupa o doente.

4. O esclarecimento deve ter em conta o estado emocional do doente, a sua capacidade de compreensão e o seu nível cultural.

5. O esclarecimento deve ser feito, sempre que possível, em função dos dados probabilísticos e dando ao doente as informações necessárias para que possa ter uma visão clara da situação clínica e optar com decisão consciente.

O dever de informação compreende também uma explicação mais pormenorizada ou simplificada, designadamente do significado corrente dos conceitos técnicos nelas usados e das suas repercussões ou consequências na vida, estado de saúde e bem-estar do paciente.

Por outro lado, o grau de exigibilidade desses deveres de comunicação e de informação deve ser aferido em função do nível cultural e educacional do paciente e da maior ou menor complexidade do ato médico em causa.

Ressalvadas algumas exceções [[14]], a regra é que o dever de informação e de esclarecimento constitui um imperativo na relação médico-paciente.

Na verdade, deve entender-se que o dever de informação não se contenta com um procedimento padrão ou com a entrega de um formulário tipo. Porque absolutamente conexionado com o conhecimento, a informação será correta quando comportar os elementos necessários à tomada de uma decisão esclarecida por parte do paciente, o que comportará uma advertência das possibilidades terapêuticas possíveis, das suas consequências e alternativas.

Analisando o tema, escreve André Gonçalo Dias Pereira [[15]], «O dever de informar qua tale deve receber um significado autónomo (face ao dever de obter consentimento) e, consequentemente, ser entendido como uma obrigação jurídica.» (…)

«A obrigação de informação recai sobre o médico, designadamente sobre o médico consultado ou interrogado pelo paciente, ou seja, em primeiro plano, sobre o médico assistente.» (…)

«No caso de participação de uma equipa médica especializada, encarregada de realizar algum procedimento específico, compete a esta, pela sua formação e conhecimentos, a transmissão de toda a informação ao paciente e a obtenção do consentimento. Mas não parece necessário que seja o concreto médico que vai realizar a intervenção quem deva dar a informação, podendo ser um membro da equipa. Contudo, o médico que vai realizar a operação deverá certificar-se de que se obteve o adequado consentimento informado, o que significa que aqui existe um especial dever de verificar se o paciente deu o seu consentimento informado.

Porém, quando na mesma equipa coexistem diferentes especialidades médicas, entende-se que o princípio é que cada médico deve dar informação de acordo com a sua especialização (v.g., o consentimento informado específico para a anestesia).» (…)

«O moderno exercício da medicina implica também amiúde que o paciente seja acompanhado por diversos médicos. Por vezes, consulta o clínico geral que seguidamente aconselha um especialista; este, por sua vez, necessitando de realizar exames de diagnóstico, solicita os serviços de outros especialistas. Em face deste volutear de serviço médicos, verificam-se, por vezes, problemas na prestação das informações necessárias para o paciente se autodeterminar.

A jurisprudência estrangeira tem encontrado soluções díspares. Em alguns casos, os tribunais absolvem o médico prescritor; em muitos outros, contudo, os tribunais defendem que quando um médico generalista julga necessário enviar o paciente à consulta de um especialista coexistem duas obrigações paralelas. O médico generalista consultado em primeiro lugar não pode considerar que só o especialista deverá fornecer todas as informações. De modo recíproco, o especialista não pode supor que o generalista informou suficientemente o paciente sobre as modalidades e riscos do tratamento. Assim, a Cour de cassation (decisão de 29/5/1984) entendeu que o dever de informação pesa tanto sobre o médico prescritor como sobre o que executa a prescrição, pois cada um deve adotar as cautelas necessárias para comprovar que a informação foi prestada. Desta forma, o tribunal defendeu a responsabilidade solidária pela ausência de informação.»

§ 3º - De destrinçar ainda as ações fundadas em responsabilidade civil por wrongful birth (nascimento errado) e por wrongful life (vida errada).

José Alberto González [[16]] distingue-as assim:

«Uma wrongful birth action é intentada pela mãe e/ou pelo pai em seu próprio nome. Nela, os progenitores alegam essencialmente terem perdido o direito de tomar uma decisão informada sobre a manutenção da gravidez relativa a um filho marcado por defeitos congénitos e, eventualmente capazes até de provocar a respetiva morte à nascença (v.g. hérnia diafragmática congénita). Por outras palavras, argumentam que caso lhes tivesse sido propiciado o devido conhecimento, e não fora a falta de diligência médica, a mãe teria muito provavelmente decidido realizar um aborto eugénico. Em todo o caso, tendo, porém, ocorrido o nascimento de pessoa com deformidades, pretendem agora ser compensados por se ter tornado necessário criar uma criança deficiente. Nisto se cifra o respetivo dano. Na linguagem própria da responsabilidade civil, os lesados serão, assim, os próprios pais e o direito infringido será o de ter filhos (ou, portanto, o de não os ter) sãos e saudáveis.

Uma wrongful life action é proposta pelo filho, tipicamente (quando seja incapaz) por intermédio dos pais em seu nome (nos termos gerais do artigo 1878º nº 1 do Código Civil). Dado que o lesado é a criança, eles atuam, portanto, como representantes (legais) e não em nome próprio. Neste contexto, o autor sustenta (por si ou através do substituto), que, se não fosse a negligência médica, os progenitores teriam presumivelmente recorrido à interrupção voluntária da gravidez. O dano concretamente sofrido consiste, por isso, em ter que existir com uma deficiência que jamais se produziria caso o nascimento não tivesse sobrevindo: é o chamado dano de viver resultante da violação do apelidado “right not to be born”. A ação não apresentaria especialidades de maior se o filho se limitasse a pedir compensação pecuniária para fazer frente, durante o resto da sua vida, às despesas especiais que o seu estado de saúde demanda. Mas, diferentemente, o que ele reclama é o ressarcimento pelo facto de ter de existir. O direito violado será, assim (pese embora a discordância quanto a este ponto), o de não viver.» (sublinhados nossos)

No caso específico do direito à não existência ou dano de viver foi decidida pela 1ª vez (ao que sabemos) por acórdão do STJ de 19/06/2001, processo nº 01A1008, que o não reconheceu, considerando:

«VII - O direito à vida, integrado no direito geral de personalidade, exige que o próprio titular do direito o respeite, não lhe reconhecendo a ordem jurídica qualquer direito dirigido à eliminação da sua vida.

VIII - O direito à não existência não encontra consagração na nossa lei e, mesmo que tal direito existisse, não poderia ser exercido pelos pais em nome do filho menor.»

No mesmo sentido tem decidido a demais jurisprudência.

Assim, o STJ no acórdão de 17//01/2013, processo nº 9434/06.6TBMTS.P1.S1: «O Autor existe, mas concluir-se que o mesmo não deveria existir assim desta forma deficiente e por isso tem o direito a ser ressarcido, não pode ser, uma vez que a tal se opõe, além do mais, o direito.» e o acórdão do TRP de 01/03/2012, processo nº 9434/06.6TBMTS.P1: «A criança deficiente não tem direito próprio de indemnização pelo facto de ter nascido, por ausência de dano reparável.»

Acórdão do TRG de 19/06/2012, processo nº 1212/08.4TBBCL.G1 e acórdão do TRL de 29/04/2014, processo nº 57/11.9TVLSB.L1-7, ainda que estes não se tivessem pronunciado especificamente sobre a questão tema face a outras deficiências relacionadas com os factos.

Na base de tal entendimento estão questões conflituantes do ponto de vista material, como os princípios constitucionais, limites à disposição dos direitos de personalidade (art.º 69º do CC), a consagração dos direitos e proteção das pessoas com deficiência, etc.

E a doutrina também assim o tem considerado.

No entanto, essa mesma doutrina refere ser necessário fazer uma distinção. Não aceitando que o direito à não existência possa constituir um dano, de per si, para efeitos indemnizatórios, consideram que se deve fazer uma destrinça:

«Decorre do exposto que é crucial distinguir, no âmbito daquilo que às vezes se designa genericamente como a “responsabilidade por uma vida deficiente”, entre o dano da vida propriamente dita e o dano da “deficiência” que essa mesma vida comporta. A expressão “vida deficiente” propicia naturalmente confusão entre estes dois tipos de situações tidas como danosas. Mas importa muito evitá-la.

