O tribunal a quo, ao proferir posteriormente à prolação da sentença que apreciou o mérito dos autos, nova decisão (ora alvo do recurso em apreciação) sobre a conduta processual dos embargantes por atos praticados em momento anterior à prolação daquela sentença, condenando os mesmos como litigantes de má-fé, pronunciou-se sobre questão que já não podia apreciar, por esgotado o seu poder jurisdicional. Com a consequência de a decisão proferida padecer de nulidade por excesso de pronúncia nos termos do artigo 615º nº 1 al. d) do CPC.
3ª Secção Cível
Relatora – M. Fátima Andrade
Adjunto – Jorge Martins Ribeiro
Adjunta – Ana Olívia Loureiro
Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Jz. de Execução de Oliveira de Azeméis
Apelante/ “A..., Lda,” e outros
Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto
Relatório
I- Banco 1..., S.A. instaurou (em 10/01/2020) execução para pagamento de quantia certa contra:
“A..., Lda.”
AA
BB e
CC,
Liquidando a quantia exequenda nos seguintes termos:
“1. CAPITAL: € 20.000,00;
2. JUROS: São devidos juros de mora, calculados à taxa supletiva legal de 4%, desde o vencimento da livrança e até efetivo pagamento, os quais ascendem a € 146,67, reportados a 3/01/2020;
3. IMPOSTO DE SELO: Sobre tais juros incide Imposto de Selo à taxa de 4%, conforme 17.3.1 da respetiva Tabela, o que importa em € 5,87;
4. QUANTIAS VINCENDAS: Acrescerão juros moratórios vincendos, a contar de 4/01/2020 e até efetivo pagamento, calculados à taxa supletiva legal de 4% e sobre € 20.000,00, bem como o respetivo Imposto de Selo sobre eles incidente à taxa de 4%.”
Para tanto invocando:
ser “dono e legítimo portador de uma livrança no montante de € 20.000,00 e vencida em 29.10.2019, subscrita por A..., Lda. e avalizada a favor desta sociedade pelos demais executados.”
Livrança cujo valor não foi pago, apesar de interpelação para o efeito.
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“1. O Banco Exequente é dono e legítimo portador de cinco livranças nos montantes de € 79.288,16, € 30.000,00, € 19.571,40, € 7.164,31 e € 1.360,31, vencidas respetivamente em 14/02/2020, 14/02/2020, 24/02/2020, 6/04/2020 e 19/02/2020, subscritas por A..., Lda. e avalizadas a favor desta sociedade pelos demais executados.
2. Todavia, apresentadas a pagamento nos seus vencimentos, as mesmas não foram pagas por quaisquer dos obrigados cambiários.
3. Acrescem, por isso, os respetivos juros de mora, calculados à taxa supletiva legal de 4%, desde os vencimentos das livranças e até efetivo pagamento, os quais ascendem a € 1.920,54, reportados a 23/06/2020.
4. Sobre tais juros incide o respetivo Imposto de Selo à taxa de 4%, conforme 17.3.1 da respetiva Tabela, o que importa em € 76,82.”
E assim liquidando a nova quantia exequenda nos seguintes termos:
“1. CAPITAL: € 137.384,18;
2. JUROS: São devidos juros de mora, calculados à taxa supletiva legal de 4%, desde os vencimentos das livranças e até efetivo pagamento, os quais ascendem a € 1.920,54, reportados a 23/06/2020;
3. IMPOSTO DE SELO: Sobre tais juros incide Imposto de Selo à taxa de 4%, conforme 17.3.1 da respetiva Tabela, o que importa em € 76,82;
4. QUANTIAS VINCENDAS: Acrescerão juros moratórios vincendos, a contar de 24/06/2020 e até efetivo pagamento, calculados à taxa supletiva legal de 4% e sobre € 137.384,18, bem como o respetivo Imposto de Selo sobre eles incidente à taxa de 4%.”
II- “A..., Lda.”; AA e BB, deduziram por apenso à execução contra si instaurada os presentes embargos de executado (Apenso A), em 01/07/2020, pugnando pela sua procedência com as consequências legais.
Alegaram em suma:
- não entender a sua citação para pagamento da quantia que foi fixada provisoriamente (conforme nota de citação) em “58.540,18 Euros já aqui estando incluídos os honorários e despesas previsíveis com o agente de execução no valor de 313,65 Euros.” quando o título executivo é uma livrança de € 20.000,00 e a exequente liquidou a quantia exequenda em € 20.152,54;
Do valor titulado pela livrança tendo já pago € 10.788,91, na sequência de acordo celebrado com a exequente.
