I – Ainda que o disposto no art.º 824.º, n.º 2, do C.P.C. não preveja expressamente a notificação do executado relativamente ao momento (dia, hora e local) de realização do ato de formalização da transmissão do bem a vender em execução, a mesma resulta, implícita e inequivocamente, do previsto no art.º 843.º, n.º 1, al. b) do C.P.C., na medida em que o direito de remir pode ser exercido “[o] direito de remição pode ser exercido:[b] nas outras modalidade de venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título de transmissão”( Interpolação e itálico nosso. ).
II – Para que o direito de remir possa ser exercido não basta, sem mais, o cumprimento do art.º 824.º, n.º 2, do C.P.C.
Entendimento contrário esvaziaria completamente de sentido a previsão da norma constante do já citado art.º 843º, n.º 1, al. b), tanto mais que o art.º 844.º, n.º 1, do C.P.C. prevê que “[o] direito de remição prevalece sobre o direito de preferência, e, em conformidade ao disposto no art.º 845.º, n.º 1, do mesmo Diploma “[o] direito de remição pertence em primeiro lugar ao cônjuge, em segundo lugar aos descendentes e em terceiro lugar aos ascendentes do executado”.
III – Em consequência da omissão de tal notificação, que influi na boa decisão da causa (e tutela do interesse juridicamente consagrado na lei, o de um titular do direito de remição o exercer e assim manter no domínio familiar o bem a vender em sede executiva), verifica-se a nulidade de omissão de prática de um ato que influi na boa decisão da causa, nos termos do art.º 195.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C.
IV – Assim sendo, impõe-se anular o ato da venda de direito efetuada aos 16/10/2024 e, todos os termos subsequentes do processado que dele dependam absolutamente, ao abrigo do disposto nos artigos 195.º, n.º 1 n.º 2, e 839.º, n.º 1, al. c), do C.P.C., dado que o executado não foi notificado do momento (dia, hora e local) de realização do ato de formalização da transmissão do bem a vender em execução.
Sumário, art.º 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, C.P.C.:
……………………………….
……………………………….
……………………………….
Acordam os Juízes da 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo
Relator: Jorge Martins Ribeiro;
1.ª Adjunta: Carla Fraga Torres e
2.ª Adjunta: Eugénia Cunha.
ACÓRDÃO
I – RELATÓRIO
Nos presentes autos de embargos de executado é embargante (e recorrente) AA, titular do N.I.F. ...54, residente em R. de ..., ... e ..., ... ... e ..., e é embargada “A..., S.A”, titular do N.I.P.C. ...38, com sede em Edifício ..., Quinta ..., ..., ... ....
A) Aos 05/09/2024 o agente de execução (A.E.) proferiu a seguinte decisão, que foi notificada às partes.
“Decisão de Agente de Execução após término da negociação particular.
1. Terminada a venda mediante negociação particular em 22-07-2024, a melhor proposta foi apresentada por BB, no valor de 122.000,00€, tendo sido efetuada a notificação às partes em 29-07-2024, da decisão de adjudicação;
2. Não foi apresentada reclamação ao ato de venda;
3. Em 09-08-2024, veio a exequente exercer o direito de preferência pelo valor supra referido;
4. Na presente data, veio CC, na qualidade de filha da executada AA, comunicar que pretende exercer o direito de remição nos termos do art.º 842.º do Código de Processo Civil, não tendo efetuado o depósito do preço;
5. Narra o n.º 1 do artigo 844.º do CPC que o direito de remição prevalece sobre o direito de preferência;
6. Face ao supra exposto, nos termos do artigo 824.º, n.º2 do CPC, foi notificada na presente data a remidora, devendo esta, no prazo de 15 dias, contados da referida notificação, depositar o preço de 5.100,50€, pagar os emolumentos para registar a aquisição (250,00€) e demostrar a liquidação e pagamento das obrigações fiscais (IMT e IS);
7. Findo o referido prazo, caso não seja depositado o preço pela remidora, proceder-se-á à emissão do Título de Transmissão a favor da preferente, vulgo, A..., S.A., no valor de 122.000,00€.
Bem a ser adjudicado: MEAÇÃO da executada AA. PREVISIVELMENTE ([3]) faz parte do património comum do casal o prédio urbano, sito na Rua ..., ..., composto de casa de habitação de cave, rés-do-chão, andar e quintal, com a total de 788 m2, inscrito na matriz predial sob o artigo ...67 da freguesia ..., ... e ..., concelho de Marco de Canaveses e descrito na Conservatória do Registo Predial de Marco de Canaveses sob o número ...30/... e ...”([4]).