Só o primeiro daqueles prejuízos nos ocupa e é contra a pretensão de ressarcimento desse dano que se dirigiram essencialmente as observações precedentes. Pelo contrário, nada obsta a que o sujeito possa ser ressarcido do dano de uma deficiência que, atingindo a sua vida, poderia ter sido evitada. Quando deduz uma pretensão nesse sentido, o sujeito, se não põe em causa a vida em si mesma (considerando-a um dano em si mesma), não incorre nas contradições práticas e valorativas que acima se apontaram.» [[17]]

No mesmo sentido, André Gonçalo Dias Pereira, acompanhando o entendimento de Fernando Araújo, refere: «Uma pergunta que não sufragamos é a de saber se “alguém tem o direito a não nascer?” Esse não é o problema aqui colocado. A criança que vai a tribunal demandar o médico negligente e pedir uma indemnização pelos danos que sofre não está a pedir para não nascer, nem a pedir que lhe causem a morte. Apenas pede que lhe seja concedida uma indemnização em dinheiro que lhe permita pagar os tratamentos médicos, os cuidados de enfermagem, os medicamentos, equipamento especial, o cuidado doméstico, uma educação especial e outras despesas necessárias a uma vida condigna na sua condição. (…)

Muitos autores concentram-se na inexistência de dano, advogando que a vida não pode ser vista como um dano. Mas esta é apenas uma forma mais elegante de colocar uma pergunta errada, já denunciada nas linhas anteriores. Não se trata de considerar a vida um dano, mas antes de atender ao sofrimento, às lesões físico-psíquicas que o Autor apresenta.» [[18]]

Assim, o já referido José Alberto Gonzalez, obra citada, pág. 13 e seguintes e 95-123.

§ 4º - Por fim, os pressupostos da responsabilidade civil, que são os mesmos na responsabilidade civil contratual e na extracontratual, divergindo apenas quanto ao ónus da prova: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

A alegação e prova do facto ilícito, do dano e do nexo de causalidade competem ao Autor. Já a demonstração da ausência de culpa incumbe ao médico, pois que o art.º 799º do CC sobre ele faz recair a presunção.

Quanto ao facto ilícito, traduz-se ele na prática de um ato/conduta que ofenda direitos de terceiro ou disposições legais (normas legais e/ou regulamentares, bem como princípios gerais ou regras de ordem técnica e de prudência comum) destinadas a proteger interesses alheios. Nas ações como a aqui em causa será a violação de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios, as leges artis juridicamente exigíveis.

A culpa afere-se em abstrato, pela diligência exigível a um homem normal, em face do condicionalismo do caso concreto: art.º 487º nº 2 do CC. Trata-se de um juízo de censura sobre determinado comportamento do agente, quando podia e devia ter agido de outra forma.

A avaliação da culpa comporta dois momentos: o momento da antijuridicidade, em que se avalia o comportamento humano face a bens ou valores jurídicos (elemento objetivo), e o momento da culpa propriamente dita, mediante o qual se extrai o juízo de censura dum certo facto típico à pessoa que o praticou, ou o omitiu (elemento subjetivo).

Enquanto que o dolo se traduz no conhecimento e vontade da realização de um ato tido legalmente por ilícito, a negligência integra antes a violação de um dever de cuidado, expressando uma atitude descuidada perante o cumprimento de determinadas obrigações.

Concluindo, «E, tratando-se, como é o caso, de prestação de serviços médicos, a responsabilidade médica, por negligência, por violação das leges artis, tem lugar quando, por indesculpável falta de cuidado, o médico deixe de aplicar os conhecimentos científicos e os procedimentos técnicos que, razoavelmente, face à sua formação e qualificação profissional, lhe eram de exigir: a violação do dever de cuidado pelo médico traduz-se precisamente na preterição das leges artis em matéria de execução da sua intervenção.» - pode ler-se no acórdão do STJ de 26/04/2016, processo nº 6844/03.4TBCSC.L1.S1.

«O ponto de partida para qualquer acção de responsabilidade médica é assim o da desconformidade da concreta actuação do agente no confronto com aquele padrão de conduta profissional que um médico medianamente competente, prudente e sensato, com os mesmos graus académicos e profissionais, teria tido em circunstâncias semelhantes na mesma data» - acórdão do TRP de 10/02/2015, processo nº 2104/05.4TBPVZ.P1.

Sobre as leges artis e o padrão de comportamento exigível, prescreve o art.º 135º nº 1, 8 e 10 do EOM [[19]]:

1. O médico deve exercer a sua profissão de acordo com a leges artis com o maior respeito pelo direito à saúde das pessoas e da comunidade.

8. O médico deve cuidar da permanente atualização da sua cultura científica e da sua preparação técnica, sendo dever ético fundamental o exercício profissional diligente e tecnicamente adequado às regras da arte médica.

10. O médico deve prestar os melhores cuidados ao seu alcance, com independência técnica e deontológica.

Os danos correspondem aos prejuízos (materiais ou morais) ocorridos na esfera jurídica do lesado.

Neste tipo de ações, designadamente no que toca ao Autor menor CC, não se trata do valor vida como um dano. Serão indemnizáveis as lesões físico-psíquicas de que ficou a padecer, as eventuais despesas acrescidas com materiais e assistência permanente, a dor e o sofrimento resultantes da deficiência.

O nexo causal respeita à concatenação entre o ato ilícito e o dano, ou seja, os danos têm de ser o resultado do ato praticado ou do dever omitido.

Este requisito pode originar dificuldades, sabido como é que neste tipo de ações não foi o ato médico que provocou a doença ou malformação. Porém, o nexo de causalidade terá de ser estabelecido entre a violação do direito à informação e/ou da violação das leges artis e a vida portadora de deficiência, a chamada causalidade suficiente ou causalidade indireta.

«Existe nexo de causalidade suficiente, ou nexo de causalidade indirecto, entre a vida portadora de deficiência e a correspondente omissão de informação do médico pelo virtual nascimento o feto com mal-formação, devido a inobservância das leges artis, ainda que outros factores tenham para ela concorrido, como seja a deficiência congénita.» [[20]]

5.4.2. Sobre a absolvição da Ré DD (questão suscitada pelos Autores e pelo Mº Pº)

A verificação dos pressupostos da responsabilidade civil é cumulativa, bastando a ausência de um deles para que não possa ser imputada responsabilidade ao agente.

E vimos já que em causa se tratava de violação das legis artis e do dever de informação.

Na sentença considerou-se não lhe poder ser assacada qualquer conduta ilícita, pelo que foi absolvida.

A alteração pretendida pelos Autores e pelo Mº Pº tinha como pressuposto a alteração da matéria de facto que, como vimos, não vingou.

Face à factualidade provada, a decisão é de manter. Na verdade, os relatórios das ecografias indicavam que estava tudo normal e a gravidez da Autora mãe não indicava sinais de risco pelo que, de acordo com as legis artis não havia razão para solicitar exames específicos e complementares para despiste e/ou confirmação de malformações de que os relatórios ecográficos não faziam a mínima menção.

E não se diga que, por força da sua especialidade em ginecologia/obstetrícia, a Ré DD estava dotada dos conhecimentos técnicos necessários para detetar as malformações com que o CC nasceu, sendo-lhe exigível outro comportamento.

Como se refere no parecer do Conselho da Ordem dos Médicos, de 15/07/2020, «Os exames ecográficos obstétricos, ao contrário de outros exames imagiológicos, são exames realizados em tempo real, que se esgotam na sua própria execução e só são acessíveis ao próprio operador: é ele que escolhe e controla os planos e tempos de exposição das imagens e a duração do exame. Uma vez satisfeito com a informação recolhida, o executante elabora o respetivo relatório, que resume a sua interpretação e as suas conclusões.

As imagens que decide juntar a esse relatório não constituem o exame ecográfico em si mesmo: são meras fotografias isoladas, documentando factos concretos ou particulares, que não permitem a um perito reconstituir ou apreciar o exame que foi realizado.

Assim, quanto à questão colocada, apenas podemos constatar a informação contida no relatório, que é da responsabilidade do executante: os relatórios dos exames citados descrevem o embrião e o feto como normais; as imagens em que se baseou para chegar a essa conclusão, como se expôs, não são peritáveis.»

Os factos provados 69 a 71 são elucidativos: a Ré DD determinou a realização de todos os exames recomendados para a gravidez, no tempo certo; os resultados de tais exames não tinham indicação de qualquer problema ou indício de problema, nem indicavam a necessidade de realizar outro tipo de exames ou sequer repeti-los. As ecografias consistem num exame dinâmico que tem de ser efetuado por especialista em ecografia obstétrica, sendo que as observações do feto e a avaliação do mesmo, nomeadamente morfológica, se fazem ou devem fazer, pelo decorrer do exame e não por qualquer conclusão de fotogramas. A Ré DD não tem essa especialidade de ecografia obstétrica e por isso as mandou a fazer a terceiro, tendo até dado indicação de especialista que a Autora mãe não atendeu.

Mais se provou que a Autora mãe começou a ser seguida por outra médica, pelo menos nos primeiros 2 meses de gravidez e que lhe efetuou a anamnese. Não obstante, quando recorreu à Ré DD, a Autora omitiu-lhe a realização das consultas médicas previamente tidas com a Dra. FF, não lhe fornecendo qualquer informação a esse respeito e, também, não lhe disponibilizou o Boletim de Saúde de Grávida que a Dra. FF lhe havia entregue e onde estavam registadas informações referentes ao período de gravidez em que a 1ª Autora foi seguida por aquela obstetra. Bem como lhe omitiu que já havia efetuado aborto anterior à gravidez do 2º Autor (factos provados 90 a 93).

