DECLARAÇÃO NEGOCIAL REDUZIDA A ESCRITO
INTERPRETAÇÃO
Sumário

I - O contrato celebrado entre as partes foi reduzido a escrito, pelo que a interpretação das declarações negociais deve fazer-se de acordo com as normas constantes dos artigos 236º a 238.º do Código Civil, segundo as quais, as declarações devem valer com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, deve entendê-la, desde que no documento esse sentido encontre um mínimo de correspondência.
II – A declaração negocial só é eficaz depois de chegar ao poder do destinatário, ou ser dele conhecida (nº 1, do art. 224º CC), incumbindo ao declarante o ónus de alegação e prova da expedição (ou “notificação”) da declaração e de a expedição ser feita para o destino a que corresponde a esfera de acção e recepção do destinatário-declaratário.

Texto Integral

Proc. nº 890/24.1T8PRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível Do Porto - Juiz 2

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Relator: Juiz Desembargador Álvaro Monteiro
1º Adjunto: Juíza Desembargadora Ana Luísa Gomes Loureiro
2º Adjunto: Juíza Desembargadora Isabel Rebelo Ferreira
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Sumário:
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I - Relatório:
AA, NIF ..., intentou Acção Declarativa, sob a forma de processo comum contra BB, NIF ..., pedindo:
- seja decretada a cessação, por caducidade, do contrato de arrendamento relativo ao prédio identificado no artigo 1º da petição inicial;
- seja a Ré condenada a despejar imediatamente o locado e entregá-lo livre e devoluto; seja a Ré condenada numa sanção pecuniária compulsória de € 20,00 (vinte euros), por cada dia de atraso na entrega do imóvel à Autora.
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Citada, a Ré contestou a presente ação pugnando pela sua improcedência.
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Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal, após o que foi proferida a seguinte Decisão:
“Por todo o exposto, julgo a presente ação procedente, por provada, e em consequência, declara-se cessado o contrato de arrendamento celebrado entre as partes relativo ao prédio identificado no artigo 1º da Petição Inicial, condenando-se a Ré a despejar o locado e entregá-lo à Autora livre e devoluto.
Custas a cargo da Ré, sem prejuízo do apoio judiciário.
Registe e Notifique.”
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É desta decisão que, inconformada, a Ré interpõe recurso, terminando as suas alegações com as seguintes
CONCLUSÕES:
1.. A decisão recorrida está em desconformidade com a vontade das partes, sedimentada na Cláusula 9.º do contrato de arrendamento.
2. O Tribunal a quo desconsiderou o regime jurídico aplicável ao contrato atípico em causa nos presentes autos, tendo erroneamente aplicado o regime da locação, padecendo assim de ilegalidade.
3. A Recorrente e a Recorrida celebraram um contrato nos termos do qual a segunda proporcionava à primeira o uso do imóvel, a possibilidade de adquirir de, sem prazo fixado, adqurir o imóvel mediante uma contrapartida pecuniária previamente fixada pelas partes.
4. A Recorrida concedeu à Recorrente a possibilidade de num determinado período, situado no prazo de um ano de vigência do contrato, optar pela compra do imóvel.
5. Ambas acordaram quanto ao preço do imóvel a ter em atenção na escritura de compra e venda, a celebrar futuramente.
6. A Recorrente optou pela compra, assumindo a obrigação de sem prazo fixado pelas partes, celebrar a respectiva escritura de compra e venda do imóvel.
7. A literalidade do contrato determina se considere que a Recorrente e a Recorrida convencionaram um contrato de arrendamento, e respectivo prazo, e uma promessa unilateral de venda, mediante a qual a Recorrente podia optar pela compra, não tendo sido acordado qual o prazo para a concretização da compra e venda.