A.1) Aos 16/10/2024, em ..., o A.E. emitiu o documento particular autenticado (D.P.A.) pelo qual, em sequência das diligências para venda por negociação particular do direito de meação atrás referido, vendeu a DD (enquanto representante da exequente) o dito direito, pelo preço de 122000 Euros, constando da cláusula n.º 4 que não foram exercidos quaisquer direitos de remissão ou de preferência([5]).
A.2) Ainda aos 16/10/2024 o A.E. notificou (também) a executada e aqui embargante (e recorrente) para, entre o mais, o seguinte:
“NOTIFICAÇÃO PARA ENTREGA DAS CHAVES DO IMÓVEL
Fica V. Exa. notificado, na qualidade de mandatário da executada, que a meação da executada AA foi adjudicada mediante venda por negociação particular à exequente.
Deverá V. Exa. respeitar e reconhecer o direito de propriedade da adquirente, conforme DPA em anexo”([6]).
-
B) No dia 29/10/2024 a executada apresentou nos autos um requerimento, tempestivo([7]), a arguir a nulidade processual (nos termos do art.º 195.º do C.P.C.) de não ter sido notificado da data, hora e local do ato de transmissão da propriedade, requerendo a sua anulação, tanto mais, alegou, que a sua filha pretendia exercer o direito de remição.
Concluiu o seu requerimento pela seguinte forma([8]):
“1 - Em 29-10-2024, veio a executada requerer a anulação da venda da MEAÇÃO da executada AA.
2 - Refere no ponto 4. ° do seu requerimento que «Sucede que o senhor Agente de Execução não notificou, como era seu dever, a executada do dia, hora e local da celebração de contrato de compra e venda e, por isso, esta não logrou avisar os seus familiares próximos com direito de remição, sendo que uma das suas filhas estava interessada em exercer tal direito»;
3 - Com o de devido respeito e salvo melhor opinião, o alegado pela executada carece de fundamento legal, porquanto não existe nenhum normativo que imponha que o AE tenha que comunicar aos executados do dia e hora da escritura em sede de venda por negociação particular;
4 - Ademais, importa ressalvar que, a escritura de venda do imóvel apenas foi agendada após decurso do prazo de reclamação da decisão de Agente de Execução datada de 05-09-2024;
5 - Da decisão de Agente de Execução, não houve qualquer oposição das partes, nem tão-pouco pronuncia da executada;
6 - É FALSO o alegado pela executada nos pontos 8.º a 12.º;
7 - Os eventuais remidores, em momento algum, foram impedidos de exercer o seu direito, pois proferida decisão de Agente de Execução em 05-09-2024 que e, após o prazo de reclamação da mesma, o aqui AE está em condições de proceder ao agendamento da escritura de compra e venda sem necessidade de comunicar o dia e hora da sua realização, até porque não é necessário a presença destes para que a mesma ocorra;
8 - Assim sendo, tendo a executada conhecimento da decisão supra, cabia-lhe, nesse momento, informar os eventuais remidores para, querendo, exercer o seu direito, como bem refere a executada no ponto 10.º do seu requerimento;
9 - Isto é, após o prazo de reclamação da decisão de AE, este pode realizar a escritura de venda por negociação particular a todo o tempo, sem necessidade de notificar a executada;
10 - Conforme referido no ponto 6.° do requerimento da executada, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, nos termos e para efeitos do artigo 843.º do CPC;
11 - Assim, é contraditório o requerido pela executada uma vez que, primeiramente requerem a nulidade de venda, mas, a posteriori, invocam o artigo 843.° do CPC;
12 - Importa referir que, conforme consta da decisão de AE datada de 05-09-2024, na referida data veio CC, na qualidade de filha da executada AA, comunicar que pretendia exercer o direito de remição, tendo a mesma sido notificada para depósito do preço, nos termos e para efeitos do n.º 2 do artigo 824.º do CPC;
13 - Findo o prazo, não se verificou cumprido o depósito do preço pela remidora, pelo que procedeu o ora AE à adjudicação da meação da executada à preferente – A..., S.A.;
14 - Acresce ainda que, não se compreende o motivo pelo qual a executada deixou correr o prazo da decisão de AE e, só agora, decidiu pronunciar-se, requerendo a nulidade de venda;
Em face do exposto, vem o ora AE, muito respeitosamente, requerer ao venerado Tribunal o indeferimento da anulação da venda, bem como do direito de remição, por falta de fundamento legal e ser considera um expediente meramente dilatório, porquanto foram cumpridos todos os formalismos legais e processuais”([9]).