Sendo assim, não se vislumbra na conduta da Ré DD violação das legis artis nem do dever de informação, pelo que é de manter a sua absolvição.

A Ré B... foi chamada aos autos exclusivamente em virtude do contrato de seguro de responsabilidade civil que celebrou com a Ré DD. Significando que a Seguradora existe se, e na medida, em que se apurar responsabilidade do segurado.

Medida em que também falece a pretensão do Mº Pº duma condenação solidária da Ré B..., por força do contrato de seguro celebrado com a Ré DD.

5.4.3. Sobre a verificação do direito à indemnização (questão suscitada por todos os Apelantes, ainda que em diversos aspetos)

§ 1º - Do direito dos Autores progenitores

Remetemo-nos aqui para os conceitos básicos já explanados no ponto 5.4.1. deste acórdão.

Assim, no que toca aos Autores, estamos perante uma ação por wrongful birth (nascimento errado) com causa de pedir complexa, cifrada na violação das legis artis e do direito de informação por parte da Ré Dr.ª EE.

Os Autores pretendem ser compensados pelos danos morais relativos a terem de viver com um filho deficiente, bem como nas despesas extraordinárias que essa deficiência acarreta.

Comecemos por analisar as deficiências e malformações.

O menor CC nasceu com deformações físicas visíveis, bem como condições para deformações não visíveis, apresentando a) Síndrome polimalformativo, (ausência de ambas as mãos e pé direito e malformação do pé esquerdo) b) acentuado atraso de desenvolvimento psicomotor, c) Do ponto de vista motor apresenta uma hipotonia global muito marcada, com atividade espontânea praticamente nula, d) Os níveis de interação são muito pobres, com expressão facial quase inexistente. (factos provados 3 e 4)

Tais lesões físico-psíquicas são congénitas e, portanto, como os Autores reconheceram na PI, não foram causadas pelos Réus. No caso imputa-se-lhes apenas a violação das legis artis e do dever de informação.

No que toca à conduta médica, incumbia-lhe realizar as ecografias de acordo com os procedimentos técnicos exigidos e recomendados cientificamente para tais exames.

Daqui decorre que em termos de nexo de causalidade, só lhe podem ser imputadas as deficiências e malformações que fossem detetáveis nos exames efetuados.

Ora, decorre dos factos provados 118, 119 e 124

118. Com referência às malformações e patologias que o Autor CC apresenta, aquelas que se prendem com a doença ou síndrome neurológico não são, nem eram ao tempo da realização de todas as ecografias, detectáveis através deste tipo de exame – ecografia – nem de nenhum outro.

119. Sendo certo que, a tal a doença ou síndrome neurológico também, não foi detectada pelo exame, rastreio pré-natal integrado feito no soro materno (rastreio cromossómico fetal), que a 1ª Autora acabou por realizar por requisição da 3ª R..

124. No recém-nascido/criança foram mais tarde identificadas outras alterações funcionais: de natureza neurológica (Síndroma de Moebius) e relativas ao desenvolvimento psicomotor, que eram indetectáveis durante a gestação, nomeadamente, através dos exames ecográficos realizados pela 3ª R.

Isso mesmo foi assinalado no parecer do Conselho da Ordem dos Médicos (esclarecimentos), de 10/11/2021, no sentido de que ainda hoje «A síndrome neurológica de que padece o Autor CC não é passível de identificação pré-natal através de ecografia obstétrica nem, atualmente, por meio de nenhum outro meio.» e «No recém-nascido/criança foram mais tarde identificadas outras alterações funcionais de natureza neurológica (Síndrome de Moebius) e relativas ao desenvolvimento psicomotor. Estas anomalias não são passíveis de diagnóstico (deteção) pré-natal (no feto, antes do nascimento) por nenhum método.»

Assim sendo, e dado que o nexo de causalidade terá de ser estabelecido entre a violação do direito à informação e/ou da violação das leges artis e a vida portadora de deficiência (a chamada causalidade suficiente ou causalidade indireta), temos de concluir pela inexistência de nexo de causalidade no que toca às malformações/deficiências de ordem neurológica.

Significando que só poderão ser atendidas apenas as deformações físicas visíveis: a ausência de ambas as mãos e pé direito e a malformação do pé esquerdo.

Na verdade, quanto a estas deformações físicas resulta da factualidade provada que eram diagnosticáveis ecograficamente, exceto na ecografia de 12/11/2008, que foi a primeira efetuada, sob requisição da Dra. FF, médica obstetra a quem a Autora primeiro recorreu e que a acompanhou nos primeiros 3 meses de gravidez. Nesta ecografia foi-lhe calculada a idade gestacional do embrião em 7 semanas e 4 dias (factos provados 89, 91, 95 a 97).

Depois, foram realizadas as ecografias de 12/11/2008 (7 semanas e 4 dias), de 17/12/2008 (12 semanas e 6 dias), de 18/02/2008 (21 semanas e 5 dias), 20/04/2009 (30 semanas) e 25/05/2009 (35 semanas), em cujos relatórios a Ré EE descreveu sempre os “membros superiores e inferiores aparentemente normais”. Porém, tais relatórios, ainda que formalmente corretos, transmitem um erro de avaliação no que diz respeito à morfologia dos membros fetais.

Donde, sendo as anomalias detetáveis na ecografia de 17/12/2008 e posteriores, só se poder concluir pela negligência da Ré EE na realização das ecografias e respetivos relatórios, principalmente atendendo-se a que nunca foram mencionadas quaisquer dificuldades ou limitações na observação do feto, o que, sendo o caso, deveria ter sido mencionado nos relatórios, como “não visualizado”, explicitando as razões da referida dificuldade, tudo em conformidade com as normas das Circulares Normativas da Direção Geral da Saúde.

Também resulta provado sem margens para dúvidas a violação do dever de informação, pois que a Ré EE nunca informou a Autora das deformações existentes, antes lhe assegurando que estava tudo bem e não se preocupasse (facto provado 18).

Aqui chegados, há que atender a um terceiro aspeto, de relevância fundamental: os danos invocados pelos Autores progenitores estão em íntima correlação com uma possível interrupção voluntária da gravidez.

Na verdade, sendo as deficiências congénitas (e não causadas por qualquer ato médico), os danos invocados pelos pais (morais e despesas extraordinárias para criar uma criança deficiente) estão conexos com a sua liberdade de decisão de só pretenderem filhos sãos e saudáveis e da possibilidade de interrupção voluntária da gravidez. Importando, pois, saber se esta era possível.

Na redação vigente à data (Lei n.º 16/2007, de 17 de abril), o art.º 142º nº 1 al. c) do Código Penal, prescrevia a não punibilidade da interrupção da gravidez no caso de existirem “seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação congénita, e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez”.

Tal circunstância mostra-se verificada nos autos pois que as malformações do CC são congénitas e incuráveis (pese embora, em certa medida “tratáveis”) e eram diagnosticáveis logo em 17/12/2008 (12 semanas e 6 dias), de 18/02/2008 (21 semanas e 5 dias), 20/04/2009 (30 semanas) e 25/05/2009 (35 semanas).

E não se diga que não ficou provada essa intenção, pois que o fulcro da questão não resulta de se lhe ter coartado uma decisão, mas sim essa possibilidade, a liberdade de autodeterminação que, naturalmente só pode ser tomada responsavelmente quando na posse de todas as informações pertinentes e que ficaram inviabilizadas pela violação do direito à informação.

«No caso de wrongful birth, o dano sofrido não se traduz na impossibilidade de efectuar um aborto, mas sim na impossibilidade de fazer essa escolha, ponderadas todas as informações relevantes. Ou seja, o dano não reside na impossibilidade de decidir em determinado sentido, mas na impossibilidade de decidir de forma livre e esclarecida, independentemente de qual teria sido o sentido da decisão. Daí que não seja de exigir a prova de que a mãe teria efectivamente abortado naquela situação (cfr. Vera Lúcia Raposo, Responsabilidade médica em sede de diagnóstico pré-natal, in Revista do Ministério Público, nº132, Out-Dez, 2012, págs.97 a 99).» [[21]]

Tudo visto, e já que o nexo causal já foi abordado, resta averiguar quais os danos dos progenitores decorrentes das malformações físicas do menor CC (relembramos que as de ordem neurológica não são de atender, por indetetáveis no estado atual dos conhecimentos médicos).

Temos para nós como facto notório que o nascimento dum filho sem mãos e um pé, e o outro com malformação acarreta um sofrimento incomensurável para os pais.

