MÚTUO
QUOTAS DE AMORTIZAÇÃO DE CAPITAL COM JUROS
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Sumário

O que o Supremo Tribunal de Justiça afirmou, uniformizou e vem reafirmando é que o vencimento antecipado da obrigação, ou seja, das prestações (quotas de amortização do capital pagáveis com os juros) em dívida não altera o prazo prescricional de cinco anos, já antes aplicável a cada uma dessas prestações, unitariamente consideradas.

(Sumário da responsabilidade do relator)

Texto Integral

Processo n.º 853/24.7T8OVR-A.P1

Recorrente - A..., SA

Recorrida – AA

Relator – José Eusébio Almeida

Adjuntas – Ana Olívia Loureiro e Ana Paula Amorim

Acordam na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório

A 11.06.24, veio a executada AA deduzir, mediante embargos, oposição à execução que lhe é movida pela sociedade anónima A....

Pretendendo que se declare “a extinção da execução”, aduz, em síntese:

- A execução é infundada, pois não é “proposta contra os devedores (ou contra o único vivo, mas apenas contra o dono do bem dado de garantia do empréstimo e que não é devedor da exequente ou da entidade a quem esta adquiriu o crédito”.

- Além disso, “o mutuário relativamente ao qual esse contrato incidiu é a Sra. D. BB”, pois à data da cessão, dos dois mutuários, só esta estava viva, mas a mesma foi declarada insolvente em junho de 2016, no processo onde obteve, por despacho de 20 de abril de 2022, a exoneração do passivo restante. Por isso, não havia crédito que pudesse ser cedido.

- A execução “também deverá improceder por força da prescrição da eventual dívida”, uma vez que a mesma emerge de um mútuo que deixou de ser pago em 2016.

- O mutuante reclamou créditos na insolvência da devedora, declarando que a dívida estava vencida desde 2 de abril de 2016. Acresce que a declaração de insolvência sempre implicaria o vencimento imediato da dívida e, nos termos do artigo 310, al e) do Código Civil (CC) “prescrevem no prazo de 5 anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”.

- A embargante não sabe se, como sustenta a exequente, o mútuo foi resolvido, mas sabe que o mutuante “considerou vencidas todas as prestações em 02 de Abril de 2016 (ou em 05 de Julho de 2016)”. De todo o modo, “mesmo nos casos de resolução do contrato, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça é também no sentido da prescrição da dívida toda caso, entretanto, passem 5 anos contados sobre essa data”.

A exequente contestou. Em síntese, começa por reconhecer que, efetivamente, a execução não foi proposta contra os devedores, mas, legitimamente, contra a proprietária do imóvel hipotecado, dado em garantia. Imóvel esse, acrescenta, que, não sendo bem da devedora, não foi apreendido. No mais, sustenta que o prazo prescricional aplicável é de 20 anos, e não o de cinco anos, como sustenta a executada.

Considerou-se a possibilidade de imediato conhecimento do mérito dos embargos, e as partes foram notificadas para exercerem o contraditório. No saneamento, conforme despacho de 17.12.24, fixou-se o valor da causa (47. 553,04€) e proferiu-se decisão sobre o objeto dos embargos [1 – a extinção do crédito exequendo em resultado da exoneração do passivo restante da devedora e a inadmissibilidade da cedência do crédito; 2- a ausência de título executivo 3 – a prescrição da dívida exequenda], vindo a sentenciar-se a sua procedência e a consequente extinção da ação executiva.

II - Do recurso

Inconformada, a exequente apelou. Pretende a revogação da sentença “no que diz respeito à prescrição” e formula as seguintes Conclusões:

- Resulta da Lei que que aos contratos de empréstimo já resolvidos é aplicável o prazo ordinário de prescrição de vinte anos (artigo 309, do CC), pelo que o direito ao à totalidade do capital e dos juros da recorrente não se mostra prescrito.

- Assim, a decisão parte de um pressuposto errado, padecendo, salvo melhor entendimento, de fundamento legal, resultado da celebração dos contratos de empréstimo outorgados por escrituras públicas que, embora passível de ser fracionada e diferida no tempo, resulta uma única obrigação: de reembolso do capital e juros convencionados.

- O plano de pagamento do contrato de empréstimo em prestações mensais e sucessivas acordado deixou de estar em vigor com a resolução do contrato.