“Aderindo à fundamentação do Ex. mo Sr. Agente de Execução de 14.11.2024, a qual aqui se dá por integralmente por reproduzida, indefere-se o pedido da executada com a refª 50305085 de anulação da venda, bem como do direito de remição, por falta de fundamento legal.
N. com a inclusão da fundamentação do AE de 14.11.2024”([10]).
“1. Versando o presente recurso exclusivamente sobre matéria de Direito, acha se em causa o douto despacho recorrido, onde se sustenta inexistir fundamento legal donde decorra a obrigatoriedade de notificação à ora recorrente e executada, nos autos, do local, data e hora de formalização do acto translativo de propriedade, na sequência de decisão de venda ou de adjudicação de imóvel, ou de universalidade onde se contenha a propriedade (ainda que em condomínio) referida a imóvel.
2. No ordenamento jurídico vigente, acha se o direito de remição configurado como prerrogativa potestativa, prevalecendo em relação ao direito de preferência, de titularidade tipificada e sequencial, podendo in caso ser exercida até à outorga do documento que titule a transferência de propriedade potestativa, (cf. art. 844º, nº1 do CPC; art. 845º do CPC; Cfr artigo 843º, alínea b) in fine do CPC).
3. De harmonia com firme entendimento doutrinal e jurisprudencial relatado supra, em sede de alegação, e que aqui se dá por integrado e reproduzido, o fundamento da figura reside na preservação do património familiar contra a intrusão de terceiros.
4. Tem se também por pacífico (cf. doutrina e jurisprudência citadas, em sede de alegação) que, por razões práticas e de celeridade, a informação dos caracteres essenciais ao respectivo exercicio aos putativos titulares do direito não é obrigatório, declinando se tal ónus no próprio executado, que das vicissitudes atinentes à venda deverá informar os potenciais exercitantes de tal «competência de substituição».
5. Só que tal conhecimento deve ser inteiro e completo, devendo saber se nomeadamente, o putativo comprador, o preço e até quando poderiam os legitimados exercerem tal direito sendo certo que, segundo o artigo 843º, nº1 alínea b) do CPC, versando a venda sobre imóveis ou universalidades que incluam ainda que não de forma total a propriedade sobre imóveis tal direito só caduca com a celebração formal do acto translativo de propriedade.
6. O artigo 195º, nº1 do CPC penaliza com a nulidade as omissões de acto legalmente prescrito, que possa ter influência sobre o desfecho do processo resultando do nº2 do mesmo artigo o alastramento da invalidade ao processamento posterior.
7. No caso, a omissão evidenciada afecta decisivamente a ulterior composição de interesses.
8. O direito à remição pressupõe um momento de aclaramento defintivo, que é o da dafinição do preço (art. cfr art 842º in fine do CPC, cfr ainda os artigos 827, 832, 833 do CPC)), reputando se a cognoscibilidade de tal elemento indispensável ao referido exercício arrisca se mesmo constitutivo.
9. Na venda por negociação particular, as regras de publicidade seguem um entendimento restrito isto é, acham elegíveis apenas os intervenientes processuais; não terceiros que possam eventualmente ser afectados pela mesma.
10. A venda por negociação particular assume uma natureza residual ou subsidiária (art 837+1, nº1 d o CPC art 832º do CPC), mas é indisutável que todos os seus passos têm de ser conhecidos pelos diversos intervenientes processuais, nomeadamente, o executado.
11. A abrangência de tal conhecimento envolve, não apenas do preço, mas também do tempo e do modo da formalização do acto translativo, cfr. art 842º in fine do CPC, cfr ainda os artigos 827, 832, 833 do CPC) dado que o direito pode ser exercido até à outorga da escritura pública de compra e venda, ou se sucedâneo (cf. artigo 843º, nº1 alínea b) in fine, do CPC).
12. É, pois, destituída de sentido a asserção da resposta do Sr. Agente de execução, a que o douto despacho recorrido adere, que se perde em considerações sobre o facto de uma das filhas da recorrente jamais ter depositado o preço para efeitos de remição na medida em que o catálogo legal de eventuais titulares é mais extenso.
13. Uma interpetação actualista, à luz do disposto nomeadamente do artigo 20º da CRP, implica a necessidade de informação aos intervenientes processuais da data, hora e local da outorga do instrumento de venda, sob pena de violação do princípio do contraditório, sendo tal notificação indispensável ao exercício pontual do direito (para quem tendo legitimidade para tanto, o quiser fazer).
14. Esta necessidade acha se afirmada, quer no acórdão do Tribunal Constitucional 17/04/2020 (acórdão nº 219/2020, disponível em http:/tribunalconstitucional.pt), quer no douto acórdão.