Para além disso, e em termos de danos morais, provou-se que o trauma que os progenitores acarretam consigo é diário, que a mãe teve um choque de proporções indescritíveis e incomensuráveis aquando do nascimento de seu filho CC, tendo ficado doente, depressiva e tendo tido necessidade de acompanhamento médico. Ambos vivem e viverão sempre na angústia e preocupação de um futuro incerto para o seu filho CC e ao assistirem às suas limitações em se mexer, em tocar e em andar. O CC tem sangramento constante pelo nariz, muitas vezes causado pelo impacto do toque facial com os cotos, por vezes por autoflagelação, outras porque está a coçar. Devido à malformação de um dos seus pés, por aconselhamento médico e com vista a uma correção para melhoria da possível capacidade locomotora futura, o CC foi submetido a uma cirurgia falhada em que o único ganho foi ter gangrena na área intervencionada e sofrimento diário durante 2 meses. A mãe teve necessidade de acompanhamento e tratamento psicológico. É previsível a necessidade de acompanhamento médico do menor CC nos próximos anos da sua vida, bem como em instituição especializada para a educação do mesmo. O CC toma as refeições na cadeira de bebé e consegue fazê-lo autonomamente (exceto limpar-se) com a ajuda da prótese de mão, usando para beber o biberão.

Ninguém duvidará dos sofrimento e transtornos diários dos pais que vivem com um filho com tais limitações.

A nível das despesas extraordinárias em que têm de incorrer relacionadas com a ausência das mãos e dos pés, o CC necessita diariamente de cuidados médicos específicos e irá precisar de tratamentos médicos regulares, como por exemplo a fisioterapia para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas, bem como a reabilitação fisiátrica e a cinesioterapia. Precisará de cadeira de rodas de acordo com a prescrição do médico fisiatra assistente (e sua manutenção ou substituição), prótese para membros inferiores (e sua manutenção ou substituição), andarilho (e sua manutenção); prótese da mão com adaptação de colher para permitir alimentação autónoma (e sua manutenção ou substituição); cadeira sanitária e cadeira de banho, situação que poderá ainda ter de ser reavaliada, atendendo ao facto de o CC ainda se encontrar em período de crescimento.

Concluindo, temos verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil a cargo da Ré EE — e, pour cause, como já referido, das Rés A... e Seguradora — relativamente aos Autores progenitores: o facto ilícito, (violação das legis artis referentes à realização de ecografias e respetivos relatórios, bem como a omissão do direito à informação); a culpa (que, além de presumida, se demonstra pela sua atitude descuidada nos atos realizados, já que face à sua qualificação e experiência profissionais lhe era exigível outro comportamento; o dano (sofrimentos e despesas extraordinárias em que terão de incorrer com o filho) e o nexo causal (os sofrimentos e despesas extraordinárias em que terão de incorrer decorrem da violação das legis artis e do dever de informação, implicando a liberdade de autodeterminação aos progenitores).

Quanto ao montante indemnizatório, questão suscitada pelos Autores (tendo o recurso do Mº Pº sido indeferido no tocante à pretensão dos progenitores).

Cada um dos progenitores peticionou 100 mil euros por danos morais, tendo-lhe a sentença atribuído 35 mil.

Os progenitores consideram que tal montante é inferior ao devido face às graves deficiências e profundo sofrimento que acarreta a forma de vida do filho, que perdurará até à sua morte, dado que as malformações de índole neurológica são irreversíveis.

Sucede que os fundamentos invocados colidem com essas malformações de índole neurológica, que já vimos que não são aqui atendíveis.

Ora, considerando apenas as de ordem física (ausência de ambas as mãos e pé direito e malformação do pé esquerdo) temos de aceitar que elas são passíveis de correção através de próteses, cada vez mais eficientes face ao avanço das tecnologias.

Não se pretende escamotear o sofrimento e os incómodos que acarreta ver um filho a necessitar dessas próteses. Porém, também não se pode olvidar que, com elas e com reabilitação fisiátrica, o CC pode/poderia aprender a andar, a comer e a ganhar autonomia (não fossem as de ordem neurológica). Isso mesmo resulta do facto provado 40, em que se refere que o CC já aprendeu a tomar as refeições na cadeira de bebé com a ajuda da prótese de mão e consegue fazê-lo autonomamente, exceto limpar-se, bem como que já tem a sua "bicicleta" adaptada.

No caso, e em princípio, a aprendizagem e a autonomia não irão ser possíveis, mas tal decorre das anomalias neurológicas, que não são imputáveis à conduta médica.

Os danos morais são fixados equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (art.º 496, n.º 3 e 494º do CC). No caso, só se conhece a culpabilidade do agente.

Depois, para não confundir equidade com a subjetividade do julgador, há que atender a uma aplicação mais ou menos uniforme do direito (art.º 8º nº 3 do CC), importando essencialmente verificar «se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos – muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis – (…)». [[22]]

Ora, numa situação em tudo idêntica à presente, foi arbitrado aos progenitores o montante de 3o mil euros (no já referido acórdão do STJ no processo nº 1212/08.4TBBCL.G2.S1) e de 25 mil euros (acórdão do TRL, processo nº 2101/11.0TVLSB.L1-8).

Para além disso, os 35 mil euros foram aqui considerados como valores atualizados à data da sentença, pelo que importará ter em conta o que se decide no ponto 5.4.6. deste acórdão.

Por todo o exposto, considera-se mais equilibrado e consentâneo com a aplicação mais ou menos uniforme do direito, o montante de 30 mil euros.

Por fim, os danos a liquidar em execução sentença, questão suscitada pelos Autores e pelo Mº Pº

Na sentença, foi determinado o ressarcimento aos Autores progenitores das despesas extraordinárias que vão ter de suportar com o CC relativamente à sua deficiência física “até este atingir os 18 anos de idade”.

Quanto ao recurso do Mº Pº, nada a referir, pois que nessa parte o mesmo foi indeferido por falta de legitimidade, como se decidiu no ponto 5.1. § 3º deste acórdão.

Já quanto ao recurso dos Autores, entendem eles que a referida indemnização não deve ficar limitada aos 18 anos do CC, pois que o mesmo nunca será uma criança normal em toda a sua vida, nem mesmo nas necessidades básicas de comer, andar, falar, ou necessidades fisiológicas.

Efetivamente, está provado que o CC nunca será autónomo e dependerá sempre de terceiros.

Porém, mais uma vez esquecem os Autores que aqui só são imputáveis as despesas decorrentes das anomalias físicas, e não das neurológicas. Ora, o que determina a total falta de autonomia do CC para toda a vida são as anomalias neurológicas.

Como atrás se disse, se olharmos apenas à ausência das mãos e pés, são anomalias passíveis de correção através de próteses, cada vez mais eficientes face ao avanço das tecnologias. E com elas e com reabilitação fisiátrica, o CC poderia aprender a andar, a comer, ir à escola e ganhar autonomia, designadamente profissional.

As despesas extraordinárias em que os progenitores incorrem — e não se esqueça que o pedido foi por eles efetuado em nome próprio, como danos próprios —, encontra fundamento na obrigação que compete aos pais de prover ao sustento dos filhos, zelar pela sua segurança e saúde e dirigir a sua educação (art.º 1878º do CC), obrigação essa que só perdura até à maioridade (art.º 1877º do CC).

Por outro lado, a necessidade de substituição das próteses deve ter em conta o fator “crescimento físico”, designadamente o dos ossos, considerando-se que o completo desenvolvimento físico dos homens ocorre normalmente pelos 18 anos.

Nessa medida, bem decidiu a sentença, que só poderia atender às malformações relacionadas com a morfologia dos membros e às despesas inerentes a essa situação desde a data da propositura da ação (já que as anteriores não foram alegadas) até ao momento em que o CC atinja os 18 anos.

§ 2º - Do direito do Autor CC

Ainda que em vertentes diferentes, também é questão suscitada por todos os Apelantes, pelo que a trataremos em conjunto.

Como decorre do que se disse no relatório, e na sequência da petição aperfeiçoada, o Autor CC suscitou 2 pedidos: € 100.000,00 por danos não patrimoniais e € 150.000,00 a título de danos patrimoniais.

Sucede que no despacho saneador não foi admitido o pedido relativo aos danos patrimoniais. Tendo tal decisão transitado em julgado, resta-nos então o pedido de € 100.000,00 relativo aos danos não patrimoniais.

A verificação dos pressupostos da responsabilidade civil já foi analisada relativamente aos progenitores, pelo que nos dispensamos de aqui os repetir.

Visto isso e tendo em atenção o que se deixou referido no ponto 5.4.1. § 3º deste acórdão, concluímos que o nosso sistema jurídico não reconhece o direito à não existência ou dano de viver, mas já será de aceitar o dano da deficiência.

Não temos dúvidas que foi esta última vertente a causa de pedir do Autor CC. Na verdade, olhada a petição inicial aperfeiçoada, designadamente os seus pontos 26 a 61, aí se descrevem as implicações das malformações do CC na sua vida diária, que o acompanharão para o resto da sua vida e lhe causam um sofrimento angustiante.

Descreve-se um dia do CC para demonstração do seu sofrimento e conclui-se que a sua vida é de angústia e sofrimento.