- Os processos judiciais nos quais a embargada teve intervenção como exequente ou credora manifestam a cessação do contrato que determina que não são as prestações vincendas da obrigação resolvida que se vencem, mas, outrossim, a obrigação de restituir o valor no seu todo.

- Deste modo, o plano prestacional a que o contrato de empréstimo faz referência convolou-se noutra obrigação: o pagamento da totalidade do capital e juros mutuado e ainda em dívida, o qual não poderá estar sujeito ao prazo prescricional de 5 anos.

- Face à resolução do contrato de mútuo por incumprimento, o embargado considerou vencida toda a dívida, ficando sem efeito o plano prestacional acordado, voltando os valores em dívida a assumir em pleno a sua natureza de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de vinte anos – v. a propósito o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 26.04.16, proc. n.º 525/14.0TBMGR-A.C1, em dgsi.pt.

- Conforme já defendido pela ora recorrente e segundo decisão superior já proferida “No mútuo bancário, em que o reembolso da dívida foi objeto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios, que se traduzem na existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos, cada uma destas prestações mensais encontrar-se-á sujeita ao prazo prescricional privativo de cinco anos, previsto na al. g), do artigo 310, do CC. 4. Se, em caso de incumprimento, o mutuante considerar em divida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos“, do predito acórdão.

- No mesmo sentido e aderindo à antedita fundamentação, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16.03.17, proc. 589/15.0T8VNF-A.G1, disponível em dgsi.pt.

- Deste modo e, por consequência, a obrigação exequenda não é subsumível à alínea d) do artigo 310 do Código Civil mas, outrossim, aos artigos 309 e 311.

- Assim, a alínea d) do artigo 310 do Código Civil não se aplica à situação sub judice, pois estamos na presença de uma única obrigação (para cada um dos contrato de empréstimo) que, embora passível de ser fracionada e diferida no tempo, jamais se pode ser equiparada a uma prestação periódica, renovável e cuja constituição depende do decurso do tempo.

- Os mútuos bancários e, ainda que a executada não seja mutuária, independentemente das várias formas que possam revestir – no caso em apreço um crédito à habitação -, nunca prescrevem antes de decorridos, pelo menos, 20 anos (artigo 309 do Código Civil).

- Face ao exposto a presente ação tem como propósito a venda do bem cuja garantia pertence à exequente, de forma a recuperar os valores em dívida, independentemente da sua propriedade.

- Resulta da decisão de que se recorre: “Por conseguinte, a situação sub judice é subsumível ao disposto na al. e) do artigo 310 do Código Civil, cabendo aplicar à obrigação exequenda o prazo prescricional de 5 anos”

- A ora recorrente entende que o prazo de 5 anos, que serviu de base à decisão não é aplicável ao caso em apreço, uma vez que não se aplica ao caso sub judice, pois estamos na presença de uma única obrigação (para cada um dos contrato de empréstimo) que, embora passível de ser fracionada e diferida no tempo, jamais se pode ser equiparada a uma prestação periódica, renovável e cuja constituição depende do decurso do tempo.

- Os mútuos bancários, independentemente das várias formas que possam revestir – no caso em apreço um crédito à habitação -, nunca prescrevem antes de decorridos, pelo menos, 20 anos, é a chamada “prescrição ordinária“ (artigo 309.o do Código Civil).

- Na situação em apreço, estando a dívida incorporada em título executivo – escritura pública – documentos exarados por notário que importa a constituição ou reconhecimento de uma obrigação (vide n.º 1 alínea b) do artigo 703 do Código de Processo Civil, fica a mesma sujeita ao prazo ordinário de prescrição, nos termos do 311, n.º 1 do Código Civil, não se aplicando a alínea d) do artigo 310 do mesmo código).

- O que importa para que se conclua que está em causa o pagamento de uma única obrigação face ao incumprimento prestacional e não o pagamento fracionado do valor em dívida.

- Não se tratam de obrigações periódicas e renováveis, característica esta que nos reconduz ao supra referido prazo ordinário de prescrição previsto no artigo 309.o do Código Civil.

- Pelo que estamos perante uma dívida total do montante vencido à data do incumprimento, o que é uma única obrigação à qual cabe aplicar o prazo geral de 20 anos, regulado no artigo 309 do Código Civil.