15. Em sentido semelhante da obrigatoriedade da notificação ao do STJ de 12 03 2024, processo 23597/09.5T2SNT B.L1.S1 (cfr. ainda acórdão da Relação de Évora de 18 10 2018, proc. 263/09.6TBCUB.E1).
16. O que está em causa é se as partes têm condições para influenciarem, directa ou indirectamente, o curso do processo o que implica informação total e irrestrita sobre cada um dos pormenores da venda.
17. Tal notificação não prejudica o andamento normal do processo.
18. Ao decidir como decidiu, o douto despacho recorrido violou o disposto no artigo 18, nº 2 da CPR, artigo 20, nº 1 e 4 da CRP, artigo 6º da CEDH, artigos 3º, 195º, nº1 e 2, 832º e 829º, nº 1, alínea c), todos do CPC.
Termos em que com o douto suprimento, deve ser dado provimento ao recurso, revogando se a decisão decorrida e decretando se a nulidade da venda e de todo o processado ulterior, assim se fazendo JUSTIÇA” ([11]).
Também está vedado a este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, revogação ou anulação.
Assim, as questões (e não razões ou argumentos – pois que, quanto a tal, não há qualquer obrigação de o Tribunal os rebater especificadamente) a decidir são se a executada deveria ter sido notificada do dia, hora e local do ato de transmissão (para poder informar com precisão os titulares do direito de remição) e se, por não o ter sido, a venda deve ser anulada.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Os factos
Os factos relevantes para a decisão são os constantes da sinopse processual antecedente, que nesta vertente adjetiva têm força probatória plena.
O Direito aplicável aos factos
Entre o mais, nas suas conclusões, invoca a requerente o decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no processo n.º 23597/09.5T2SNT-B.L1.S1, aos 12/03/2024, relatado por Nelson Borges Carneiro.
Tendo em conta não só a extrema semelhança de situações, mas sobretudo e também, a magistral fundamentação do mesmo – de inexcedível clareza, de rigor Doutrinal e Jurisprudencial com as devidas notas de citação e, realçamos, poder de síntese, que tanto apreciamos – faremos nossa a fundamentação do mesmo.
Assim:
“Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes – art. 195º/2, do CPCivil.
[A] venda pode revestir a modalidade de venda por negociação particular – art. 811º/d, do CPCivil.
Quando a lei não disponha diversamente, a decisão sobre a venda cabe ao agente de execução, ouvidos o exequente, o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender – art. 812º/1, do CPCivil.
A decisão é notificada pelo agente de execução ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender, preferencialmente por meios eletrónicos – art. 812º/6, do CPCivil.
A venda é feita por negociação particular quando se frustre a venda por propostas em carta fechada, por falta de proponentes, não aceitação das propostas ou falta de depósito do preço pelo proponente aceite – art. 832º/e, do CPCivil.
[A] venda fica sem efeito se for anulado o ato da venda, nos termos do artigo 195.º – art. 839º/1/c, do CPCivil.
Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda – art. 842º, do CPCivil.
O direito de remição pode ser exercido no caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do n.º 3 do artigo 825.º e, nas outras modalidades de venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta – art. 843º/1/a/b, do CPCivil.
O direito de remição consiste num mecanismo de proteção do património em que permite que o mesmo se conserve na esfera dos seus familiares diretos, em caso de adjudicação ou venda, sem prejudicar a satisfação do crédito exequendo, nem as legítimas expectativas dos [credores].
Este direito encontra a sua origem na ideia de proteção do património familiar, sendo um direito com origem processual, que se constitui no momento da venda ou da adjudicação dos bens e que no seu exercício tem os mesmos efeitos do direito real de [preferência].
O direito de remição (art. 842.º do CPCivil), é um benefício de carácter familiar, dado ao cônjuge do executado, descendentes ou ascendentes, funcionando como um direito de preferência a favor da família no confronto com estranhos.
Não obstante, direito de preferência e direito de remição são noções e conceitos diferenciados: enquanto o direito de preferência tem por base uma relação de relação de carácter patrimonial, o direito de remição tem por base uma relação de carácter familiar; enquanto o direito de preferência obedece ao pensamento de transformar a propriedade comum em propriedade singular, ou favorecer a passagem da propriedade imperfeita para propriedade perfeita, o direito de remição inspira-se no propósito de defender o património familiar do [executado].
É praticamente consensual o entendimento de que o titular do direito de remição, como terceiro relativamente à execução, não tem de ser pessoalmente notificado dos atos e diligências que vão sendo praticados no âmbito do [processo].