E mais se refere expressamente nessa PI:

● o que está em causa na esfera jurídica do A. CC é ter de viver com a deficiência, e de tudo aquilo que a mesma veio a acarretar na vida deste;

● redução drástica da qualidade de vida, e encargos financeiros acrescidos e permanentes;

● conferindo-lhe assim o direito a uma compensação que amenize o sofrimento e lhe satisfaça as necessidades e os encargos decorrentes da deficiência;

● O A. CC ao invocar o dano sofrido (…), não o faz por entender-se que “teria sido melhor não ter nascido”, mas antes que “teria sido melhor ter nascido sem malformação”.

Nessa conformidade, concluímos que a causa de pedir reside no sofrimento decorrente das lesões físico-psíquicas que apresenta, ou seja, no dano da deficiência.

Nessa medida, com o apoio doutrinal já referido no ponto 5.4.1. § 3º deste acórdão, concluímos que o sofrimento do CC é ressarcível.

Com Daniela Marques Dias [[23]], entendemos que o problema não é de «(…) uma comparação entre nascer e não existir –, mas, a verdade é que se trata de uma comparação entre a vida de uma criança normal (com qualidade) e uma vida desta criança (sem qualidade). Assim é, pois, a negação da indemnização à criança nestes termos “quase envolve, nos resultados a que chega (que são evidentemente o teste decisivo), como que uma renovada afirmação da ofensa que lhe foi feita: não só a criança nasceu com uma grave deficiência, como na medida em que não teria podido existir de outro modo, é-lhe vedado sequer comparar-se a uma pessoa “normal”, para o efeito de obter uma reparação pelo erro médico.” (…)

Por conseguinte, “não se trata de considerar ainda (a vida como) um dano, mas antes de atender ao sofrimento, às lesões físico-psíquicas que o autor apresenta.” Os danos em causa prendem-se com as despesas relacionadas com a necessidade de assistência permanente e com a dor e sofrimento que a deficiência causa à criança – como foi defendido no caso Baby Kelly.

Deste modo, há efetivamente danos, quer patrimoniais, quer não patrimoniais. Atendendo a tudo o que foi explicado até ao momento, os primeiros são facilmente explicados, já que são concedidos como uma forma de prover à criança meios para fazer face às despesas que terá de suportar em virtude do seu estado diminuído.

Relativamente aos segundos, há dúvidas quanto à aplicação dos pressupostos do artigo 496º, n.º 1 CC, pois, apesar de se tratar de uma lesão de bens ou de valores não patrimoniais de relevante gravidade, poderão não merecer tutela do Direito se considerarmos tratar-se apenas da deficiência ou malformação. Não obstante, e invocando um pensamento já exposto, é inegável que a criança portadora de malformações se encontra limitada em bastantes tarefas quotidianas (daí necessitar de auxílio constante) e que dá azo a uma fragilidade, – física e emocional - não significando isso que a sua vida não mereça ser vivida ou que é inferior à das restantes pessoas. Parece-nos que tentar colocar a deficiência num patamar inferior, quase que ignorando o facto de ter sucedido um erro médico, é um raciocínio que deve ser mudado. É incompreensível a negação de que há efetivamente um constrangimento da vida do lesado e de que a vida deficiente é mais limitada que as restantes, como é frequentemente apontado por alguma doutrina e jurisprudência.

Neste sentido, consistem os danos não patrimoniais – não avaliáveis pecuniariamente – nas dores, sofrimento de viver acamado ou com permanente auxílio médico (o que gera angústia e frustração) e o dano corporal em sentido estrito, equivalendo tudo isto ao burden of his existence. Dito de outro modo, trata-se de um dano biológico enquanto modalidade do personal injury: afeta as qualidades físicas e intelectuais do lesado, tanto no momento presente como no futuro. É um dano de caráter pessoal que acaba por resultar em consequências patrimoniais, dada o seu reflexo na capacidade de trabalho do lesado, diminuindo a sua aptidão para obter rendimentos – os lucros cessantes.»

No mesmo sentido, Paulo Mota Pinto, em artigo em que analisa, e refuta, os argumentos dos que defendem a ausência do direito à indemnização, refutação a que aderimos, mas que aqui nos dispensamos de reproduzir face à sua extensão. [[24]]

Por fim, não é demais relembrar que aqui apenas será de cuidar das “deformações físicas visíveis”, já que as de ordem neurológica não podem ser imputadas à Ré EE, na medida em que eram indetetáveis.

E, por outro lado, que os danos patrimoniais (despesas extraordinárias que as malformações acarretam) foram atendidos na pessoa dos progenitores, o que se nos afigura correto já que ficou abundantemente provado que o Autor CC, ainda que por outras razões, nunca será capaz de vir a cuidar de si próprio em virtude das malformações de índole neurológica.

Quanto ao montante indemnizatório, foram peticionados 100 mil euros, tendo a sentença condenado em 70 mil.

Olhadas as apelações, o Mº Pº pugna pela condenação em 100 mil euros atendendo ao sofrimento e às limitações do CC provados nos factos 21 a 43.

Sucede que em tais factos também se encontram as consequências das anomalias neurológicas — o CC não tem autonomia para tarefas básicas do dia-a-dia, como vestir-se, caminhar ou controlar os esfíncteres. É uma criança que não fala, não conseguindo por isso verbalizar o que lhe faz falta e incapaz de explicar uma dor, uma indisposição ou outro qualquer estado, positivo ou negativo. Tem limitações ao nível das emoções, tem ausência de expressões faciais, somente consegue transmitir irritação ou descontentamento a chorar e alegria com a serenidade de comportamento. Até aos dois anos de idade, não tinha capacidade de sucção nem deglutição e não conseguia mastigar nenhum alimento, tendo criado um mecanismo de “aspirar”, usando a aspiração e a gravidade para beber e comer. Segregava saliva de forma anormal e, não conseguindo engolir, tornava-se obrigatório a aspiração bocal frequente. No seu primeiro ano e meio de vida teve expetoração constante, o que obrigava a nebulizações e à aspiração dessas secreções, aspirações essas que lhe causavam um extremo mal-estar e o faziam chorar imenso. É uma criança de baixa atividade física e mental e por vezes só dorme 3h outras 4h e como a sua forma de comunicar com o mundo é por sons e por choro, ele passa o resto da noite a fazê-lo, penoso para ele e para toda a família que com ele vive. Tem dificuldade em tirar sangue, normalmente a colheita de sangue é feita pela cabeça do menino, porque as veias rompem-se, este procedimento, infelizmente é sistemático devido à necessidade de exames a que esteve e está constantemente sujeito, o que é indescritivelmente penoso. Tem um desenvolvimento dentário desestruturado causado pela microretrognatia e não permite que os pais também o façam. Tem problemas de visão, ao nível de reação aos estímulos e na orientação dos globos oculares, provavelmente (segundo os médicos) pelos problemas nos nervos cranianos. Não reage à maior parte dos estímulos envolventes (chamar o nome, brincar) não interagindo com o irmão, nem com os seus pais. É completamente apático no campo das emoções, o que não o ajudará em nada a interpretar o mundo e a que o mundo o interprete também. —, as mais penosas e limitadoras da vida do CC, sendo nelas que reside a sua total falta de autonomia e dependência de terceiros.

Tais anomalias, já o dissemos, não são aqui de considerar.

Ora, contendendo com as malformações relacionadas com a morfologia dos membros temos provado o seguinte: o CC é uma criança de baixa atividade física; tem sangramento constante pelo nariz, muitas vezes causado pelo impacto do toque facial com os cotos, por vezes por autoflagelação, outras porque está a coçar; devido à malformação de um dos seus pés, por aconselhamento médico e com vista a uma correção para melhoria da sua capacidade locomotora futura, foi submetido a uma cirurgia falhada em que o único ganho foi ter gangrena na área intervencionada e sofrimento diário durante 2 meses.

Pelo exposto, e face a tais danos, estamos em crer que os 70 mil euros atribuídos pecam por excesso, afigurando-se-nos mais equilibrado o montante de 50 mil euros.

Acresce que os 70 mil foram considerados como valores atualizados à data da sentença, pelo que importará ter em conta o que se decide no ponto 5.4.6. deste acórdão.

5.4.4. Sobre a responsabilização da Ré A..., questão por ela suscitada

Considera a A... que não é caso de aplicação do art.º 800º do CC como foi decidido na sentença e que, tal como na relação comitente-comissário, imputa ao devedor a responsabilidade pelos atos dos seus auxiliares ou representantes.

Mais refere que se limitou a cedeu à Ré EE os seus meios e instalações para que esta executasse o exame que lhe foi solicitado pela Autora, o que é incompatível com uma condenação ao abrigo do art.º 800º do CC.

No domínio da responsabilidade médica versus clínicas onde os médicos operam, a questão remete-nos para o problema entre o contrato total e o contrato dividido.