- O artigo 310, alínea d), do Código Civil encontra-se em vigor há décadas continuadamente e sempre foi interpretado no sentido de que não se aplicava aos mútuos bancários, mormente quando ocorre, tal como in casu, um vencimento antecipado de toda a dívida por inadimplemento.

- Deste modo, a partir do momento que ocorre o vencimento imediato, fica sem efeito o plano acordado, deixando de existirem "quotas de amortização de capital", passando a falar-se apenas de capital e juros, sujeitos aos prazos prescricionais de 20 anos para o capital (artigo 309, do Código Civil).

- Seguindo o entendimento preconizado no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16.03.2017, igualmente, disponível em “dgsi.pt”, assim sumariado: «I- No

mútuo bancário, em que o reembolso da dívida foi objeto de um plano de amortização,

composto por diversas quotas, que integram uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios, que se traduzem na existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos, cada uma destas prestações mensais encontrar-se-á sujeita ao prazo prescricional privativo de cinco anos, previsto na al. g), do artigo 310, do CC. II- Mas se em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em dívida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos.»

- Também o Supremo se decidiu por esta solução, no Acórdão de 29- 09-2016, disponível no mesmo site.

- Contudo, a dívida passou a ser exigível, na sua totalidade, atenta a ausência de pagamento de uma prestação que determinou o vencimento das restantes.

- Perante o não pagamento de uma prestação do capital mutuado, o artigo 781, do CC concede ao credor o direito de exigir de imediato o pagamento da totalidade do capital (cujo reembolso estava outrora convencionado ser em prestações), o que se fez notar pelas intervenções judiciais, pelo que dúvidas inexistem de que tomaram conhecimento, pelo menos, nessa data, de que a embargada pretendia dissolver o vinculo contratual existente entre elas, ao exigir a totalidade das prestações vencidas e vincendas.

Respondendo ao recurso, a embargante sustenta a sua improcedência, tendo concluído:

1 – O facto provado 7 da sentença, no que respeita à resolução, não deveria ter sido dado como provado[1].

2 - A dívida ficou de ser paga em quotas de amortização de capital pagáveis com os juros.

3 - Essa dívida deixou de ser paga em Abril de 2016.

4 - Nessa sequência, entre Abril e Julho de 2016 o Banco 1... considerou vencidas todas as prestações, assim operando a perda do benefício do prazo por parte dos devedores.

5 – A partir dessa altura começou a correr um prazo de prescrição de 5 anos, o qual se completou entre abril e julho de 2021.

6 - A execução apenas foi intentada em abril de 2024, tendo a recorrida sido citada em maio desse ano.

7 - A essa data já se haviam completado os 5 anos do prazo de prescrição estabelecido no artigo 310 al. e) do CC, que é o que se aplica ao caso.

8 – A prescrição de 5 anos tanto ocorre nos casos de vencimento antecipado da dívida/perda do benefício do prazo, como nos casos de resolução.

9 - A recorrida invocou essa prescrição, pelo que a mesma deve operar, declarando-se prescrita toda a dívida de capital e juros.

10 – O facto de uma dívida estar materializada num documento equivalente a uma escritura também não tem a virtualidade de mudar o prazo de prescrição de 5 para 20 anos.

O recurso foi recebido nos termos legais e, neste Tribunal da Relação do Porto, nada se alterou quanto ao sentido do despacho que o recebeu. Tendo em conta a natureza da questão essencial, objeto do recurso, foram dispensados os Vistos e nada vemos que obste ao conhecimento do mérito da apelação, cujo objeto, atentas as conclusões da apelante, se traduz em saber se o prazo prescricional aplicável ao mútuo pagável em prestações (quotas de amortização de capital pagáveis com juros) é o previsto na alínea e) ao artigo 310 do Código Civil (CC), mesmo em caso em vencimento antecipado ou resolução ou, nestes casos, o prazo ordinário do artigo 309 do mesmo diploma e, ainda, se há lugar à apreciação da ampliação do âmbito do recurso.

III – Fundamentação

III.I – Fundamentação de facto

O tribunal recorrido deu como assente a seguinte factualidade:

Facto provados

1 - Por Contrato de Cessão de Créditos, assinado em 29.06.23, o Banco 1..., SA cedeu os créditos identificados como: ...96- ...96-000000000000000 e ...00, que detinha sobre Executados e todas as garantias acessórias a eles inerentes, à A..., SA.