[O] executado é, assim, notificado da modalidade de venda escolhida (relativamente a todos ou a cada categoria de bens penhorados), do valor base dos bens a vender e da eventual formação de lotes (com vista à venda em conjunto de bens penhorados) e, no caso da venda por negociação particular, o encarregado da mesma.
[No entanto], a notificação da decisão sobre a venda, por isso só, não habilita o executado a efetuar uma comunicação eficiente ao seu familiar, eventualmente interessado em remir no bem penhorado, para que este possa exercer eficazmente o seu direito.
Isto porque, no caso da venda por negociação particular, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, nos termos do art. 843º/1/b, do CPCivil.
[A] informação cuja notificação é dispensada, é, no entanto, aquela que desencadeia a possibilidade de exercício do direito de remição dentro do prazo legalmente previsto para o efeito, surgindo como a única forma de, através do processo, assegurar o seu conhecimento pelo executado, colocando-o em condições de poder transmitir essa informação aos seus familiares para que, querendo, o [exerçam].
[No] caso, os executados não foram notificados do dia, hora e local da realização da escritura pública, a qual é um requisito formal para a validade da compra e venda do imóvel vendido por negociação particular, para deste modo, sabendo da sua realização, poderem exercer o direito de remição.
E o objetivo de saberem da data e local da realização da escritura pública de compra e venda não é que estejam presentes nesse ato, mas de até esse momento, poderem exercer o direito de remição, como legalmente lhes é facultado.
[Ora], como os executados não foram informados do dia, hora e local da realização da escritura pública, também os eventuais interessados na remição ficaram privados da possibilidade de exercerem o direito de remição que lhes assiste até esse momento [(da assinatura do título)].
[Do] disposto no art. 195.º/1, CPCivil decorre que se verifica uma nulidade processual quando seja praticado um ato não previsto na tramitação legal ou judicialmente definida ou quando seja omitido um ato que é imposto por essa tramitação. Só há nulidade processual quando o vício respeita ao ato como trâmite, não ao ato como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da [parte].
A ampla consagração do princípio do contraditório implica a necessidade da prática de atos (máxime, de notificação para a tomada de posições da parte) que a lei só genericamente prescreve (art. 3-3) e que, como tal, igualmente integram a previsão do [nº 1].
[Não] tendo o executado tido conhecimento dos termos exatos da venda, no caso, do dia, hora e local da realização da escritura pública de compra e venda do bem penhorado, foi omitido um ato com influência no exame ou na decisão da causa”([12]).
Pelo exposto, o presente recurso será julgado procedente.
III – DECISÃO
Pelos motivos expostos, e nos termos das normas invocadas, acordam os juízes destes autos no Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso de apelação interposto, revogando-se o despacho recorrido e anulando o ato da venda de direito, efetuada aos 16/10/2024 e, todos os termos subsequentes do processado que dele dependam absolutamente, ao abrigo do disposto nos artigos 195.º, n.º 1 n.º 2, e 839.º, n.º 1, al. c), do C.P.C.
Custas da apelação pela recorrente, nos termos do art.º 527.º do C.P.C., por ter tirado proveito do recurso.
Relator: Jorge Martins Ribeiro,
1.ª Adjunta: Carla Fraga Torres e
2.ª Adjunta: Eugénia Cunha.
___________________
[1] Um pouco mais abrangente do que seria estritamente necessário mas que, cremos, facilitará a compreensão do objeto do recurso e da presente decisão; esta sinopse é feita a partir do histórico dos autos principais.
[2] Damos por integralmente reproduzidos os atos processuais que referiremos.
[3] Corrigimos o notório lapso de escrita constante do original.
[4] Do original constam sublinhado e negrito.
[5] Tal documento consta do histórico aos 16/10/2024.
[6] Interpolação nossa e maiúsculas no original.
[7] Menção que fazemos, desde já, tendo em conta o prazo constante do art.º 149.º, n.º 1, do C.P.C.
[8] A recorrente não observou o disposto no art.º 8.º da Portaria n.º 280/2013, de 28/08, pois o texto não é editável, daí termos que copiar a imagem…
[9] Interpolação nossa; maiúsculas, aspas inglesas e itálico no original.
[10] O expediente eletrónico de notificação foi efetuado no mesmo dia.
[11] Itálico, aspas inglesas e negrito no original.
[12] O acórdão está acessível em:
https://juris.stj.pt/23597%2F09.5T2SNT-B.L1.S1/YTxdXAt73Zjwt7BwgxYopl-raLE?search=irKdsM5gkEFF0v9CXBY [21/05/2025 (interpolação e itálico nosso; negrito, itálico e exaustiva citação de Doutrina e de Jurisprudência no original)].