«No caso de contrato total, é a clínica que responde por todos os danos ocorridos, sejam eles de carácter médico, assistencial, de equipamento ou de hotelaria. De acordo com o art.º 800.º, a clínica responde pelos atos dos seus auxiliares, sejam estes médicos, enfermeiros ou auxiliares administrativos ou de limpeza, os quais, por sua vez, nenhuma relação contratual mantêm com o paciente.» [[25]]

E isto mesmo no caso em que é o paciente a escolher a pessoa do médico em concreto, em que se considera que ainda aqui se trata de um contrato total, mas com a especificidade de haver um contrato médico adicional (relativo a determinadas prestações).

Já «No contrato dividido, a responsabilidade da clínica e do médico assistente é dividida nos exatos termos acordados no contrato, isto é, a clínica responde pelas prestações genéricas de assistência hospitalar: preparação das instalações e equipamentos, contratação e disponibilização de assistentes e ajudantes da equipa médica (excluindo aqueles que o médico escolher pessoalmente) prestação de medicamentos, comida e instalações hoteleiras. O titular da clínica responde, pois, pelos comportamentos dos seus órgãos, representantes e auxiliares (art.º 800.º).

O médico contratado, por seu turno, responde pelas prestações de natureza médica e terapêutica, pelo seu próprio incumprimento (art.º 798.º) e os dos seus auxiliares (art.º 800.º).»

No mesmo sentido, António Pinto Monteiro, considerando que tudo dependerá do caso em concreto, conforme «(…) as obrigações que cada parte (clínica/cirurgião) assume, isto é, fixar o âmbito do respectivo contrato e indicar as pessoas e meios técnicos adstritos ao respectivo serviço.

A clínica pode obrigar-se a fornecer apenas serviços de alojamento e alimentação, por um lado, e pessoal tecnicamente qualificado para os indispensáveis cuidados pré e pós-operatórios, por outro lado, bem como a fornecer as instalações, os instrumentos e os meios auxiliares adequados à intervenção (fala-se, a este propósito, em contrato dividido). Não será responsável, neste caso, por qualquer falha de um elemento da équipe médica, pela qual responderá o cirurgião, inclusivamente se se tratar de actos do anestesista, salvo se o mesmo tiver sido contratado directamente pelo paciente.

Diferentemente se passarão as coisas, em regra, se o paciente se dirigir directamente à clínica, sem qualquer contacto autónomo com o cirurgião, o qual funcionará assim como auxiliar da clínica, nos termos do art. 800.º, n.º 1 (estar-se-á, neste caso, perante um contrato total). (…)

Parecendo dever afirmar-se (para além da responsabilidade extracontratual) também, em princípio, a responsabilidade contratual da própria organização hospitalar — no quadro da aceitação de um contrato de adesão ou pelo recurso à figura das “relações contratuais de facto” —, esta será responsável pelos actos de todo o seu staff: médicos, paramédicos, enfermeiros, etc., sem pôr de parte qualquer deficiência própria resultante de uma «culpa de organização». [[26]]

Olhando então a factualidade dos autos, ficou provado (e estes factos nem sequer foram impugnados), que a Ré A... celebrou acordo verbal com a Ré EE para esta prestar serviços no seu Hospital ..., primeiro apenas para a realização de ecografias obstétricas e ginecológicas, e depois também em consultas de obstetrícia e ginecologia, dois dias por semana. Os serviços eram prestados nas unidades de ecografia das instalações do Hospital ....

Na prestação dos serviços, a Ré EE utilizava os equipamentos e meios humanos e organizacionais do Hospital .... De igual modo, quer as técnicas que auxiliavam a realização de todos os exames e consultas por ela efetuadas, como as funcionárias administrativas e pessoas que diligenciavam pela marcação de consultas, atendimento de clientes, limpeza e manutenção dos equipamentos, bem como gestão de stocks de materiais e conservação e reparação dos equipamentos foram sempre funcionários ou prestadores de serviços contratados pelo Hospital .... Após a realização dos exames ecográficos a Ré EE ditava os respetivos relatórios às funcionárias do Hospital ... que os elaboravam em papel timbrado do Hospital, após o que eram por ela revistos e assinados, e os entregavam aos seus destinatários, fazendo todos os registos e tratamentos burocráticos que as normas do Hospital impunham.

Todas as doentes a quem a Ré EE realizou exames ou consultas no Hospital ... eram pessoas que ajustavam tais serviços com o Hospital, após o que este procedia à marcação para os períodos de tempo em que ela lá se encontrava de forma a que esta realizasse os exames ou as observações clínicas que se havia obrigado a fazer e fez. Assim, a Ré EE só tomava conhecimento dos nomes das doentes que iria examinar ou consultar no Hospital ... no próprio dia em que procedia aos referidos exames ou consultas e em função da lista de marcações que as funcionárias do Hospital ... então lhe apresentavam, não as conhecendo previamente.

O pagamento devido pelas consultas e exames foi sempre integralmente efetuado pelos utentes àquele Hospital, sendo que este só depois entregava à Ré EE a contrapartida dos serviços, e com periodicidade mensal. (sublinhados nossos)

Donde se vê que não se tratava de uma simples cedência das instalações. Em causa está um contrato de prestação de serviços total, em que a médica utiliza as instalações, os equipamentos e todos os meios humanos e organizacionais, sem sequer conhecer quais os utentes que iria atender num determinado dia. Ao médico ficava reservada a liberdade de diagnóstico e de autonomia nos procedimentos médicos, como não podia deixar de ser. Na verdade, «a liberdade de diagnóstico é um direito fundamental dos médicos que não pode ser constrangido de forma nenhuma, mesmo que o médico trabalhe em regime de contrato de trabalho e seja um simples assalariado, como resulta dos artigos 96º-A, 135, 137º e 142º do Estatuto da Ordem dos Médicos (EOM).»

Mas, ainda que assim não fosse, considera-se que impende sobre a clínica o ónus de prova de que se tratou de um contrato dividido, e não de um contrato total.

Conforme assinala André Gonçalo Alves Pereira (pág. 601-602), há que atender à Recomendação nº 1/2009 da Entidade Reguladora da Saúde [[27]] que determina: «Que nos casos em que existam responsáveis distintos pelo internamento e pela prestação dos cuidados de saúde, todos os prestadores de cuidados de saúde envolvidos deverão, para afastar a assunção de existência de um contrato total com a entidade responsável pelo internamento, esclarecer clara e atempadamente os utentes quanto à dualidade de contratos celebrados, seus âmbitos, objectivos e entidades subjectivamente responsáveis pelo cumprimento dos mesmos, de forma a que os utentes conheçam inequivocamente qual a entidade responsável, em cada momento, por cada acto ou diligência (praticada ou omitida).» (sublinhado nosso)

A Apelante manifestamente não logrou essa prova.

Quanto à questão de o contrato ter sido estabelecido com uma sociedade por quotas, da qual a Ré EE era sócia gerente, e não diretamente com ela em nome singular, o certo é que resulta do facto provado 73 que os serviços seriam prestados pela Ré EE, e não pela empresa, como não podia deixar de ser.

5.4.5. Sobre a condenação em regime de solidariedade das Rés A... e EE com a interveniente B... (questão suscitada pela B... e pela A...)

Efetivamente, as Rés e a Interveniente foram condenadas em regime de solidariedade nas quantias indemnizatórias atribuídas aos Autores.

Sendo que essa responsabilidade da Seguradora foi limitada a 300 mil euros, que foi o limite contratado no seguro de responsabilidade civil profissional celebrado com a Ré EE.

Trata-se de um seguro de responsabilidade civil obrigatório pelo que, perante os lesados Autores, segurado e seguradora são solidariamente responsáveis, nos termos do art.º 512º, 513º e 497º do CC e art.º 146º nº 1 do regime jurídico do contrato de seguro. A seguradora é responsável se, e na medida, em que o for o segurado.

Os montantes da condenação já liquidada são inferiores, no seu total, ao limite do seguro. Porém, podem vir a ultrapassá-lo, quer por força da condenação a liquidar em execução de sentença, quer pela relativa aos juros moratórios.

Entende a Apelante Seguradora que, sendo a fonte da sua obrigação o contrato de seguro celebrado com a Ré EE, e não tendo qualquer relacionamento com a Ré clínica A..., a condenação no que concerne às quantias ilíquidas, deveria ser o das obrigações conjuntas na hipótese de se vir a esgotar o capital seguro.

Estamos em crer que, mais do que um problema de erro de julgamento, se está perante uma questão de interpretação da sentença.

Na verdade, diz-se expressamente na sentença “Condeno as RR. (…) e a Interveniente B... (neste caso, tendo sempre presente o limite de € 300.000,00 supra apontado), solidariamente, a pagar”.

Daqui resulta, em termos práticos, que a responsabilidade é solidária, mas apenas dentro do limite do capital seguro.

Nos termos do art.º 513º do CC, a solidariedade só existe quando resulte da lei ou de acordo das partes. Mas nada impede que uma mesma obrigação resulte da conjunção de ambas as fontes, ou seja, que um dos devedores seja obrigado por solidariedade legal, e outro por solidariedade convencional.