2 - Em 03.12.08, no exercício da sua atividade creditícia, o “Banco 1... SA” celebrou com os mutuários CC e mulher BB, um Contrato de Mútuo com Hipoteca, pelo montante de 50.872,00€, quantia que estes receberam e de que se confessaram devedores.

3 - Em 3.08.15 foi celebrado entre o Banco a os mutuários um Aditamento ao referido Contrato Hipotecário, pela Mutuária BB, no qual foi concedido um período de carência de 50% do capital pelo prazo de 36 meses.

4 - “Para garantia do pagamento do capital mutuado, os mutuários constituíram, a favor do Banco 1... SA, hipoteca sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o número ...22 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...03, da referida freguesia, registada sob a Ap. ...0, de 25/11/2008.

5 - A referida hipoteca encontra-se ativa quanto ao imóvel objeto de execução, não tendo o “Banco 1..., S.A.” emitido qualquer documento, distrate ou termo de cancelamento da hipoteca que onera o imóvel em causa.

6 - Encontra-se registado a favor da executada AA em 2014 a aquisição do direito de propriedade, mediante registo da AP. ...94 de 2014/04/23.

7 - Apesar de instados para o respetivo pagamento, os mutuários faltaram ao pagamento das prestações contratadas e devidas, não tendo pago as prestações que se venceram a partir de 02.04.16, pelo que o Banco mutuante, ao abrigo do disposto na cláusula 17.ª constante da escritura, considerou o contrato resolvido e o crédito vencido.

8 - Em 7 de junho de 2016 a mutuária BB foi declarada insolvente no âmbito do processo de insolvência n.º 1784/16.0T8AVR, que corre termos no Juízo de Comércio de Aveiro - Juiz 1.

9 - O imóvel objeto de execução não foi apreendido para os autos, uma vez que já não se encontrava na sua esfera jurídica.

10 - Em 5 de julho de 2016 o Banco 1..., SA, reclamou créditos na insolvência de BB.

11 - Nessa peça processual (reclamação de créditos), e no que a este crédito diz respeito, o Banco declarou que a dívida total de capital era de 43.456,57€ (ao que se somavam juros no valor de 1.204,02€ e outras despesas ainda) e que estava vencida desde 2 de abril de 2016.

12 - Nessa Reclamação, no seu parágrafo 1, I, o Banco 1... SA escreve o seguinte:

I – Contrato de Mútuo Com Hipoteca (Documento 1)

1 – Qualidade em que outorga: Mutuário; 2 – Data de outorga: 03-12-2008 posteriormente alterado nos termos dos aditamentos contratuais juntos; 3 – Montante Mutuado: 50.872,00€; 4 – Prazo de Amortização: 168 prestações mensais e sucessivas

5 – Taxa de Juro: Euribor a 3 meses, acrescida inicialmente do spread de 4; pontos percentuais, posteriormente alterada nos termos dos aditamentos contratuais juntos (em caso de incumprimento, a mesma é ainda acrescida de sobretaxa de mora de 4%); 6 – Valor em dívida à presente data: Capital em dívida: 43.456,57€

13 - Os créditos do Banco 1..., entre os quais o que é objeto da presente execução foram reconhecidos e constam da lista definitiva, elaborada nos termos do artigo 129, n.º 2 do CIRE.

14 - Todos os créditos reclamados foram graduados como comuns, por sentença de verificação e graduação de créditos datada de 20.09.17.

15 - No desenvolvimento desse processo de insolvência, foi concedida a BB a exoneração do passivo restante, tendo o despacho final sido proferido em 20.04.22.

16 - A presente ação executiva deu entrada em 26 de abril de 2024.

III.II – Fundamentação de Direito

O tribunal recorrido pronunciou-se sobre a “alegada extinção do crédito exequendo em resultado da exoneração do passivo restante da devedora e [sobre] a inadmissibilidade da cedência do crédito”, concluindo, nessa parte, não haver fundamento para a procedência dos embargos. Por outro lado, relativamente à invocada ausência de título executivo, entendeu que a embargada tinha título. Estas questões, acrescente-se, não fazem parte do objeto do recurso ou, melhor dito, não fundamentam, não obstante o seu decaimento, a pretendida ampliação do âmbito do recurso, formulada pela recorrida.

Quanto à questão da prescrição, o tribunal recorrido, depois de entender, e bem[2], que o garante a pode invocar, sustentou que o prazo aplicável é o previsto na alínea e) do artigo 310 do CC, de cinco anos.