Devendo assim ser chamados apenas para pagamento do remanescente no valor de € 9.363,63;
- a livrança apresentada corresponderá a títulos de garantia do pagamento das relações contratuais que existiram entre embargantes e embargado;
- no entanto, os embargantes desconhecem “a origem da presente dívida garantida por livrança, a qual a terem assinado, limitaram-se a nele apor a assinatura, sem que nada fosse lido ou explicado” (artigo 32º r.i.).
Sendo o requerimento executivo inepto por nada no mesmo ser explicado quanto ao conteúdo e termos em que a livrança foi subscrita. Não tendo sido alegada a causa debendi;
- inexiste qualquer relação comercial que justificasse a emissão da livrança, pelo que inexiste a obrigação exequenda;
Concluindo pela extinção da execução por falta de título.
Mais alegaram que a livrança terá sido assinada em branco, servindo de caução, sem valor na mesma inscrito.
Pelo que não se constituíram em obrigação pecuniária de montante determinado.
Causa de inexistência da obrigação exequenda.
Livrança cujo preenchimento é assim abusivo;
- Não demonstrando a exequente quando houve incumprimento ou comunicou a resolução ou que termos estavam definidos contratualmente para executar a livrança, a obrigação não é exigível;
- Não ocorreu autorização para o preenchimento da livrança;
- Não ocorreu interpelação ao pagamento ou de um suposto incumprimento.
Pelo que não são devidos juros de mora.
Termos em que terminaram formulando o pedido acima já enunciado.
- a livrança dada à execução é o resultado de anteriores pedidos de reforma formulados pela subscritora que inicialmente formulou um pedido de desconto de uma livrança no valor de € 50.000,00, conforme doc. 3 datado de 29/04/2019. A qual foi sucessivamente reformada, até à livrança dada à execução.
Tendo os embargantes perfeito conhecimento que a mesma não respeita a livrança caução de qualquer contrato.
Como o demonstram tanto “a proposta de desconto da livrança inicial, como os subsequentes pedidos de reforma demonstram precisamente o contrário.”
Tanto que a “proposta de desconto da livrança inicial de € 50.000,00 e dois dos pedidos de reforma encontram-se assinados, em representação da A..., Lda., por AA e o primeiro pedido de reforma encontra-se assinado por BB em representação da A..., Lda.”
- A “A..., Lda. foi interpelada, em 2/12/2019, para proceder a pagamento da livrança aqui em causa e os demais Embargantes, na qualidade de avalistas, foram igualmente interpelados naquela data, para procederem ao pagamento da mesma, tendo sido recebidas as cartas enviadas – Docs. 7 e 8”;
- E tanto conhecem os embargantes a origem da dívida, que vieram propor à exequente o seu pagamento em prestações mensais o que veio a ser aceite.
Procedendo “ao pagamento das duas primeiras prestações no valor de € 5.182,04 cada, bem como da quantia de € 424,83 ainda devida ao Agente de Execução a título de despesas e honorários (valor que foi liquidado juntamente com a primeira prestação) – Doc. 9.”
- Assim, e imputado o pagamento em primeira linha, a despesas processuais, juros e respetivo imposto de selo e, por último, a capital, ficou a dívida exequenda reduzida a € 10.440,60, reportada a 9/12/2020, sendo o capital de € 10.119,04, os juros de € 309,19 e o imposto de selo de € 12,37.
Face ao exposto, é evidente que existe obrigação exequenda e título executivo, não se podendo falar em preenchimento abusivo, já que não está aqui em causa uma livrança entregue ao Embargado em branco e que tenha sido posteriormente preenchida pelo mesmo.
Termos em que concluiu pela total improcedência dos embargos.
“A..., Lda.”; AA e BB, NOTIFICADOS DA CUMULAÇÃO SUCESSIVA DE EXECUÇÕES NOS AUTOS PRINCIPAIS DE EXECUÇÃO ADMITIDA POR DECISÃO DE 30/09/2020 deduziram por apenso à execução contra si instaurada embargos de executado (Apenso B), em 02/11/2020, pugnando pela sua procedência com as consequências legais.