E, no caso, são efetivamente diferentes as fontes de responsabilidade que ligam a Interveniente Seguradora e as duas Rés: contrato de seguro na relação Seguradora-Ré EE e responsabilidade contratual legal na relação Ré EE-Clínica A.... Sendo que nenhum vínculo liga a Seguradora à clínica A....

O regime regra é, pois, o das obrigações conjuntas (também ditas parciárias ou divididas), que se caraterizam pelo facto de o crédito ou débito terem origem no mesmo facto jurídico e nas quais «(...) a prestação, objecto da obrigação, (...) fracciona-se de forma que há, quer objectivamente, quer subjectivamente, tantos vínculos de obrigação quantos são os sujeitos activos e passivos. Nestas obrigações, cada credor não pode exigir mais do que a sua parte no crédito e cada devedor só fica adstrito ao pagamento da sua parte na dívida, sendo completamente autónoma cada uma das obrigações em que a obrigação parciária se desdobra.» [[28]]

Porém, enquanto que as obrigações conjuntas se caraterizam pelo facto de o crédito ou débito terem origem no mesmo facto jurídico, tal não acontece nas obrigações solidárias em que a diversidade de regime ou de conteúdo das obrigações de cada obrigado não constitui impedimento ao regime da solidariedade.

Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, por força do nº 2 do art.º 512º do CC, «Pode um dever 10 e outro 20; pode um dos créditos estar dependente de condição e outro não; podem as condições ser diferentes; pode ser diverso o lugar do cumprimento ou o momento do vencimento; pode um dos créditos estar garantido e outro não; pode o crédito vencer juros em relação a um dos devedores e não os vencer em relação a outos, etc.» [[29]]

E, como decorre especificamente do regime da responsabilidade civil por factos ilícitos (praticado pela Ré EE, fonte primária desta ação), havendo uma pluralidade de responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade, só sendo de atender à diversidade entre os responsáveis no domínio do direito de regresso (art.º 497º do CC).

O que importa, pois, é a ressalva que ficou bem expressa no dispositivo da sentença: o regime da solidariedade só obriga e vincula a Interveniente até ao limite do capital seguro, ficando ela desresponsabilizada a partir daí.

Donde, improcede a questão suscitada.

Quanto à condenação da A... já nos referimos no ponto anterior. Foi diretamente a esta Ré que a Autora mulher solicitou os exames ecográficos e foi a ela que os pagou. Trata-se efetivamente duma responsabilidade solidária, por atos de auxiliares, nos termos do art.º 513º e 800º nº 1 do CC, ou seja, é uma responsabilidade sua, “como se tais atos fossem praticados pelo próprio devedor”.

5.4.6. Sobre os juros moratórios (questão suscitada pelos Autores, A... e Mº Pº)

Na sentença os Réus foram condenados quanto a danos não patrimoniais. E aí se decidiu que sobre as quantias em que os diversos Réus foram condenados seriam devidos juros moratórios “à taxa anual de 4%, contados desde a data da prolação desta sentença, até efetivo e integral pagamento”, com a fundamentação de que “o valor de tal indemnização foi atualizado com referência à data desta sentença”.

Tal entendimento corresponde à jurisprudência uniformizada, acórdão de uniformização nº 4/2002, de 19/05/2002: «Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.» [[30]]

E, como se refere no acórdão do mesmo STJ de 12/05/2016, processo nº 982/10.4TBPTL.G1-A.S1, «Os Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência, conquanto não tenham a força obrigatória geral que era atribuída aos Assentos pelo revogado art.º 2º do CC, têm um valor reforçado que deriva não apenas do facto de emanarem do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, como ainda de o seu não acatamento pelos tribunais de 1ª instância e Relação constituir motivo para a admissibilidade especial de recurso, nos termos do art.º 629º, nº 2, al. c), do CPC.»

No que toca à apelação dos Autores e do Mº Pº, invocam eles que, a optar-se por essa solução (valores de indemnização atualizados), a atualização tem de ser objetivada na sentença, devendo o Tribunal explicar como chegou ao valor atualizado.

E, efetivamente assim é. Compulsada a jurisprudência, temos os seguintes, bem como os demais que neles são referenciados:

Acórdão do STJ, processo nº 03B3088, de 13/11/2003 (ponto 16)

Nada nessa peça jurídico-processual permite surpreender uma qualquer decisão actualizadora da indemnização devida; nenhuma alusão aí se contem, com efeito, relativa aos fenómenos da taxa de inflação ou da desvalorização ou correcção monetárias.

Deste modo, e porque o montante dos danos não foi realmente actualizado, com apelo à teoria da diferença a que se reporta o nº 2 do artº 566º, nº 2 do C. Civil, torna-se descabida a invocação da doutrina contida no citado aresto uniformizador nº 4/2002. (…)

Mas, no caso vertente - repete-se - nenhum acto-critério actualizador foi concretamente adoptado em função de uma hipotética diferença de valor entre a data da ocorrência do facto gerador do dano e a data do encerramento da discussão em 1ª instância.

Acórdão do STJ, processo nº 6888/05.1TBVNG.P1.S1, de 04/05/2010

A doutrina do Acórdão para fixação de Jurisprudência n.º 4/2002, de 09-05-2002, publicado no DR I-A, de 27-06-2002, só tem campo de aplicação quando resulte que o montante fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais já faça referência concreta ou da decisão resulte insofismavelmente que o valor atribuído é actualizado. É nesse sentido que se afirma que quando o montante indemnizatório seja actualizado à data da sentença, a contagem de juros de mora se não pode fazer desde a citação, pois só assim se evita a aplicação de uma dupla e sobreponível indemnização, ainda que só parcialmente.

Acórdão do STJ, processo nº 03B3704, de 22/01/2004:

I - Se na sentença nada se disser sobre a actualização da quantia arbitrada a título de danos não patrimoniais, tem de se entender que essa quantia corresponde ao valor dos danos no momento da sua ocorrência.

II - Isto em de acordo com a regra de que não existem presunções de fundamentação.

Acórdão deste TRP, processo nº 75/10.4TBAMT.P1, de 27/09/2018:

V - Se o juiz arbitra juros apenas a partir da data da decisão em relação à indemnização por danos não patrimoniais, tem não só de dizer expressamente, como de demonstrar, na sentença, que fixou a indemnização de forma actualizada. Só assim pode aplicar a doutrina do Ac. UJ acima citado. Não se pode presumir que os danos não patrimoniais fixados na sentença são actualizados.

VI - Assim, se o juiz não explica, nem demonstra, que tenha fixado a indemnização por danos não patrimoniais de forma actualizada, são devidos juros desde a citação, por aplicação das disposições conjugadas dos citados artºs 566º, nº 2 e 805º, nº 3 do CC.

Acórdão deste TRP, processo nº 0530278, de 03/03/2005:

V- Mas para se considerar que a indemnização foi actualizada à data da sua fixação, impõe-se que tal seja dito de forma clara e explícita na sentença. Não basta afirmá-lo. Impõe-se ver se, concretamente, o dano (patrimonial ou moral) foi, expressa e demonstrativamente, actualizado de acordo com a teoria da diferença - “actualização” fundamentada, portanto.

VI- Não pode haver presunções de fundamentação - de que os danos fixados na sentença são actualizados.

VII- Como tal, não dizendo e demonstrando o juiz, de forma explícita, que o valor encontrado é um valor actual, terá de se entender que o valor que julgou ser de atribuir aos danos é reportado ao momento da sua ocorrência.

Acórdão do TRC, processo 613/02, de 04/06/2002:

I - Para que um cálculo indemnizatório de dano não patrimonial se reconheça como actualizado, não basta afirmá-lo; terá que, concretamente, mostrar-se a "actualização " fundamentada.

II - A valoração do dano da morte em Esc. 4.000$00, assim como as demais conversões pecuniárias relativas aos restantes danos morais, ainda que na sentença tenham sido afirmados como valores actualizados, não podem reconhecer-se como tal.

III - O "cálculo actualizado" não pode ser só aquele onde, desde a data da instauração da acção (ou desde a data da citação, na óptica do disposto no artigo 805º nº3 do C.C.) se faz incidir qualquer correspondente factor ou coeficiente de actualização da moeda, mas também aquele que se mostre valorado pecuniáriamente segundo os parâmetros vigentes da sensibilidade ético-jurídica dominante.

Olhada a sentença, nela se refere que “como supra referido, o valor de tal indemnização foi atualizado com referência à data desta sentença”; porém, toda ela percorrida, nada mais se diz, nenhuma fundamentação é referida, designadamente sobre qual o critério de atualização usado.

Daqui decorre que as apelações têm de proceder nesta parte, sendo de contabilizar os juros desde a citação, como peticionado.

No que toca à Apelante A..., referia ela que a data de contagem deveria ser o “trânsito em julgado da decisão” e não a data da “prolação da sentença”.

E certamente que lhe assiste razão, afigurando-se que se tratará de uma simples questão da interpretação do que se pretendeu dizer na sentença. Uma sentença só vincula a partir do seu trânsito em julgado, pois que, sendo sujeita a recurso, ainda pode ser modificada.