8. O que se impunha ao Tribunal a quo, era constatar que, com a notificação da opção de compra a Recorrente adquiriu um direito potestativo que lhe permitia livremente celebrar o contrato definitivo e, desencadeou o efeito de precludir a aplicação das normas respeitantes ao contrato típico de arrendamento.
9. O Tribunal a quo julgou incorretamente os seguintes pontos da matéria de facto declarada provada: 2, 4, 11 e 13.
10. A decisão recorrida violou, fez errada apreciação, interpretação e aplicação dos artigos 1051.º a), 1096.º, 1097.º, 1102.º e 1103.º todos do Código Civil, e, por conseguinte, andou mal ao decidir condenar a Recorrida no pedido.
11. A decisão recorrida fez interpretações literais da letra das normas levantando questões quanto à limitação da liberdade contratual da Recorrente e da Recorrida, princípio basilar do Estado de Direito.
12 Mais, ficou provado que a Recorrente manifestou o interesse em adquirir o imóvel, tendo legitimamente acionado a cláusula de opção de compra e venda, foi observada a regra e a formalidade contratual, por parte da Recorrente, - notificou a Recorrente do exercício da opção de compra.
Conclui, assim, pelo provimento do recurso, alterando-se a decisão da matéria de facto nos termos propostos e, em consequência, alterada a decisão de direito, decidindo-se nos termos supra assinalados.
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A Autora/recorrida apresentou contra-alegações, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
1.ª- Vem a Apelante recorrer da sentença proferida em primeira instância, que julgou a ação procedente, e, em consequência, declarou cessado o contrato de arrendamento celebrado entre as partes relativo ao prédio identificado no artigo 1º da Petição Inicial, condenando-se a Ré, aqui Apelante, a despejar o locado e entregá-lo à Autora livre e devoluto.
2.ª- A Apelação apresentada versa apenas sobre matéria de direito, o que significa que a Apelante se conformou com a decisão sobre a matéria de fato.
3.ª- Face à matéria de fato dada como provada, e com a qual a Apelante se conforma, não parece ser plausível outra solução de direito, que não a que a sentença recorrida postula.
4.ª- Tendo a Apelada comunicado a oposição à renovação do contrato de arrendamento no prazo e sob a forma exigidos, o contrato caduca nos termos do disposto no artigo 1051.º n.º 1 a) do Código Civil.
1 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 08 de Junho de 2021, no âmbito do processo 15687/18.0T8PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt .
5.ª- Pelo que, nada existe a apontar à sentença recorrida a este respeito.
6.ª- Mesmo que V. Exas. entendam que a eventual aposição da cláusula de opção implica o afastamento da possibilidade de cessação por caducidade do contrato de arrendamento, o que por mera hipótese académica e cautela de patrocínio se concebe, sempre se dirá que, na esteira do anteriormente decidido por esse Venerando Tribunal da Relação do Porto, o contrato seria nulo, por falta de forma.
7.ª- A apresentação do recurso por parte da Apelante constitui uma manifesta tentativa de entorpecer a ação da justiça e protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão, conduta para a qual a lei estabelece sanção, mormente nos artigos 542.º e ss. do Código de Processo Civil.
8.ª- Devendo, pois, ser o recurso interposto julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.
Conclui pela improcedência da Apelação.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
No exame preliminar considerou-se nada obstar ao conhecimento do objecto do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (C. P. Civil).

Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pelos Apelantes, as questões a decidir no presente recurso, são as seguintes:
a) Erro de julgamento, por erro na apreciação, interpretação e aplicação do disposto nos artºs 1051.º a), 1096.º, 1097.º, 1102.º e 1103.º todos do Código Civil, e, por conseguinte, andou mal ao decidir condenar a Recorrida no pedido.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
1. OS FACTOS
1.1. Factos provados
O tribunal de que vem o recurso julgou provados os seguintes factos:
1. No dia 20 de novembro de 2013, a Autora, na qualidade de senhoria, e a Ré, na qualidade de arrendatária, celebraram acordo escrito denominado “contrato de arrendamento urbano para a habitação” referente à fração descrita pela letra “C”, correspondente ao primeiro andar direito, destinado a habitação, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida ..., ..., cidade e concelho do Porto, freguesia ... e ..., descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...... e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo nº ....
2. Da cláusula terceira do escrito referido em 1. consta: “O presente arrendamento tem o prazo de cinco anos, com início em 1 de dezembro de 2013 e término em 30 de novembro de 2018, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos, exceto se for denunciado ou resolvido nos casos e termos previstos na lei ou deduzida oposição à renovação conforme a seguir indicado.
A oposição à renovação do presente contrato deverá ser efetuada mediante comunicação escrita enviada à outra parte, sob registo postal com aviso de receção, com a antecedência mínima de um ano, caso seja o primeiro outorgante a denunciar. O segundo outorgante poderá denunciar o presente contrato, na vigência do seu prazo inicial ou no das eventuais renovações, desde que o faça com a antecedência mínima de noventa dias.
3. Foi fixada uma renda mensal de € 400,00 (quatrocentos euros) que ainda hoje se mantém.
4. Da cláusula Nona do escrito referido em 1. consta: “Considerando que, há interesse por parte dos outorgantes do presente contrato na futura compra e venda do imóvel arrendado, estabelecem que: A intenção de compra pelo segundo outorgante deverá ser notificada ao primeiro outorgante, durante os primeiros seis meses, podendo no máximo este período ser extensível até ao final do primeiro ano de vigência do presente contrato. O preço atribuído pelos outorgantes à compra e venda durante esse período é de € 100.000,00 (cem mil euros). Em caso de exercício da opção de compra e venda até um ano a contar da data de início do presente contrato, será deduzido da totalidade do preço indicado na alínea anterior, o montante já pago de rendas.”
5. O contrato renovou-se no dia 01 de dezembro de 2018, por novo período de cinco anos.
6. Por carta datada de 28 de julho de 2022, a Autora comunicou à Ré, quer para a morada do locado quer para a morada convencionada no contrato, a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento.
7. Tais comunicações foram rececionadas, respetivamente, em 03 e 02 de agosto de 2022.
8. A Ré enviou à Autora carta datada de 08 de agosto de 2022, invocando o exercício da opção de compra contratualmente estipulada e solicitou a designação de dia, hora e local para celebração do contrato definitivo, após realizadas obras.
9. Por carta datada de 16 de novembro de 2023, a Autora relembrou à Ré a cessação do contrato de arrendamento no último dia do referido mês, bem como a necessidade de desocupação do locado na referida data, e entrega do mesmo, livre de pessoas e bens.
10. Em resposta a Ré endereçou carta à Autora datada de 27 de novembro, da qual consta: “Exma. Senhora., em resposta à carta de V. Exa., datada de 16 de Novembro de 2023, serve a presente, contestar por legitimidade, tendo em conta o contratualmente estabelecido e acordado com V, Exa.. A missiva distante ignoro, porque carece de fundamento e propósito. Assim sendo, reenvia-se reiterando pela vez, carta regista a V. Exa., datada de 8 de agosto de 2022, registo ...... em resposta à carta de V. Exa. datada de 28 de julho de 2022. Reenviada a 6 de setembro de 2022, registo ..., e ainda, a 29 de setembro de 2022, registo ...... por não levantadas as anteriores, respetivamente.
Sem prejuízo das demais cartas já anteriormente enviadas a V. Exa. (ato contínuo). Reafirmando a posição de sempre e respeitando o cumprimento bilateralmente estabelecido e contratualizado com V. Exa. adquirindo o imóvel por opção de compra e venda no valor de 100.000,00€ dos quais já foram pagos 49.200.00€ pela fração, que V. Exa. já recebeu e aceitou e continua a receber e a aceitar.
Garantidamente. Fica clara a minha posição de adquirente do imóvel.
Apesar de V. Exa. ter em falta a celebração do contrato definitivo de promessa de compra e venda, nas condições acordadas, (…)
Consequentemente, mais uma vez, aguardo de V. Exa. Designação de dia, hora e local para celebração de contrato definitivo, após realizadas a totalidade das obras e bem realizadas, em conformidade e respeitando o Processo 17521/19.4T8PRT a decorrer no Tribunal Judicial do Porto. (…).
11. Pela Dr.ª CC, Advogada foi enviada à Autora carta datada de 27 de novembro de 2014, da qual consta:
“ASSUNTO: contrato de arrendamento urbano para habitação Fração autónoma designada pela letra C correspondente ao primeiro direito, destinado a Habitação, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida ..., ..., ..., descrito na Conservatório do Registo Predial do Porto, sob o n.º ......, inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º ... da Freguesia ..., Porto. Serve a presente, para de acordo com o clausulado na alínea b) e C) do artigo nono, do contrato supra exercer o meu direito de opção de compra e venda do imóvel supra, até final da duração da vigência do sobredito contrato, nas condições seguintes: Pelo preço atribuído pelos outorgantes compra e venda, durante esse período no valor de € 100.000 (cem mil euros) Pois pela presente comunicação, legal e atempada, ficou cumprido o prazo contratual de exercício da opção de compra e venda, no qual, deverá ser deduzido da totalidade do preço indicado, no item anterior, o montante total das rendas já pagas.
12. Por carta datada de 05 de outubro de 2021, a Ré solicitou à Autora para que pudesse ser marcado a realização do Contrato de Compra e venda, após fosse terminada as obras no imóvel.
13. No dia 29/09/2021 a Autora enviou correspondência à Ré, informando da intenção de celebrar o contrato de compra e venda no valor de € 149.850,00 (cento e quarenta e nove mil oitocentos e cinquenta euros).
14. Por sentença proferida no processo n.º 280/2015-JP que correu termos no Julgado de Paz do Porto, em que era Demandante a aqui Ré e Demandada a ora Autora foi decidido julgar a ação parcialmente procedente, e, consequentemente, condenar a ali demandada a proceder à reparação das anomalias do locado, constantes do Auto de Vistoria.