Alegaram em suma:
-A exequente não cumpriu o disposto no DL 227/12 de 25/10.
Seja o desenvolvimento das diligências para efeitos do Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI); seja para implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).
Diligências que deveria ter observado aos avalistas pessoas singulares.
O que configura exceção dilatória que determina a absolvição da instância dos executados.
- no mais, invocaram os embargantes a ineptidão do título executivo – em causa 5 livranças; o preenchimento abusivo das livranças; a inexistência de relação comercial que justifique a dívida, em si impugnada.
Nomeadamente alegando que “desconhecem de todo a origem da presente dívida, garantida por livrança, a qual a terem assinado (que desde já sérias dúvidas levantam, conforme infra se exporá) limitaram-se a nele apor a assinatura, sem que nada fosse lido ou explicado”. O “que impediu a perceção do alcance dos mesmos.”
Invocaram ainda a inexigibilidade da dívida, bem como a não interpelação ao seu pagamento, para efeitos de juros.
Com a mesma argumentação já exposta no apenso A.
Impugnaram ainda a veracidade das assinaturas, concretizando a impugnação dizendo não corresponder à sua, por referência à assinatura aposta nas livranças de € 1360,31; € 30.000,00 e € 7.164,31 (vide artigo 80º dos embargos).
Bem como requereram a suspensão da execução e o levantamento imediato das penhoras efetuadas.
Terminando formulando o seguinte pedido:
“A) Deve o presente apenso declarativo ser julgado procedente, e consequentemente ser declaradas as exceções procedentes com as legais consequências daí decorrentes; caso assim não se entenda, por mera hipótese académica,
B) Serem os presentes embargos declarados procedentes, por provados com as consequências legais daí decorrentes;
C) Mais se requer seja a execução suspensa nos termos do disposto no art.º 733.º n.º 1 al. b) e c) do C.P.C.”
- invocando não ser aplicável o disposto no DL 227/2012 ao caso dos autos;
- no mais alegando que, com exceção da livrança no montante de € 30.000,00 – a qual resulta de um pedido de desconto bancário formulado pela sociedade executada em 14/08/219 – as demais livranças dadas à execução tratam-se de livranças-caução, tendo sido entregues ao Banco Exequente como garantia do cumprimento de determinadas obrigações contratuais.
Nos termos que descreveu (juntando como docs. 1 a 4 os contratos que alegou terem sido celebrados).
Para o aludido fim (caucionar aqueles contratos de empréstimo), tendo os Embargantes entregue as livranças e conferido autorização expressa ao Banco Exequente para as preencher e as apresentar a pagamento, com vista à garantia que as mesmas representam.
Tendo ocorrido o incumprimento contratual, tendo a exequente interpelado ao pagamento dos valores em dívida sob pena de, em caso de não pagamento no prazo fixado, serem considerados resolvidos os contratos, tendo essas cartas sido recebidas – Docs. 6 a 9.
Nas mesmas datas, enviando também aos demais Embargantes, na qualidade de avalistas, cartas registadas com aviso de receção, remetendo-lhes cópia das cartas remetidas à A..., Lda., sendo que as referidas cartas foram recebidas – Docs. 10 a 13.
Após o que e no não pagamento, preencheu e apresentou a pagamento as livranças, pelos valores em dívida, nos termos que expôs no seu articulado.
No mais e impugnando o alegado, concluiu a exequente pela total improcedência dos embargos, bem como pela condenação dos embargantes em multa e indemnização a seu favor em montante não inferior a € 5.000,00 como litigantes de má-fé.
***
- proferido o seguinte despacho
“Da redução do pedido executivo quanto à ação executiva intentada a 03.01.2020:
Atento o exposto pelo exequente no artigo 17º da sua contestação do apenso A, defere-se a redução deste pedido exequendo a €. 10.440,60 (dez mil quatrocentos e quarenta euros e sessenta cêntimos), nos termos requeridos.”
- Foi proferido despacho saneador apreciando e julgando improcedentes as arguidas ineptidões do requerimento executivo;
- Identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Então tendo entre o mais sido identificado como tema da prova:
“. falsidade da letra e assinatura dos embargantes constante das livranças de 1.360,31, 30.000,00 € e de 7.164,31 €, dadas à execução;”
“(…) os embargos de executado totalmente improcedentes, por não provados e por improcedência das exceções invocadas pelos embargantes, e, nessa sequência, determina-se o prosseguimento da execução, sem prejuízo do despacho de deferimento da redução do pedido exequendo a €. 10.440,60 quanto ao primeiro requerimento executivo.