Apreciando.

Permitimo-nos seguir de perto o que se deixou dito no acórdão proferido neste Tribunal da Relação do Porto a 10 de março do corrente ano [Processo n.º 6559/24.0T8PRT.P1], relatado pelo ora relator (e tendo como Adjunta, também a aqui Desembargadora, 1.ª Adjunta), atenta a identidade da questão a resolver: saber se as quotas de amortização prescrevem no prazo de cinco anos, mesmo havendo vencimento antecipado.

Tal como refere José Engrácia Antunes[3], as quotas de amortização “consistem em prestações pecuniárias que são pagas pelo devedor de uma obrigação de capital com vista à restituição ou reembolso fracionado deste (...). As quotas de amortização, apesar de poderem comungar com os juros o seu caráter periódico (podendo até possuir prazos de vencimento idênticos), não constituem um rendimento de capital mas antes um reembolso (...). Tal não significa, todavia, que as duas figuras [as quotas de amortização e os juros] não se possam cruzar na prática – bem pelo contrário. Exemplo lídimo dessa imbricação são as prestações pecuniárias periódicas que, no âmbito dos contratos bancários de empréstimo à habitação ou ao consumo, os clientes mutuários pagam ao banco mutuante: tais prestações periódicas – designadas na gíria como “mensalidades” ou “anuidades”, consoante a respetiva periodicidade – configuram obrigações unitárias de natureza híbrida ou mista, constituídas por uma componente de capital amortizado e uma componente de juros remuneratórios”.

No caso presente, o contrato subjacente à pretensão executiva traduzia-se, em (no pagamento de) “quotas de amortização do capital pagáveis com juros”, e o artigo 310, alínea e) do Código Civil (CC) estipula, exatamente, que essas quotas de amortização, pagáveis com os juros, “prescrevem no prazo de cinco anos”. Lembre-se que tais quotas de amortização “não tinham consagração autónoma no Código Civil de Seabra, pese embora o facto de se lhes poder aplicar o prazo de prescrição de cinco anos, previsto no então artigo 543.º”[4].

Sendo inequívoco que às referidas quotas de amortização é aplicável o prazo de prescrição quinquenal, previsto na citada alínea e) do artigo 310 do CC, a questão que verdadeiramente se coloca em sede de recurso, tal como se colocou perante a primeira instância, é a de saber se assim deixa de ser, e se o prazo de prescrição passa a ser o prazo ordinário de vinte anos (artigo 309 do CC), nos casos de vencimento antecipado da (da totalidade da) dívida, tal como sustenta a apelante.

Ainda que a questão não seja a mesma, tem recebido, nos tempos mais recentes, uma resposta jurisprudencial que pensamos ser, agora, uniforme, e que vai em sentido divergente daquele que a recorrente sustenta.

Como refere Júlio Gomes, em comentário ao preceito que assinalámos[5], “De acordo com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 30 de junho de «no caso de quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º, alínea d) do CC, em relação ao vencimento de cada prestação» e «ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente no termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas». A solução consagrada neste Acórdão corresponde, de resto, àquela que já era dominante nos nossos Tribunais superiores. Cf., por exemplo Ac. STJ de 23 de janeiro de 2020, Processo 4517/17.8T8LOU-A.P1.S1”.

O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ), citado no comentário antecedente, é o AUJ n.º 6/2022, publicado na 1.ª Série do Diário da República n.º 184/2022, de 22.09.2022.

Antes desse acórdão, já José Engrácia Antunes[6], citando diversa jurisprudência concordante[7], referia que “o prazo de prescrição quinquenal é aplicável de forma escalonada às diversas prestações de acordo com o plano contratualizado e é aplicável mesmo no caso de vencimento antecipado de todas as prestações”. Em obra mais recente[8], citando jurisprudência mais atual e, bem assim, o AUJ n.º 6/2022[9], o citado autor refere “que tais prestações se encontram sujeitas ao prazo de prescrição quinquenal do art. 310º, d) e e) do CCivil, incluindo no caso de prestações híbridas de capital e juros”.

Diverge a recorrente do entendimento que temos vindo a citar e, e sustenta que, perante o vencimento antecipado da obrigação ou, no que terá o mesmo efeito, perante a resolução do contrato por falta de pagamento e de acordo com a cláusula contratual do mútuo, a dívida, que é uma dívida de capital, tem de passar a ter o prazo de prescrição ordinário, ou seja, o prazo de 20 anos.