Factos não provados:
a) As obras na fração referida em 1. mostram-se concluídas.
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2 - OS FACTOS E O DIREITO.

Conhecendo:
A Autora peticionou a cessação, por caducidade, do contrato de arrendamento relativo ao prédio e consequente condenação da R. a despejar imediatamente o locado e entregá-lo livre e devoluto.
Por sua vez a Recorrente alega que o Tribunal a quo deveria ter tratado o contrato como dois contratos funcionalmente separados, apesar de celebrados no mesmo documento, pelas mesmas partes e a respeito do mesmo imóvel, haverá que considerar o regime do contrato promessa, prescindindo da existência de um contrato de arrendamento, cujas vicissitudes serão independentes.
Consequentemente e por força do pacto de opção, aos presentes autos, seria inaplicável o disposto no artigo 1096.ºdo Código Civil pelo que, tal aplicação é um erro de julgamento.
Do mesmo modo, as normas constantes dos artigos 1096.º, 1097.º, 1102.º e 1103.º todos do Código Civil não são aplicáveis nos presentes autos.
Conhecendo.
Compulsado o contrato celebrado pelas partes do mesmo decorre que a denominação mesmo é “contrato de arrendamento urbano para a habitação”.
- Da cláusula terceira do escrito referido em 1. consta: “O presente arrendamento tem o prazo de cinco anos, com início em 1 de dezembro de 2013 e término em 30 de novembro de 2018, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos, exceto se for denunciado ou resolvido nos casos e termos previstos na lei ou deduzida oposição à renovação conforme a seguir indicado.
- A oposição à renovação do presente contrato deverá ser efetuada mediante comunicação escrita enviada à outra parte, sob registo postal com aviso de receção, com a antecedência mínima de um ano, caso seja o primeiro outorgante a denunciar. O segundo outorgante poderá denunciar o presente contrato, na vigência do seu prazo inicial ou no das eventuais renovações, desde que o faça com a antecedência mínima de noventa dias.
- Foi fixada uma renda mensal de € 400,00 (quatrocentos euros) que ainda hoje se mantém.

Das aludidas cláusulas é evidente reflectirem as mesmas um típico contrato de arrendamento, tal como estatuído no artº 1022.º do CC.
No entanto a R./recorrente alega não ser aplicável ao caso sub judicio as normas atinentes ao contrato de arrendamento, estatuídas nos artºs artigos 1096.º (renovação automática do contrato), 1097.º (oposição à renovação), 1102.º (denúncia para habitação) e 1103.º (denúncia justificada, mas não lhe assiste razão, senão vejamos.
Dispõe o artº 405º (liberdade contratual):
1 - Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.
2. As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.