Porém, face ao que acabou de se decidir sobre a apelação dos Autores e do Mº Pº, a alteração pretendida pela A... fica prejudicada.

6. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC)

………………………………

………………………………

………………………………

III. DECISÃO

7. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em revogar parcialmente a sentença, decidindo-se agora:

7.1. Condenar as Rés “A..., S.A.”, EE e a Interveniente “B... – Companhia de Seguros, S.A.” (neste caso, apenas até ao limite de € 300.000,00, trezentos mil euros) a pagar solidariamente:

● à A. AA a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais;

● ao A. BB, a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais;

● ao A. CC a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) a título de danos não patrimoniais;

● As supra-referidas quantias vencem juros moratórios desde a data da citação, até efetivo e integral pagamento, à taxa legal que for sucessivamente vigorando para as obrigações civis.

7.2. Em tudo o mais se mantém o decidido em 1ª instância.

7.3. Custas dos recursos:

● o Mº Pº está delas isento;

● tendo decaído parcialmente, a Apelante B..., os Apelantes Autores e a A... suportarão custas na proporção de 2/3.


Porto, 04 de junho de 2025
Isabel Silva
Paulo Duarte Teixeira
António Paulo Vasconcelos
________________
[[1]] Entendeu-se ser conveniente, a propósito da situação do menor CC e o problema do “nascimento indevido” (wrongful birth e wrongful life), se procedesse à dedução autónoma dos pedidos indemnizatórios relativamente a cada um dos autores.
[[2]] Que tem o seguinte teor: 20 - Para que, em conformidade, e em caso disso, fossem inclusivamente realizados sendo possível exames específicos e complementares para despiste e/ou confirmação das malformações, ou os mesmos tomassem as devidas decisões que ao caso em apreço se colocassem, o que, no caso, se traduziria na opção por interromper voluntariamente a gravidez.
[[3]] Segundo o qual às partes incumbe o ónus de recorrer ao Tribunal se quiserem ver por ele apreciado qualquer conflito de interesses (art.º 3º nº 1 do CPC), bem como o de delimitarem a matéria de facto essencial que pretendem ver apreciada (art.º 5º nº 1 do CPC).
[[4]] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 143; Rodrigues Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil”, 1969, vol. III, pág. 228.
[[5]] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (TRP) de 21/02/2022, processo n.º 47/19.3T8AMT.P2, disponível em www.dgsi.pt/, sítio a atender nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem.
[[6]] Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 704.
[[7]] Pese embora a indicação expressa de serem estes os factos, na conclusão “F” a Recorrente só expressa diferente redação para os factos nº 66, 84, 91 e 111. Convidada a esclarecer/corrigir, nada mais adiantou de relevante quanto à redação dos factos 89 e 90 que continuaremos, portanto, a atender, para não se invocar agora a omissão de pronúncia.
[[8]] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 20.05.2010 (processo 2655/04.8TVLSB.L1.S1), de 07/05/2024 (processo 311/18.9T8PVZ.P1.S1); e, deste TRP, de 30/05/2023 (processo 19494/21.4T8PRT.P1).
[[9]] Acórdão do STJ de 09/09/2014, processo 5146/10.4TBCSC.L1.S1.
[[10]] Conferir “O Regimento do Colégio de Competência em Ecografia Obstétrica Diferenciada” da Ordem dos Médicos, https://ordemdosmedicos.pt/regimento-do-colegio-de competencia-em-ecografia-obstetrica-diferenciada/
E, bem assim, “Manual de Boas Práticas de Radiologia, aprovado pelo Despacho n.º 258/2003, do Secretário de Estado da Saúde, de 10 de dezembro de 2002 (publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 6, de 8 de janeiro de 2003).
Bem como o “Guia de apoio ao cumprimento dos requisitos de funcionamento” da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), https://www.igas.min-saude.pt/wp-content/uploads/2021/01/IGAS-Guia-ReqFunc-UPS-RAD-ECO-20201230.pdf, onde se refere expressamente que «A execução dos exames de ecografia obstétrica deverá ser efetuada por médicos inscritos na Ordem dos Médicos e com competências em ecografia obstétrica diferenciada.» (pág. 18)
[[11]] Despacho proferido a propósito da situação do direito do menor CC e o problema do “nascimento indevido” (wrongful birth e wrongful life), determinou-se. «Pelo exposto e ao abrigo do artigo 590º, nº2, alínea b) e nº4 do CPC deverão os autores em 10 dias aperfeiçoar a petição, concretizando as alegações contidas nos artigos 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, 33º, a 35º, 39º, devendo descrever o quotidiano do coautor CC e terminando pela dedução autónoma dos pedidos indemnizatórios relativamente a cada um dos autores.»
[[12]] In “Responsabilidade Civil por Erro Médico: Esclarecimento/ Consentimento do Doente”, revista jurídica digital Data Venia, Ano 1, julho-dezembro 2012, pág. 7, 8.
[[13]] Joaquim Belchior Dias Vieira Monteiro de Oliveira, “O Erro Médico nas Instituições Públicas de Saúde”, dissertação de Mestrado, 2013, pág. 14-15, disponível em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/16792/1/201496780.pdf
[[14]] Por exemplo, quando o médico atua em situações de urgência e de risco de morte do paciente por falta de atuação.
[[15]] “Direitos dos Pacientes e Responsabilidade Médica”, dissertação de doutoramento, disponível em https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/31524/1/Direitos%20dos%20pacientes%20e%20responsabilidade%20m%c3%a9dica.pdf, págs. 356, 360-362.
[[16]] In “Wrongful birth, wrongful life, o Conceito de Dano em Responsabilidade Civil”, editora Quid Juris, 2014, pág. 10-11.
[[17]] Manuel Carneiro da Frada, “A própria vida como dano? - Dimensões civis e constitucionais de uma questão-limite”, in Revista da Ordem dos Advogados, 2008, Ano 68, vol. I.
[[18]] In “Direitos dos Pacientes e Responsabilidade Médica”, dissertação de Doutoramento, 2012, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pág. 240-241, disponível em file:///F:/RELA%C3%87%C3%83O%20PORTO/SESS%C3%83O/Direitos%20dos%20pacientes%20e%20responsabilidade%20m%C3%A9dica.pdf
[[19]] No mesmo sentido, os artigos 4º nº 1, 5º e 10º do Regulamento de Deontologia Médica.
[[20]] Acórdão da Relação de Lisboa de 30/04/2015, processo nº 2101/11.0TVLSB.L1-8.
[[21]] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/04/2014, processo nº 57/11.9TVLSB.L1-7.
No mesmo sentido, o já referido acórdão do STJ no processo nº 1212/08.4TBBCL.G2.S1.
[[22]] Acórdão do STJ, de 21/01/2016, processo 1021/11.3TBABT.E1.S1.
[[23]] Artigo “wrongful life action e o direito à não existência. Será possível indemnizar a criança?”, artigo publicado na Revista Lex Medicinae, do Centro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Ano 21, nº 41, 2024, pág. 76 a 78, disponível em file:///F:/RELA%C3%87%C3%83O%20PORTO/SESS%C3%83O/DOUTRINA%20SA%C3%9ADE/Wrongful%20life%20actions.pdf
[[24]] Conferir o artigo, “Ainda a indemnização por “nascimento indevido” (wrongful birth) e “vida indevida” (wrongful life)” publicado na Revista do Centro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, maio de 2021, pág. 551 a 564, disponível em file:///F:/RELA%C3%87%C3%83O%20PORTO/SESS%C3%83O/DOUTRINA%20SA%C3%9ADE/Responsabilidade%20m%C3%A9dica.%20v%C3%A1rios%20artigos.%20Centro%20Direito%20Biom%C3%A9dico.pdf
[[25]] André Gonçalo Dias Pereira, obra citada, pág. 598-600.
[[26]] No artigo “Exclusões de responsabilidade na actividade médica”, publicado na Revista do Centro de Direito Biomédico, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, e por ela editada, maio de 2021, também disponível em file:///F:/RELA%C3%87%C3%83O%20PORTO/SESS%C3%83O/DOUTRINA%20SA%C3%9ADE/Responsabilidade%20m%C3%A9dica.%20v%C3%A1rios%20artigos.%20Centro%20Direito%20Biom%C3%A9dico.pdf
[[27]] Disponível em file:///F:/RELA%C3%87%C3%83O%20PORTO/SESS%C3%83O/DOUTRINA%20SA%C3%9ADE/recomendacao%20ERS%201-09.pdf
[[28]] Rodrigues Bastos, "Notas ao Código Civil", vol. II, pág. 319, anotação ao art.º 512º.
[[29]] In “Código Civil Anotado”, vol. I, Coimbra Editora, em anotação ao art.º 512º.
[[30]] Proferido no processo nº 01A1508 e publicado no Diário da República Série I-A, 27/06/2002.