Deve notar-se, no entanto, que o recurso, pelo credor, ao disposto no artigo 781 do CC (ou, no crédito ao consumo, no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 133/2009) ou à possibilidade resolutiva que lhe confere o negócio jurídico (mútuo) é uma opção sua, é uma “mera possibilidade, cabendo ao credor decidir se pretende ou não manter o contrato”[10].

Ora, o que expressamente refere o AUJ n.º 6/2022 é que, “Para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no artigo 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros”.

Pode dizer-se, é certo, que com o vencimento imediato de todas as prestações em dívida, passam a ser inexigíveis os juros remuneratórios incorporados nas prestações assim (imediatamente) vencidas[11], mas o citado AUJ n.º 6/2022 pondera essa realidade, para concluir que “a referida desoneração do pagamento dos juros não descaracteriza, em qualquer caso, a "acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor" que a doutrina pretendeu evitar, ou, de outro ângulo, o incentivo à rápida cobrança dos montantes em dívida, por parte do credor”.

Assim, o que o Supremo Tribunal de Justiça afirmou, uniformizou, e vem reafirmando é que o vencimento antecipado da obrigação, ou seja, das prestações (quotas de amortização) em dívida não altera o prazo prescricional de cinco anos, já antes aplicável a cada uma dessas prestações, unitariamente consideradas. E, salvo o devido respeito por melhor saber, não vemos qualquer fundamento relevante, ponderando os interesses em jogo (note-se que o credor decidiu considerar vencida a dívida e resolver o contrato, tendo, depois disso, cinco anos para agir judicialmente) e a dogmática subjacente para divergirmos da uniformização jurisprudencial.

Por ser assim, entendemos que, mesmo perante o vencimento antecipado de todas as quotas de amortização pagáveis com os juros, o prazo prescricional é, melhor, continua a ser, o previsto no artigo 310, alínea e) do CC, ou seja, o prazo prescricional de cinco anos.

Assim, e como decorre, o recurso revela-se improcedente.

Relativamente à “ampliação do âmbito do recurso”, pouco há a acrescentar. Se, por um lado, é duvidoso que a recorrida pretenda a apreciação de um (outro) fundamento, em que haja decaído, e se sempre seria um ato inútil a alteração da decisão relativa à matéria de facto, o certo é que a ampliação do âmbito do recurso é sempre a título subsidiário, como resulta do artigo 636, n.º 2 do CPC e não pode deixar de resultar do n.º 1 do mesmo normativo[12].

Improcedendo o recurso, a apelante é responsável pelo pagamento das respetivas custas – artigo 527 do CPC.

IV – Dispositivo

Pelo exposto, acorda-se na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Aveiro, 4.06.2025

José Eusébio Almeida

Ana Olívia Loureiro

Ana Paula Amorim





_____________________

[1] Esta primeira conclusão da recorrida prende-se com a pretensão de “ampliação do âmbito do recurso”, uma vez que, nas alegações, a mesma refere: “A d. sentença (...) padece de um lapso, no que respeita à matéria de facto dada como provada, cuja correção se requer, via ampliação do âmbito do recurso, nos termos do art. 636.º do CPC. Assim, consta em 7 dos Factos Provados que “Apesar de Instados para o respetivo pagamento, os mutuários faltaram ao pagamento das prestações contratadas e devidas, não tendo pago as prestações que se venceram a partir de 02.04.2016, pelo que o Banco mutuante, ao abrigo do disposto na cláusula 17.ª, constante da escritura, considerou o contrato resolvido e o crédito vencido.” De acordo com a Motivação, “O item 7 emerge da ausência de impugnação sobre tal facto, estando complementado pelos elementos que acompanham a petição inicial referentes ao processo de insolvência da mutuária BB, os quais são reveladores da situação de incumprimento contratual”. Ora, sucede que a embargante/recorrida impugnou especificadamente essa resolução. Com efeito, na oposição que deduziu, a embargante/recorrida diz o seguinte: “ 38.º A Opoente não sabe se o contrato foi resolvido ou não, nem tem obrigação de o saber, sendo certo que a exequente também não junta nenhum documento comprovativo desse facto, que por isso se impugna. 39.º Com efeito, o que a Opoente sabe é que o Banco 1... S.A. considerou vencidas todas as prestações em 02 de Abril de 2016 (ou em 05 de Julho de 2016). 7 – Acresce que, além de a embargante expressamente impugnar esse facto (resolução), nenhum dos documentos relativos à insolvência que acompanham a p.i. de embargos permite concluir que isso tenha sucedido”. Não obstante, acrescenta a recorrida nas mesmas alegações: “Porém, é também verdade que a cláusula 17.ª refere que o incumprimento confere ao Banco o direito de considerar vencidas todas as prestações e de “pôr termo ao contrato” ... Assim, e apesar de se considerar que esta questão (resolução ou vencimento antecipado da dívida) não afeta a verificação da exceção de prescrição, parece à Recorrida que tal facto não poderia ter sido dado como provado (pelo menos da forma que consta da Motivação)”. Diga-se, ainda, que a recorrida sustenta, como expressamente resulta da conclusão “8” que “A prescrição de 5 anos tanto ocorre nos casos de vencimento antecipado da dívida/perda do benefício do prazo, como nos casos de resolução”. Como quer que seja, mas atenta a natureza subsidiária da ampliação do âmbito do recurso, sobre a mesma nos pronunciaremos, mais adiante.