(…)
Conforme exposto, determina-se a notificação dos embargantes para exercerem, querendo, o seu direito ao contraditório, em 10 dias, quanto ao pedido de condenação em litigância de má fé feito pelo embargado nos artigos 42º e 43º da contestação do apenso B e face ao decidido.”[1]
VI- Notificados os embargantes da sentença proferida em 06/05/2023 e com a mesma não se conformando, interpuseram recurso de apelação, incluindo no seu objeto impugnação da decisão de facto.
Admitido o recurso, foi o mesmo por este tribunal apreciado e por Acórdão devidamente transitado, julgado totalmente improcedente, mantendo a decisão recorrida sem alteração da decisão de facto.
***
“julgar procedente o pedido de condenação em litigância de má fé feito pelo exequente, e, em consequência, condenar os executados como litigantes de ma fé, no pagamento de uma indemnização ao banco exequente no valor €. 1500,00 (mil e quinhentos euros), a liquidar solidariamente pelos executados, assim como condenar os executados como litigantes de ma fé, no pagamento de uma multa de em 3 (três) Ucs a cada executado (artigos 542º e 543º do CPC e art. 27º, nº 3 do Regulamento das Custas Processuais).
Notifique e registe
***
Conclusões:
(…)
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Foram dispensados os vistos legais.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelos apelantes ser questão a apreciar se a sua condenação como litigante de má-fé merece censura.
Como questões prévias e porquanto em causa está a condenação dos recorrentes como litigantes de má-fé, com fundamento no que foi julgado e decidido nos respetivos embargos, recordando que tal decisão foi já alvo de recurso e confirmada por Acórdão transitado em julgado, cumpre apreciar:
- se a decisão recorrida padece de nulidade, por proferida após extinto o poder jurisdicional do tribunal a quo.
- da admissibilidade de neste recurso ser “reapreciada a decisão de facto” constante da sentença proferida em 06/05/2023 e já confirmada por Acórdão transitado em julgado.
O tribunal a quo para apreciação do pedido formulado, considerou as seguintes vicissitudes processuais:
«Com interesse para a decisão em apreço importa considerar todo o histórico do processo e o decidido da sentença, destacando-se a seguinte factualidade apurada:
1- O teor das petições e requerimentos dos executados, nomeadamente de 23.12.2020, citados na sentença.
2- O teor da sentença proferida nos autos, designadamente:
“II. Fundamentação de Facto:
Factos Provados
(…)
Factos Não Provados
(…)
Na motivação desta sentença foi exposto o seguinte:
(…)[2]”
1) Em primeiro lugar cumpre apreciar se a decisão recorrida padece de nulidade por proferida após a extinção do poder jurisdicional.
Argumentam os recorrentes que tendo sido proferida sentença que apreciou o mérito da causa, estava vedado ao juiz posteriormente, por esgotado o poder jurisdicional, condenar os mesmos como litigantes de má-fé. Certo que tal condenação se fundou em conduta processual anterior à prolação daquela sentença.
Em causa, nos termos em que os recorrentes delineiam a questão, nulidade da decisão recorrida por excesso de pronúncia, ao conhecer de questão de que já não podia conhecer por então extinto o poder jurisdicional do tribunal.
Nos termos do disposto no artigo 613º nº 1 do CPC, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
O mesmo é dizer que o juiz fica impedido de posteriormente se pronunciar sobre o que respeita ao objeto do litígio, sem prejuízo das retificações de erros materiais, suprimento de nulidades ou reformas (nos termos previstos nos artigos 613º e seguintes do CPC).
Nos termos do artigo 615º nº 1 al. d) do CPC é nula a sentença que deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Sendo ainda de distinguir questões a resolver (para efeitos do artigo 608º nº 2 do CPC) da consideração ou não consideração de um facto em concreto que e quando se traduza em violação do artigo 5º nº 2 do CPC, deverá ser tratado em sede de erro de julgamento e não como nulidade de sentença [3].