O contrato celebrado entre as partes foi reduzido a escrito, pelo que a interpretação das declarações negociais deve fazer-se de acordo com as normas constantes dos artigos 236º a 238.º do Código Civil, segundo as quais, as declarações devem valer com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, deve entendê-la, desde que no documento esse sentido encontre um mínimo de correspondência.
Consagra-se, pois, na nossa lei civil a chamada teoria da impressão do destinatário. Mas, não se pronuncia o Código Civil sobre o problema de saber quais as circunstâncias atendíveis para a interpretação.
Como elucida Mota Pinto (in “Teoria Geral do Direito Civil” pág. 450), também aqui se deve operar com a hipótese de um declaratário normal: serão atendíveis todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição de declaratário efectivo, teria tomado em conta.
A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade de entender o texto ou o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante, vide Heinrich Ewald Horster (in “Parte Geral do Código Civil Português Teoria Geral do Direito Civil, pág. 510).
Compulsado o contrato celebrado entre as partes denominado “contrato de arrendamento urbano para a habitação” no mesmo encontra-se inserta a cláusula Nona: “Considerando que há interesse por parte dos outorgantes do presente contrato na futura na compra e venda do imóvel arrendado, estabelecem que: A intenção de compra pelo segundo outorgante deverá ser notificada ao primeiro outorgante, durante os primeiros seis meses, podendo no máximo este período ser extensível até ao final do primeiro ano de vigência do presente contrato. O preço atribuído pelos outorgantes à compra e venda durante esse período é de € 100.000,00 (cem mil euros). Em caso de exercício da opção de compra e venda até um ano a contar da data de início do presente contrato, será deduzido da totalidade do preço indicado na alínea anterior, o montante já pago de rendas.”
Da aludida cláusula resulta que à arrendatária, aqui Ré/Recorrente, foi atribuída a possibilidade de adquirir o imóvel arrendado, sob a condição/termo temporal da mesma se verificar “durante os primeiros seis meses, podendo no máximo este período ser extensível até ao final do primeiro ano de vigência do presente contrato”.
Da matéria de facto provada apenas resulta que pela Dr.ª CC, Advogada foi enviada à Autora carta datada de 27 de novembro de 2014 para exercer o direito de opção de compra, desconhecendo-se se foi recebida e quando.
A eficácia da declaração de opção de compra ocorre na data em que chega ao conhecimento do destinatário (art. 224.º, n.º 1, do Cód. Civil).
A comunicação para preferência é uma declaração negocial que tem um destinatário (cfr. art. 224, 1, CC), é uma declaração que a teoria jurídica chama de unilateral e receptícia, vide Ac STJ de 14.01.2021, processo 2710/11.8TBVCD.P1.P1.S1-A, Relator Oliveira Abreu, in www.dgsi.pt.
Só é eficaz depois de chegar ao poder do destinatário, ou ser dele conhecida (cfr. referido n. 1, do art. 224), incumbindo ao declarante o ónus de alegação e prova da expedição (ou “notificação”) da declaração e de a expedição ser feita para o destino a que corresponde a esfera de acção e recepção do destinatário-declaratário, vide Ac. do STJ de 16.12.2021, processo 4679/19.1T8CBR-C.C1.S1, Relator Ricardo Costa, in www.dgsi.pt.
Assim, e para os efeitos previstos no art. 224, nº 1, CC apenas ocorre a eficácia da declaração negocial quando a mesma chega ao poder do destinatário, decorrendo apenas da matéria de facto provada o envio da comunicação, mas não a sua recepção e data da mesma.
Ainda que se admita que tal comunicação subscrita pela advogada o foi em nome e representação da ré, a verdade é que não se apurou a data em que tal comunicação foi recebida pela autora, nomeadamente que o tenha sido até ao termo do prazo estipulado no contrato para o exercício do direito de opção.
Não há assim nos autos factos que suportem qualquer afirmação do válido exercício pela ré da opção de compra – o que obsta a qualquer apreciação sobre a utilidade defensiva no âmbito da presente ação do exercício da opção de compra, por falta de demonstração desse mesmo exercício.
Sucedendo que aquando da manifestação da opção de compra efectuada em 16 de Novembro de 2023, há muito tinha precludido a possibilidade de compra, atentas as razões já acima aduzidas.
Assim, são aplicáveis as regras da denúncia do contrato de arrendamento designadamente do artº 1097.º do CC - Oposição à renovação deduzida pelo senhorio:
1 - O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:
a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;
b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;
c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano;
d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses.
2. A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.
3. A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
4. Excetua-se do número anterior a necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 1102.º e nos n.ºs 1, 5 e 9 do artigo 1103.º
Ora, como bem se refere na sentença recorrida, face à atempada oposição à renovação do contrato manifestada pela Autora/recorrida, ter-se-á de concluir pela validade da oposição à renovação, mostrando-se cumprido o prazo contratualmente estabelecido para o efeito, estando a R./recorrente obrigada a abandonar o arrendado.
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Deste modo, o recurso tem de improceder.
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IV. – Dispositivo
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 3ª secção deste Tribunal da Relação do Porto em:
a) Negar provimento ao recurso da Ré/Apelante, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pela Ré/Apelante – artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.

Porto, 4 de Junho de 2025.
Álvaro Monteiro
Ana Luísa Loureiro
Isabel Ferreira