[2] Embora a questão não seja, exatamente, objeto do recurso, entendemos citar o sumariado no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.01.22 [Processo n.º 443/21.6T8PDL-A.L1-7, Relator, Desembargador Carlos Oliveira, dgsi], também referenciado na decisão recorrida: “1 – Mostra-se ser jurisprudência atualmente consolidada no Supremo Tribunal de Justiça que prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do Art. 310.º do Código Civil, as obrigações decorrentes de um contrato de mútuo bancário, desdobradas em quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, com prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos, sendo que a circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade não altera o dito enquadramento em termos da prescrição. 2.–Terceiro interessado pode invocar a prescrição de dívida alheia, nos termos do Art. 305.º n.º 1 do Código Civil, se nisso mostrar ter interesse atendível, sendo esse o caso da pessoa que, não sendo parte no contrato de mútuo que se mostra em incumprimento, veio a adquirir o imóvel que se mostra onerado por hipoteca constituída para garantir o pagamento preferencial dessa dívida. 3.–Por força do Art. 305.º n.º 1 do Código Civil, o terceiro interessado fica legitimado, por direito próprio, a invocar a prescrição de obrigação alheia, embora a eficácia dessa invocação fique restrita à satisfação do seu interesse, sem prejuízo, portanto, da subsistência da obrigação do devedor que é parte efetiva no contrato de mútuo, já que este havia invocado a prescrição dessa obrigação numa outra ação, na qual não foi parte o terceiro interessado, tendo essa exceção sido julgada improcedente por falta de oportuna alegação da factualidade em que assentaria a procedência da invocada prescrição quinquenal (...)”.

[3] A Moeda – Estudo Jurídico e Económico, Almedina, 2021, págs. 532/533

[4] Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2014, pág. 127].

[5] Comentário ao Código Civil – Parte Geral, 2.ª edição revista e atualizada, UCP Editora, 2023, pág. 922

[6] A Moeda... cit., pág. 574.

[7] Nota 1301 (pág. 574): “A generalidade da jurisprudência portuguesa tem considerado que o vencimento antecipado da totalidade das prestações de capital e juros, decorrente do incumprimento por parte do devedor de uma prestação nos termos do art. 781º do CCivil não altera a aplicação deste regime prescricional especial, nem permite, consequentemente, que a dívida de capital passe a ficar sujeita ao prazo prescricional ordinário. (...)”.

[8] Direito do Consumo, 2.ª Edição, Almedina, 2024, págs. 461/462.

[9] Nota 1115 (pág. 462).

[10] Jorge Morais Antunes, Manual de Direito do Consumo, 8.ª Edição, Almedina, 2022, pág. 579.

[11] «No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redação conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados» - AUJ n.º 7/2009 de 5 de maio.

[12] É certo que o referido n.º 1 refere “mesmo a título subsidiário”, parecendo deixar em aberto outras possibilidades. Não nos parece, porém, que possa haver ampliação do âmbito do recurso, sem o ser a título subsidiário, pois, expressamente, a sua razão de ser é a prevenção da necessidade de apreciação do fundamento em que a parte vencedora decaiu.