É, portanto, em função do objeto processual delineado pelo autor, conformado este pelo pedido e causa de pedir, bem como pelas questões / exceções ao mesmo opostas pelo réu que a atividade do tribunal se desenvolverá, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
O mesmo é dizer que a pronúncia judicial deve recair “sobre a causa de pedir, o pedido, as exceções dilatórias e perentórias invocadas e os pressupostos processuais, se for controvertida a sua verificação”, sob pena de nulidade por omissão ou excesso de pronúncia.
Já não sobre «os fundamentos (de facto ou direito) apresentados pelas partes para defender a sua posição, os raciocínios, argumentos, razões, considerações ou pressupostos - que, podem, na terminologia corrente, ser tidos como “questões”», mas das mesmas se distinguem, pois, «é diferente “(…) deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão (…)”[4]
Tal qual resulta do previsto no artigo 608º do CPC e em respeito pelo princípio do pedido e do impulso processual associado ao princípio da contradição, consagrados desde logo no artigo 3º do CPC, é de considerar como integrado no objeto do litígio que ao juiz cumpre conhecer “todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;”, não podendo o juiz “ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
In casu, a questão da litigância de má-fé foi questão expressamente submetida à apreciação do tribunal a quo pela recorrida. Pelo que se lhe impunha sobre a mesma se pronunciar, no momento próprio, ou seja aquando da prolação da sentença.
E, tendo o tribunal a quo verificado aquando da prolação da sentença que não estava devidamente habilitado para sobre todas as questões submetidas à sua apreciação se pronunciar – ou sobre questões de que oficiosamente cumprisse apreciar, nestas se incluindo também a questão da litigância de má-fé que oficiosamente pode ser conhecida, após garantido o contraditório - então deveria ter-se abstido de praticar tal ato e suprir as insuficiências notadas, nomeadamente dando cumprimento ao contraditório que apurou estar em falta, ao abrigo do disposto no artigo 607º nº 1 do CPC.
Oportunamente proferindo então sentença, já devidamente habilitado a pronunciar-se sobre todas as questões de que lhe cumpria conhecer, quer por terem sido submetidas à sua apreciação pelas partes, quer por oficiosamente das mesmas cumprir conhecer.
Ao assim não proceder, violou o tribunal a quo o previsto no artigo 608º do CPC.
O tribunal a quo, ao proferir posteriormente à prolação da sentença que apreciou o mérito dos autos, nova decisão (ora alvo do recurso em apreciação) sobre a conduta processual dos embargantes por atos praticados em momento anterior à prolação daquela sentença, condenando os mesmos como litigantes de má-fé, pronunciou-se sobre questão que já não podia apreciar, por esgotado o seu poder jurisdicional. Com a consequência de a decisão proferida padecer de nulidade por excesso de pronúncia nos termos do artigo 615º nº 1 al. d) do CPC[5].
Diversa seria a situação se em causa estivesse apenas a liquidação da indemnização a atribuir à parte contrária, tal qual expressamente se encontra previsto no artigo 543º do CPC.
Neste caso os pressupostos e critérios da condenação como litigante de má-fé da parte já estariam definidos e assentes na sentença condenatória. E, deles discordando a condenada, poderia recorrer interpondo da sentença condenatória o competente recurso, impugnando inclusive a decisão de facto que servira de base à condenação em causa.
Entendimento diverso[6] leva precisamente à situação dos autos – a parte que ainda não foi condenada como litigante de má-fé na sentença proferida, não pode em sede de recurso que da mesma interponha por outros fundamentos, questionar o entendimento do tribunal a quo sobre o juízo que da sua conduta processual venha a fazer posteriormente.
E quando vier a ser condenado como litigante de má-fé, com base nas vicissitudes processuais e decisão de facto e respetiva subsunção jurídica oportunamente levada a cabo na sentença que apreciou o mérito dos autos e, entretanto, transitada em julgado, não está já em tempo para questionar essa realidade processual, tal qual ocorre na situação dos autos.
Em suma e perante o exposto, conclui-se padecer a decisão recorrida de nulidade por excesso de pronúncia. Nulidade que afeta toda a decisão, consequentemente ficando sem efeito a condenação como litigante de má-fé dos recorrentes.
Prejudicadas ficam as demais questões colocadas à nossa apreciação.
Termos em que se conclui pela total procedência do recurso interposto.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente procedente o recurso interposto, consequentemente revogando a decisão recorrida.
Custas pela recorrida.
Porto, 4/6/2025
Fátima Andrade
Jorge Martins Ribeiro
Ana Olívia Loureiro
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